Mateus 5.1-12
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 41 viewsApós ter exposto a chegada do Reino dos céus em Cristo Jesus comprovando seu messiado de acordo com o que fora profetizado no Antigo Testamento, Mateus elabora a ética do Reino, conforme prescrita pelo próprio SENHOR neste sermão do monte, resumindo-a nas bem-aventuranças.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Após o término da seção anterior onde Mateus elabora as marcas do messiado de Cristo e de seu cumprimento quanto as profecias do Antigo Testamento, agora, o evangelista abre um novo bloco de seu escrito, o qual trabalharemos a partir do capítulo 5.
Mudando o tom narrativo de seu escrito, o evangelista, embora continue trazendo à lume os fatos acerca do ministério de Cristo como o messias prometido para inaugurar o Reino dos céus entre o povo eleito do SENHOR, agora inicia uma seção que vai do capítulo 5 ao capítulo 7. O início e o fim dessa seção é demarcado pela referência ao discurso de Cristo às multidões: “Vendo Jesus as multidões... passou a ensiná-los, dizendo...” (Mt 5.2); “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina...” (Mt 7.28).
Deparamo-nos, portanto, com as pregações do SENHOR Jesus Cristo, enquanto estava na Galileia.
Elucidação
O trecho destacado refere-se à introdução do discurso de Cristo às multidões, conhecido como “as bem-aventuranças”. Esta primeira seção de sua fala, introduz e dá o tom de toda a ética do Reino que está sendo pregado a partir de agora, mas que já fora demonstrado através das provas que Mateus elencou desde o início de seu escrito.
A expressão introdutória (cf. “Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte... e ele passou a ensiná-los, dizendo...” (Mt 5.1,2), apresenta o primeiro grande discurso do SENHOR Jesus Cristo. Por iniciar uma fala, é mister considerar que as primeiras palavras tracem o objetivo de todo o discurso.
O caráter do Reino dos céus é demonstrado aqui, através de virtudes pertencentes ao reino, e consequentemente aqueles que a ele pertencem. Cada virtude é nomeada com o emprego do adjetivo “Μακάριοι” (gr. Feliz, abençoado, favorecido).
Conforme aludido, visto que Cristo é aquele que convoca ao Reino, e como fora exemplificado que fez e está fazendo (Mt 4.17-22), há aqui então o caráter do Reino, isto é, no que consiste e como é manifesto o Reino dos céus em termos éticos e práticos. Antes de ser uma verdade etérea e completamente restrita ao campo reflexivo, o Reino de Deus é uma realidade que abarca toda a vida daquele que fora trazido a ele pela vocação de Cristo. Dessa forma, a descrição das bem-aventuranças não é um discurso a fim de convencer seus ouvintes a se tornarem ou a agirem como está sendo prescrito, antes é uma constatação de fato, uma descrição da ética do Reino tal qual está presente na natureza daquele que agora faz parte dele. Martyn Loyd-Jones, comentando esta seção do sermão do monte, salienta:
Leia as bem-aventuranças e descobrirá a descrição de como todo o crente deveria ser. Ali não temos tão somente a descrição de algum crente excepcionalmente virtuoso. Nosso Senhor não disse que estava prestes a descrever certos personagens notáveis que poderiam existir neste mundo. Antes, descreveria todo e qualquer dos Seus seguidores.
Há um forte contraponto enfatizado em todo o sermão do monte, uma antítese entre a ética do Reino apresentada por Cristo e aquela elaborada pelos escribas e fariseus, algo que é comentado por Mateus no fim do sermão: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mt 7.28-29).
De um lado, temos a mentalidade moral e prática daquele que fora salvo das trevas do pecado, e agora respira os ares da nova vida que Jesus proporciona, estando habilitado pelo Espírito Santo a viver de acordo – não por sua própria conta ou força de vontade – com a vontade de Deus. Por outro, temos um modo de vida árido e enraizado no legalismo e má compreensão do que significa de fato estar no “Reino dos céus”, através de normas que se preocupam mais com a moralidade fúnebre dos homens, do que com aquilo que Deus requer dos mesmos.
