Judas 17-23
Série expositiva na epístola de Judas • Sermon • Submitted
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· 352 viewsJudas volta-se para a igreja fim de exortá-la a buscar a santidade, lembrando-se dos ensino de Cristo através dos apostólos, praticando o amor aos irmãos por meio também da exortação e disciplina, a fim de aguardarem a vinda de Cristo e a consumação da redenção.
Notes
Transcript
“ [...]exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé”. (Jd 3).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Seguindo para a seção seguinte da epístola, baseado na divisão natural expressa pelo uso do termo "amados" (Jd 3, 17, 20), Judas encabeça este parágrafo em primeiro lugar traçando um contraste entre aqueles a quem ele se dirige por meio da epístola, e os falsos mestres a quem ele ferrenhamente tem combatido. O adversativo "δέ" (gr. lit. "nem", "porém", "nem ainda") que é uma abreviação do termo "οὐδὲ" se encarrega de traçar esse parâmetro de distinção entre os personagens. Além disso, o próprio adjetivo usado por Judas para referir-se a igreja "ἀγαπητοί" (gr. lit. "amados"), serve a esse propósito: enquanto os falsos mestres são condenados para a perdição e ímpios, a igreja de Deus é amada pelo Deus Triuno.
Embora toda a carta de Judas tenha caráter exortativo, a distinção entre exortação apologética e pastoral é uma marca evidente, como já dito, por meio do tratamento referido na carta para com os personagens citados (a igreja e os falsos mestres).
Assim, o trecho de 17-23 configura uma mudança contrastante no tom da carta: de um ataque contra os falsos mestres (apologética) para um conselho pastoral (exortação e aconselhamento).
Judas passa a tratar com os salvos em Cristo Jesus, exortando-os a como essa batalha deve refletir no modo como os crentes responderão e agirão frente a esta exortação que está sendo direcionada à igreja.
Elucidação
O trecho lido é composto por dois blocos complementares, baseado em pelo menos duas ordens principais, que estruturam essa exortação de Judas ao povo de Deus, e contém tanto mais um aviso quanto ao distanciamento dos falsos mestres, através da rememoração da exortação apostólica sobre surgimento de falsos pastores no meio da igreja (v. 17-19), quanto uma análise que promove a compreensão no que tange a como a igreja deve viver e agir em meio a essa situação (20-23).
1. Primeira ordem: Lembrar-se das Palavra de Cristo como fonte de segurança e alerta contra os falsos mestres (Jd 17-19).
A introdução dessa seção é mais uma ênfase do autor, que serve de revisão dos princípios expostos por ele anteriormente, pois fora direcionado a igreja do SENHOR ordens que devem ser observadas pelos santos. Dessa forma, tendo em vista a antítese traçada por Judas nos versos 17 e 20, nota-se a expectativa por parte do autor de a igreja manifestar obras completamente opostas aquelas praticadas pelos falsos mestres. Enquanto esses homens ímpios degeneram-se em suas obras incrédulas, rebeldes e pecaminosas, a igreja do SENHOR deve agir diferente, e a razão anexa é explicitada na sequência: lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso SENHOR Jesus Cristo" (v. 17).
A advertência do autor consiste em fazer a igreja perceber que será através da consideração aos mandamentos de Cristo transmitidos pelos apóstolos, que ela viverá de maneira antitética a dos falsos mestres, ou seja, é a 'atenção' (outra possível tradução do termo grego "μνήσθητε") às Palavras de Deus entregues por meio de seus servos que evidenciará que não se pertence ao grupo dos falsos mestres. É importante recordar que embora a epístola de Judas seja um escrito de teor predominantemente apologético, conforme salientamos anteriormente, o foco da carta não mudou em sua essência. O intento primeiro de Judas era escrever sobre a "comum salvação"(v. 3). Porém, o autor, vendo que maior emergência havia em tratar do problema dos falsos mestres, altera ligeiramente o teor de seu escrito. Contudo, o tema da salvação ainda está em questão no corpo do texto. O ponto em xeque é demonstrar que a batalha pela fé também está diretamente ligada a um modo de viver santificado - diferente do que propunham os falsos mestres - e assim, a salvação consiste em rejeitar os falsos ensinos, atendo-se "às palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos".
