O cristão e sua relação com o Estado

1 Pedro: esperança em meio ao sofrimento  •  Sermon  •  Submitted
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Introdução

Vivemos um período surreal em nosso país. Não bastasse as milhares de vidas perdidas pela pandemia de Covid-19, temos também problemas econômicos graves, com uma parcela de pessoas desempregadas ou sub-empregadas, um contingente de pessoas em vulnerabilidade, e nenhuma perspectiva de melhora nos próximos anos.
Não bastasse isso, não percebemos qualquer tipo de coerência das nossas autoridades. O caso mais recente é o famigerado orçamento do governo para o ano 2021. Houve uma sequência de fatos absurdos: 1) Em um orçamento já prejudicado, tirou-se recursos de despesas obrigatórias e colocou-se em emendas parlamentares; 2) Aparentemente, a equipe econômica não falou nada contra isso durante a aprovação do orçamento; 3) Após a aprovação do orçamento, a equipe econômica recomendou o veto presidencial porque, caso fosse sancionado, o presidente poderia responder por crime de responsabilidade.
E assim estamos nós como espectadores de tudo isso. Por que isso não foi visto antes? Porque foi aprovado dessa maneira? O que tudo isso nos mostra é, que mesmo diante de uma pandemia, os interesses egoístas são maiores que as necessidades da nação.
A frase de Carlos Kawall, um economista, sobre este episódio é emblemática:
"É uma postura política abominável das lideranças políticas do Congresso, com o beneplácito do Poder Executivo. Num momento tão dramático como o que estamos vivendo, de falta de vacina, falta de oxigênio, falta de recursos para apoiar os mais pobres, o Congresso simplesmente olhar para sua própria barriga e aprovar uma flagrante ilegalidade com fins meramente eleitorais. Então tem esse lado chocante também do ponto de vista humano" (extraído de reportagem do G1 em 30/03/2021)
A questão que fica é: como deve ser a nossa relação enquanto igreja a estas autoridades constituídas? Rebelião? Obediência cega? Ou há um caminho melhor do que estas duas opções?
A bíblia mostra que sim, existe um caminho melhor. Por isso, quero convida-los a olhar para este texto, para vermos como ele pode nos falar acerca deste assunto.
No último domingo, identificamos como o cristão deve se portar diante dos nãos cristãos. Com base no texto de 1 Pedro 2. 11-12 vimos que os cristãos devem ser relacionar com não-cristãos: 1) Lembrando da nossa identidade em Cristo; 2) Abstendo-se do pecado; 3) Mantendo um estilo de vida exemplar; 4) Visando a glória de Deus.
Tudo isso tem por base a salvação dada por Deus a nós em Cristo através da obra do Espírito Santo. A salvação não visa apenas a redenção da alma, mas também traz implicações a nossa vida. Começamos então falando da nossa relação dos não-crentes. Agora, porém, precisamos falar da nossa relação com o estado.
Olhemos então para este texto com base neste tema: aspectos da relação entre o cristão e o estado.

1. Sujeição a toda instituição humana

O versículo 13 inicia da seguinte forma: “sujeitai-vos a toda instituição humana “. A partir daqui podemos fazer algumas perguntas: O que significa sujeição nesta passagem? Quais são estas instituições humanas faladas pelo apóstolo Pedro? E qual a função destas instituições? Vejamos cada uma destas indagações separadamente.

O que é sujeição?

Primeiro, o que significa sujeição? Aqui, sujeição significa obedecer, colocar-se debaixo de uma autoridade. Este é o sentido da palavra “sujeitai-vos” neste texto. O verbo está no imperativo, denotando uma ordem. Trata-se de algo não apenas pedido pelo apóstolo Pedro, mas ordenado por Deus.

Quais são estas instituições?

Segundo, quais são estas instituições? O texto diz “todas instituição humana”. Logo a menção é a toda autoridade instituída para o estabelecimento da justiça.
Em seguida, no texto encontramos uma especificação destas autoridades: “O Rei e suas autoridades por ele enviadas”. Assim, o texto reforça o sentido de que todos aqueles que possuem uma função governamental são dignos de sujeição.

Qual a função destas autoridades?

Terceiro, qual a função destas autoridades? A função destas autoridades é fazer justiça. O versículo explica que esta justiça é castigo para os malfeitores e e louvor para os que praticam o bem.

