Gênesis 8.20-22 - 9.1-17
Série expositiva no Livro de Gênesis • Sermon • Submitted
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· 63 viewsO desfecho da ação redentora/punitiva de Deus é posto com o enlace de um pacto efetivado por Deus tendo seu povo como beneficiário.
Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 8.20-22 a 9.1-17
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Todo o progresso do plano redentor do SENHOR que visava a preservação de sua linhagem da ira merecida sobre a humanidade em relação a corrupção do pecado no qual incorreram, culmina no estabelecimento e publicação do compromisso soberano em manter a ordem e as condições de existência de todo o cosmo que será palco da obra salvadora.
Se os capítulos 6.9-22 até 8.1-19 são desenvolvimentos que concretizam aquilo que fora prometido em 6.1-8, o trecho destacado nesta pesquisa (Gn 8.20-22 a 9.1-17) enquadra-se na conclusão épica da narrativa, que culmina, conforme já comentado, na aliança de Deus com a criação, dando continuidade a história e assim, ao plano redentor que prosseguirá ao longo do próprio livro.
Elucidação
O texto que lemos demonstra um bloco coeso que é introduzido por uma narrativa em que a ação julgadora de Deus por meio de um dilúvio é finalizada através do oferecimento de um sacrifício por Noé a Deus (8.20). O registro de um sacrifício no final de todo um período de caos e destruição, ligado ao efeito causado por ele, pode ser uma referência mosaica a própria instituição do sacerdócio que aconteceu posteriormente. A didática empregada por Moisés sugere uma conexão entre a oferenda de um sacrifício e o apaziguamento da ira de Deus contra o pecado. Faz-se necessário, entretanto que se compreenda a natureza de como as ofertas de holocaustos (“עֹלֹ֖ת” (ôlôt) hb. lit.“oferta queimada”) funcionavam e qual era seu objetivo.
Por vezes o que é posto, é que os sacrifícios eram realizados para que Deus pudesse ser “agradado” “afagado”, e com isso, sua ira passasse. Porém, esse conceito faz muito mais paralelo com as considerações pagãs quando tratam de suas divindades, do que propriamente em relação ao Deus revelado nas Escrituras. Morris, lançando luz sobre essa questão aponta que:
É um alívio saber que temos bases sólidas para nossa convicção de que o Deus da Bíblia não é um ser que pode ser agradado como qualquer divindade pagã. [...] Os escritores da Bíblia nada têm que ver conceitos pagãos de uma divindade caprichosa e vingativa, que inflige castigos arbitrários a adoradores que a ofendem, que têm de suborná-la com oferendas apropriadas para restituir-lhe o bom humor.
O ponto então consiste em observar o oferecimento do sacrifício do ponto de vista da própria constituição mosaica. Naquele ponto da administração pactual de Deus, os holocaustos bem como as demais ofertas realizadas pelos sacerdotes, serviam como apontamento tipológico do próprio trabalho que o Messias deveria realizar para dessa forma, purificar os pecados do povo, livrando-o da punição divina. Assim, os próprios sacríficos são como “setas indicativas” que demarcam uma progressão histórica de expectativa em relação a obra redentora a ser concretizada por Deus através de seu Filho, Jesus Cristo, que viria como o perfeito sacrífico que expiaria os pecados do povo e garantiria a preservação da linhagem que descende de Deus: Noé, o sacerdote, e seu sacrifício são um protótipo dos sacerdotes de Israel e de seus sacrifícios. Eles apontam essencialmente para o grande Sumo Sacerdote Jesus Cristo e o sacrifício que ele fez de si mesmo.
Assim, a fala de Deus no verso 21-22 tem como pressuposto a ideia de que a criação será mantida preservada em seu funcionamento e condições até que o sacrifício seja realizado e a salvação seja executada em favor do povo eleito de Deus. “Frio e calor; verão e inverno; noite e dia” englobam todos os aspectos necessários para a percepção de que a história progredirá em face do favor do Criador para com seu povo, glorificando seu nome através da obra redentora.