Como já frisado, os falsos mestres são reprovados por Deus quanto a salvação, e assim, entregues a corrupção de seus corações para "até nessas coisas" se corromperem (v. 10). Essa informação é repetida por Judas agora no verso 19, através da referência a que estes "não tem o Espírito", algo que contrasta com o verso 20, quando, para os crentes é dito que "orem no Espírito Santo".
A predição do aparecimento de falsos mestres e pastores no meio da igreja, é referida por Judas como sendo a base de sua exortação, numa que tendo alertado a igreja de Deus, os crentes não estavam sendo surpreendidos por algo realmente novo. Por outro lado, há uma ênfase ligada a ordem para lembrar-se "das palavras anteriormente proferidas".
As exortações apostólicas são autoritativas no que se refere ao desejo do próprio Cristo para o modo como os crentes devem viver, assim, Judas está recorrendo a autoridade relacional, da qual, agora, como líder da igreja, e inspirado pelo Espírito para compor o quadro daqueles que foram incumbidos de fornecer material canônico para a igreja, para mover os leitores a uma rejeição sumária as obras e ensinos dos falsos mestres, pois, estes, contrariam a Palavra da Verdade e o mandamento do SENHOR, por meio de seus erros.
Em decorrência da advertência do autor quanto a igreja lembrar-se das palavras dos apóstolos, mais uma vez os falsos mestres são desmascarados, desta feita, complementando um termo já usado, a saber, a expressão "sensuais" ou "não espirituais", que ecoa o designativo do verso 4 "homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus”.
Grande parte das traduções em português, traduz o termo "ψυχικός" por 'sensuais', tendo em vista o contexto de reprovação para com as obras dos falsos mestres, numa que incentivavam, através de seus ensinos errôneos, uma vida ímpia e depravada. Porém, compreender 'ψυχικός' apenas a partir da conotação de licenciosidade sexual, é não fazer jus a toda carga conceitual referida por Judas, pois o termo pode ser melhor entendido como fazendo menção ao estado reprovado e carnal desses falsos mestres, como já exposto em antes. A sensualidade corresponde então, a todo um modo de vida reprovável aos olhos de Deus e sua Palavra, que exige de seus filhos, também reprovação e distanciamento.
O que nos leva a segunda ordem.
2. Segunda ordem: Buscar uma vida distinta dos falsos mestres, praticando a Palavra de Deus, por meio da santificação e exortação mútua. (Jd 20-23).
As considerações seguintes ao verso 20, focam-se na resposta ativa da igreja: "Vós, porém, amados, edificando-vos...".
A igreja deve edificar-se "na fé santíssima" (gr. τῇ ἁγιωτάτῃ [...] πίστει), expressão que mais uma vez não aponta para a fé salvífica ou o poder concedido pelo Espírito para que o crente possa receber a Cristo como redentor, mas sim, denota o conjunto de ensinos que compõem as doutrinas basilares da fé cristã. Explicando essa expressão “edificando-vos...” Kistemaker afirma:
"Judas instrui seus leitores: “Vocês devem continuar a edificar-se nas fundações de sua fé santíssima”. Ele ilustra a mensagem com uma referência ao ofício da construção: edificar sobre uma fundação.O que é essa fundação sobre a qual os crentes devem edificar sua casa espiritual? A fé!".
A figura da edificação de um prédio ou casa, é trazida à baila por Judas, para servir de ilustração aquilo que os crentes devem buscar realizar agora, por meio das recordações das palavras apostólicas, e da ênfase na comunhão que resultará na proteção mútua contra os falsos mestres. Se a igreja buscar essa edificação, estará guardada da ação ímpia dos lobos de desejam penetrar o rebanho.
A partir dessa consideração, pelo menos duas posturas são então listadas como sendo a atuação do corpo de Cristo à luz da fé cristã, posturas essas que são variações daquilo que o autor designou como "orando no Espírito", apontando para o estado de comunhão dos crentes com Deus: 1)guardai-vos no amor de Deus [...]; 2) E compadecei-vos de alguns.
