Mateus 1.1-17
Paulo Ulisses
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
0 ratings
· 63 viewsMateus inicia seu evangelho demonstrando através da genealogia messiância que Jesus Cristo é o cumprimento da Aliança que estabelece uma linhagem santa que desenvolve o povo de Deus, provendo o descendente e o rei prometido nas alianças abraâmica e davídica.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Nitidamente, o evangelho de Mateus possui como tema central a chegada do reino de Deus através de Jesus Cristo. Para tal, o evangelho inicia com a demonstração de que Cristo é verdadeiramente o cumprimento das promessas feitas no Antigo Testamento a pelo menos dois personagens chaves, conforme é exposto em 1.1: “Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão”.
Passando por todas as linhagens que compõem a genealogia do Messias, Mateus traça a árvore genealógica de Jesus, demonstrando a abrangência do Reino de Deus, que inclui pessoas tanto da descendência natural, bem como, a exemplo do próprio Abraão, pessoas que pela fé em Deus como redentor, foram incorporadas a descendência de Cristo, ou seja, passaram a pertencer ao povo de Deus. Essa será nossa proposta esta noite, ver como a graça de Deus é difundida em Cristo Jesus, chamando pessoas de toda raça, tribo, língua e nação para entrarem no Reino de Deus.
Autor
Parece não haver dúvidas na tradição (testemunho dos pais da igreja) quanto a autoria do evangelho ser de fato de Mateus, ou Levi, discípulo chamado pelo SENHOR Jesus em 9.1: “Partindo dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu”.
Uma evidência interna apontada pelo comentário da bíblia King James[1] afirma que:
A história da narrativa de um banquete ao qual Jesus compareceu em companhia de grande número de publicanos e pecadores (pagãos e judeus que não guardavam a Lei e as determinações dos líderes religiosos da época) é descrita na passagem que começa com as seguintes palavras em grego original transliterado: kai egeneto autou anakeimeou em tei oikai. Ou seja: E aconteceu que, estando Jesus em casa...” (Mt 9.10). Considerando que os últimos três vocábulos significam “em casa”, o trecho sugere que o banquete fosse “na casa” de Jesus. Contudo, a passagem paralela em Mc 2.15 revela que essa festa aconteceu “na casa” de Levi, isto é, Mateus Levi. O texto em Marcos aparece assim transliterado: em tei oikai autou, “na casa dele”. O sentido alternativo de Mt 9.10 esclarece que “em casa” quer dizer “na minha casa”, ou seja, “na casa” do autor, e isto concorda perfeitamente com Marcos e com os fatos apresentados em todos os Quatro Evangelhos.[2]
Data e contexto situacional
Devido a considerações fortes em relação à questões como legalismo, e as claras menções ao conhecimento da tradição dos judeus, segundo algumas fontes, é provável que o evangelho de Mateus tenha sido escrito para uma igreja mista, composta por judeus e gentios. A melhor candidata para enquadrar-se nessas características é a igreja de Antioquia da Síria.
Quanto a datação do evangelho, a hipótese mais popular é de que o evangelho de Mateus tenha sido escrito pelo menos antes do ano 70 d. C., devido à queda e destruição do templo de Jerusalém serem narrados como fatos não consumados, isto é, ainda se sucederão.
Segundo Merril Teney:
O evangelho de Mateus é admiravelmente adaptado a uma igreja intimamente ligada com o judaísmo, que se tornava cada vez mais independente dele. Respira a atmosfera do messianismo e, no entanto, tem uma mensagem para “todo o mundo”. Preserva a essência do pacto abraâmico, que põe em relevo os benefícios de Deus a Abraão e a sua semente como povo separado, mas acrescenta: “... e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados” (Gn 12.3).[3]
Objetivo do Texto
Objetivo para a escrituração parece inequívoco quando analisado o teor de todo o documento: apontar para Jesus Cristo como o cumprimento de todas as profecias do Antigo Testamento, e destacar com isso a chegada do Reino de Deus através dele. Como clarifica o comentário da Bíblia de Genebra[4]: “o propósito de Mateus é o de transmitir os ensinos autorizados de Jesus e de sua pessoa, cuja vinda marca o cumprimento das promessas de Deus”.[5]
Certamente, o conceito de “βασιλεία τῶν οὐρανῶν” (Reino dos céus) em Mateus, claramente manifesta-se como muito mais abrangente do que um reino físico ou político, e o grande embate que se travará ao longo da narrativa exemplifica o objetivo de Mateus em enfatizar essa diferença: a realidade do Reino de Deus é superior e a entrada nele ocorrerá mediante a constatação e crença de que Cristo é o Messias prometido no Antigo Testamento, encarregado de estabelecer o Reino de Deus através da obra redentiva que lhe está proposta.
