Aprendendo a esperar no Senhor (Salmo 40)

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Este salmo é um cântico de Davi. É o penúltimo do primeiro livro. Há uma verdadeira nuvem de temas nesse salmo. Mas o que chama a atenção é a incomum união entre ação de graças (1-10) e uma longa súplica (11-15). Os versos 16 e 17 apresentam essa ligação. Vemos que a experiência apresentada em ações de graça dão o fundamente para sua oração de súplica, nutrindo sua confiança em Deus como seu auxílio e libertador.

Exposição

Verso 1
Amados, a primeira coisa que aprendemos no cântico de Davi é que Deus age no tempo dele. Que o seu momento de agir é exatamente o tempo devido. Ele não tarda (2Pe 3.9). Ele também não chega antes do tempo.
Já pensou que muitas vezes Deus agiu e nem soubemos? Nos livrou de tantas coisas que nem imaginamos em todas as esferas que possamos imaginar. Talvez não. O que nos vem ao coração geralmente são exatamente as coisas que Deus ainda não fez. Aquelas que sabemos que Ele já fez e inclusive as ocultas devem ser motivo da nossa gratidão. Mas naquilo que necessitamos conscientemente (pois há coisas que necessitamos e só Ele sabe) e ainda não recebemos, só nos resta uma coisa: esperar.
Você pode ser uma pessoa que não gosta de esperar. Quem de nós gosta de fila de consultório, de senha de atendimento, daquele prazo de semanas para entrega daquela compra? Pois é. Mas a espera é importante em vários aspectos. Por exemplo, não aprendemos tudo instantaneamente sobre muita coisa. Imagine, então, sobre como viver em sabedoria? Aprendemos à medida em que nos relacionamos com Deus. À medida em que o amamos. Esperamos pois não estamos prontos.
Há um elemento importante para essa espera: paciência (repetição do verbo esperar). Metade da teologia da prosperidade cai nesse primeiro versículo. Não se programa a intervenção divina. A fé não é a varinha do Harry Potter. A fé não é manifestada somente na resposta imediata, mas principalmente na esperança paciente. Esperar não é falta de fé: vimos os heróis de fé esperando em nossa série. Abraão também foi forjado na espera (Hb 6.15). Muitas vezes nossa fé é provada exatamente quando lemos a palavra de Deus e não sentimos nada, oramos e parece um vazio. Mas esperamos pacientemente como Davi.
E a boa notícia que Davi nos dá é que Deus ouve e atende o nosso clamor. É óbvio que nosso coração, muitas vezes, almeja por pressa: e devemos expressar isso, quando convém (vs.17). Mas nunca devemos imaginar que sua aparente demora é por incapacidade de agir no momento presente, que não está atento à nossas orações, ou que deseja nos ver sofrer. Lembremos que não estamos sozinhos nos caminhos irregulares dessa vida (Sl 46.1-3) e nas provações. Lembremos que ele está atento e providencialmente nos socorre naquilo que é melhor.
Jesus esperou. Ele foi bebê. Você já imaginou isso: Deus encarnado sendo dependente de leite materno? Passar pela adolescência? Mas ele crescia sempre em sabedoria, estatura e graça (Lc 2.52). Aproveitava todo dia não com frustração, mas uma satisfação paciente em Deus cada dia da vida. Esperou pacientemente na cruz e no túmulo. Mas Deus não o manteve na morte (At 2.31-32).
Davi ainda nos apresenta o quanto a oração recorrentemente nos lembra sobre Deus: Ele é um Deus que se revela e relaciona. Não estamos a mercê de nós mesmos ou das circunstâncias. Há um Deus que intervém. Há um Deus criador, sustentador e que age com uma providência especial sobre nossas vidas. Podemos orar e nos relacionar com aquele que muda a história. Um deus distante, surdo ou impotente não é o Deus de Davi. Não é o nosso Deus.
Verso 2
Vemos que o salmista aqui o relato que o motivou a escrever a primeira parte (1-10) deste salmo: um ato providencial, miraculoso de Deus. Gratidão pela libertação não somente do perigo, mas da morte. Toda a expressão apresenta uma situação calamitosa, sem escapatória (vide Sl 69.2 e Jr 38.6-13). Um poço do qual não de pode sair sozinho e que é perturbador (sha'own), um lamaçal do qual quanto mais se move mais se afunda. Mas Davi percebe uma abrupta ação graciosa de Deus.
Davi é grato porque a audição de Deus não é imóvel. Ele se inclina a seus filhos e os ouve (v. 1) - e isso se expressou em quando Deus “o tirou”, “colocou seus pés na rocha” e “lhe firmou os passos”. Seus pés não estão mais num profundo abismo encharcado ou mesmo num terreno de atoleiro, mas bem firmes numa rocha. Seus pés não estão mais vacilantes. Não obstante, a resposta de Davi é louvor (v. 3).
Irmãos, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós é exatamente “Deus se inclinando a seus filhos” e verdadeiramente nos tirando do lamaçal do pecado, colocando nossos pés na Rocha da sua salvação e endireitando nossos passos no seu caminho. Por isso, o louvemos.
Verso 3
Nisso percebemos uma ação final do conhecimento de Deus: a adoração. O que Deus que se inclina, ouve e age, também é o que Deus que põe louvores nos lábios. Não há conhecimento de Deus que não redunde em louvor - não há como se deparar com a beleza suprema do Universo e não apreciar e se humilhar. Olhos que veem e mentes que entendem são acompanhados e lábios que louvam. É por isso que essa oração de Davi está em forma de cântico. Como diz o subtítulo, direcionado para o cantor-mor, talvez executado com instrumento de cordas.
