O HOMEM PERFEITO/Tiago 3
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Transcript
2 Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo.
Introdução
Introdução
A Epístola de Tiago foi escrita a todos os cristãos do seu tempo e trata de assuntos práticos da vida cristã. O autor fala de pobreza e riqueza, tentação, preconceito, o falar e o agir, o criticar, orgulho e humildade, paciência, oração e fé. Ele põe acima de tudo a necessidade de não somente crer como também agir.
A partir do terceiro capítulo Tiago passa a falar aos ouvintes diretamente dirigindo-se a eles na segunda pessoa do plural.
Após indicar que pretende mudar de assunto com sua fórmula costumeira (“meus irmãos” em Tiago 3.1), o apóstolo faz uso de uma série de verbos no imperativo.
Tiago se apresenta a eles como sendo susceptível às mesmas dificuldades e equívocos.
1. FALAR POUCO
1. FALAR POUCO
A mentalidade androcêntrica (machista) de muitos cristãos extremamente zelosos, mas carentes de entendimento, faz com que facilmente se lembrem das injunções paulinas, registradas em 1 Ti 2:11-12, que insistem no silêncio feminino no ambiente eclesiástico.
No entanto, poucos se recordam que Tiago faz uma declaração semelhante em relação aos homens: “meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um juízo mais severo” (3:1).
Tiago exorta os homens da igreja cristã primitiva a que também fiquem em silêncio a não ser que tenham algo urgente a dizer. A maioria dos exegetas bíblicos, até hoje, não se deu ao trabalho de tentar explicar por que Paulo preferia que as mulheres não falassem no contexto eclesiástico. Para eles, parece óbvio que, sendo mulheres, deveriam ficar mesmo em silêncio. A coisa é diferente com esta passagem de Tiago.
Os estudiosos têm feito verdadeiro esforço para sugerir explicações plausíveis para o fato de Tiago querer limitar o número de homens falando na igreja:
Talvez o apóstolo quisesse evitar as rivalidades.
Talvez ele estivesse preocupado com as interrupções litúrgicas que prejudicavam o espírito de adoração.
É possível até que tivesse preocupações éticas e procurasse evitar que, com tantas pessoas tentando projetar-se acima dos outros, a integridade da mensagem fosse prejudicada.
Outra sugestão é que, por razões sociais, Tiago preferisse que apenas aqueles mais qualificados exercessem um papel de liderança na proclamação do evangelho.
A verdade é que Tiago procura confrontar seus ouvintes em relação àquilo que transparece ser, em sua epístola, o calcanhar de Aquiles da comunidade cristã primitiva: o uso da língua. Por isso, Tiago nos remete a sua discussão acerca da perfeição cristã em 2:10:
10 Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos.
Sua íntima compreensão da natureza humana o leva a declarar, agora, que “todos nós tropeçamos em muitas coisas” (3:2). Ou seja, como se percebe, Tiago nunca intencionou que o cristão fizesse esforços para ser perfeito em todas as coisas. Tiago deixa claro que compreende que a vida cristã envolve altos e baixos.
2. CONTROLAR A LÍNGUA
2. CONTROLAR A LÍNGUA
No capítulo 3, como em qualquer outra parte de sua epístola, a perfeição requerida por Tiago é relativa.
Homem perfeito
Para ele, “O Homem “Perfeito” (téleios aner) é simplesmente aquele que consegue refrear a própria língua (3:2).
Mulher perfeita
É irônico que tantos cristãos tenham ensinado, ao longo dos anos, que a mulher perfeita é aquela que fica em silêncio com respeito às questões mais importantes da experiência cristã quando, de fato, o que a Bíblia ensina é que o homem perfeito é aquele que consegue controlar a língua, demonstrando-se também capaz de controlar o resto do corpo (3:2).
Para o líder cristão, essa declaração se reveste de suma importância. Se conseguir controlar a própria língua, conseguirá refrear o corpo.
Ora, o corpo é o corpo de Cristo. Isso significa que o líder cristão só será bem sucedido em conduzir o corpo de Cristo, a igreja, se puder controlar a própria língua. Quantos líderes cristãos não se beneficiariam dessa compreensão?
