Rompendo o silêncio em oração (Salmo 39)

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Este é um salmo de Davi ao regente de coro. “Jedutum” era um de seus principais músicos (1Cr 9.16; 16.38-42), podendo se referir aqui aos descendentes ou talvez um estilo ou escola musical.
É um daqueles salmos de lamento, mas de um lamento bem particular. O autor não está lamentando por seus inimigos, mas por misericórdia, pois ele está de tal forma sofrendo a disciplina do Senhor que está em silêncio. Ele então, ao orar, lamenta sua fragilidade humana. Seu pecado é exposto a medida que ele ora.

O silêncio consumidor

O salmista inicia expondo o seu silêncio. Aqui, ao que tudo indica pelo contexto, não é um silêncio diante dos homens, mas diante de Deus. Davi reconhecia que seus sofrimentos não estavam alheios à soberania do Senhor (vs. 9-11; 13), mas perdia por alguns instantes a perspectiva completa do caráter do Senhor, mui provavelmente, o que trazia-lhe algum tom iracundo ou inadequado contra Deus.
Não sabemos o que impedia Davi de orar. Talvez algo que Deus lhe trouxe por causa de seus pecados - alguma disciplina (vs. 8 - algo público que o inimigo veria; 9 - algo feito pelo próprio Deus; 10 - ele chama de flagelo e golpe). Talvez sua velhice. Ou, talvez o silêncio de Davi fosse pelo aparente silêncio de Deus (vs .12). No entanto, seu silêncio não amenizou seu sofrimento, mas aguçou. Doía e queimava. Quanto menos ele olhava pra Deus, mais os seus problemas cresciam diante de si - quanto mais ele ficava em silêncio, mais o sofrimento gritava em sua alma.
Sabe quando estamos ansiosos e aflitos? E quando meditamos e olhamos para nós mesmos parece que se abre o chão, ruídos de agonia aparecem. Toda esperança se esvai pelo ralo. Remoemos e remoemos o problema de tal forma que ele ocupa a totalidade de nossos pensamentos - pensamos em todos os seus desdobramentos e isso termina de tirar a nossa paz? Esse é o estado do salmista e o seu silêncio lhe tirou os olhos daquele para quem Ele deveria falar. Ao falar, dirigimos os olhos para Deus. Oração não é como uma chamada, ou uma videoconferência, em que você pode estar voltado à outra coisa enquanto fala. Oração é conversa pessoal.
Aplicação 1: se exponha diante de Deus. Às vezes, quando estamos mal, não oramos. Ou temos algum medo de orar. Mas podemos sim e devemos orar exatamente nesses momentos. Quando assim não o fazemos, mostramos um desconhecimento enorme de Deus - Ele é nosso Pai. Tal qual um filho, podemos nos expor diante de Deus em busca de sua restauração. Não perca a visão de quem Deus é, majestade e amor, e fale. Não se mantenha em silêncio - ele é um perigo maior para a sua alma. Deus ouve!
Aplicação 2: Deus pode nos trazer flagelos. Seja como disciplina, ou seja como um meio para que o espelho pelo qual vemos a Deus se torne translúcido (um espelho embaçado que se tornou limpo). O espinho na carne de Paulo lhe aguçava a percepção da graça - e evidenciava o poder de Deus (2Co 12.7-10). Somos como vasos de barro que guarda um tesouro! Por isso, Deus quebra o vaso para mostrar o que tem dentro (2Co 4.6-18).

Rompendo o silêncio

O tempo de silêncio é então dramaticamente encerrado pela oração: “então com a minha língua dizia” (vs. 3). É feito um pedido: observar sua fragilidade (vs. 4-6).
O pedido para conhecer o seu fim e a soma do seus dias deve ser entendido semelhantemente a: mesmo que eu viva mais um ano ou trinta, tudo isso é pouco diante de Ti (vs. 5ab). Então, ele conclui enfaticamente:
Na verdade, o homem é pura vaidade (passageiro).
Na verdade, o homem é uma sombra (tselem - imagem, ou mesmo estátua Dn 2.31) (transitório - ele não é Deus).
Na verdade, em vão se inquieta (limitado).
A oração de Davi nessa sessão, em outras palavras, pede: “ao invés da velhice me afligir, me ensina que ela revela que eu não posso confiar em mim mesmo”. Assim, o salmista, diante de sua total impotência, faz uma pergunta retórica (vs. 7): Senhor, o que eu espero? Minha esperança está em ti. Com essa ciência sobre quem ele é e quem Deus é, Davi pode prosseguir a oração.
Aplicação 3: Nossa fragilidade não deve ser uma mera constatação, mas nos levar à humildade - a nossa vida é um sopro. O homem veio do pó da terra, ou seja, ele é mortal. A constatação da fragilidade pode ser sapiencial (4-6, 11).
Aplicação 4: Toda essa fragilidade deve nos lembrar que seres frágeis precisam se apoiar naquilo que não é frágil (vs. 7)*. Ao constatarmos nossa fragilidade, devemos nos lembrar que Deus é a nossa rocha firme. A nossa segurança repousa em estarmos ligados àquele que não está vulnerável ao tempo, à fraqueza ou ao desgaste.

