Jesus e a Mulher Samaritana (João 4)

Evangelho de João  •  Sermon  •  Submitted
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“Quando, pois, o Senhor veio a saber que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João (se bem que Jesus mesmo não batizava, e sim os seus discípulos), deixou a Judeia, retirando-se outra vez para a Galiléia”. (Jo 4.1-3)
Neste relato, Jesus, na sua onisciência divina destacada pela ênfase de João ao Senhor, percebe a preocupação dos fariseus pelo fato de que Ele batizava e fazia mais discípulos que João Batista – a mesma contenda levantada no capítulo 3 pelos discípulos de João. É importante destacar que a preocupação deles não é com uma possível competição entre os dois, mas por não suportarem ver os judeus ouvirem João Batista e agora, com maior dimensão, Jesus.
A reação de Jesus ao perceber isso é interessante. Ele não está preocupado com contendas e dissensões, mas em fazer a vontade do Pai. Ele não quer antecipar o tempo da ira e da condenação sobre os fariseus. Também não quer dar ocasião para uma perseguição desnecessária. Por causa disto, Jesus se retira da região da Judeia e novamente se direciona para a Galiléia.
Um adendo é importante aqui, a eficácia do batismo não está no ministro que realiza o sacramento, mas naquele que tem a autoridade sobre ele, ou seja, Jesus Cristo. Para o autor do evangelho, os discípulos batizarem é o mesmo que Jesus batizar.
“E era-lhe necessário atravessar a província de Samaria”. (Jo 4.4)
Não era necessário na ótica de trajeto. Haviam três rotas principais da Judeia à Galiléia, e apenas uma delas passava por Samaria. E, caso você conheça um pouco sobre o relacionamento entre judeus e samaritanos, perceberá que essa rota não seria a primeira a ser escolhida. Muitos judeus preferiam atravessar o Jordão duas vezes a ter de passar por Samaria.
Contudo, era necessário pela [e por causa] soberania de Deus. Jesus vai através de Samaria pois havia um propósito divino ali: chamar graciosamente para si pessoas, segundo a vontade de Deus Pai. Aprendemos que fazemos não o que é mais cômodo, ou o que atende aos nossos preconceitos modernos ou as aspirações da cultura moderna, mas a vontade de Deus. Uma ovelha perdida vale mais que 99, e essas 99 são formadas de uma em uma - esse é o paradoxo.
“Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José. Estava ali a fonte de Jacó. (Jo 4.5,6a)
Nestes versículos temos o registro geográfico de onde Jesus esteve na região de Samaria. Aqui temos as primeiras fronteiras rompidas por Jesus. Sicar era a cidade conhecida no Antigo Testamento como Siquém [no epitáfio de Jerônimo a Paula, ele sugere que a grafia de Sicar fosse alterada para Siquém] – posteriormente Neápolis. A relação dessa cidade com Siquém é esclarecida no texto mesmo, quando João a localiza como “perto das terras que Jacó dera a seu filho José”. Sicar era um nome dado a cidade, na época de Jesus, e a formação da palavra poderia significar “sepultura”, referindo-se ao local onde José e seus patriarcas haviam sido sepultados, ou um nome depreciativo como “embriagados” (Sicar Siquém – embriagados de Siquém). Samaria era a cidade conhecida pela perversão do culto a Deus e da contaminação do povo de Deus. Em 722 a.C., Salmaneser V e seu general Sargão II invadiram Samaria e trouxeram povos para aquela região, havendo miscigenação e sincretismo. Alguns israelitas voltam do cativeiro babilônico para reconstruir o templo em Jerusalém e não aceitam a perversão existente em Samaria – a perda da pureza teológica. Com isso, os samaritanos construíram um templo rival em Gerizim.
Jesus rompe a barreira cultural, pois vai a uma cidade conhecida como a cidade dos bêbados, vai entrar em contado com os samaritanos e ainda vai falar com uma mulher samaritana de vida imoral – reprovada pela Lei de Deus! Jesus rompe também a barreira racial, pois Jesus tocará numa ferida aberta há 700 anos entre dois grupos sociais – judeus e samaritanos.
“Estava ali a fonte de Jacó. Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte, por volta da hora sexta” (Jo 4.6)
Jesus assenta-se junto ao poço feito por Jacó, ao meio-dia. O filho de Deus demonstra sua verdadeira humanidade ao estar com sede após a viagem, num horário fatigante. Jesus é o salvador que entende nossas necessidades, como diz Hebreus 4.15 “porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas”.