Percebamos que rapidamente Davi nos revela quais as características de um verdadeiro louvor: (a) procede de Deus (pôs na minha boca); (b) tem uma nova natureza (novo cântico); (c) tem um propósito de louvar a Deus (hino ao nosso Deus) e (d) revela Deus aos homens (muitos verão e confiarão no Senhor). Quando Davi fala de um “novo cântico” quer dizer uma expressão de novidade realmente. Ou seja, há uma realidade nova em relação a nossa comunhão com Deus que modifica nosso cântico. Por exemplo, à medida que se conhecia a expectativa do Messias, os cânticos de Israel se modificavam (Lc 1.67-80). O cântico da igreja já contém novos elementos que Israel (Cl 1.15-23). Os cânticos da Nova Jerusalém incluirão uma nova realidade à da igreja atual (Ap 5.9; 14.3).
Por isso Davi extravasa: “São muitas, Senhor, Deus meu, as maravilhas que tens operado e também os teus desígnios para conosco; ninguém há que se possa igualar contigo. Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar (Sl 40.5). Davi tem a visão coletiva dos propósitos de Deus [tirando aquela mesquinhez de muitas teologias atuais] e que, ainda que seu desejo seja anunciar os bons propósitos de Deus para seus amados, seus dias nessa vida seriam poucos.
Verso 4
Este versículo não está solto nesse trecho. Davi nos mostra que durante esse período de espera paciente ele guardou seu coração. O verso dado de forma sapiencial instrui os ouvintes a essa realidade. Davi fala do caminho de satisfação apontado por todo o livro de salmos e indicado nos dois primeiros: o caminho da bem-aventurança. Esse caminho é trilhado por aqueles que confiam e Deus e não nos homens, que se voltam a Deus e não aos arrogantes e aos que seguem a mentira.
Essa observação do salmo nos vem também como um alerta para nossos períodos normais da vida e principalmente os de desespero. Muitas vezes buscamos respostas nas fontes erradas. Podemos observar isso hoje, por exemplo: o desejo por confirmar suas próprias opiniões (viés de confirmação) acaba por fazer pessoas procurarem muitas vezes não a melhor fonte ou a informação correta, mas fake news. Voltam-se ao que querem ouvir e não ao que precisam ouvir. Assim também pode ser nosso coração quanto a Deus e nos voltarmos aos “arrogantes e a mentira”.
Os arrogantes aqui são os que criam para si uma versão própria de Deus, onde Deus é uma versão de si mesmos. Confiam, apesar de às vezes parecerem humildes, na construção de um deus meramente segundo sua imaginação e intelecto. A presunção deles é que seu deus elaborado é o verdadeiro deus, e não o Deus que se revela. Ou seja, não confiam no Senhor, mas em ídolos. É óbvio que os arrogantes seguem a mentira (a continuação do versículo tem aqui o efeito de ênfase). John Wesley fez uma anotação uma vez afirmando que são mentiras vãs, como poder, sabedoria, riquezas ou pessoas mundanas, nas quais os homens tendem a confiar. São mentiras porque não realizam o que prometem.
Verso 6
Outro fruto da espera paciente de Davi foi amadurecer em seu serviço a Deus: o Senhor não deseja os atos exteriores em primazia aos interiores, onde o fiel cumprimento da vontade de Deus é mais importante que sacrifícios e ofertas (1Sm 15.22). O verdadeiro israelita não poderia fazer do sistema sacrificial uma barganha com Deus e viver de forma legalista e sem compaixão (Pv 15.8; 21.3,27; Sl 50.8; 51.16-17; Is 1.11-17; Jr 6.20; 7.21-23; Os 6.6; Am 5.21-25; Mq 6.6-8). A compreensão do que Deus verdadeiramente requer penetrou na mente de Davi como o som que adentra em ouvidos limpos (“furaste-me as orelhas”).
Versos 7 a 10
A resposta de Davi mediante a graça é uma disposição à santidade. Há alegria em Deus e um desejo por consagração.
Em primeiro lugar ele se identifica como um membro do povo de Deus: “Eu sou um dos teus eleitos” (no rolo do livro está escrito a meu respeito) - ou iniciando a ideia do verso seguinte: de cumprir o desígnio de Deus para o reinado (Dt 17.14-20). No verso 8 Davi informa ainda que para além da superficial religiosidade, ele “gosta de fazer a vontade de Deus” (v. 8). Toda a sua dedicação está relacionada ao serviço a Deus: a assembléia (vs. 9 e 10), onde ele proclama as boas novas de justiça, a fidelidade, a salvação, o amor e a verdade do Senhor[tudo relacionado a sua ação salvífica]. A fé moldada pela espera paciente leva ao amor sincero a Deus e submisso. Irmãos, temos um coração assim. Mais: Hoje temos poder para isso (Gl 5.22-23).
Há um tom messiânico aqui. Tanto em Cristo ser aqui a pessoa do salmo, como em ser o Messias o Redentor. Deus agiu em favor de Davi sem a oferta específica de holocaustos, mas por pura graça. Há um fundamento para essa graça. Faço-me entender: que coração quebrantado e contrito pode atrair qualquer favor de Deus ou pode alcançar qualquer mérito, se não porque Deus propôs a morte de Cristo antes da fundação do mundo? E como afirma o autor de hebreus (Hb 10.4), nunca animais expiaram pecados, mas somente o sacrifício de Cristo. Não adianta um coração quebrantado e humilde se não há expiação, se não há sacrifício pelo pecado, se não há reconciliação. Por isso, ao aplicar esse Salmo, o autor de Hebreus 10.4-18 lembra que em Jesus não há mais a necessidade de oferta pelo pecado, pois ele é a definitiva oferta. Amém.
Na próxima exposição de salmos, trabalharemos dos versos 11-17, onde Davi vai suplicar a Deus após louvar a Deus pelas sua fidelidade.
S.D.G.
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