Aplicação

O texto nos mostra que toda autoridade constituída para promoção da justiça entre o povo é digna de ser obedecida. Dito isso, cabem algumas observações:
Sujeitar-se a autoridade não significa uma obediência radical e ilimitada
A autoridade está no ofício e não na pessoa
Veja que Pedro fala sobre autoridade enquanto instituição e, quando fala de agentes específicos ele cita o objetivo destes em suas funções. É sempre a função que se encontra em jogo no texto.

2. Motivo: o SENHOR

Por que Deus quer que nos sujeitemos ao Estado?

Por causa do Senhor. Este é o principal aspecto da vida cristã. Tudo que somos ou fazemos é por causa de Deus.
O modelo de referência para o cristão é o próprio senhor Jesus. Lembremos do processo que conduziu a sua morte na cruz. Cristo seguiu todos os parâmetros das leis romanas. Ele se colocou debaixo da autoridade de Pilatos. Lembremos que ele fez isso não porque temia a autoridade dele, mas porque assim o fez para o cumprimento da vontade do Pai revelada na Escritura. Veja o que diz o texto de João 19. 10,11

10Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?11Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem.

Dessa forma, Jesus se colocou debaixo da autoridade e das leis romanas. Mas ele não fez isso porque se considerava inferior a elas, mas sim por obediência e sujeição a vontade de Deus Pai.
Outro aspecto importante neste ponto diz respeito ao propósito de Deus em fazer com que nos sujeitemos as autoridades do Estado. Na atitude de nos dar este mandamento, Deus faz isso com um propósito. Ele quer que os cristãos se submetam as autoridades constituídas Para que os insensatos fiquem mudos. Aqui há uma relação com 1Pedro 1.12 . As nossas ações são prepoderantes para o progresso do evangelho.

Qual o cuidado que o cristão deve ter ao se sujeitar ao Estado?

Não usar a sua liberdade por malícia, mas vivendo como servos de Deus. O cristão em si é livre. Mas por causa de Deus ele se sujeita as autoridades constituídas.
Assim como Cristo não tinha a menor obrigação de se submeter a Pilatos, o cristão não tem, a priori, uma necessidade de se submeter a qualquer autoridade que não seja a de Cristo Jesus, o Rei do universo. Porém, a Escritura nos adverte em diversos lugares que o discípulo de Cristo deve se submeter as autoridades constituídas. Há alguns exemplos que podemos citar:
A obediência aos pais (Ex 20.12; Ef 6. 1-3)
A obediência ao esposo e vice-versa (Ef 5. 22-33; 1 Co 7)
Semelhantemente, o cristão também se encontra livre de qualquer amarra de alguma autoridade estatal. Porém, visando agradar o Senhor, assim como Cristo fez, o peregrino do Caminho faz uso da sua liberdade para servir. Aquele que é livre do pecado agora se coloca como servo de Deus.
Este fator é muito interessante de ser mencionado. O cristão, ao ser liberto do pecado, não se encontra como um ser autônomo e independente de tudo que existe. Na verdade, ele sai de uma servidão e vai para outra: deixa a servidão sofrida do pecado, e passa para uma servidão alegre e proveitosa em Deus. Se a servidão do pecado causava a morte, a servidão a Deus leva a vida; se a servidão ao pecado trazia aprisionamento; a servidão a Deus traz uma liberdade inefável.
A liberdade cristã ganha o aspecto de ser a forma mais notável de evangelização. Não tinhamos a menor obrigação de nos submeter a uma autoridade de homens, mas assim o fazemos para aplacar toda malícia que nos rodeia. Ao invés da rebeldia, o servo de Deus leva amor; ao invés de promover facções, o servo de Deus ama os irmãos; ao invés de tripudiar o rei, o servo de Deus o honra, reconhecendo-o como autoridade constituída por Deus.
Neste sentido, percebemos que o que é dito aqui pelo apóstolo Pedro me muito se assemelha ao que Paulo disse em Romanos 13. 1-8. Vejamos brevemente esta passagem:

1Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.2De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.3Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,4visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.5É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência.6Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço.7Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.

