Não desperdice a sua vida
Generosidade e desprendimento para herdar coisas maiores.
Introdução
Os capítulos 15 e 16 de Lucas formam um par: o primeiro expõe a atitude incorreta para com pessoas; o segundo, a atitude pecaminosa com relação ao uso de riqueza.
O texto em apreço é considerado uma das passagens mais difíceis de interpretar da Bíblia. Por não ter um entendimento correto da parábola, alguns intérpretes chegam a dizer que Jesus elogia a infidelidade do mordomo e nos recomenda a fazer o mesmo. É claro que o “senhor” não elogia a infidelidade do mordomo (16.10–12). Morris, citando T. W. Manson, escreve: “Há um mundo de diferença entre: aplaudo o administrador infiel porque agiu com habilidade e aplaudo o administrador hábil porque agiu com desonestidade”. John Charles Ryle, nessa mesma linha de pensamento, diz: “O administrador é um exemplo a ser evitado, e não um modelo a ser seguido”.4
Destacamos alguns pontos na análise do texto.
A denúncia (16.1)
O rico fazendeiro, que confiou a administração de seus negócios a seu mordomo, é informado de que este, no exercício de seu trabalho, estava defraudando os seus bens. Um mordomo era uma pessoa de irrestrita confiança. Seu principal compromisso era a fidelidade (1Co 4.2). Ele tomava conta de tudo o que era de seu senhor. Mas este mordomo abandona a integridade e claudica na fidelidade e seus maus feitos chegam aos ouvidos de seu senhor.
A demissão (16.2)
O rico fazendeiro não apenas escuta sobre os prejuízos que estava levando com a infidelidade do seu mordomo, mas o chama para uma prestação final de contas, informando-o de que já estava sumariamente demitido e não poderia mais continuar à frente de seus negócios. A irrestrita confiança, não correspondida, desemboca na sua imediata dispensa.
O dilema (16.3)
O mordomo infiel é apanhado pelas cordas de seu pecado. Aquilo que ele fez às ocultas veio à tona. O que ele tramou nos bastidores apareceu à luz do dia. O que foi feito escondido de seu senhor agora chega aos seus ouvidos. Sua demissão é certa, e seu futuro é incerto. Sua mente é um turbilhão. Ele cogita algumas possibilidades para sobreviver após a demissão justa por causa de sua injustiça, como trabalhar na terra ou mesmo mendigar. Mas o homem estava sem forças para a primeira opção e tinha vergonha de enfrentar a segunda.
A decisão (16.4–7)
Depois de ponderar várias possibilidades, o homem encontrou uma saída para garantir sua segurança no futuro. Chamou os devedores e deu a eles um desconto generoso em sua dívida. A parábola apenas menciona dois devedores como símbolo do que ele fez com os demais. Ao primeiro, que devia cem cados de azeite, ou seja, 4 mil litros, ele deu um desconto de 50% e baixou a dívida para 50%. Ao segundo, que devia cem coros de trigo, ou seja, 4 mil litros, deu um desconto de 20% e baixou para 80%.
Não há nada no texto que incrimine os devedores ao receberem tão expressivo desconto. Muito provavelmente, eles presumiram que a mudança na nota promissória era legítima. Pensaram que o administrador convencera o proprietário a fazer a redução das contas. A redução da conta – às vezes devido a condições desfavoráveis do clima que afetavam as colheitas – era algo comum. O administrador, portanto, com o livro-caixa agora “em ordem”, entrega-o ao proprietário.
O elogio (16.8)
A maioria dos comentaristas bíblicos pensa que o “senhor” aqui é Jesus Cristo. Concordo, entretanto, com Hendriksen quando ele diz que o senhor aqui é o dono das terras. Isso está de acordo com o mesmo uso da palavra nos versículos 3 e 5. Qual é a reação do proprietário ao receber a prestação de contas do mordomo? Ele certamente compreende que os arrendatários e o povo da vila em geral já estão celebrando, elogiando tanto o administrador quanto o proprietário. Se o proprietário voltasse atrás e cancelasse o que fez o seu mordomo, sua reputação cairia a zero. Por isso, ao ver a esperteza do mordomo, elogiou-o. Prestou tributo à sabedoria do ato, mas não à sua moralidade.9
Rienecker diz que o princípio de poder aprender coisas boas de maus exemplos não deve ser aqui descartado. Certamente o fazendeiro elogiou não o caráter do mordomo, mas sua ação para se proteger. Elogiou não sua infidelidade, mas sua sagacidade. Elogiou não a maneira como ele lidou com o dinheiro alheio, mas como usou o dinheiro para preparar sua segurança futura. Isso mostra que os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz. Ou seja, se os filhos da luz usassem a mesma destreza para as coisas certas que os filhos do mundo usam para as coisas erradas, o reino de Deus avançaria com muito mais vigor.
Robertson diz corretamente que o senhor não absolve o mordomo da sua culpa, e a premissa da história é de que ele seria demitido do cargo. A sua prudência consistiu em encontrar um lugar para onde ir depois da demissão Ele continuou sendo o mordomo da injustiça, embora a sua prudência fosse elogiada. A moral da história é que os homens do mundo, em suas tratativas com homens como eles mesmos, são mais prudentes do que os filhos da luz, nos seus relacionamentos uns com os outros.
A recomendação (16.9)
Jesus não está dizendo que devemos ter uma mente mundana em relação aos nossos compromissos financeiros. Não está dando um aval à desonestidade. Mas está ensinando que as riquezas de origem iníqua devem estar a serviço do bem, e não do mal. Devem ser distribuídas com generosidade, em vez de serem retidas com avareza. Devem aliviar a fome do próximo, em vez de explorar o próximo. Devem estar a serviço da promoção do evangelho, e não da luxúria egoísta. Robertson enfatiza que, em Mateus 6.24, a riqueza é posta em oposição a Deus, tal qual em Lucas 16.13. Jesus conhece o poder maligno no dinheiro, mas os servos de Deus devem usá-lo para o reino de Deus. O propósito é que aqueles que foram abençoados e auxiliados pelo dinheiro possam receber os seus benfeitores quando eles chegarem ao céu.
Leon Morris diz que os seguidores de Jesus devem usar seu dinheiro para propósitos espirituais tão sabiamente quanto os filhos deste mundo o utilizam para seus alvos materiais. Já Rienecker diz que propriedades terrenas passam; os filhos da luz, no entanto, podem fazer um uso inteligente delas ao levarem a eternidade em conta ao administrá-las.14 É um fato incontroverso que aquele que passa de largo dos pobres prepara para si acusadores para a eternidade. Quem, porém, doa e ajuda, cria amigos para a eternidade (Mt 25.37–40; 1Tm 6.7,17–19).
Aqueles que usam o dinheiro com propósitos elevados terão lá no céu uma comitiva de recepção dando-lhes as boas-vindas de chegada. Esses recepcionistas celestiais são aquelas pessoas alcançadas pelo evangelho ou mesmo socorridas nas suas aflições por esses fiéis mordomos de Deus. Os tabernáculos eternos sobre os quais Jesus fala (16.9) contrastam com as “casas” citadas na parábola (16.4). Trata-se das moradas além desse tempo de vida terrena. A palavra de Deus diz que aquele que ganha alma é sábio (Pv 11.30). O mordomo sábio é aquele que ajunta tesouros no céu e investe em causas de consequências eternas.