Mateus 5.27-32

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Cristo interpreta a Lei de Moisés, revelando a falsa perspectiva dos legalistas em relação as inclinações do coração, através dos mandamentos contra o adultério e divórcio.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Continuando sua análise interpretativa da Lei, o SENHOR Jesus Cristo segue demonstrando como a compreensão dos mestres da lei reduz todo o significado do mandamento de Deus a ações que não refletem um coração que foi regenerado para entrar e fazer parte do Reino dos céus. Da mesma forma como fez anteriormente, expandindo toda a compreensão quanto ao mandamento “não matarás”, Cristo revela a degeneração do coração humano, mais uma vez analisando suas inclinações pecaminosas, condenando agora não somente a ação externa do adultério, mas principalmente, a fonte de tal ação: os desejos libidinosos procedentes do coração corrompido dos homens.
Elucidação
Martyn Lloyd-Jones, comentando o erros dos escribas e fariseus, salienta:
A verdadeira dificuldade que embaraçava os fariseus e os escribas era que eles nunca haviam lido atentamente os Dez Mandamentos. Se os tivessem estudado e considerado apropriadamente, então teriam percebido que ninguém pode considerá-los isoladamente, um por um. Por exemplo, o décimo mandamento determina que não se deve cobiçar a mulher do próximo, e isso, como é óbvio, deveria ser tomado em conjunto com o presente mandamento, o qual proíbe o adultério. A lei sempre salientara a importância do papel do coração nessas questões; mas aquela gente, com as suas noções mecânicas sobre a adoração a Deus, com o seu conceito puramente mecânico sobre a obediência, havia esquecido totalmente esse fator.
Julgando-se cumpridores da Lei, os escribas e fariseus estavam violando grosseiramente o mandamento, não atentando para o problema exposto pela Lei de Deus. Os mandamentos do SENHOR expõem a corrupção das intenções do coração do homem, e somente percebendo essas inclinações e lutando contra elas, é possível compreendermos a aplicação do mandamento e assim, observá-lo de maneira que o nome de Deus seja glorificado. Porém, guiados pela heresia que compreende que é possível usufruir a salvação e eleição do SENHOR através de obras, os fariseus minimizaram a compreensão dos mandamentos, para que assim, pudessem promover-se.
Como já dito anteriormente, o coração do legalista alimenta o louco desejo de, ademais de buscar salvar-se fiado em seus próprios méritos, exibir-se como padrão e modelo para outros. O louvor dos homens é seu fim principal, não a glória de Deus. Então, em primeiro lugar, como vem fazendo, Cristo aplica aos seus discípulos a noção de que somente através dele é possível alcançar a salvação; não por obras ou méritos de alguém, mas pelo depósito da fé no Filho de Deus, revelado como o Messias prometido pelo Espírito. Apreendido isso, então, a Lei torna-se o meio pelo qual o próprio Deus nos santifica e nos leva a ser cada vez mais parecidos com Cristo.
No coração dos homens está o grande problema do pecado, e somente quando isso for percebido, alguém poderá corrigir sua ótica de qual é nossa relação para com a Lei, pois antes disso, tudo o que resta é a condenação e juízo, pois jamais homem algum poderá vencer a natureza corrompida do pecado confiando em suas próprias forças, ou como no caso dos mestres da lei, elucubrando algum tipo de código moralista.
A relação entre o pecado e as intenções do coração dos homens é tal, que o SENHOR Jesus Cristo afirma que já na intenção pode residir o próprio pecado:
Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno (vs 28-30).
O adultério não estava apenas no ato de relacionar-se de maneira extraconjugal com outrem, mas antes, o pecado nasceu na própria volição da natureza caída para a prática do ato. Não há como desconectar as intenções ou mesmo ir contra a natureza, numa que a mente já concebeu a infração através do desejo.