De novo, a palavra “refrear” (χαλιναγωγέω), que já havia aparecido em 1:26, é aquela palavra rara usada exclusivamente por Platão e por aqueles que comentaram, na Antiguidade, a obra do filósofo.
Isso não nos deveria surpreender, pois Tiago vai fazer agora uma verdadeira incursão às profundidades da literatura greco-romana para provar seu ponto de vista de que o homem perfeito deve controlar sua língua.
3. SETE METÁFORAS
3. SETE METÁFORAS
Apoiado em seu conhecimento da literatura greco-romana, Tiago vai empregar sete impressionantes metáforas para mostrar que a falta de controle em relação às palavras pode causar grandes males.
a. Cavalo indomável (3.3)
a. Cavalo indomável (3.3)
O cavalo precisa ser subjugado com a ajuda de bridas ou freios (chalinoi).
Essa imagem não é original. Pelo contrário, a metáfora é recorrente em toda a literatura grega, a começar pela tragédia Antígone, de Sófocles.
O texto septuagíntico de Sl 38:1 apresenta a mesma ideia, embora não use a palavra “brida”. A mensagem de Tiago é que algo tão pequeno como um freio, em comparação ao tamanho colossal de um cavalo, pode controlar o animal. Ou seja, Tiago nos adverte que mesmo as coisas pequenas podem controlar as coisas grandes.
A língua pode e vai controlar o homem se este não fizer um esforço contínuo e concentrado para evitá-lo.
b. Leme de um grande navio (3:4).
b. Leme de um grande navio (3:4).
Os navios nos tempos do Novo Testamento podiam atingir dimensão surpreendente. Lucas conta-nos que Paulo viajou em um navio com mais de 270 pessoas (At 27:37).
Os judeus não foram conhecidos, na antiguidade, como construtores de barcos. A história nos sugere que não navegavam, senão como passageiros. No entanto, tendo se dispersado pelo mundo, é provável que tenham se familiarizado com as embarcações da época.
A metáfora da língua como leme era bem conhecida. Trata-se de uma imagem tão comum, que a encontramos em Plutarco, Aristipo, Filo e Lucrécio. A ênfase de Tiago recai sobre a desproporção entre “navios tão grandes” e “um pequenino leme”.
A mensagem se repete: coisas aparentemente insignificantes podem ter grandes conseqüências na vida do cristão.
Além disso, a língua “se gaba” (auchéi) de grandes coisas (3:5), o que nos faz lembrar que a misericórdia se jactância do juízo (2:13). Ou seja, do mesmo modo que a misericórdia triunfa sobre o juízo, a língua pode derrubar o maior dos projetos humanos. De uma metáfora náutica, mudamos para uma metáfora ambiental.
c. Fagulha ou Faísca (3.5)
c. Fagulha ou Faísca (3.5)
Tiago compara a língua a uma faísca (helíkon pyr) de calamitosas conseqüências, pois coloca sua ênfase sempre no fato de uma coisa pequena ser responsável por uma grande conseqüência.
d. Fogo e Kósmos (3.6-7)
d. Fogo e Kósmos (3.6-7)
Tiago usa a diatribe sapiencial, ele não deixa de recorrer ao acervo de provérbios e máximas da tradição judaica. Símiles que apresentam a língua como “fogo” podem ser também percebidas em passagens da tradição judaica, como Pr 16:27; 26:18-22; e Sabedoria 28:22.
A metáfora seguinte (3:6b-7) é repleta de mistérios. Como a palavra grega kósmos significa tanto “mundo” (como em João 1:10) quanto “adorno” (como em 1 Pedro 3:3), é difícil decidir qual tenha sido a real intenção de Tiago ao dizer: “a língua também é fogo, mundo/adorno de iniquidade situada entre os nossos membros” (Tg 3:6a). O fato de o apóstolo localizar sua metáfora no corpo humano (“entre os nossos membros”) talvez sugira que Tiago estivesse, de fato, se referindo a um adorno de efeito contrário ao pretendido.
Muitas vezes, existe por parte da pessoa humana o desejo de exibir uma beleza além daquela que realmente possui.
Isso tem levado alguns a ostentar todo tipo de adornos.
