Mateus 5.21-26

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Cristo passa a demonstrar como a justiça dos agentes do Reino deve exceder a dos escribas e fariseus, através da interpretação e aplicação correta da Lei de Deus neste primeiro exemplo.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
De acordo com o já expomos, é visível a partir deste ponto do sermão do SENHOR Jesus Cristo o modo como ele demonstra aos seus ouvintes como é possível exceder a justiça dos escribas e fariseus (v. 20). Cristo, ao elaborar sua interpretação da Lei e demonstrar que é perfeito cumpridor da mesma, conforme havia sido predito pelos profetas, ensina a verdadeira postura requerida da Lei.
Elucidação
Como temos observado, a base do sermão de Jesus é a clara antítese entre a Lei (corretamente aplicada), e aquela perspectiva errônea elucubrada pelos escribas e fariseus, que consiste num legalismo que submete as pessoas à um estilo de vida vazio e distante daquele que é característico dos que pertencem ao Reino dos céus.
Cristo então passa a fazer aplicações tendo em vista aquilo que foi dito no versículo 20, em que é dito que a justiça dos agentes do Reino deve “exceder em muito a dos escribas e fariseus”. Jesus mostra como isso é possível fazendo aplicações diretas de textos da Lei, ampliando seu significado.
É preciso que se enfatize que Cristo não está trazendo uma interpretação nova, como vimos na análise do texto anterior. A expressão antitética conjuntiva que aparece no texto ("eu, porém, vos digo…"), se traduzida literalmente, pode sugerir uma aparente tensão entre o que foi dito na Lei, e o que Cristo estaria apontando como a verdadeira prática desta. Contudo, Robert Gundry, explicando essas antíteses nesse discurso de Cristo, salienta:
Depois de afirmar a completa validade da Lei e dos profetas, as duas seções do Antigo Testamento lidas na sinagoga todos os sábados, Jesus estabelece a diferença entre o ensino dele e o do Antigo Testamento, não por negar este, como faz supor a designação tradicional “antítese”, mas elevando-o a um nível para qual já estava rumando.
Nesse caso então, a antítese estava sendo posta por Cristo na expansão da compreensão que os seus ouvintes deveriam ter, que lhes havia sido sonegada pelos mestres da lei, quando não a interpretaram devidamente.
O primeiro exemplo que o SENHOR Jesus passa a ensinar aplicando a Lei, é o relacionamento para com os irmãos, algo que os escribas e fariseus em seu legalismo haviam deturpado e empobrecido através de sua arrogância e pelo desejo de promover-se através do código legal que desenvolveram. Cristo cita um texto da Lei e seu paralelo interpretativo: “Não matarás” (Exôdo 20.13); e “Quem matar estará sujeito a julgamento”. Ambos os texto foram usados pelos escribas como referindo-se apenas ao ato externo de assassinar alguém, isto é, somente o ato físico de tirar a vida de alguém era considerado um crime e uma transgressão à Lei. Cristo Jesus, por outro lado, alerta que há uma dimensão muito mais profunda naquilo que a Lei proibia de fato: a disposição do coração do homem em desprezar seu irmão.
Qualquer pessoa que em seu coração se irasse contra seu irmão a ponto de nutrir em si algum tipo de animosidade ou rancor, estaria matando ou cometendo homicídio. A consideração que se deve ter para com os irmãos deve nos levar a amá-lo, o que por sua vez, naturalmente nos faz querer o bem dele. O contrário, porém, segundo a concepção de Jesus, também é verdade: quando negligenciamos o mandamento bíblico de amar o próximo – que também é um princípio da Lei (cf. Lv 19.18) – o coração entrega-se a uma disposição contrária ao nosso próximo, de sorte que o matamos sem que tenhamos tocado nele. Como explicar Sinclair Ferguson:
A lei proíbe o homicídio. Mas era característico aos teólogos da época (como agora!) perguntar “O que isso significa exatamente? Quando um homicídio constitui, na verdade, homicídio?”. As discussões e distinções chegaram ao inevitável resultado de suavizar o ato do homicídio em certas ocasiões e condições. Jesus aponta que, ao fazê-lo, toda a força da Palavra de Deus é destruída. Jesus explica que o mandamento não só proíbe o ato externo, mas também cada pensamento e palavra que buscam destruir a vida de um homem. Além do mais, como quando qualquer outro mandamento proíbe algo, Jesus está nos ensinando que deveríamos tomar todo cuidado possível para promover o contrário daquilo que foi proibido. Nesse caso, ao invés de cometer um homicídio pela mão ou pela boca, deveríamos buscar com todas as nossas forças ter relacionamentos corretos com todos os nossos irmãos.
