Diante da glória do Redentor. Ou: Quando a gente quer subir e Deus manda a gente descer (Lucas 9.28-45)
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A gente quer tanta coisa que parece boa na vida. Na verdade, as coisas são boas em si, mas não são favoráveis para o caminho de piedade que Deus trilhou para nós. Nem toda coisa boa é o melhor para nós no momento ou na forma que queremos. Somos bem familiarizados a agradecer pelo "sim" de Deus, mas sempre devemos ser gratos pelo Seu bendito "não". É mais ou menos sobre isso que podemos aprender nesse texto.
Provavelmente o leitor da época, principalmente o público judeu ou familiarizado com a tradição judaica, ouviu e leu sobre essa cena lembrando Êxodo 32-34, quando Moisés subiu ao monte Sinai e Deus ali revelou sua glória. Moisés, ao descer, refletia a glória de Deus. Ainda que de costas, Deus ali apresentou sua glória através de sua presença, mas aqui o Deus-homem, o Deus que se fez carne, revela sua face gloriosa como a do unigênito do Pai. Agora, sua glória é mostrada não só a Moisés, mas também a Elias e a alguns de seus discípulos. Que coisa maravilhosa não é mesmo? É o próprio céu na terra. Mas o que fazer diante da glória do Redentor?
Para melhor compreensão do texto, vamos falar sobre cada perspectiva da glória de Cristo naquele monte: a de Jesus, a de Moisés e Elias e a dos próprios discípulos.
1. A perspectiva de Jesus
1. A perspectiva de Jesus
O trecho inicia indicando que o relato se passa oito dias após "proferidas estas palavras". Quais? Aquelas acerca de sua morte e ressureição (Lc 9.18-22). Diferentemente da datação feita nos demais textos sinóticos de Mateus 17.1 e Marcos 9.2, onde é dito que o evento aconteceu seis dias depois ao invés de oito, Lucas está inserindo em sua contagem o dia em que foram proferidas as palavras e o dia da própria transfiguração – ou seja, mais dois dias.
A primeira coisa que vemos no texto é o propósito de Jesus: oração. Ele chama seus discípulos para isso [pra onde você chama seus amigos?]. Jesus é o Filho do Deus vivo. Ele é Deus e eternamente possui um relacionamento íntimo e de amor com o Pai. Como Cristo, sua submissão e confiança no Pai são nossa salvação e a causa de nossa fé, mas também são um paradigma de fé para nós, principalmente pela sua vida de oração. Jesus é o salvador que ora. Se você fizer uma leitura atenta dos evangelhos vai notar que Jesus ora antes de cada momento decisivo de seu ministério – Lc 3.21-23 – confirmação; Lc 5.16 - solitude; Lc 6.12 – decisões; Lc 11.1 – ensino; Lc 22.39-46 – tentação. O verso 28 nos mostra que aqui não é diferente: a disposição de Jesus ao subir o monte, segundo o relato específico de Lucas, foi a de orar.
Aplicação: oração e poder.
Não é à toa que coisas gloriosas acontecem! Seu rosto “se transfigurou, suas vestes resplandeceram de brancura” enquanto ele orava. Mateus diz que “o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz”. Marcos diz que “suas vestes se tornaram resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar”. Quando Jesus ora há a revelação da glória. Através da oração Cristo era capacitado para a obra do calvário. Crente: oração não é para depois, é para antes, durante e depois.
Não pode nos escapar da mente que a transfiguração foi um ato milagrosamente extraordinário. Tomás de Aquino considerava a transfiguração o maior dos milagres. A transfiguração é também uma antecipação: nesse momento, Cristo expressa a inequívoca vitória que o Filho terá sobre a morte. Em sua condição humana, aquele que é também humano como nós, aparece como um dia haveremos de ser: A transfiguração foi também uma transição de condição humana, tal como é em nós agora, para a que será no Dia da Ressurreição (Fp 3.20,21). Jesus ora e Deus lhe mostra que sua vitória é certa e que Ele será exaltado acima de tudo e de todos (Fp 3.9).