Cristo está reivindicando autoridade e estabelecendo um padrão de vida, porém, não um padrão baseado em observações estéreis e numa relação meritória, mas na misericordiosa paz e no poder do Espírito que além de capacitar o homem a agir de conformidade com esse padrão, muda sua mentalidade para agora querer viver de acordo com ele, conforme Lloyd-Jones mais uma vez asserta:
Nenhuma dessas descrições refere-se àquilo que poderíamos chamar de tendências naturais. Cada uma das bem-aventuranças, em sua inteireza, é uma disposição que somente a graça e a operação do Espírito Santo em nós foram capazes de produzir.
A mensagem do sermão do monte, pode então ser resumida na apresentação de Cristo do caráter e da ética manifesta naquele que pertence ao Reino dos céus, daquele que foi alvo do convite esplendoroso do SENHOR para fazer parte da corte do Rei dos reis e SENHOR dos Senhores, aquele que é o Filho bendito de Deus o Pai, e que é Redentor do povo eleito de Deus pela operação do Espírito Santo.
Tendo em vista que “cada uma das bem-aventuranças [...] subentende a outra”,[1] o versículo 11 possui um característica que pode ser entendida como a bem-aventurança resultante da manifestação de todas as outras, visto ser a única que é explicada e expandida por Cristo em seus pormenores:
“Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (v11-12).
Por causa disso, outro fator é destacado quanto ao discurso que Jesus está proferindo: a ética do Reino dos céus apresentada pelo Messias é terminantemente avessa aquela proposta pelos homens, como temos visto, e por essa razão, viver de acordo com ela inevitavelmente provoca o levante de adversários que se opõem a tal realidade. Os próprios profetas são evocados por Jesus como exemplos claros de pessoas que foram perseguidas exatamente por anunciarem o Reino dos céus em termos que não agradaram aos ouvintes, devido o choque de realidade entre a proposta do Reino e a proposta de moralidade e ética elucubrada pelos homens.
O sermão do monte apresenta o nítido cumprimento de todo o princípio ético que deve fazer parte do povo de Deus, conforme narrado e descrito desde o Antigo Testamento. Segundo será apresentado em trechos posteriores, é forte a relação feita por Cristo entre seu conceito expandido da Lei e o teor por ele retomado em seu discurso.
Cristo está aqui ressaltando toda a ética estabelecida por Deus desde a Torá passando por todo os Escritos que ganham maior abrangência na inauguração do Reino com sua chegada.
A perspectiva do autor do evangelho é claramente distinguir na mente de seus leitores o Reino dos céus e o reino dos homens. Mateus busca demonstrar que Cristo é não somente aquele que os remiu de seus pecados e que por isso, os fez entrar no Reino de Deus, mas também que proporcionou a cada crente um modo de vida inteiramente novo centrado na glória de Deus e na promoção de seu império. Enfatizando esse pensamento e resumindo o trecho das bem-aventuranças, Ryle comenta:
Essas são as oito pedras fundamentais que o Senhor Jesus lançou, logo no começo de seu Sermão da Montanha. Oito grandes verdades, oito grandes testes foram colocados diante de nós. Marquemos bem cada um deles e, assim, aprenderemos a sabedoria! Aprendamos quão inteiramente contrários aos princípios deste mundo são os princípios ensinados por Cristo. É inútil tentar negar esse fato. São princípios diametralmente opostos entre si. O mundo menospreza as próprias virtudes que nosso Senhor Jesus exaltou. Orgulho, falta de consideração, espírito de exaltação, mundanismo, formalismo, egoísmo e falta de amor, que proliferam neste mundo por toda a parte, são coisas que o Senhor Jesus condenou.
Os reinos desse mundo e a glória de Deus revelada no Reino que Cristo inaugurou são diametralmente opostas. A ética de ambas as esferas espirituais se digladiam constantemente. É natural ao integrante do Reino que, por causa de tamanho contraste, seja perseguido e afrontado por aquele cujo entendimento está obscurecido. Porém, como outro conceito complemente avesso ao modo de pensar mundano, os perseguidos devem sentir-se privilegiados, pois se o são, está claro que não pertencem a esse mundo em sua mentalidade morta e corrupta, mas foram transportados para o Reino da luz, e vivem de acordo com ele.