A primeira postura é diretamente conectada a perspectiva escatológica da entrada dos crentes na vida eterna. Aqui pode mais uma vez está contida a distinção latente feita por Judas entre a igreja e os ímpios, pois estes foram reservados para a condenação, enquanto aqueles, para a salvação. Assim, a exortação à santidade está baseada na obra eletiva de Deus em salvar os crentes, para um novo viver, que por sua vez, aponta para o gozo eterno para o qual foram separados. Viver em santidade é a marca indelével da salvação, e viver esperando essa realidade, naturalmente inspirará o desejo de viver de acordo e em harmonia com essa nova vida em Cristo, em santificação e purificação, através da obediência às Palavra de nosso SENHOR Jesus Cristo.
A segunda postura, está estruturada em favor dos crentes que, de alguma forma, foram enredados pelo engano dos falsos mestres. Assim, há um arquétipo que compreende dois aspectos da vida da igreja: o apreço pela Palavra de Deus e seu ensino, e o viver na comunhão dos santos. A misericórdia de Cristo Jesus é o referencial para que os crentes, usem de compaixão para com aqueles que, apesar de sua eleição, seguiram após o ensino herético dos falsos pastores. Assim, em amor, porém advertendo-os de maneira franca e direta, os irmãos a quem Judas se dirige devem "salvar" esses crentes "arrebatando-os do fogo", isto é, livrando de uma vida reprovável, que embora não culmine na condenação final, pois são eleitos, trará juízo da parte de Deus, "detestando até a roupa contaminada pela carne".
Transição
A passagem claramente destaca a consideração que a igreja deve ter quanto a sua edificação, englobando dois aspectos: prontidão contra os falsos mestres através da rememoração da Palavra de Deus como fonte de ensino da igreja, e guardar-se no amor de Deus através do aconselhamento e exortação na comunhão dos santos.
Mas, algumas outras observações podem ser aplicadas a nossa vida, à luz deste texto.
Aplicações
1. Devemos atentar, diligentemente, para as Palavras de Cristo Jesus.
É talvez algo bastante óbvio, porém, não há disciplina espiritual mais negligenciada ou mais mal compreendida do que a leitura e estudo da Palavra de Deus. Além dos falsos métodos que surgem a todo instante, propondo que é possível que você leia a Palavra de Deus em 10 minutos, fazendo você sentir a sensação de que realizou seu devocional diário, contamos ainda com a correria do dia-a-dia que nos impede de nos aprofundarmos na leitura da Palavra do SENHOR. Por fim, contribuindo para o empobrecimento do conhecimento que deveríamos ter quanto as Escrituras, chovem falsos mestres, ensinando toda sorte de heresias antropocêntricas, pensadas cirurgicamente para aquecer e afagar nossos egos enormes, a fim de que seja impossível julgar tais palavras como falsas já que nos fazem sentir tão bem.
Foi exatamente contra essa última situação, que abarca todas as outras, que os apóstolos de nosso SENHOR Jesus Cristo pregaram incansavelmente, profetizando e alertando o povo de que nos últimos dias "sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder" (2Tm 3.1–5).
É a rasa compreensão da Escritura que causa na igreja o aparecimento de falsos mestres. Há um velho ditado, muito popular, mas que raramente é usado nesse contexto que diz "quando o gato não está, o rato faz a festa". A Palavra de Deus, que nos cerca, trazendo para nós o conhecimento genuíno de quem é nosso SENHOR, quais são as suas exigências, mandamentos e vontade, se esquecida, criará na igreja o ambiente perfeito para que erros e falsos ensinos surjam, tapando nossos olhos para a verdade. Judas descreveu precisamente a situação que melhor descreve nossa relação para com o mundo e suas ideologias, principalmente por causa da sua antagonia a Deus e a seu Cristo: luta, batalha, confronto. Somos convocados a lutar pela fé, a nos edificar nessa fé (Jd 20).