As provas disso, advém no versículo 22, quando as reações naturais de um coração que odeia seu irmão refletem o homicídio praticado no interior do transgressor: a ofensa, o repúdio, o destrato, são todas atitudes que transgridem a Lei. A intepretação da Lei segundo Cristo, fora omitida pelos escribas e fariseus, pois não são necessariamente ações que podem ser vistas, de maneira que tragam prestígio ou fama para aqueles que agem dessa forma, o que claramente não era o interesse deles. Contudo, o SENHOR Jesus vai mais além em sua elucidação da Lei, pois até este ponto, o SENHOR tem tratado apenas da relação entre irmãos, ou seja, entre pessoas que tanto são próximas a nós, quanto entenderam sua ênfase no verdadeiro ensino da Lei, e estão dispostas a obedecê-la de maneira que o trato amistoso e amoroso de um para com o outro será sempre evidente. Porém, Cristo também salienta que uma disposição favorável também deve ser estendida aos inimigos.
Os versículos 23 a 26 laboram em termos da prática da reconciliação como símbolo de uma moralidade guiada pelo Reino dos céus, isso em dois níveis. O primeiro ainda se restringe ao tratamento entre próximos. O orgulho farisaico jamais ousaria buscar iniciar a restauração de um relacionamento que fora abalado por algum tipo de tensão. A humilhação, o rebaixamento em virtude do próximo a fim de que a verdade e o amor fossem estabelecidos tendo em vista a comunhão, são aplicações que não eram interessantes ao fariseus, pois para isso, teriam de descer de seus “pedestais de santidade”. É exatamente com a ordenança dessa postura que Cristo introduz a realidade ampliada da Lei como caráter distintivo dos agentes do Reino dos céus. “Se, ao trazeres tua oferta, ali te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, [...] vai primeiro reconciliar-te com teu irmão...” (v. 23, 24).
O segundo nível, abrange agora nossa relação com aqueles que declaradamente nos são contrários por algum motivo. Dessa feita, o SENHOR Jesus Cristo é mais profundo em sua didática. Talvez alguém pudesse supor que a postura de retratação estaria apenas condicionada aqueles que de alguma forma estão abertos a recebê-la, isto é, que mesmo feridos por alguma atitude que tenhamos cometido, nutre o desejo de que a reconciliação seja feita. Mas, nosso adversário também deve ser alvo do amor que abunda no coração dos agentes do Reino, estendendo-se também a estes nosso compromisso de prestar-lhe respeito e amor: “Entra em acordo sem demora com o teu adversário...” (v. 25).
O ensino do SENHOR Jesus Cristo aqui exemplificado no cumprimento da Lei, através da ótica correta, combate frontalmente aquilo que era dito pelos mestres da lei, que ensinavam uma lei reduzida a cordialidade apenas entre amigos, ou os que estão numa relação próxima, negligenciando o amor e o ter em alta conta nossos irmãos, evitando nutrir ódio em nosso coração por este, e ainda, a nos mantermos sempre dispostos com uma atitude favorável aqueles que são nossos inimigos e adversário, tendo em vista que a demonstração de misericórdia e amor, são marcas já expostas por Cristo como pertencentes ao Reino dos céus e seus agentes.
A consideração de Cristo em aplicar a Lei de maneira mais aprofundada, está diretamente ligada a dois fatores claros: o primeiro é a própria noção que fora imbuída na Lei como sua intenção natural, a fim de que fosse praticada pelo povo de Deus. Em certo sentido, o SENHOR Jesus não está trazendo nenhuma nova noção à Lei que já não estivesse presente nela, quando foi promulgada. Em segundo lugar, a concepção mais expansiva da Lei, encontra cumprimento em Cristo (v. 17), e dessa forma, a plenitude de sua interpretação está sendo dada no momento cabível a que tais considerações fossem feitas. Embora todo o significado da Lei estivesse latente por exemplo no momento em que ela foi declarada no Sinai, como é o caso da citação feita por Cristo de Êxodo 20.13, Cristo na nova aliança, proporciona que todos quantos o recebem pela operação do Espírito, tenham a noção aprofundada e o poder para praticar a Lei em sua plenitude de significado e ordenanças.