Teologia e mensagem
Certamente, a perspectiva que unifica todo o evangelho de Mateus é a ideia do “Reino do Deus”. No texto da genealogia de Jesus, há a intenção por parte do autor em destacar a linhagem real de Israel, e o ponto histórico da promessa de Deus a Abraão. Se tomarmos como base os respectivos pactos firmados com ambos os personagens, encontraremos a forte ênfase que cai sobre Cristo, em termos do cumprimento de ambos textos. Analisando paralelamente tanto Gênesis 15, quanto 2 Samuel 7, textos em que tanto o pacto abraâmico quando davídico são firmados, temos as seguintes menções sobre o Messias: Gênesis 15. 1-10,18; 2 Samuel 7.8-17
Ambas as alianças comportam itens em comum, e certamente o maior deles é um descendente final, em quem serão cumpridas todas as palavras da aliança, e sobre quem o SENHOR derramará a bênção final como cumprimento de tudo o que foi estipulado. Ainda que cada aliança possua seus termos característicos e promessas peculiares (Abrão: terra; Davi: trono, reino), à luz do texto de Mateus 1.1-17 vemos que mesmo as idiossincrasias são na verdade aspectos que sobejam de ambos os textos veterotestamentários (Gn 15 e 2Sm 7) e alcançam realização final em Cristo Jesus, conforme traçado pelo autor: Filho de Davi, Filho de Abraão (Mt 1.1).
Cumprindo a promessa feita a Abraão em Gênesis 17.6: “e reis procederão de ti”, a genealogia de Cristo é iniciada em Mateus 1.2 com a linhagem patriarcal, seguindo o curso até que no versículo 6 passa a ter caráter real, começando por Davi, conectando assim os dois personagens e suas respectivas alianças a um único: Jesus Cristo.
Além da própria promessa e cumprimento de que reis descenderiam de Abraão, compondo uma arvore genealógica composta por vários reis, os personagens da genealogia de Cristo apontam também para outros aspectos do Reino dos céus que está sendo estabelecido através de Jesus Cristo. Segundo as palavras do próprio SENHOR em João 18.36: seu reino “não é deste mundo”. Os parâmetros sobre os quais a revelação messiânica do reino de Deus foi estabelecida não são as mesmas sobre os quais os reinos desse mundo foram construídos. Assim sendo, pelo menos três aspectos distintos se destacam quando analisamos o conceito de “reino” elaborado por Mateus em seu evangelho:
A. O Reino dos Céus não é recebido por hereditariedade:
No íntimo da linhagem messiânica está a presença de personagens que sequer pertenciam a linhagem de Israel. O próprio patriarca Abraão adentra a linhagem de Deus por fé e não por merecimento ou por pertencer à nobreza. Tamar, Raabe, Rute e Bate-Seba são personagens que claramente adentraram a família de Deus por meio da fé que depositaram no Deus salvador.
B. O Reino dos Céus não é recebido por méritos:
Através da genealogia do Filho de Deus, do Rei prometido, Mateus explicita que o Reino dos Céus é recebido unicamente por aqueles que aguardavam o cumprimento das promessas feitas desde Gênesis 3.15. De Abraão até Davi; de Davi até o exílio, e do exílio até Cristo, o remanescente que permaneceu crendo nas promessas do Pai, de que a história não encerraria até que o mundo visse o cetro do poder nas mãos do Messias, recebeu de Deus o ingresso em seu Reino celestial.
C. O Reino dos Céus não é recebido sem Cristo:
Uma afirmação óbvia, mas que traz consigo uma restrição fundamental: Um Rei para um povo! De forma que sem a fé em Cristo Jesus, não há como adentrar o Reino dos Céus, e essa mensagem percorrerá todo o evangelho de Mateus. Os propósitos da salvação são revelados em Jesus, e sem ele, sem o depósito de confiança, sem o reconhecimento de quem Ele é, o Reino será uma realidade inalcançável.
O conceito de “Reino de Deus” ou “Reino dos céus” no Antigo Testamento está diretamente ligado ao reinado do Messias. A própria descendência real aponta para isso, conforme traçado por Mateus no texto destacado. Birch salienta que “a realeza em Israel torna-se o contexto pelo qual alguns dos temas teológicos e éticos mais importantes e perenes se apresentam no Antigo Testamento”.[6] Certamente esses conceitos são trazidos a tona no evangelho de Mateus, como por exemplo a salvação ou a perspectiva restauracionista do povo de Deus à um relacionamento permanente com Deus, retomando o princípio pactual “Deus conosco”[7], entre tantos outros temas. Como define Berkhof: “podemos definir a realeza de Cristo como o seu poder oficial de governar toda as coisas do céu e da terra, para a glória de Deus e para a execução do seu propósito de salvação”[8].
O evangelista Mateus alude a esse aspecto do Reino dos céus em seu evangelho de diversas formas, mas para início, ele demonstra através da genealogia do próprio redentor, como esse Reino fora prometido desde o AT e como fora cumprido através da encarnação, vida, morte e ressurreição de Cristo.