Nisto, veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber. 8 Pois seus discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 9 Então, lhe disse a mulher samaritana: Como sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)? (Jo 4.7-9)
Jesus inicia o sublime trabalho de levar as boas novas àquela mulher samaritana. Compartilhar o Evangelho não pressupõe um método, claro, mas aprendemos com Jesus algumas estratégias para pregar a Palavra de Deus a alguém [é em vão esperar que as pessoas venham a nós em busca de conhecimento, nós devemos começar com elas - J. C. Ryle].
Jesus desperta a simpatia daquela mulher [os destaques de “despertar a simpatia, a curiosidade, a necessidade e a consciência” são do reverendo Hernandes Dias Lopes. Gostei da síntese de suas expressões, por isso as usei]. Ele não inicia o diálogo dizendo quem Ele é e ordenando adoração. Ele não começa acusando os pecados dela. Sabemos de muitas pessoas que não utilizam de sabedoria para compartilhar o evangelho e, ao invés de estabelecer um ponto de contato com o incrédulo, cria uma barreira. Aquela pessoa que já chega dizendo que a pessoa vai para o inferno, aponta os vícios, diz que toda imagem é demoníaca, cria uma barreira para evangelizar. Também não precisamos de mentira, como sugerem alguns pregadores modernos – a exemplo da sugestão alguns em “Loucura pro Senhor”.
A mulher oferece então a primeira resistência ao diálogo: “como sendo tu judeu, pedes de beber a mim”. Primeiro é possível perceber certo desdém ao destacar a origem judaica de Jesus – lembre-se que os samaritanos também odiavam os judeus. Existia na legislação judaica da época que os judeus não poderiam compartilhar os mesmos utensílios para beber ou comer com os samaritanos, e é isso que ela tenta lembrar a Jesus nesta frase dela – o adendo colocado entre parênteses é algo como “os judeus não tem nada em comum com os samaritanos”. Ela faz resistência sem perceber que Jesus estava libertando esse relacionamento.
“Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”. (Jo 4.10)
Depois de iniciar o diálogo, Jesus começa a pregar o a mensagem que ele trouxera. Para isso, ele desperta a curiosidade da mulher samaritana. Ele começa mostrando que o centro de sua mensagem é a oferta dele mesmo, e de forma gratuita. A frase tem uma outra forma de se apresentar conforme João Calvino: “Se conheceras o dom de Deus, a saber, quem é o que te pede”. A oferta da graça, do dom de Deus, é algo entregue a quem não tem nada [não só os arruinados materialmente] - É importante perceber que esse diálogo é com uma samaritana; e é entregue a quem não merece – Jesus, em outro momento, havia orientado seus discípulos a não passarem por Samaria [cf. Mt 10.5], porém, ele mesmo vai cumprir a palavra “Fui buscado pelos que não perguntavam por mim; fui achado por aqueles que não me buscavam; a um povo que não se chamava pelo meu nome, eu disse: Eis-me aqui, eis-me aqui”. Aqueles que entendem o dom de Deus, pedem corretamente a Deus e Ele tem prazer em dar o que eles pedem: água viva.
“Respondeu-lhe ela: Senhor, tu não tem com o que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu, por ventura, maior do que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, e, bem assim, seus filhos, e seu gado?” (Jo 4.11,12)
A mulher acha estranho a posição em que Jesus se coloca e o tipo de água que Ele oferece. Por isso, ela replica: És tu maior que Jacó? E tua água é melhor que a do poço construído por ele? Eu conheço milagre. Faz muito tempo que essa água está aqui disponível e tu vem dizendo que vai dar água viva?
Esse trecho nos lembra que ao compartilharmos o Evangelho, abalaremos as crenças fundamentais do ouvinte, e ele questionará os seus fundamentos. Nossos argumentos devem ser fundamentados na Palavra de Deus, pois só o Espírito Santo pode substituir os fundamentos do incrédulo pelo fundamento verdadeiro: Jesus Cristo.
A resposta da mulher indica que ela entendeu que Jesus queria falar sobre água – por isso ela sugere que Jesus não tinha instrumentos para tirar agua daquele poço. Ela queria saber de qual outra fonte Jesus traria água, já que para aquela eram necessários os instrumentos – e ainda faz um paralelo com o poço de Jacó. Isso não tem nenhuma relação com a ideia do pastor Ed Rene Kivitz de que Jesus se referia ao seu sêmen – numa frase ambígua.
