Mateus 5.38-42
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 10 viewsCristo exemplifica como a justiça do Reino dos céus excede a dos escribas e fariseus, através da manifestação de graça e perdão ao invés de vingança desproporcional e legalista.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Com base no que fora abordado na seção anterior, o texto de Mateus 5.38-42, está localizado no sermão de Cristo às multidões e reflete mais uma aplicação daquele princípio que fora exposto por Jesus, que aponta para seus ouvintes o conhecimento correto e perfeito da Lei a fim de que os agentes do Reino sirvam a Deus da maneira como fora tencionado por ele em sua Lei.
Elucidação
Caminhando mais neste primeiro capítulo do sermão do SENHOR Jesus Cristo, como notamos, a consideração de Cristo quanto a Lei agora volta-se a regulação das ações dos juízes ou daqueles responsáveis por aplicar sentenças entre o povo, com o fim de conter quaisquer abusos, de acordo com sua citação da lei mosaica de Êxodo 21.24, Levítico 24.20 e Deuteronômio 19.21. Tais normas contidas na Lei de Deus tem como objetivo exercer perfeito juízo sobre culpados, tanto deixando boa margem para que, quando arrependido, o culpado possa se retratar ao invés de ser sumariamente destruído, bem como evitar que a impunidade se instalasse no coração do povo, de modo que não temessem a Lei em termos de suas punições.
Mais uma vez, Cristo corrige a perspectiva dos fariseus e escribas quanto a aplicação dessa Lei, como afirma Lloyd-Jones:
No que dizia respeito ao ensino dos fariseus e escribas, a dificuldade central deles é que se inclinavam por ignorar totalmente o fato que esse ensino se destinava exclusivamente aos juízes, mas antes, dele faziam uma questão de aplicação pessoal. E não somente isso, mas também, à sua maneira tipicamente legalista, consideravam como questão de direito e de dever executar “olho por olho” e “dente por dente”. Para eles, tratava-se mais de um direito sobre o qual deveriam insistir do que algo que servia para restringir os excessos. A perspectiva deles era legalista, pois só pensavam em termos de direitos — uma manifestação da atitude egoísta do ser humano. Portanto, tornavam-se culpados de dois erros, quanto a esse particular. Transformavam uma injunção negativa em um mandamento positivo, e, além disso, interpretavam-na e executavam-na eles mesmos. E ainda ensinavam outras pessoas a agirem dessa maneira, ao invés de providenciarem para que a execução desse preceito fosse uma prerrogativa dos juízes, que eram os responsáveis pela lei e pela ordem.
O egoísmo e legalismo reinante no coração dos mestre da lei era tamanho que a única coisa que cogitavam em se tratando desse ponto da Lei era em como poderiam exercer seus direitos e vingar-se de toda e qualquer pessoa que de alguma forma os fizesse mal ou causasse algum dano.
Como demonstrado, esse nunca foi o intuito da Lei, mas sim, manter equivalentes crime e pena, para que nunca fosse extrapolado o limite, impondo a alguém um castigo desproporcional ao erro cometido, de maneira que o caráter misericordioso da Lei fosse ocultado. Assim, não se trata de mais um erro de interpretação, o ponto aqui discutido e corrigido pelo SENHOR Jesus é o coração dos mestres da lei que desejavam apenas ver-se como lesados ou quando de fato sofriam danos, executavam duras penalidades sobre os ofensores. Não há espaço na mente farisaica para misericórdia e compaixão.
Certamente o princípio da aplicação justa da Lei conforme exposta por Cristo se choca em primeiro lugar com a tendência natural do homem de sempre ver-se como vítima das ações de outrem, bem como com a tendência natural do ser humano de confundir pacificidade com pacifismo.
Os paralelos antitéticos são estabelecidos por Cristo, não como que apontando para uma tensão entre os princípios que ele está promulgando e aquilo que consta na Lei, pois, já temos visto que não há qualquer antítese entre a Lei e Cristo. Porém, cegos em seus próprios anseios de promover-se através da legislação divina, os escribas e fariseus viam através do texto destacado, um meio de simplesmente perpetrar a crueldade com aqueles que erram causando algum tipo de dano a outros. Se o entendimento distorcido dos fariseus para apenas na frase “olho por olho, dente por dente”, Cristo estabelece um paradigma perfeito para que esse ponto da norma celeste fosse perfeitamente cumprida. Ao invés de assumir uma postura legalista que visa apenas sentenciar quem quer que tenha feito o mau, o SENHOR ordena: “não resistais ao perverso”, além disso, exemplifica ações que refletem os princípios aqui expostos por ele.
O desejo de executar vingança e fazer justiça pode esconder por trás uma profunda e terrível falta de amor pelo próximo, o que certamente é algo que destoa completamente do caráter esperado dos agentes do Reino.