É válido que compreendamos que há uma diferença entre a tentação, que é a exposição de um indivíduo ao desejo de pecar, e o ato que está sendo descrito por Cristo aqui. O SENHOR Jesus não está condenando, através da perfeita interpretação da Lei, alguém que está sendo tentado a adulterar, mas, que já executou tal ato em seu coração tendo desejado realizá-lo. O ponto não é lutar contra um desejo, pois se isso caracterizasse necessariamente o pecado, todos cometeríamos pecados a todo momento, o que não é um fato, pois embora sejamos passíveis de condenação devido nossa natureza, o pecado conforme conceituado por Jesus nessa fala é o ato de desejar pecar em sí; a disposição mental voltada para a prática do adultério através da lascívia e dos desejos libidinosos. Aquele que alimenta tal desejo em seu coração, já se desfez de quaisquer freios ou possíveis impedimentos, e em seu íntimo, já entregou-se ao pecado.
Ligado a isso, Cristo então exemplifica através de uma figura de linguagem (i.e. hipérbole (vs. 29-30)), o quanto é melhor lutar contra a tentação nessa vida, do que ser condenado pelo pecado por toda a eternidade. A renhida batalha contra o desejo é a prova de que alguém está atento as ciladas que podem ser armadas por sua natureza caída, assim, seria melhor – figurativamente falando – perder um membro e viver com o desconforto de sua ausência nessa vida, do que ser condenado inteiramente ao inferno por ter dado à luz ao pecado.
Também conectado a isso, outra postura completamente equivocada dos mestres da lei foi desmascarada e contradita por Jesus.
Os mestres da lei, interpretaram a lei de Deuteronômio 24.1-4 de maneira a abandonar uma mulher, por simples desgosto em relação a questões superficiais como explica Ferguson:
[Os mestres da lei] praticamente anulavam a tentação de cometer adultério ao possibilitar o divórcio com base nos motivos mais banais possíveis. Deuteronômio 24.1 exigia do homem cuja esposa “passasse a ser desagradável aos seus olhos por ter ele achado coisa indecente nela” que desse carta de divórcio a ela. Segundo alguns escribas, um homem poderia se divorciar de sua esposa, se ele então a considerasse “sem graça”, ou passasse a desgostar da comida preparada por ela. Uma lei que, evidentemente, visava resguardar as mulheres em Israel foi transformada em cláusula de escape para homens autoindulgentes.
Nos versos 31-32, que também estão conectados pela temática das intenções do coração, Cristo condena o divórcio leviano, algo jamais pretendido pelos escribas e fariseus, pois, suas distorções da Lei serviam apenas ao propósito de dobrá-la a sua vontade, satisfazendo assim os seus desejos. A Lei do SENHOR estava servindo de aio para que homens inescrupulosos pudessem perpetrar tal barbaridade, atentando contra a natureza da instituição do casamento, que também é algo que faz parte da relação pactual de Deus com seu povo.
Enquanto os mestre da lei viam na mesma uma licença para pecar, Cristo reordena e condena essa perspectiva, mostrando todo o princípio que estava contido na Lei, que por meio de sua interpretação, ganha ainda mais vigor e profundidade.
Além do texto de Êxodo 20.14, Cristo cita também, como já exposto, Deuteronômio 24.1-4 que trata também sobre o divórcio, fornecendo, porém, uma proteção para a mulher no caso de um divórcio indevido por uma suspeita ilegítima de seu marido contra ela, acusando-a de adultério.
A Lei que gere questões relacionadas ao adultério está registrada em Deuteronômio 22.22, onde a pena para tal crime é a morte. Contudo, Cristo não cita esta Lei, levando em consideração a intenção dos fariseus em excursar-se licenciando a prática do divórcio por quaisquer razões frívolas. O texto então citado por Cristo não se aplica ao resguardo do homem que de repente vê-se como vítima de algum tipo de negligência ou transgressão de sua mulher, mas prevê a proteção para a mulher contra as falsas acusações de seu marido.