Aplicação: Oração, confirmação, e ação.
Após esse evento tão maravilhoso, você poderia se perguntar: “Ele, então, foi para o seio do Pai?”; “Ah, depois da transfiguração, Jesus foi instituído rei e começou o seu reinado na Terra, não?”. Não! Jesus desce do monte e continua seu ministério (Lucas 4:17-19). Oração, confirmação, e ação. Cristo tem a certeza da vitória e por isso marcha até Jerusalém para concretizá-la. Depois da transfiguração, Jesus voltou sua face para o calvário.
2. A perspectiva de Moisés e Elias
Esse grupo de testemunhas da transfiguração é bastante intrigante. Moisés morreu e Elias foi trasladado. Primeiro, aprendemos que a reencarnação não existe: Moisés continua Moisés e Elias nunca morreu. Outra coisa é que não há “morte da alma” até a ressurreição. Moisés e Elias estavam com Jesus sem terem ainda ressuscitado ou recebido seus corpos gloriosos – estavam em glória sim (vs. 31), mas não com o corpo ressurrecto glorificado. Outra é que para aqueles que creem a morte não tem a palavra final. Mas a grande pergunta que é levantada é: porque esses dois grandes homens de Deus estão ali com Jesus?
Moisés e Elias figuravam os dois grandes aspectos da revelação de Deus no antigo testamento: A Lei e os Profetas. O próprio Cristo confirma ser ele a finalidade do AT: Em Lucas 24.25–27 “[...] 25 Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! 26 Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? 27 E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras”.
A Lei e os Profetas apontavam para o futuro: a necessidade de um salvador e a promessa de sua vinda. A Lei e os Profetas tinham um interesse enorme naquele evento: o cumprimento da promessa de salvação. Vejamos o verso 31 em que diz que “falavam de sua partida”. A palavra partida (ἔξοδον/exodos), de onde vem nossa palavra êxodo, é particularmente utilizada aqui. Remetia a caminhada de libertação que Cristo iniciaria em Jerusalém e acabaria na cruz, libertando seu povo do cativeiro não mais do Egito mas dos seus pecados. Seu “êxodo” era sua morte. Esse é nosso êxodo e descanso (Hb 4).
Portanto, ambos, a Lei e os Profetas, estavam sendo cumpridos na Palavra que se fez carne, habitou entre nós cheio de graça e de verdade, para se entregar em humilhação, mas ressuscitar em Glória. O Deus-homem estava cumprindo a revelação de Deus, no tempo e no espaço, e afirmando: há salvação para o mundo caído. Se a Lei apontou o pecado, ali estava a justificação, o perdão. Se os Profetas apontavam para a vinda do Messias resgatador, ali estava O Salvador dos homens, especialmente dos que creem, do seu povo escolhido.
Voltemos alguns versículos e vejamos que o povo pensava ser Jesus Elias ou algum dos antigos profetas. Mas Elias e Moisés não eram Cristo. Eles, bem quistos pelo povo, eram apenas testemunhas de Jesus. A “esperança” do povo tinha a esperança em Cristo. A morte de Jesus é central, fazendo com que eventos como a encarnação e a glorificação tragam significado salvífico para nós. Se Cristo tivesse encarnado e assunto aos céus sem ter morrido, seria algo incrível, mas não salvífico. Mas a morte de Jesus faz com que a encarnação seja garantia de verdadeira substituição e com que a glorificação seja garantia de triunfo, satisfação e poder de nosso Salvador. Por isso, os três conversavam sobre o cerne do evangelho: a morte do cordeiro de Deus.
Aplicação: Moisés e Elias tinham um tema central: o Evangelho. A igreja tem um tema central: o evangelho.
J. C. Ryle nos lembra: “Se os crentes na glória veem na morte de Cristo tanta beleza, que sentem necessidade de conversar sobre ela, quanto mais deveriam fazê-lo os pecadores na terra”.
3. A perspectiva dos discípulos
3. A perspectiva dos discípulos
Primeiro os que estavam no monte:
Primeiro os que estavam no monte:
Se a Lei e os Profetas estavam ali em Moisés e Elias, também estávamos na figura dos discípulos. Tão vacilantes e surpresos, tão ignorantes e cheios de interesse.