Quatro exemplos são então dados pelo SENHOR Jesus Cristo a fim de combater o uso descabido desse princípio legal. Do verso 39 ao 42, Cristo expõe exemplos de ofensa ou situação na qual a justiça dos fariseus nada tinha a ver com o verdadeiro cumprimento da Lei. Dar a outra face após ter sofrido um tapa era algo inimaginável para os escribas e fariseus, numa que era uma forma terrível de ofensa para a cultura do Oriente Próximo na época de Jesus. Porém, observando que os homens são tendenciosos a buscar vingança através do revide de um ato tão infame quanto este, Cristo motiva o coração do agentes do Reino a oferecem a outra face.
Muitos usam esse princípio para defender alguma postura pacifista, como já mencionamos. Mas o texto não está sendo usado para dirimir o direito de alguém em defender-se quando sua vida corre perigo, e sim, para advertir aqueles que entraram no Reino a não agirem de maneira cruel e egocêntrica, rejeitando qualquer tipo de ofensa por meio de um comportamento vingativo.
Os próximos exemplos que Cristo dá para a postura esperada por aqueles que o reconhecem como o Redentor e Autor da salvação, tendo adentrado seu Reino, laboram de igual forma sobre uma postura desprendida de autojustificação em relação a alguma querela que pareça injusta. Dar a túnica e andar a segunda milha são figurações de ações que revelam um coração voltado ao exercício da misericórdia e graça, como coloca R. C. Ryle:
O Senhor Jesus proíbe qualquer coisa parecida com um espírito vingativo, que não esteja disposto a perdoar. A inclinação por se ressentir diante das ofensas, a prontidão em ficar ofendido, uma disposição contenciosa e briguenta, a insistência em reivindicar nossos direitos — tudo isso é contrário à mente de Cristo.
Estar sempre disposto a ajudar os necessitados (v. 42) embora seja um princípio que pareça ser impossível de ser criticado, era algo que passava desapercebido à mente dos mestre da Lei, afinal, o legalismo consiste de um desejo infame de pensar apenas em si mesmo, e em como pode ser favorecido de alguma forma.
O texto da Lei citado por Cristo, reflete o ensino contido no Pentateuco conforme registrado em três passagens paralelas: Êxodo 21.24; Levítico 24.20 e Deuteronômio 19.21. Em todas as passagens há proibições claras contra o uso descabido da força e contra a violência, como é o caso do texto de Êxodo. As outras duas passagens, porém, acrescentam uma significação mais aprofundada desse princípio. A passagem de Levítico retrata o caso de alguém que teria blasfemado contra Deus e por isso, deveria ser expulso do arraial:
Apareceu entre os filhos de Israel o filho de uma israelita, o qual era filho de um egípcio; o filho da israelita e certo homem israelita contenderam no arraial. Então, o filho da mulher israelita blasfemou o nome do SENHOR e o amaldiçoou, pelo que o trouxeram a Moisés.
Após uma advertência para que o mesmo fosse removido do meio do povo e executado por sua ofensa, o texto do verso 20 é registrado apontando que não deve existir separação ou julgamento diferente entre um israelita e um estrangeiro: em virtude de um pecado, a devida sentença deve ser aplicada. Em face deste último contexto, a terceira citação onde a expressão referida por Cristo é encontrada é Deuteronômio 19.21, que também é uma advertência direcionada aos juízes, para que estes cuidassem de também serem fiéis nas demandas que exigissem aplicação da Lei com a devida proporção:
Não mudes os marcos do teu próximo, que os antigos fixaram na tua herança, na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá para a possuíres. Uma só testemunha não se levantará contra alguém por qualquer iniquidade ou por qualquer pecado, seja qual for que cometer; pelo depoimento de duas ou três testemunhas, se estabelecerá o fato. Quando se levantar testemunha falsa contra alguém, para o acusar de algum transvio, então, os dois homens que tiverem a demanda se apresentarão perante o SENHOR, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naqueles dias. Os juízes indagarão bem; se a testemunha for falsa e tiver testemunhado falsamente contra seu irmão, far-lhe-eis como cuidou fazer a seu irmão; e, assim, exterminarás o mal do meio de ti; para que os que ficarem o ouçam, e temam, e nunca mais tornem a fazer semelhante mal no meio de ti. Não o olharás com piedade: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.
Dessa forma, o contexto geral em que a citação é feita, alude ao mandamento do SENHOR para que o povo execute juízo proporcional, tendo como base uma declaração formal e direta do Criador, e não uma abertura ou concessão para que se priorize a execução da justiça de maneira direcionada a vingança ou ao destrato para com o próximo, como era o pensamento dos mestres da Lei.