Cristo, executando e interpretando perfeitamente a Lei, analisa todo o conteúdo do texto de Dt 24.1-4 e aplica juízo sobre aquele que compactua com esse divórcio ilícito casando-se com a mulher erroneamente repudiada: “e aquele que casar com a repudiada comete adultério” (Mt 5.32). À luz dessa avaliação de Cristo, este último homem (que se casou com a mulher injustamente divorciada), comete a abominação contra do SENHOR prescrita na Lei de Dt 24.4:
A forma pouco comum do verbo hebraico usado no versículo 4 deixa claro que a mulher nesse caso era a vítima, não a culpada. Ela fora forçada a se declarar impura diante das atitudes cruéis do primeiro marido, mas o segundo casamento demonstrara que esse outro marido fora capaz de se adequar a qualquer impureza que perturbava a mulher. Assim, como a proibição é dirigida ao primeiro marido e não à mulher, fica claro que o objetivo era evitar que ele se casasse novamente com aquela mulher.[1]
É visível que, pelo menos nesse caso, o uso que Cristo faz do Antigo Testamento em sua interpretação, não tem a ver com algum tipo de introdução de nova noção quanto a Lei, mas sim, um com uma aplicação correta levando em consideração toda carga valorativa que sempre esteve presente no Texto Sagrado veterotestamentário, principalmente, quando posto em contraste com o que a tradição judaica dos escribas e fariseus desenvolveram. Porém, o ponto aqui não subjaz a uma simples divergência interpretativa. De acordo com o que fora demonstrado anteriormente, os mestres da lei perverteram a lei; em seus corações corruptos, mudaram a aplicação do texto a fim de pecarem e hipocritamente, passarem uma imagem de “cumpridores da Lei”.
A denúncia de Cristo ao longo de todo o sermão do monte, vai ganhando cada vez mais profundidade e intensidade, ao ponto que cada faceta das distorções da Lei feitas pelos mestres da Lei vão sendo pouco a pouco expostas. Claramente o texto analisado compreende mais um passo dado por Cristo em direção a elucidação do princípio legal das Escrituras que alude ao coração do agente do Reino, aquele a quem foi revelado a chegada do Reino dos céus em Jesus Cristo, e principalmente, considerando as seções anteriores e a presente, como a justiça dos fariseus consiste em um legalismo podre e distante de qualquer consideração minimamente bíblica de qual é a vontade de Deus para o seu povo.
Os aspectos realçados por Cristo demonstram as intenções cruéis do coração dos homens em desenvolverem para si, meios e formas de alcançarem seu objetivo mais profundo: pecar e se rebelar contra Deus. A violação ao princípio sagrado do casamento através do adultério por meio de um divórcio ilegítimo, e as intenções impuras de um coração devasso, são as marcas daqueles que não submetem-se a Legislação Divina.
A Confissão de Fé de Westminster, tratando sobre o matrimônio e o divórcio, resume o princípio bíblico quanto a tal assunto da seguinte maneira:
Posto que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar argumentos a fim de indevidamente separar aqueles que Deus uniu em matrimônio, contudo só é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio o adultério ou uma deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil; para a dissolução do matrimônio é necessário haver um processo público e regular. não se devendo deixar ao arbítrio e discreção das partes o decidirem seu próprio caso.[2]
Como demonstra a Confissão de Fé de Westminster, há no coração do homem, graças a natureza pecaminosa e corrupta, um desejo latente de corromper e aviltar o laço do matrimônio através da licenciosa prática da banalização do divórcio. Porém, como fora explicitado pelo SENHOR Jesus Cristo, tal inclinação também está diretamente ligada a perversão e ao desejo lascivo do coração humano em entregar-se às impurezas propostas pelo pecado. A isto, alude a Confissão de Heidelberg, em sua pergunta 109 com relação ao sétimo mandamento, que fora citado por Jesus:
Pergunta 109: Nesse mandamento, Deus proíbe somente o adultério e pecados vergonhosos semelhantes?