Transição
O trato de Cristo para com a Lei, conforme temos visto, é parte crucial de seu ministério, tendo em vista que tanto a cumpre quanto a interpreta, de acordo com seu ofício profético, como vimos no último sermão. A consideração expandida que Cristo realiza quanto a Lei exibe a marca de seu messiado e da chegada do Reino de Deus para o povo eleito do SENHOR. A aplicação da Lei também salienta a amplitude do pacto que fora firmando com Cristo na eternidade, e que agora traz uma natureza mais plena de todas as realidades gozadas por aqueles que foram enxertados no Reino dos céus.
O perdão e a reconciliação fazem parte dessa esfera abundante da Lei em demonstrar graça e misericórdia. Além disso, a consideração em relação ao nosso irmão e até mesmo ao nosso adversário são intensificadas por Cristo, em seu ensino nesse texto. Porém há outras implicações dessa passagem para nossa vida, que devem ser enfatizadas.
Aplicações
1. A Lei só pode ser entendida através de Cristo Jesus.
Ligado a aplicação do sermão anterior, se Cristo é o cumprimento da Lei, é somente por ele que podemos ter acesso ao significado completo conforme pretendido por Deus. À parte do SENHOR Jesus, o que resta, é a completa incompetência dos homens em interpretar a Lei, de maneira que sempre se verão tentados a usar a Lei em primeiro lugar para se promover, e logo em seguida, irão empobrecê-la com suas concepções do que deve ou não ser feito, baseados no puro legalismo.
Nenhum de nós está autorizado a interpretar as Escrituras baseados em nossas imaginações e gostos, desconsiderando a ação do Deus Triuno, pois o resultado disso, sempre serão normas que violam o sentido real da Lei, que é o de nos mostrar a graça de Deus em seu Filho, Jesus Cristo, salvando-nos por meio da purificação operada pelo Espírito Santo.
2. Nossa consideração quanto a Lei em relação aos irmãos é expandida em Cristo.
Como é claramente o propósito na fala do SENHOR Jesus, nossa consideração em relação aos irmãos é em muito expandida por Cristo, ao nos expor o sentido real da Lei. Nossos documentos confessionais - o Catecismo Maior de Westminster - à luz da interpretação de Cristo da Lei, explicando o sexto mandamento, nos ensina nas perguntas 135 e 136:
Símbolos de Fé: Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve Catecismo (Pergunta 135)
Pergunta 135. Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento?
Resposta: Os deveres exigidos no sexto mandamento são: todo o cuidado e todos os esforços legítimos para preservar a nossa vida e a de outros; a resistência a todos os pensamentos e propósitos, com o controle de todas as paixões, e a evitação de todas as ocasiões, tentações e práticas que tendem a tirar injustamente a vida de alguém, por meio de justa defesa dela contra a violência, por paciência em suportar a mão de Deus; sossego de espírito, alegria de coração e uso sóbrio da comida, da bebida, de remédios, do sono, do trabalho e dos recreios, por pensamentos caridosos, amor, compaixão, mansidão, benignidade, bondade, comportamento e palavras pacíficas, brandas e corteses; a longanimidade, prontidão para se reconciliar, suportando pacientemente e perdoando as injúrias, dando bem por mal, confortando e socorrendo os aflitos, e protegendo e defendendo os inocentes.
Pergunta 136. Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento?
Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a raiva pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e os cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém.
Em não poucos momentos ao longo de nossa vida, cometemos pecados contra nossos irmãos, ou até contra aqueles que não nos querem bem, que muitas vezes são motivados por algum tipo de antipatia que nutrimos dentro de nós, baseados em picuinhas ou motivos pequenos. Nosso relacionamento com nossos irmãos devem ser regados pelo amor e pela graça do SENHOR nosso Deus, nos transformando em servos uns dos outros, e rejeitando todo ódio ou raiva que por ventura possa provocar em nós sentimentos que nos fariam matar nossos irmãos em nossos corações, desprezando-os ou os odiando.
É em observância a Lei de Deus, que compreendemos que devemos amar nossos irmãos, e preservar suas imagens, cultivando dentro de nós todo bom sentimento e toda boa disposição para com eles, a todo momento.
Conclusão
A Lei do SENHOR, quando corretamente interpretada pelas lentes de Cristo, nos abre um horizonte novo, onde podemos contemplar nitidamente a vontade de Deus para nossas vidas. Nossos irmãos, e até mesmo nossos adversários devem ser alvos da graça de Deus em Cristo Jesus através das nossas vida, quando os amamos, e lutamos para que o pecado dentro de nós jamais nos leve a odiá-los a tal ponto de matá-lo com nossas más obras. Um novo coração nos foi dado, um coração capaz de amar. Usemos ele para a glória de Deus.
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