No verso 20, ao serem perguntados sobre quem Jesus era para eles, Pedro respondeu: “És o Cristo de Deus”. Pedro, recebeu luz do céu para falar a verdade, mas não compreendia ainda que para Jesus ser o Cristo, sua morte tinha obrigatoriamente que se cumprir [por isso pregar que Ele é o Cristo sem o conteúdo de sua morte, ressurreição e ascensão não era o intento de Jesus - v. 21; Mc 9.9]. Adiantado como sempre e mau conhecedor de si mesmo, Pedro se prontifica como aquele que jamais permitiria que Jesus morresse (Mt 16.22,23)– agiu como um adversário (satanás) de Jesus.
Alguns dias depois essa estranha combinação discípulo e monte acontece - e monte é local para os discípulos vigiarem e orarem, não é? Difícil! Eles dormem. Pedro, Tiago e Joao (vs. 28), encontravam-se premidos de sono. No momento de estarem orando a Deus como Jesus fazia, não podiam sustentar os olhos abertos. Enquanto o Filho estava transfigurado em Glória, eles beiravam o cochilo. Às vezes, o discípulo é precipitado [mete os pés pelas mãos] como Pedro foi um pouco antes, ao se colocar como inimigo e dizer que jamais permitiria que Jesus fosse morto. Outras vezes, os discípulos dormem ou estão fadigados.
Na luta entre o sono e ficar acordado, de repente os discípulos viram a transfiguração de Jesus. Lucas 9:32 é mais específico e afirma que os apóstolos "viram a sua glória e os dois varões que estavam com ele”. Aqueles discípulos testemunharam dois grandes milagres: a transfiguração e a presença de Moisés e Elias. O problema é que eles estão vendo milagres, mas não tem discernimento. Como Nicodemus, estão vendo grandes coisas operadas pelo Mestre [Rabi], mas para ver o reino dos céus não basta ter olhos, tem que ter um coração regenerado. Estavam ali diante do Cristo glorioso as três gerações que incontestavelmente mais viram milagres, mas que foram as mais incrédulas: o povo no deserto, o povo destinatários dos profetas e a geração que viu o ministério de Jesus.
Prova dessa falta de discernimento é que o autor bíblico diz que Pedro falou (vs. 33) “Mestre, bom é estarmos aqui; então, façamos três tendas: uma será tua, outra, de Moisés, e outra, de Elias, não sabendo, porém, o que dizia” [pois havia acabado de acordar?]. Grande bobagem novamente falou Pedro. Por quê? Não percebeu que, por mais maravilhoso que fosse ver dois grandes homens de Deus ali, a primazia e centralidade é exclusiva de Cristo. Eles eram apenas pequenas estrelas; Jesus era o Sol. Entenda: não é que a Lei e os Profetas concorram com as palavras de Jesus, pois elas também são palavras dele e eles são seus fiéis servos. A questão é que Ele é para onde a Lei e os Profetas apontavam. Tudo é para Ele.
Tal verdade é expressa pela sucessão miraculosa [após o silêncio como resposta]: uma nuvem os envolveu e eles encheram-se de medo. Seu esplendor transcendente paralisou Pedro, Tiago e João com temor (Mt 17.1-13). O Pai os prostra e exalta a Cristo. A Lei e os Profetas são colocados em perspectiva e Cristo é enaltecido e magnificado. Uma voz desce dos céus e diz (vs. 34): “Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi”. Novamente a ligação desse evento com a confissão de Pedro “Tu és o Cristo, filho do Deus vivo” é evidente. Se o Pai dos céus revelou isso, e não carne e sangue, a transfiguração deixa claro que a confissão de Pedro é verdadeira [Jesus é realmente o Filho do Deus vivo], bem como que o Cristo é totalmente confiável [“a Ele ouvi”]. Ele agrada ao Pai e a ele devemos ouvir.