A partir do verso 1 do capítulo 9, após essa introdução, a narrativa passa do âmbito dos pensamentos de Deus para a declaração dessa sua intenção. A menção a uma aliança em 6.18, é finalmente executada, e Deus divulga seu comprometimento para com seu povo determinando as condições do pacto que está fazendo com a criação através de Noé e sua família. A progressividade desse pacto é notada através da referência a aliança adâmica por meio da ordem para multiplicação da raça humana e da benção de domínio sobre a criação (vs. 1 e 2). Porém, novas cláusulas são anexadas: a pena capital (3-6) e o selo da aliança (8-17).
O ponto nevrálgico que demarca o caráter preservador da aliança que está sendo instituída por Deus com o homem é destacado através da pena contra o homicídio. A imagem do Criador gravada no ser humano é motivo mais do que suficiente para que a vida seja respeitada como uma dádiva das mãos do próprio SENHOR. Dessa forma, apenas Deus possui o direito de tirar ou conceder vida. Respeitando a hierarquia sobre a qual a criação fora estruturada, a cobrança para quem se rebelasse contra essa ordem divina seria o derramamento do seu próprio sangue.
Numa menção clara que serve de ênfase e proteção contra uma interpretação equivocada que pudesse ser o deflagrador de um novo levante, como foi no episódio do Éden, o próprio SENHOR dá-se a repetir a informação de que todos os animais limpos e ervas foram concedidos ao homem para alimento, mas a vida (hb. “דָמ֖וֹ” “damô” lit. “sangue”), deveria ser preservada e mantida a salvo. Ou seja, o homem poderia comer livremente (Gn 2.16) todos os animais que foram preservados a salvo na arca, mas a vida humana deveria ser mantida. É inescapável a percepção de que a pena capital encerra o objetivo do mantenimento da vida humana para fins dos planos salvífico de Deus, assim, ainda que visando a salvação de seu povo, toda a raça foi abençoada e contemplada por esta demonstração da graça de Deus, reservando para o dia final o acerto de contas que desfecharia o enredo do drama da redenção.
Em termos do sinal designado por Deus para ser o lembrete de sua aliança com a humanidade, o caráter progressivo está contido na promessa feita pelo Criador e jungida a este símbolo:
[...] Porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra. Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o arco, então, me lembrarei da minha aliança, firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne (Gn 9.13-15).
A referência às águas do dilúvio podem ser compreendidas sob o prisma de uma destruição que se digne a erradicar a vida humana de sobre a terra, como executado por Deus, antes do clímax histórico da chegada do Messias e da consumação da obra redentora. O compromisso do SENHOR vai além de não destruir a terra somente com água, é uma garantia de que nenhum juízo global será derramado sobre os homens, embora mereçam, pois “é mau todo desígnio de seu coração desde a juventude (8.21)”, até que seu plano salvador seja consumado.
Se concebermos que o resumo intencional de Deus através da estipulação desse pacto é a preservação da vida, conforme temos afirmado, e o centro desse pacto também é a promulgação da pena capital, veremos a ampla repercussão desse princípio através das Escrituras Sagradas, sobretudo, nos livros subsequentes a Gênesis no Pentateuco.
As lei dietéticas registradas em Levítico e Deuteronômio possuem como contexto essa mesma ótica: Levítico 7.26-27, enquadram-se no tema das ofertas pacíficas que devem ser oferecidas a Deus (um paralelo ao contexto onde a pena capital está situada, qual seja, logo após a narrativa do oferecimento do sacrifício de Noé ao SENHOR). Seguindo o raciocínio, após aplicar as leis quanto a como Deus deve ser adorado na terra prometida, Moisés reitera a ordenança da não ingestão do sangue da carne, em respeito ao Criador, outro paralelo com a introdução de Gênesis 8.20-22.
À luz de tudo isso, a narrativa bíblica que se sucede analisa o caráter da preservação da vida de acordo com a resposta adequada exigida do povo em relação ao pacto com Deus. Após terem recebido a dádiva da salvação de Deus, o povo deve obedecer a Deus mantendo a vida preservada e empreendendo todos os esforços para que assim acontecesse em seu meio, de sorte que há uma ligação direta entre a promessa e o plano de salvação do povo eleito de Deus, passando pela aplicação da pena capital, culminando no desfrutar dos benefícios da aliança.