O Reino dos céus havia chegado, e essa informação é a prova de que o Deus que resgatou Israel com poderosa mão do Egito, permanece ao lado de seu povo para o redimir finalmente. O Filho prometido a Abraão e Davi senta-se no trono para julgar as nações, conforme foi predito.
Aplicações
Como não poderia ser diferente, estamos diante do relato que demonstra que nosso SENHOR Jesus Cristo não é simplesmente um homem bom que viveu para dar o exemplo de como devemos amar. É claro que Cristo é um exemplo, e seguir seus passos é a marca cristã da santificação, pois “fomos criados nele para as boas obras” (Ef. 2.10). Porém, Cristo Jesus é mais do que isso, seu ministério engloba também ser o Filho de Deus que foi prometido e enviado para redimir e governar sobre a criação e o povo eleito de Deus. O que nos é apresentado em Mateus 1.1-17 é a própria evidência de que o Reino dos Céus é chegado! E isso requer que reflitamos sobre algumas implicações disso em nossas vidas:
1. A chegada do reino dos céus implica que devemos crer em Cristo Jesus como o Messias Ungido para que alcancemos a salvação que ele promove.
Diferente da pintura vulgar e incolor que fazem de Cristo, como alguém que não possui qualquer autoridade ou está aberto a nos aceitar com nossos pecados sem qualquer noção de arrependimento ou submissão, a Escritura nos está revelando que Cristo é o Rei, e como tal, exige de seus súditos submissão aos termos do seu reinado. Mas longe de uma compreensão legalista ou sinergista em que o homem precisa cooperar com Deus para salvar-se, A revelação do Reino dos céus feita por Mateus no texto que lemos, informa que a salvação proposta por Cristo é alcançada por graça, única e exclusivamente pelo amor de Deus por perdidos e pecadores.
O texto que lemos nos aponta para Jesus como o cumprimento das promessas do Antigo Testamento, e nós, devemos crer nEle à contento de sua revelação. Não há espaço para uma visão dúbia sobre o reinado do Messias, e nós, todos os dias devemos revisitar nosso coração afim de nos fazer lembrar a quem nós servimos: ao único Rei do universo; Àquele a quem foi dado o cetro do poder e que governa todas as coisas; Aquele que sustenta toda a criação pela palavra do seu poder; que nos salvou e nos remiu dos nossos pecados, sendo ele justo e perfeito, sendo o nosso cabeça, agora nos faz assentar nos lugares celestiais juntamente com ele.... tudo isso por graça, tudo isso porque ele é o nosso Rei.
2. O Reino dos céus é recebido pela vontade do Pai em revelar seu Filho, aos perdidos. A salvação e entrada no Reino dos céus é por graça.
Assim como as pessoas que compõem a linhagem do Messias, a salvação é adquirida através da fé de que Cristo Jesus é o Rei prometido. Mas, os méritos, os créditos da salvação não são nossos. Nosso coração enganoso muitas vezes deseja crer que temos alguma coisa especial em nós mesmo, e que essa coisa agradou de tal forma o Deus Triuno que ele nos deu a salvação. Nenhum dos integrantes da linhagem messiânica merecia qualquer tipo de favor da parte de Deus, mas pela graça do Rei, receberam a fé para crer que ele é o autor e consumador da mesma, e que por causa dEle, fomos agraciados com a salvação.
Como veremos ao longo do evangelho, vários fariseus criam que poderiam receber o Reino dos céus através de seu modo de viver legalista, ou acreditavam que pelos próprios méritos poderiam entrar no Reino de Deus. Se a graça de Deus não invadir nossos corações, a fim de reconheçamos que foi unicamente pela graça de Deus em Cristo Jesus que entramos no Reino dos céus, seremos nada mais do que fariseus rebeldes contendendo com o Rei, e certamente ninguém poderá resistir ao Rei dos reis e SENHOR dos senhores.
Conclusão
Que possamos nos curvar ante a majestade de nosso SENHOR Jesus Cristo, dando graças ao Deus Triuno por ter cumprido sua promessa, enviando seu Filho para que por meio dele, pudéssemos entrar no Reino dos céus.
Cristo triunfa!
[1] Bíblia King James Atualizada – São Paulo, Abba Press, 2012.
[2] Ibid., p. 1742.
[3] TENNEY, Merril C. - O novo testamento sua origem e análise – São Paulo: Shedd Publicações, 2008., p. 162.
[4]Bíblia de Estudo de Genebra: São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[5] Ibid., p. 1100.
[6] BIRCH, Bruce apud SMITH, Ralph L. – Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem – São Paulo: Vida Nova, 2001., p. 390.
[7] ROBERTSON, Palmer O. – O Cristo dos Pactos – São Paulo: Cultura Cristã, 2011., p. 45.
[8] BERKOHF, Louis – Teologia sistemática – 4ª ed. revisada – São Paulo: Cultura Cristã, 2012., p. 375.