“Afirmou-lhe Jesus: Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele porém que beber da água que eu lhe dera nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna. Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não tenha mais sede, nem precise vir aqui buscá-la”. (Jo 4.13-15)
Jesus está pregando ao coração desta mulher. Por isso, insiste na conversa e responde às suas inquirições (ainda que estas possam ser feitas em desdém) e desperta a necessidade da mulher - “A água do poço de Jacó jorra, mas a minha água é corrente e em abundância”. Primeiro ele a faz saber sobre o tipo e água que ele se refere, daí ela percebe necessidade – ainda que não compreenda perfeitamente. É por isso que a pregação não deve ser feita apenas com a cabeça, pois o evangelho se discerne espiritualmente. Com dizia Willian Penn, a mensagem deve ir de coração a coração. No capítulo 3 um homem culto, doutor da lei, não compreende a palavra. Agora, uma mulher samaritana simples, também não entende. A mensagem que os cristãos levam ao mundo é a única que satisfaz a alma, por isso o Espirito precisa agir.
“Disse-lhe Jesus: vai, chama teu marido e vem cá; ao que lhe respondeu a mulher: não tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido, isto disseste com verdade”. (Jo 4.16-18)
Jesus agora lhe desperta a consciência. Esse texto está totalmente ligado ao desejo dela de receber a água que vem de Jesus – é preciso perceber sua miséria e sua necessidade de recebê-la. Jesus testifica a mulher não apenas que Ele tudo sabe, mas que tudo pode. Porém, falta ela entender que ele não é apenas um profeta, mas o Messias esperado.
“Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és profeta. Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas. (Jo 4.19-25)
Por esse motivo [o apontamento de seu pecado], ela remete a adoração. Ela tem seus pecados revelados, mas demonstra que sua cultura (samaritana) é religiosa e que prestam culto. Mas Jesus lhe conta a verdade sobre o culto. Primeiro que o culto deve ser ao Pai – não é só adorar, mas o objeto de adoração deve ser o correto. Segundo, Jesus rompe uma barreira religiosa. Ainda que os judeus estivessem certos quanto ao culto, e que deles viria a salvação, o importante não é onde se adora, mas como. A adoração de lábios pode ser falsa. Um culto ortodoxo, com a palavra correta pode não ser sincero. Por outro lado, o culto sincero, como muitos cultos idólatras, pode não ser verdadeiro – só sinceridade não basta. O culto ao Pai deve ser verdadeiro. O culto deve ser oferecido efetivamente (ou verdadeiramente cf. Hb 8.2) pela plenitude do Espírito Santo.
Diante das verdades que ela ouve, ela apela para o esclarecimento que o Messias trará. No diálogo que ela tem com Jesus, ela chega onde Jesus quer ouvir: “confio naquilo que o Messias revelar”.
Algo a se destacar acontece nos capítulos 3 e 4 de João. Existem duas das passagens mais memoráveis do Evangelho (João 3.16 e 4.23) pregados para uma só pessoa. Você tem o melhor sermão para pregar na quarta-feira? Ou para uma só pessoa no trabalho, ou no ônibus, ou para os usuários de droga numa esquina? João pregou 3.16 para Nicodemos, um só homem, e o princípio central da adoração para uma só mulher.
“Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo”. (Jo 4.26)
Jesus se revela como o Messias e a mulher tem pressa para falar de Jesus. A samaritana testemunhou do que ouviu de Cristo (28 e 39) – diferentemente dos judeus, que o rejeitaram – e pelo que viram dele (41 e 42). As passagens Jo 1.36, 41, 45, 4.29 mostram que quem tem um encontro com Cristo tem pressa de anunciar a Cristo.
31 Nesse ínterim, os discípulos lhe rogavam, dizendo: Mestre, come! 32 Mas ele lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis. 33 Diziam, então, os discípulos uns aos outros: Ter-lhe-ia, porventura, alguém trazido o que comer? 34 Disse-lhes Jesus: A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra. 35 Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa. 36 O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu fruto para a vida eterna; e, destarte, se alegram tanto o semeador como o ceifeiro. 37 Pois, no caso, é verdadeiro o ditado: Um é o semeador, e outro é o ceifeiro. 38 Eu vos enviei para ceifar o que não semeastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho. (Jo 4.31-38)
Os discípulos chegaram para lhe ofertar pão e sanar sua fome carnal. Mas Jesus mostra os campos a serem ceifados e lhes diz que o verdadeiro pão é fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra. É assim que oferecemos e comemos a verdadeira comida e temos alegria mútua.
Ou a igreja evangeliza ou precisa ser evangelizada.
--
S.D.G
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