Resposta: Não. Desde que somos, corpo e alma, templos do Espírito Santo, é a vontade de Deus que nos conservemos puros e santos. Por isso, ele proíbe todas as ações impuras, gesticulações, palavras, pensamentos, desejos, e tudo aquilo que possa nos induzir à impureza.[3]
Transição
Todas essas considerações servem como reforços daquela advertência feita por Cristo em Mt 5.28, qual seja, de que se em nossos corações alimentarmos e dermos vazão aos desejos impuros que nos assaltam diariamente, estamos pecando contra Deus em nossa mente, e isso já em si é suficiente para que transgridamos a Lei, assim como nos é natural, quando muitas vezes, também eivados por uma sanha legalista, achamos que podemos driblar a Lei de Deus, como fizeram os mestres da lei que Cristo está combatendo.
Porém, a Lei do SENHOR é perfeita, e jamais nos deixará a mercê de nossa natureza, mas, nos guiará sempre para o centro da vontade de Deus o Pai, em seu Cristo, que é nos tornar santos, assim como seu Filho bendito o é. Em vista disso, o texto de Mateus 5.27-32 nos faz observar alguns princípios e aplica-los a nossa vida.
Aplicações
1. Nosso coração sempre desejará corromper a Lei de Deus, a fim de pecar licenciosamente.
Ao olharmos para os escribas e fariseus, geralmente, os consideramos homens terríveis, com os quais jamais pensaríamos em nos associar. Porém, infelizmente, nosso coração sempre desejará agir como eles agem: procurando “brechas” na Lei de Deus para justificar os nossos desejos, principalmente em relação a pecados que o SENHOR claramente proíbe em sua Lei.
Legalismo e libertinagem andam lado a lado na contra mão da Lei do SENHOR, servindo aos anseios corruptos do coração de homens perversos, que apenas desejam beneficiar-se. A vigília quanto a nossa mente deve ser constante, através do ensino correto das Escrituras, saberemos qual é a boa vontade de Deus em Cristo para nós, e certamente essa vontade não inclui a entrega ao pecado de maneira licenciosa e fingida. É bem verdade que na maioria das vezes, nos veremos numa situação em que precisaremos fazer morrer nossas vontade para que prevaleçam as ordens do SENHOR, e assim cumpramos sua vontade. Mas se desconfiarmos das intenções do nosso coração, através de uma leitura fiel da Palavra do SENHOR, não cairemos nas armadilhas que ele nos apresenta e glorificaremos o nome de nosso Deus, como verdadeiros agentes do Reino.
2. Devemos tomar cuidado com os desejos de nosso coração.
Como claramente nos mostra o SENHOR Jesus Cristo, os desejos de nosso coração são perigosos também porque nos levam a pecar, mesmo que não tenhamos cometido o pecado em termos da ação envolvida nele. Por exemplo, o olhar lascivo para uma mulher, isto é, não a tentação, mas a vontade, a disposição mental que já entregou-se ao pecado, já pode ser considerado transgressão tanto quanto o ato em si. Porém, isso não se aplica somente ao desejo sexual pecaminoso, mas a qualquer anseio ou desejo que não sejam lícitos à luz da Palavra de Deus.
O exemplo que Cristo nos deu serve para entendermos como o pecado funciona, como a mente corrompida dos homens se afunda no pecado de várias maneiras possíveis, e um delas é o próprio desejo.
Nunca será demais desconfiar de nosso próprio coração. Nunca será de mais nos autoexaminar constantemente, a fim de que procuremos dar lugar à lei de Deus resistindo a vontade que brotar dentro de nós em pecar, pois como já nos exorta a Escritura: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração,
porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23).
Conclusão
O cumprimento da Lei de Deus nos leva naturalmente a observar o quanto somos corruptos e que nossa esperança e confiança devem estar em Cristo, aquele que redime nossa natureza, libertando-nos pouco a pouco da devassidão do pecado e guiando-nos a santidade e pureza pelo poder do Espírito que nos deu acesso ao Reino dos céus em Jesus Cristo, o Filho de Deus.
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