Portanto, notamos uma proximidade muito forte nos discursos tanto de Pedro quanto no de Paulo. Ambos estão em harmonia e mostram a importância dos cristãos em se submeterem as autoridades constituídas.
Uma palavra aqui é necessária sobre os limites dessa sujeição. Afinal, devemos nos sujeitar a estas autoridades de forma cega e irrestrita? De forma alguma. Percebemos que, em um conflito ético, o mandamento maior prevalece sobre o menor. No caso, quando tivermos que escolher entre nos sujeitar a vontade de Deus ou nos sujeitar a vontade das autoridades constituídas, ficaremos com o primeiro.
Mais uma vez, uma analogia é interessante aqui. A obediência aos pais deve ser em tudo como nos diz Cl 3.20. Porém o que Paulo tinha em mente eram pais crentes que não iriam, em tese, solicitar algo impossível ou pecaminoso aos seus filhos. Assim, quando falamos de obediência aos pais conforme a Escritura não estamos afirmando que, se um pai pedir que seu filho negue sua fé em Jesus, ele terá que fazê-lo. Isso é um absurdo do qual o evangelho não dá qualquer margem.
Da mesma forma, quando alguma autoridade constituída nos pede para que façamos alguma obrigação que entra em conflito direto com a nossa fé, devemos rejeitá-la e desobedecê-la. Lembremos de Atos 5.29

29Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens

Pedro e os demais apóstolos não obedeceram a ordem dada pelo sinédrio. Eles entendiam que eles eram autoridades perante os judeus e assim o foram porque Deus os havia constituído. Mas eles não poderiam obedecer a uma ordem que ia de encontro ao que eles tinham visto e ouvido do Rei dos reis.
E, assim, percebemos na história da Igreja, diversos momentos em que esta pagou o preço por obedecer a Deus e não os homens. Quantos são os casos de homens e mulheres que perderam bens, filhos e suas próprias vidas por causa da fé em Cristo Jesus? Os exemplos são inumeráveis.
Logo, o cristão deve sim sujeitar-se as autoridades constituídas. Contudo, esta sujeição não é cega e irrestrita, mas baseada no Senhor Jesus. Se alguma determinação legal fere algum aspecto primordial do evangelho, tal determinação não deve ser cumprida.
Uma observação final sobre isso é que precisamos ter cautela nessa questão. Ainda mais no período em que estamos vivendo. Qualquer tipo de desobediência civil deve ser acompanhada de muita oração e reflexão no Senhor. Não devemos ser apressados em qualquer tipo de subversão. A rebeldia irrestrita pertence a movimentos extremistas que mais procuram a destruição do que a construção. Porém, a nossa posição como igreja deve ser sempre pautada por uma sabedoria bíblica que glorifique a Deus diante dos homens.

Conclusão

Nesta exposição, vimos alguns aspectos da relação entre o cristão e o Estado. Primeiramente, notamos que a postura do cristão é de sujeição as autoridades constituídas. Sendo elas promotoras da justça, não devemos temê-las quando elas praticam a função para a qual foram criadas.
Além disso, vimos o que motiva o cristão a sujeitar-se diante das autoridades. Tal motivação é o SENHOR. Cristo Jesus mais uma vez é o nosso exemplo. Mais uma vez o evangelho se coloca não como uma velha história, mas como uma boa-nova que traz profundas implicações em nossas vidas. Olhando a forma como Jesus se sujeitou diante das autoridades constituídas, também podemos nos sujeitar a elas como seus discípulos.
Tendo em vista estas coisas, notamos como Deus fala a nós da mesma forma como falou aos forasteiros da dispersão que receberam esta carta. Estas verdades nos mostram o quanto os crentes do passado e do presente estão ligados. Problemas enfrentados por eles são em muito semelhante aos nossos. Estamos em uma mesma jornada de peregrinação e aqui também enfrentamos o desafio de vencer toda a malícia e glorificar a Deus com as nossas obras.
Estamos em um período surreal na nossa República. Os três poderes simplesmente não se entendem. Há um ativismo judicial perene, um legislativo que não gera confiança, e um executivo que falha por suas incoerências e inverdades. Mas nessa hora devemos nos lembrar destes peregrinos da dispersão: eles honravam as autoridades de um dos impérios mais egoístas e corruptos do mundo, o império Romano. As autoridades romanas não visavam o bem da população, mas apenas seu próprio bem e o do império. Não teriam eles muitos motivos para não se sujeitarem a tais autoridades?
Agora, em momentos em que estamos vivendo tanta dor pelas milhares de vidas perdidas pela Covid-19; pelos milhões de brasileiros desempregados; pela falta de esperança em um futuro próximo para nossa nação, mais uma vez, devemos voltar os nossos olhos ao autor da nossa fé: Cristo Jesus. Ele não deixou de denunciar a injustiça e o pecado. Nós não também não devemos deixar de faze-lo. Mas, para isso, devemos sempre reconhecer a honra devida por todas as autoridades constituídas, independentemente de partido, de ser de esquerda ou direita, de ser do nosso gosto ou não.
Que como discípulos de Cristo tenhamos sabedoria dEle para termos uma boa relação para com o Estado! Deus nos abençoe!

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