A Parábola do Credor Incompassivo. Ou: Perdoar como fomos perdoados (Mt 18.21-35)

As Parábolas de Jesus  •  Sermon  •  Submitted
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Últimas parábolas: do reino (tesouro, pérola, a rede de pesca em Mt 12.44-53) e sobre a impureza do coração (Mt 15.11-20).
Hoje nossa parábola é aquela conhecida como a do credor incompassivo - ou dos dois devedores (Mt 18.21-35 Leitura).

Contexto:

A parábola é proferida por Jesus em resposta a pergunta de Pedro acerca da quantidade de vezes que se deve perdoar o irmão que pecar contra ele. Pedro chega para Jesus fazendo uma colocação que ele pensava ser mais do que suficiente no que se refere ao perdão: perdoar sete vezes. Isso porque era costume que o perdão, como ato de diversa misericórdia, deveria acontecer não somente uma ou duas vezes, mas três (aplicando Jó 33.27-30 e Am 2.6). O que parecia muito para Pedro era pouco para Jesus: setenta vezes sete (ou 77 cf. alguns manuscritos). Jesus utiliza-se uma reversão do espírito vingador de Lameque (Gn 4.24), ensinando que nossa disposição deve ser de sempre perdoar. Deus não nos perdoa três vezes na vida, nem por dia, mas o quanto for necessário. O destaque na quantidade aponta para a disposição.
No início desse capítulo o tema de Jesus era o da disciplina na igreja (ou eclesiástica) - Ler Mt 18.1-20. O pecado a ser disciplinado com a excomunhão é o da impenitência. A orientação de Jesus quanto a reconciliação, verso 15, traz dúvida ao coração de Pedro - e como tratamos, Pedro tenta ser generoso.
Perdoar não é fácil. O escritor C. S. Lewis, em seu livro Cristianismo Puro e Simples, capítulo 7 - Perdão, antes publicado em forma de programa de rádio, diz "Todos dizem que o perdão é uma idéia maravilhosa até que possuam algo para perdoar". Mas Jesus nos ensina que a disposição em perdoar deve prevalecer (v. 21 e 22). E isso não é fácil por causa do nosso coração cheio de justiça própria.
O perdão é um tema central no cristianismo, sendo sempre necessário meditarmos sobre ele. O credo apostólico nos indica que é algo que nunca devemos nos esquecer: "creio na remissão (perdão) dos pecados". Podemos dizer que o perdão é uma marca distintiva do cristão - tanto em pedir como em dar. Aqui Jesus traz uma parábola para nos explanar sobre a lógica do perdão na vida dos crentes [Como falamos, as parábolas não são alegorias em que cada elemento está obrigatoriamente relacionado a uma realidade específica. Algumas podem ser alegóricas, quando o próprio Jesus aponta significados para elementos do texto, porém, elas geralmente apontam para uma lição central, como no presente caso].

Exposição:

23-25 Jesus apresenta um rei querendo acertar as contas com o seu com seus servos. E já entre os primeiros um deles devia-lhe de mil talentos - a maior unidade monetário da época equivalente a 6 mil dias de trabalho. O servo não tinha como pagar e lhe seria cobrado tudo como penhor. Era uma cobrança justa. Mas quando olhamos bem, vemos que a dívida não era apenas grande, mas não usual. São 60 milhões de dias de trabalho - corrigindo para nossa moeda, seria cerca de R$ 2Bi. Já se percebe, portanto, que a realidade apontada por Jesus Cristo não é de uma dívida meramente humana ou trivial, mas uma dívida impagável. Ela aponta para a dívida que naturalmente temos com Deus por causa de nossos pecados.
26-27 O servo, então, age com súplica. Pede paciência e se coloca compromissado a pagar. Comovido, o rei perdoa-lhe a dívida. Se apela para a misericórdia, e o rei responde com ela. Isso que percebemos aqui: não há outra explicação para o perdão dessa dívida se não a infinita misericórdia do rei que suplanta a dívida. Não foram perdoados mil ou 5 mil talentos, mas tudo.
28-30 Como deveria ser a reação do servo perdoado? Esse é o ponto alto da parábola, que traz o miolo do ensinamento de Jesus a Pedro (e a nós). Na parábola, o servo é incompassivo com o seu conservo - e até mal. Não é interessante que Jesus dê ao segundo servo as mesmas palavras do primeiro? A reação dos devedores é a mesma, mas o Rei e o servo agem de forma distintas.
31-33 Aqui é o ponto alto, então revelado. Jesus mostra que a ação básica dos cristãos, que foram perdoados por Deus, é sempre perdoar. É incoerente, é ilógico, é ser mal-agradecido não agir conforme o perdão que recebemos. O perdão é expressão coerente de quem foi perdoado. O que perdoamos sempre é infinitamente menor em comparação à dívida que fomos perdoados. Jesus mostra o quão incoerente seria alguém que recebeu um perdão incalculável não perdoar uma dívida razoável. No capítulo aprendemos que o perdão exige, assim, iniciativa e disposição. Complementando com (Lc 17.3-4) o ensino acrescenta a prontidão. Não precisamos esperar mudar, refletir, sedimentar as ideias, ou mesmo esperar frutos de arrependimento. Devemos perdoar sempre e imediatamente. Não devemos viver como se as pessoas tivessem dívidas contra nós, mas objetivamente viver como se já fossem perdoadas. E se elas se arrependerem, liberar o perdão.
34-35 Aqueles que não perdoam não estão em paz com o Rei. Não perdoar é realmente não se apropriar do perdão recebido - a existência disso seria um motivo de tropeço e tristeza para todos os conservos. Aqui a lição é que devemos ter nutrido e nítido no coração o perdão que recebemos para que possamos ter no coração sempre pronto o perdão para o próximo (seja até nosso inimigo). Se não, não podemos nem orar: Senhor, perdoa os meus pecados como tenho perdoado os meus ofensores (Mt 6.12). Não é esperar sentir, já deveríamos sentir. Perdão, é de coração.

Aplicações de trás pra frente:

1. Lembrar do perdão de Cristo prepara nosso coração para sermos francos perdoadores. Se esse perdão recebido não está vivo, perdemos a capacidade de perdoar de coração.
2. Perdoe de prontidão. Se alguém te pediu perdão, perdoe. Não pediu? Confronte e diante do arrependimento, perdoe. Tá rangendo, tá doendo, perdoe. Não durma com essa. Abrace e pronto.
3. O perdão não é voltado para si, mas para o outro. Pedro perdoaria sete para parecer melhor do que os que perdoam 3. Você pode perdoar porque o perdão é verdadeiramente terapêutico. Mas o perdão acontece porque não somos melhores do que os outros e fomos perdoados. Eu não sou melhor do que a pessoa que preciso perdoar.
4. Busque ocasiões para existir o perdão. A disposição vem antes, a ocasião deve ser consequência. Se você não age assim, não pode orar como convém e pedir para ser perdoado como Deus te perdoou através de Jesus Cristo.
5. Por termos sido perdoados, o nosso perdão deve ser presumido. Mesmo que não haja o pedido, a pessoa já está objetivamente perdoada - embora a consumação só ocorra com o pedido de perdão. Essa humildade e paciência cristãs permitem uma vida sem amarras, leve e fluida. Somente assim [com perdão] as relações humanas são fortalecidas e não ressentidas. Os casais, as famílias e os relacionamentos em geral só podem frutificar se não houverem mágoas e sentimentos de vingança. Um cultura sem perdão é uma cultura de cancelamento e de cobrança de dívidas intermináveis. O reino de Deus é campo da cultura do perdão.
S.D.G
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