Quando a alma está abatida. Ou: saudade de Deus e da Igreja (Sl 42)

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Introdução

Aqui, na 1a Igreja de Cristo Reformada, temos realizado a exposição contínua no livro de Salmos a cada 15 dias. Nesta seleção de textos, nossa última exposição foi o Salmo 40 em duas partes e hoje vamos trabalhar o Salmo 42, o primeiro do livro II do saltério (42-72). É um salmo didático (maskil de sabedoria) feito pelos coraítas*, filhos de Corá (Nm 16), em que seus descendentes se tornaram autores de cânticos (2Cr 20.19).
Esse não é um cântico de alguém que está forte. Não é daqueles dias que alguém se percebe cheio e ao mesmo tempo sedento. É de quem passa por momentos de aridez e está com sede. Sabe, lembranças felizes e tristes de dias bons? O salmista está imerso em saudade. Saudade de Deus. Saudade do povo de Deus.

Exposição

Saudade de Deus e do Povo de Deus (1-5)
Observamos, ao lermos cuidadosamente o salmo, que se trata de um momento de intensa saudade. O suspiro é de falta. A sede é de espera. O suspiro é daquele que deseja novamente se inundar nas maravilhas de Deus. A sede é daquele que deseja a presença de Deus outra vez.
A figura da corça, esse animal tão belo, não é meramente do desejo - da aspiração. Ela evoca a figura das corças selvagens que caminham pelos campos e sentem sede, procurando desesperadamente por águas correntes. Não sei se você já comprou água cara naqueles momentos em que ficou desesperadamente com sede: numa praia ou no aeroporto, por exemplo. Tamanha a sede que você pagaria o que fosse preciso. Esse é o ponto: ele sente falta de Deus e essa falta lhe pesa o coração. Ele quer os ribeiros de água.
Não sabemos o que ocorre na vida do salmista para que ele se sinta tão deprimido. Mas uma coisa é interessante: no meio da sua aridez, ele percebe que sua sede só pode ser saciada em Deus, no “Deus vivo” (vs. 2) que lhe pode trazer a vida (Jr 2.13; 17.13). Por isso sua preocupação: “quando irei e me verei perante a face de Deus?” “Quando estarei no Templo do Senhor, no seu santuário?” (Êx 23.17; Sl 84.7)
Vemos que a tristeza do salmista não é pequena ou passageira (v. 3). Em tristeza ele chora. Ao invés de experimentar água ele se alimenta de suas lágrimas. Seus inimigos, para piorar, tornavam suas dúvidas mais difíceis: suas palavras insensíveis eram armadilhas em que diziam que Deus o havia abandonado (“o teu Deus, onde está?”). Ele sente triste saudade [“dentro de mim se me derrama a alma”] de tempos áureos: o que lhe dói o coração é estar distante da adoração juntamente com o povo: ele guiava e participava com o povo da adoração comunitária [do louvor]. Não sabemos o que impede o salmista de ir à Jerusalém, o local de culto, mas vemos que ele se tornou alguém que não pode exercer o seu chamado. Sua tristeza também é saudade do povo de Deus e do tempo que passou. Daquilo que ele fazia e não faz mais.
Então, o trecho é encerrado por um refrão (v. 5). São duas perguntas dirigidas a si mesmo. “Por que estás abatida, ó minha alma, por que te perturbas dentro de mim?” (v. 5a). Ele não questiona lá fora. Ele não pergunta às circunstâncias. Em meio à tristeza ele questiona a si mesmo: é com ele que ele fala. É como se em meio à tristeza da saudade ele questionasse: você não está se esquecendo de algo? Será que você não está deixando de lado o que ouviu e creu? E ele responde a si: “espera em Deus, pois ainda o louvarei, minha salvação e meu Deus”. - “Eu ainda beberei de suas águas e ainda o louvarei juntamente com seu povo (na congregação)”.
O consolo em meio a dor da saudade (6-11).
O salmista então prossegue em descrever o seu estado (v. 6). Ele está distante do santuário, por isso se refere à terras longínquas (onde nasce o Jordão no norte de Israel), e que uma situação ruim pode piorar (vs. 7). Sua exclusão do santuário lhe ofende como se fosse separado do próprio Deus e por isso, ao invés de ver águas tranquilas, ele vê águas turbulentas como ondas que o afogam.
Em meio à angústia, ele pode se lembrar da misericórdia de Deus e sustentar e perseverar em seus lábios cântico e oração. Ele se recorda que as misericórdias do Senhor estão sobre ele pelo simples fato de estar vivo e acordar (Lm 3.22,23). Sua gratidão e seu cântico se tornam em oração à noite.
Talvez os versos mais interessantes do salmo sejam o 9 e 10, simplesmente porque ele sustenta em sua memória, além da ação de Deus, quem Ele é: “rocha minha”. Seu clamor é àquele que lhe mantém. E sua pergunta é direcionada ao seu Deus. Não é um deus estranho. É sua rocha. Há gratidão e cânticos ao Senhor (como vimos no v. 8), mas ele também expõe a sua ansiosa sede novamente: a aparente ausência ou esquecimento de Deus e a humilhação dos inimigos. Ele sabe que Deus permite que ele passe por esse momento de sofrimento.
E o salmista encerra novamente como o refrão em um tom de confiança. Entre as memórias que ele deve trazer à si mesmo devem estar aquelas que nos mostram quem Deus é e que não há sofrimento que dure para sempre se estamos esperando e confiando em Deus.