Aquilo que o SENHOR Jesus Cristo está combatendo ao proferir essas palavras, não é simplesmente o assumir uma postura neutra, de maneira que nos tornemos insensíveis a atos de injustiça, mas ele explicita aqui uma disposição do coração humano, que na sua maldade, reage sempre em termos de um gatilho que está pronto a ser disparado contra qualquer um que nos faça mal, como já dito.
A natureza humana nunca se satisfará, se deixada a vontade, em vingar-se de maneira correspondente a algum tipo de atitude negativa desferida contra si, mas por causa do pecado, o que acalentará o coração pecador sempre será a retribuir um tanto mais a ofensa ou situação vexatória da qual foi vítima.
Transição
Cristo ensina a prontidão do coração em exercer misericórdia e a estar sempre disposto a fazer o bem, mesmo aqueles que nos maltratam. Cristo é o principal exemplificador desse princípio da Escritura Sagrada. Pois, quem mais foi ofendido do que ele nesse mundo? Quem foi mais ferido injustamente, ou a quem foram dirigidas as mais terríveis acusações falsas? Quem mais foi conduzido ao tribunal sendo-lhe exigido retratação indevida? O próprio SENHOR Jesus foi aquele que viveu e demonstrou como é possível viver a luz desse princípio da Lei, cumprindo a justiça de Deus para o bem daqueles que em sua natureza o ofenderam, mas que por meio do seu sangue, foram reconciliados com Deus.
Aplicações
1. Um coração vingativo declara que não pertence ao Reino de Deus.
O SENHOR Jesus Cristo está combatendo a disposição do coração em rejeitar ser vitima de algo que nos faça mal de maneira injusta, e mais; combate uma tendência natural nossa que nos faz crer que nunca devemos “sair por baixo” em relação a quem quer que nos fira ou destrate. Como já abordamos, a mente farisaica jamais poderia conceber o ato de virar a outra face para quem nos estapeou. Não porque o ato é mau em si, mas porque havia no coração daqueles homens uma sede por vingança e por retribuir o mal com o mal.
Como aqueles que foram reconciliados com Deus, após termos o ofendido tanto, somos os exemplos claro de que as ofensas não devem ser prontamente respondidas com vingança ou rancor, mas com misericórdia em primeiro lugar. O clamor por justiça muitas vezes pode esconder o desejo demoníaco de repelir uma afronta com outra, e dessa forma, o pecado ganha vazão em nosso coração afastando-nos de Deus.
A Escritura nunca nos incentiva a compactuar com a injustiça, quer seja cometida contra nós ou contra qualquer pessoa em qualquer situação, mas o texto não trata da execução da justiça, mas revela a tendência macabra do coração dos homens em chamar de justiça a vingança maligna que desejam executar, rejeitando serem vítimas do que quer que seja.
2. O vitimismo também não revela um coração distante do Reino.
Uma postura de vitimismo também não é ao que caracteriza aqueles que fazem parte do Reino dos céus. Ver-se como vítima sempre; como alguém sempre injustiçado ou lesado pelas ações de outrem é algo indigno daqueles que foram chamados em Cristo Jesus a uma nova vida. Certamente nos céus se encontra o justo juiz que a tudo vê. A seu tempo, ele executará a justa sentença. Mas lembremo-nos de que ele não poupou seu próprio Filho de ser vítima das injustiças de homens maus e perversos. Como, pois, poderíamos achar que somos melhores do que Cristo, sempre alimentando em nossos corações o sentimento de que deveríamos ser vingados ou que outras pessoas deveriam retratar-se conosco pelas ofensas que comentem contra nós?
Há graça suficiente em Cristo Jesus para que não dependamos de algum tipo de favor dos homens, a fim de nos sentir abraçados pelos braços justos do Criador. Por isso, devemos manifestar a graça de nosso Deus a outrem. Sempre que a injustiça nos ferir, ou que a ofensa nos tentar para que caiamos em sua armadilha de que fazer com que exijamos vingança, que olhemos para o exemplo de Cristo, que mesmo sendo rejeitado e pisado por nós, levou em consideração que éramos necessitados de sua graça e amor, para que fôssemos resgatados das trevas do pecado, e fôssemos transportados para seu Reino de luz.
Conclusão
A cada ofensa sofrida, a cada injustiça cometida contra nós, é nos dado a oportunidade de demonstrar o quanto nosso Deus é rico em perdoar e em vencer o mau com o bem. Deixe que a graça flua através de você e alcance outros; pelo perdão oferecido, mesmo diante de uma ofensa dura. Lembremo-nos que o grito de ódio do mundo é na verdade um pedido de socorro de almas que estão distantes da graça de Deus.
Fomos perdoados, nossas ofensas foram esquecidas; pelo Espírito de Cristo, podemos testemunhar ao mundo que isso é dom de Deus, e que é oferecido a todos aqueles que crerem no Messias prometido: Jesus Cristo.