Meus irmãos, Deus nesse momento exalta Cristo acima de todas as coisas, visíveis e invisíveis. Cristo é o primeiro em tudo, inclusive em Glória. O Filho não foi glorificado junto à nossa glorificação no final dos temos, mas foi glorificado em meio ao mundo caído para ficar clara a sua primazia e superioridade sobre tudo. Nada se compara a Ele. Pedro afirma que nesse momento o Pai lhe atribuiu Glória e honra especiais (2Pe 1.17). Irineu de Lyon entendeu a particularidade da glória da transfiguração do Deus-Homem, onde "a glória de Deus é um ser humano vivo e uma vida humana real é a visão de Deus". Ali ficou claro que Jesus é “o resplendor da glória de Deus” (Hb 1.3).
Aplicação: só levante a cabeça para ver Cristo.
No relato de Lucas, é omitida uma cena importante: “Então, eles, levantando os olhos, a ninguém viram, senão Jesus (Mt 17.8). Francis Schaeffer nos lembra que esse trecho nos dá uma grande lição: que a melhor perspectiva que o discípulo pode ter é "quando levantaram nada viram, senão a Jesus". A glorificação do filho é a certeza de que Deus triunfará irrevogavelmente. Se eu tiver medo da glória de Jesus como os discípulos tiveram aqui, ao invés de temor reverente, que o Filho me toque e diga: “erga-se e não tema” (Mt 17.7) e não veja nada além dele.
Por último, ressaltamos que é provável que os discípulos não estivessem mal-intencionados. R C. Sproul afirmava que talvez tudo o que eles queriam naquele momento era se banhar na glória de Jesus para sempre. Eles queriam fixar no monte uma tenda para Cristo – ora, lá embaixo só tem problemas! Eles queriam o céu naquele momento, mas o Pai e o Filho negam o seu pedido. Sete dias depois e Pedro não entendia quer se Cristo significava morrer pelos pecadores. Por isso, Deus deixa claro que os discípulos são homens comissionados a ouvir direto de Cristo e segui-lo [a Ele ouvi]. Sproul nos lembra que após a transfiguração “a volta de Jesus para o mundo tem servido de modelo para o ministério da igreja até os dias de hoje. Quando Cristo chama pessoas para o seu reino, ele não as tira do mundo para sempre. Ele as envia de volta com o evangelho”.
Aplicação: Aqui é onde dizemos que a gente quer subir, mas Deus manda descer.
A maravilhosa visão da transfiguração aconteceu com o propósito de encorajar e fortalecer os discípulos de nosso Senhor. Eles tinham acabado de ouvir a respeito da crucificação e morte de seu Senhor (Lc 9.22), que era necessário negar a si mesmos e sobre a disposição de perder a vida por Cristo. Mas eles foram encorajados pela contemplação “da glória que os seguiria” (1Pe 1.11) e da recompensa que todos os fiéis servos de Cristo um dia receberão – a glorificação. Agora eles poderiam descer o monte e cumprir sua missão. Agora eles poderiam ver o desenrolar do êxodo de Cristo: (vs.44) “Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens”.
Adição: Os que não subiram no monte
Adição: Os que não subiram no monte
Marcos 9.14 nos informa que o restante dos discípulos, os que não subiram, estava lá embaixo discutindo com os escribas . Discípulos discutindo e o diabo agindo. Diante de um garoto endemoniado desde criança foram envergonhados, pois eles nada puderam fazer. Os discípulos deveriam estar orando, clamando a Deus, mas perdiam seu tempo com discussões vãs. A disciplina da oração que Jesus tanto desenvolvia lhes faltava. Quando provados, seu cristianismo foi reprovado por falta de poder. Jesus, como que num gemido, lhes reprovou a incredulidade e perversidade (vs. 41). Jesus expulsa o demônio “Sai e deste jovem e nunca mais torne a ele” Mc 9.25. Aquela casta só saía com oração e jejum (Mc 9.29). Cristo demonstra sua majestade (vs. 43) e sua autoridade: o diabo não pode resistir a palavra de Jesus.
Aplicação: Ele precisavam buscar a Deus para poder servir melhor ao próximo.
S.D.G