A idolatria consumidora será consumida

Depois do pedido para revelar-lhe sua fragilidade, Davi expõe seus demais pedidos:
Vs 8. “Livra-me de todas as minhas transgressões”. Meu impropérios nos pensamentos, minha falta de perspectiva correta sobre a minha vida. Ele sabe de seus pensamentos inadequados que lhe mantiveram em silêncio. Davi, por isso, retoma o tema de sua mudez (vs. 9).
Não é que ele tenha voltado a ficar mudo, pois como ele estaria mudo se está nesse instante a falar? É mais adequado pensar que Davi aqui está novamente pensando sobre o que lhe fez calar e que lhe gerou uma reação tempestuosa. No caso, um ato exercido pelo Senhor ou com sua autorização (era comum o israelita atribuir a Deus uma ação, embora tenha sido executada por outrem, em termos subjetivos; isso pela sua visão de soberania divina) - provavelmente ele ter sido alvo de zombaria como disciplina pelo pecado (“tu o fizeste” ARC/“tu fizeste isso” ARA). Mas agora ele já desistiu de ficar sem palavras, e expõe diante de Deus o desejo: que Deus retire o que lhe causa sofrimento.
Vs. 10 “Retira de mim o teu flagelo”. Porém, a exposição de Davi mostra uma conclusão que ele obteve e que é para nós, igreja, de grande valor: sua disciplina envolve quebrar seu coração para algo que ele valorizou inadequadamente (vs. 11). E essa quebra de coração vem com a quebra do objeto de idolatria: “destróis, como traça, o que ele tem de precioso”. Algo que poderia até ser bom, mas que Davi colocou numa posição ilegítima - pecando, portanto.
Quem sabe o que foi? Poderíamos especular que Davi ultra valorizou sua posição de Rei, se envaidecendo. Esquecendo que sua boa reputação deveria ser para a boa reputação do nome de Deus e de seu povo, e não para sua glória pessoal. Por isso o incômodo com a zombaria do insensato? Não é claro. Mas aprendemos que o seu sofrimento é por ver afetado algo que ele supervalorizava - que ele idolatrava.
Aplicação 5: Coisas boas podem se tornar coisas terríveis se lhe atribuímos a posição de um deus. A busca por uma estética idealizada pode te levar a procedimentos intermináveis e desnecessário que podem te custar a vida. Se o dinheiro for divinizado sua saúde pode ser jogada no ralo, ou até sua família. Se seus filhos forem idolatrados, eles nunca viverão suas próprias vidas e um dia você poderá perdê-los quando perceberem isso. Se seu cônjuge for idolatrado você irá tornar a vida dele um inferno ou a sua - e você o perderá no final [tem gente que chega a matar]. Se você idolatrar uma causa, você sacrificará até alguns de seus adeptos no altar do ativismo. A idolatria te assegura perder aquilo que você tanto quer ao final. Pois ídolos não são o Deus verdadeiro, portanto, são vaidade. Portanto, não devemos colocar nossa felicidade naquilo que pode ser perdido.
Adão e Eva olharam para o fruto do conhecimento do bem e do mal e colocaram o ser igual a Deus como um ídolo. No final, não ficaram como Deus. Ao invés de discernirem o bem e o mal, possuirem a sabedoria que vem do temor do Senhor, se tornaram eles mesmos maus. Se tornaram escravos do pecado e reféns de sua consequência. No momento em que eles tornaram o discernimento ou a imagem de si mesmos em um deus, ele se fragmentou, ruiu. Eles mesmos ruíram juntos. Como diz C. S. Lewis - “o amor torna-se um demônio no memento em que se torna um deus”. Não há nada que você coloque no lugar de Deus que não te traga malefícios - e te torne impiedosamente num escravo. Se você se apegar a qualquer coisa como Deus, aquilo será destruído [e você também].
Aplicação 7: Os ídolos por si só cairão nalgum tempo. Eles se desgastam e eles não subsistem diante de Deus. Já como crentes, Deus vai derrubar os nossos ídolos. Por que Deus faz isso? Para nosso próprio bem (Hb 12.5-11). Para que nosso coração siga o curso normal para o qual foi criado e tenha paz em glorificar somente a Deus.
No final do verso 11, diante desse pensamento, Davi se lembra: “na verdade, todo homem é apenas sopro”. Isso inclui ele. Davi retoma os pedidos:
Vs. 12 “Ouve minha oração”, “inclina teus ouvidos”, “não te cales”. Como o salmista rompeu o silêncio, ele pede que Deus lhe atenda as súplicas. Nesse final, com o coração reorientado sobre que ele é, sobre quem Deus é e sobre o que Deus tem feito na vida dele, ele pode lembrar que Deus é um dos filhos de Deus como seus pais, e que o Senhor é o dono da terra (Lv 25.23; 1Cr 29.15). A lição sobre a brevidade da vida foi aprendida. Se ele é o Rei, é por graça e não mérito.
Vs. 13 “Desvia de mim o teu olhar”: Este versículo é curiosos, pois o salmista pede pra Deus não olhar para ele, mas é uma súplica para que Deus desvie dele o seu juízo, que a repreensão passe - para que Deus lhe permita experimentar a restauração ainda nessa vida.
Aplicação 8: Não somos perfeitinhos. Orações feias são feitas. No meio da oração Deus vai expondo nosso pecado e derramamos nossas entranhas pecaminosas. E isso é possível por Deus não ter desviado o olhar de Cristo na cruz, mas ter imputado a ele nossas injustiças. Como quem não bebe água precisa beber água como solução. Quem não ora precisa orar - senão, morre. Essa oração não precisa temer “ter decepcionado a Deus”, pois fazemos isso o tempo todo. Nossa confiança em Deus nos ouvir não está em nossa santificação pessoal, mas na justificação que temos em Cristo. O registo na Palavra de Deus de salmos como esse, nos lembra que Deus trata pessoas reais, com problemas reais, e sua misericórdia é constrangedora.
S.D.G.
*Me lembrei daquela figura dos peixinhos que ficam ao redor ou colados de grandes peixes ou baleias. Que além de gozar do que sobra da alimentação do peixe maior, aproveita toda a proteção ameaçadora do maior. Ou, quando na escola, ninguém mexe com os irmãos mais novos dos estudantes das turmas mais velhas.
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