Transição
A ética do Reino dos céus não é simplesmente um código moral e ético muito bonito, porque demonstra alguém que anda “retamente” às vistas dos homens. O público a quem Cristo se dirigiu neste momento de sua fala já tinha isso: uma moralidade legalista que os transformava em sepulcros caiados, como veremos mais adiante no evangelho.
As bem-aventuranças demonstram uma realidade superior, e não no sentido de que alguém pode ser feito melhor do que o outro, mas porque demonstra qual a natureza daquele que pertence ao Reino de Deus, alguém que fora vivificado, transformado pela graça do SENHOR para viver de maneira a servir a Deus em sua vontade renovada e regenerada, obedecendo aos princípios que Cristo está estabelecendo aqui.
Com base nisso, algumas considerações precisam ser feitas à luz desse texto e aplicadas a nossas vidas.
Aplicações
1. A ética dos homens de nada vale diante da ética do Reino dos céus.
O mundo dos homens está construído sobre uma ética falida, mas sempre pintam um quadro muito bonito na hora de demonstrarem sua “ética” a alguém a fim de parecem “boas pessoas”. As melhores obras dos homens são como trapos de imundície perante de Deus (Is 64.6). Se fosse possível a alguém comparecer diante de Deus com suas obras em mãos querendo com elas entrar no céu, seria posto para fora da presença do Criador a pontapés, pois tudo o que nossas obras representam são ultrajes e afrontas ao SENHOR Deus.
O coração dos homens sempre acha uma forma de pensar que poderá ser bem visto por Deus com sua ética morta e fétida. Não, irmãos! É somente através da transformação em servos do verdadeiro e vivo Rei, que somos capacitados pelo Espírito Santo a praticar a ética genuína do Reino dos céus. Há um padrão de vida sendo explicitado aqui, e não é o padrão de vida legalista que muitas ditas igreja pregam aí fora, como se o Reino de Deus fosse roupas, ou adereços externos. Embora o uso dessas coisas deva ser sim guiado pelos princípios da Palavra de Deus, traçar regrinhas e normas mais se fundamentam em interesses e achismos humano do que na Escritura Sagrada, só resulta em uma dissonância com a realidade do Reino proposta por Cristo Jesus.
Portanto, devemos todos os dias resistir ceder aos impulsos de nosso coração, em querer desenvolver para nós um conjunto de leis baseadas naquilo que nós achamos ser aceitável a Deus. Somente em Cristo qualquer das nossas obras é aceitável, pois foi a própria Trindade Santíssima quem criou as boas obras para que andássemos nelas (Ef 2.10).
Isso nos leva ao nosso segundo ponto.
2. As bem-aventuranças fazem parte da nova natureza em Cristo, portanto devem estar presentes na vida de todos os que são chamados ao Reino.
Uma leitura equivocada das bem-aventuranças e outras ordenanças práticas encontradas nas Escrituras que refletem a nova vida que temos em cristo, costumeiramente são confundidas com algum tipo de hierarquia cristã, onde alguém que é mais espiritual claramente se destaca pelo exercício de alguma dessas virtudes pregadas por Cristo. Por exemplo, alguém pode dizer que fulano é manso assim como está determinado aqui no texto de Mateus 5.5. Ou que beltrano nitidamente é alguém que se destaca por sempre ser pacificador (Mt 5.9). Porém, as bem-aventuranças como temos afirmado, é a exposição da nova natureza vivida pelo crente agora que faz parte do Reino dos céus. Ou seja, todo o crente deve manifestar as bem-aventuranças.
O que temos diante de nós irmãos, é um guia de como devemos agir, e não do que devemos desenvolver. Se estamos de fato dentro do Reino de Deus, de onde não podemos ser tirados – graças a misericórdia e a graça do SENHOR – nossa vida já deve estar de acordo com o que está exposto aqui.
Não há lugar para arrogantes no Reino dos céus.
Não há lugar para insensíveis e rudes no Reino dos céus.