O desfecho da narrativa de Gênesis 6 a 9 aponta para a conclusão tipológica dos planos redentores do SENHOR, punindo os homens que lhe eram rebeldes e salvando seu povo eleito através de um dilúvio global.
A revelação de Deus registrada por Moisés elabora a compreensão de que a história está sendo guiada pelo Criador para o clímax prefigurado por Noé, quando os eleitos serão abarcados pela salvação em Cristo Jesus, salvação essa planejada e arquitetada de modo a suportar juízo e salvação num mesmo ato.
Transição
A aliança de Deus com Noé garante a manutenção do cenário que será palco do desenrolar da história da redenção. Após a execução da obra messiânica, a ênfase do texto permanece a mesma, numa que a narrativa redentora aguarda sua consumação. Ou seja, mesmo após o sacrifício de Cristo na cruz, vê-se em Gênesis 8.20-22 a 9.1-17 a sustentação da esperança cristã: a promessa de que dia e noite, inverno e verão, frio e calor não acabarão até que o ponto final da história salvífica seja escrito na folha do tempo.
Aplicações
Se confiamos que dias melhores virão, é da promessa pactual de Deus que extraímos essa confiança.
Em tempos como os nossos, lutamos contra a sugestão veiculada por diversas frentes (mídia, cultura etc.) de que nossas vidas são preservadas ou mantidas por um conjunto infindável de fatores que atuam sob a tênue e frágil colaboração do bem comum, ou ainda, do favor ou benevolência de personalidades investidas de alguma importância (políticos, celebridades e outros).
É evidente que essa dependência possui como fonte, aquela procura intrínseca a humanidade de confiar em Deus, porém, graças ao pecado, tal inclinação fora corrompida, e o homem passa a fiar-se no que quer que seja, exceto no Criador.
Porém, ao lermos a passagem de Gênesis 8.20-22 a 9.1-17, encontramos o ancoradouro que norteou todo o povo de Deus através da história. A auto-obrigação de Deus em preservar o cosmo até que cada faceta do seu maravilhoso plano redentor seja cumprido, é o sustentáculo da fé dos crentes. É baseados no Texto Sagrado que registra as palavras do SENHOR ao declarar que “não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite” que contemplamos a graça soberana de Deus em manter cada aspecto da vida nesse mundo. A sustentação do planeta em seu movimento giratório; o fato de o céu está sobre nossas cabeças e a terra sob nossos pés; a dinâmica do alvorecer e entardecer; o abastecimento mensal de nossas dispensas; o ar que preenche nossos pulmões, tudo isso são indicativos da verdade bíblica de que o Criador está mantendo sua palavra e está assegurando que sua criação funcione da maneira como deseja, aguardando apenas o retorno daquele que porá fim a esse movimento progressivo, através de um maravilhoso encerramento, apenas para iniciar uma história completamente renovada e transcendente, quando o povo eleito de Deus estará com seu Redentor para todo sempre, num novo céu e nova terra, cujo dia e a noite jamais serão interrompidos pela queda ou pela intromissão de um agente rebelde.
Conclusão
Nossa vida depende única e exclusivamente da vontade de Deus, e aquele que projetou um dilúvio para nos mostrar seu poder como juiz e protetor de seu povo, garante que a história está dentro de seus planos e que tudo tem acontecido para o louvor de sua glória. E como se não bastasse tais palavras direcionadas ao nosso débil coração, um arco foi posto nas nuvens como lembrete de que o Deus que não falha, recorda-se sempre do seu compromisso, e assim a aliança com Noé garante-nos que alguém muito maior que Noé fez com que entrássemos numa arca muito mais poderosa do que aquela de madeira e betume: a cruz de Cristo nos abriga dia após dia reservando-nos para o dia final, onde habitaremos um novo mundo, repleto pela glória do SENHOR... para sempre.