O poder do evangelho

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Provocação

Para quem acompanha um pouco o debate público teológico já deve ter visto que o Papa Francisco é uma figura polêmica. Volta e meia ele fala algo que gera burburinhos dos mais antenados.
A homilia do pontífice em 2015 na cidade de Nova York, foi um desses episódios controversos. Em certa altura o papa falou que “a sua [Jesus] vida, humanamente falando, acabou com um fracasso: com o fracasso da cruz” [1].
Embora Francisco seja um tanto comprometedor no que diz, até para o meio católico romano, esse caso me chamou a atenção. Esse trecho de sua fala deveria mesmo causar debate e revolta nos teólogos da internet?
Posso afirmar que nessa linha específica eu concordo com Francisco. Aos olhos humanos, na perspectiva do incrédulo, a vida e obra de Jesus foi um fracasso com apoteose na cruz. O fato de nos incomodarmos com alguém declarando isso, reflete nossa tendência moderna de valorizar a conquista, os grandes resultados, o sucesso. Ouvir que nosso Deus se esvaziou e se fez servo sofredor pode incomodar muito os ouvidos dos cristãos mais secularizados. O evangelho diz que sim, Ele venceu, mas foi pelas pisaduras e morte de cruz.
Esse paradoxo, tão comum aos aspectos do Reino, sempre foi motivo de escândalo. Pense no exemplo do grafite de Alexamenos. Um desenho de um homem com a mão levantada para um homem com cabeça de burro crucificado, a legenda na imagem seria algo como “Alexamenos adora seu deus”. Essa gravura no gesso de uma construção na Roma Antiga, por volta do segundo ou terceiro século, retrata bem como o ambiente romano da época via o cristianismo: um deus fracassado e um asno.

Contextualização

A carta aos coríntios é escrita pelo apóstolo Paulo para lidar com os problemas internos da igreja naquela região. O ambiente cultural da época prezava muito pelo status e glória e por isso as competições, inclusive intelectuais, eram muito frequentes nesse ambiente [2].
Esse padrão mundano foi absorvido pela igreja. Como podemos constatar, haviam problemas, por exemplo, de divisões, liderança, uso dos dons espirituais, liturgia, elitização da fé. Se você enxergasse isso hoje na igreja faria, provavelmente perguntaria: como resolver tantos problemas? Por onde começar?
O apóstolo, após se apresentar e fazer uma oração de gratidão pela vida dos membros da igreja em Corinto, começa seus ensinos nessa passagem.

Exposição

A mensagem poderosa

Logo no início Paulo apresenta seu argumento: a mensagem da cruz é poder de Deus.
O termo “poder” (δυναμις) é importante para nossa perícope e para a epístola aos coríntios como um todo. Ele aparece mais aqui do que em qualquer carta paulina, e junto com o evangelho de Lucas, é o livro com a maior quantidade da palavra, com 15 aparições no total. Entretanto, seu significado pode ser um pouco difícil de definir por ser uma palavra com um campo semântico amplo.
Para elucubrar seu sentido, podemos notar que quando “poder” aparece próximo do termo “palavra” ou “mensagem” (λογος), como é nosso caso, ele traz a ideia de ação, em contraste com somente falar (1Co 4.19-20; Mt 22.29; Mc 6.2; 2Co 6.7;1Ts 1.5;Hb 1.3; Hb 6.5; Ap 3.8);
Assim, o que o apóstolo está dizendo é que a mensagem da cruz é mais do que discurso demagogo, é poder, transformação, dinâmica. Entretanto, para os incrédulos que se perdem, essa mensagem é loucura.
Por que esse contraste? Paulo vai explicar seu argumento nos versículos seguintes

Profecia hermenêutica

O primeiro ponto para defender seu argumento é a citação indireta de uma profecia do AT em Isaías 29.14. Ali, Deus declara seu juízo sobre a hipocrisia do povo de Israel, anulando sua sabedoria. A apóstolo aponta a jurisprudência divina para esse castigo. Não é algo inédito, mas se aplica também para o contexto do apóstolo (v. 20).
Essa ideia é desenvolvida por Paulo em outros momentos. Mais afrente, em 1Co 2.14, nos é dito que o homem natural não pode discernir as coisas concernentes a Deus, pois elas são espirituais. Em 2Co 3.13-14 Paulo afirma que há um véu sobre os judeus quando leem o AT.
Contudo, em Rm 1.19-22 o apóstolo afirma que Deus se revela por meio da criação e os homens ativamente decidem não considerá-lo como Deus.
Não há contradição aqui. Deus vela o entendimento do homem e este se nega a reconhecer Deus.

O meio é a mensagem

Na parte b do versículo 21, Paulo avança sua argumentação. Antes, vimos que a mensagem é poderosa mas está encoberta dos incrédulos, agora sabemos o meio da mensagem: a pregação.
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Deus salva pela loucura da pregação (v. 21); O conteúdo da pregação é o Cristo crucificado (v.22). Para os salvos, o Cristo crucificado não é loucura, mas poder e sabedoria de Deus (v.23)
A forma como o verbo no particípio “crucificado” está é a forma mais enfática do verbo no grego original.
Além disso, Paulo associa esse poder aos judeus de seu tempo - sinal (σημεῖον) e poder (δυναμις) são muitas vezes sinônimos. Por ex, enquanto os sinóticos usam poder, João costuma usar sinais.
Tendo isso em vista, podemos

Referências

[1] https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/ 2015/documents/papa-francesco_20150924_usa-omelia-vespri-nyc.html
[2] Pinto, C. O. C. (2014). Foco & Desenvolvimento no Novo Testamento. (J. C. Martinez, Org.) (2a Edição revisada e atualizada). São Paulo: Hagnos.
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