Não há lugar para corruptos no Reino dos céus.
Não há lugar para cruéis e violentos no Reino dos céus.
Não há lugar para pecadores contumazes e de coração obstinado a pecar no Reino dos céus.
Não há lugar para facciosos e belicosos no Reino dos céus.
Frente a isso, alguém poderia então perguntar: “ora, mas assim sendo, quem entrará no Reino dos céus?”. Aquele que sabe que por conta própria tudo o que lhe era devido era a condenação eterna como pagamento por seus pecados, e por causa disso, é humilde (v.3). E porque é humilde, chora por causa de seus pecados reconhecendo-se miserável pecador, mas é consolado pela graça de Deus, que o tornou alvo do amor do Pai em Cristo Jesus, seu Filho (v.4). E por conta disso é manso, pois sabe que jamais poderia se orgulhar de algo que lhe foi dado graciosamente, sendo descabido qualquer tipo de comportamento agressivo (v.5). Aquele que luta para que os princípios do Reino sejam estabelecidos, tendo fome e sede de justiça (v.6), mas que é sempre misericordioso, pois se recorda que a seu favor também foi usada a misericórdia (v.7). Como resultado de tudo isso, busca ao máximo viver de acordo com a vontade de Deus, se purificando através da obediência a Escritura, purificação essa que ele sabe que só ocorre graças ao poder do Espírito Santo que limpa seu coração (v.8). Aquele que sabe e entende que estava num estado de inimizade contra o SENHOR, mas que Cristo lhe deu paz expiando seus pecados, e por isso vive de acordo com essa paz, demonstrando essa pacificação que pode ser operada no coração dos homens, levando-os de volta a Deus (v. 9).
Por fim, como resultando de tudo isso, como nenhuma das situações acima expostas é louvada pelos homens, aquele que recebeu o Reino dos céus será perseguido e até morto, porque não vive de acordo com os padrões desse mundo, mas vislumbra daqui, a glória da cidade santa, e do Reino eterno de Jesus Cristo (v10-12).
O que por fim, nos aponta a terceira aplicação contida nesse texto:
3. Viver de acordo com o Reino dos céus despertará perseguição. Porém, é na perseguição que está contido o nosso consolo.
O mundo jamais suportará ver alguém vivendo outro padrão que não o seu. Não por inveja ou despeito, mas simplesmente porque aos homens não fora dado o poder de por conta própria libertarem-se de seu estado depravado e corrupto, a fim de que vivam a realidade transcendente do Reino dos céus. É por isso que deve ser grande nossa alegria, também não uma alegria mórbida, daquele tipo que vê a desgraça de outrem e sorri, mas sim, que regozija-se na graça e na misericórdia do SENHOR, pois por motivos que estão restritos ao Conselho Supremo da Trindade, olhou o Deus Triuno para nós, pobres bonecos de barro, e sorriu através de seu Filho, livrando-nos da morte eterna. Essa é a razão “porque é grande nosso galardão nos céus” (v. 12), perseguiram durante toda a história da revelação aqueles que pregaram e viveram de acordo com o Reino dos céus, e agora, nós fazemos parte dessa história.
Se no seu trabalho, na sua vizinhança, na faculdade ou em qualquer outro lugar, alguém lhe persegue pelo simples fato de você viver de acordo com a Lei do SENHOR, exulte! Não estão perseguindo a você pessoalmente, estão perseguindo ao Rei dos reis e SENHOR dos senhores, e viver seguindo os passos do Redentor é a maior glória que alguém poderia obter nessa vida.
Conclusão
As bem-aventuranças abrem o sermão do monte, estabelecendo a ética do Reino dos céus e demonstrando natureza moral dos que vivem nesse Reino. A graça do SENHOR nos encontrou, trazendo-os até as portas do palácio do Rei, fazendo-nos adentrar por elas. O convite do Rei, sua palavra de ingresso aos portais eternos, rompeu nossa surdez e nos fez ajoelhar ante sua majestade, a fim de que fôssemos salvos da perdição, e passássemos toda a eternidade à serviço do nosso Criador, como era no princípio e o será para sempre.