É preciso que nós compreendamos de uma vez por todas irmãos que sem uma vida de oração e meditação na Palavra de Deus, abriremos as portas para todo tipo de compreensão equivocada sobre Cristo e o que ele quer de nós, e se não compreendermos quem ele é e sua vontade, não poderemos cumprir através da operação do Espírito sua Lei, tornando-nos assim passíveis do juízo disciplinador do SENHOR.
Somente quando nos "lembrarmos das palavras anteriormente proferidas", seremos capazes de distinguir entre o que é a verdade de Deus e o erro destilado por Satanás. Somente quando formos às Escrituras com sede de Cristo, poderemos nos edificar mutuamente, para crescermos de maneira uniforme, para glória do Deus Triuno. O que nos leva a nossa segunda aplicação.
2. Devemos nos compadecer uns dos outros, exortando-nos mutuamente.
Além da alta consideração quanto a Escritura Sagrada, exortação evidente de Judas em sua carta, há uma consideração perspicaz de Judas quanto a como essa consideração se reflete numa comunhão saudável entre os irmãos, por meio de uma ação bastante simples, mas que pouquíssimas pessoas estão abertas a praticar: o aconselhamento mútuo.
Deixe-me fazer uma pergunta a você: o quão aberto você está, a que o irmãos que está agora sentado na cadeira da frente, vá a sua casa, exortá-lo quanto a alguma pecado que por ventura você tenha cometido? você sabia que é disso que Judas está falando aqui? que é através de uma comunhão genuína, que os crentes sente-se aptos a exortarem-se uns aos outros em amor, e é isso que significa "salvai-os, arrebatando-os do fogo".
A igreja é comparada por Judas a uma edificação, na qual a base está fundamentada na Palavra de Deus, o que ele chama de "palavras proferidas pelo apóstolos". A demonstração de que o Corpo de Cristo está de fato edificado sobre essa sólida base, é a exortação mutua dos crentes, uns para com os outros, de maneira que a proteção é feita, quando cada membro do corpo sente-se profundamente comprometido para com seu irmão, tornando-se clara a abertura que sempre deve haver na igreja, para que possamos conduzir uns aos outros, em amor e através das Escrituras, ao arrependimento e santificação no Espírito.
Isso implica em que por vezes, precisaremos estar prontos para ouvir uma palavra confrontadora por parte de nossos irmãos, que nos demonstrarão o quanto temos errado e pecado contra nosso Deus. O espírito egocêntrico de nosso tempo, faz as pessoas acharem que serem contraditas ou contrariadas, pois a tendência de grande parte das pessoas é buscarem ser elogiadas. Porém, à luz deste temos que temos lido, elogios, adulações e palavras lisonjeiras, são armadilhas usadas por homens ímpios a fim de nos cegar para que não percebamos o nosso real estado diante de Deus, e assim, nos afundemos cada vez mais no pecado e erro.
Graças porém a Deus, que nos outorgou o mandamento de amarmos uns ao outros, muitas vezes, aborrecendo até mesmo a roupa contaminada pela carne (Jd 23). A exortação em amor que nossos irmãos muitas vezes farão, é a prova de nossa eleição diante de Deus, pois, somente bastardos não são disciplinados (Hb 12.7-8). Ouvindo atentamente esse conselho que nos será dados, seremos libertos do erro e de um procedimento reprovável aos olhos de nosso SENHOR, escapando do juízo vindouro que cairá sobre aqueles que se rebelam contra o Reino dos céus.
Conclusão
A luta por atentar para as Palavra de Cristo (i.e. Escrituras Sagradas), consiste em submeter nosso coração ao padrão estabelecido por Deus, o qual só poderá ser atingido, por meio da obra preciosa do Espírito Santo aplicando os benefícios do sacrifício redentor de nosso SENHOR, por meio da exortação com base nesta mesma Palavra, que por sua vez, no usará como instrumentos dessa santificação nas vidas uns dos outros.
O texto assim nos revela a vontade de Deus em que observemos cuidadosamente as Escrituras, para que por elas vivamos de acordo com nossa divina eleição, e em amor, nos fortaleçamos por meio do aconselhamento e exortação, “esperando a misericórdia de nosso SENHOR Jesus Cristo, para a vida eterna (Jd 21).