Aplicações

Há sofrimentos que duram para sempre, mas todos eles estão no inferno. Dissemos a pouco, ao final da exposição, que não há sofrimentos que duram para sempre para aqueles que esperam em Deus. Mas somente para esses. Pregamos à nossa alma “espera em Deus” pois sabemos que nenhum sofrimento nesse mundo pode se comparar com a glória do porvir (Rm 8.18; 2Co 4.17). Não há sofrimento diante da face de Deus para os seus santos.
Não há outra fonte de águas: somente Cristo! Todo ser humano possui sede. Todas as nossas inquietações e perguntas existenciais é porque há sede em todos nós. A sede é boa! Ela nos lembra de que precisamos do que pode satisfazer. O problema é que “matamos nossa sede com refrigerante” (idolatria). Buscamos satisfação naquilo que não satisfaz. Mas Cristo é o manancial de águas vivas (Jo 4.13,14) e somente através dele temos verdadeiro relacionamento com Deus em adoração (Jo 4.23-25). Não precisamos buscar a Deus em cidades santas, mas em qualquer lugar através de Jesus.
A igreja é desejável e imprescindível ao crente. Vimos que o salmista estava num exílio imposto e, por isso, não podia ir cultuar a Deus com o povo. Nossos tempos são terríveis por, além do sofrimento imposto pela doença, não podemos realizar cultos públicos. Temos que responder a quem pergunta se pode vir à igreja “não pode”. Quando abrem-se as vagas “não tem vaga”. E uma coisa que nos dói extremamente o coração é exatamente isso: não podermos estar junto com o corpo de Cristo. Ovelha não pode ficar sozinha.
Pregue a si mesmo: espera em Deus. Nos momentos de tristeza nos esquecemos de quem somos em Cristo. Passamos a confiar em quem somos pelo parâmetro de nossa percepção ou de nossos sentimentos. Passamos a pensar em quem somos não mais pelo que Cristo fez por nós, mas pelo nosso próprio atestado. “Se sofremos, é porque Deus nos abandonou”; “Se aconteceu qualquer coisa na minha vida é porque não sou crente” - e enterramos o poder da graça. A melhor coisa que você pode fazer nesses períodos é: pregue a si mesmo. Lembre a si mesmo quem você é em Cristo. Espera em Deus! Você é o que o evangelho diz que você é e somente a graça pode te dar o poder de vencer o pecado.
S.D.G
[1] João Calvino considerava a autoria de Davi e a execução dos filhos de Coré.
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