No entanto, essas tentativas nem sempre são coroadas de êxito e tenho visto adornos inadequados tirarem a beleza de muitas pessoas que, de outra forma, seriam deslumbrantes em sua simplicidade.
Por isso, proponho que kósmos seja traduzido, aqui, como “adorno”, pois não é sem razão que Tiago afirma que a língua “contamina todo o corpo, inflama o curso da natureza, e é por sua vez inflamada pelo inferno” (3:6b).
A interpretação de que kósmos, em 3:6 signifique “adorno” ainda é mais forte porque, como temos visto, a ênfase de Tiago tem sido sempre de que uma coisa pequena pode prejudicar uma coisa grande. A metáfora da língua como adorno inadequado é a quarta numa série de sete figuras de linguagem.
Se atentarmos para o gosto dos escritores judaicos de usar um dispositivo literário conhecido como quiasma, que consiste em isolar um termo na posição central de um arranjo de possíveis posições, é provável que, ao colocar essa metáfora no vértice do quiasma, Tiago esteja dizendo que ela é a mais importante da série.
Um outro fator que corrobora essa minha teoria de que Tiago atribui ênfase especial a essa metáfora é que esta constitui a imagem mais original na série. Em nenhum outro lugar da literatura antiga, até onde eu saiba, a língua é comparada a um adorno.
É como se Tiago tivesse feito uma minuciosa revisão de literatura e encontrado as principais símiles e metáforas relacionadas à língua, mas escolhesse aquela que ele mesmo propõe para que ocupe o lugar central da discussão dos malefícios de uma língua desgovernada.
Além disso, o mistério relativo a essa imagem literária e teológica impregna-se de especial interesse por causa de outras expressões inesperadas que Tiago faz aparecer em conexão com essa metáfora.
A língua contamina o corpo porque, conforme Tiago não se cansa de frisar, uma coisa pequena pode prejudicar uma coisa grande. Da mesma forma, a língua inflama a roda da vida porque, como acabamos de mencionar, a falta de controle em relação às palavras pode trazer sérios problemas para a vida quotidiana de um cristão. É difícil saber, no entanto, o que o apóstolo quer dizer quando afirma que a língua é inflamada pelo inferno. A palavra para “inferno”, nessa passagem, é o termo geéna, usado doze vezes no Novo Testamento, sempre nos evangelhos.
A palavra se refere geralmente ao vale de Hinom, perto de Jerusalém, onde os israelitas sacrificaram seus filhos a Moloque, em seus momentos de apostasia. O local tornou-se o monturo da cidade, onde também eram sepultados os criminosos condenados à execução.
Se quisermos, de novo podemos considerar alegoricamente que Tiago trata, aqui, do corpo eclesiástico. O que ele nos diz, nessa linha de pensamento, é que o mau uso da língua contamina a igreja, prejudicando a vida da comunidade e transformando-a em um verdadeiro suplício. Além disso, a motivação para a proferição de palavras danosas provém, invariavelmente, do maligno (geéna).
e. Veneno (3.8)
e. Veneno (3.8)
A quinta metáfora de Tiago compara a língua a coisas completamente irrefreáveis: os efeitos de um veneno ou, talvez, de uma praga (3:8).
Para intensificar a extensão da ameaça provocada por essas coisas, o apóstolo menciona que até mesmo as feras são domadas pelo homem (3:7). O homem, de compleição menor que a dos grandes animais selvagens, ainda consegue subjugá-los, pois o que é pequeno pode dominar o que é grande. No entanto, nada pode controlar a língua, pois ela é “um mal insopitável, cheia de peçonha mortífera” (3:8).
A palavra “mal” (kakón) é bastante ambígua, podendo ter, como em português, o sentido de uma enfermidade ou de qualquer outra circunstância perniciosa, cuja cura não é fácil de ser obtida. Além disso, a língua está cheia de veneno mortal. Duas metáforas, com efeito, se misturam, nesta passagem. A língua é uma fera indomável, quem sabe uma serpente ou um réptil cheio de peçonha, mas é também uma enfermidade incurável.
Apenas entre os versos 3 e 9 do capítulo três, Tiago usa, com exclusividade, as seguintes expressões: o verbo “guiar” (metágomai), nos versos 3 e 4; o verbo “jactar-se” (aucheo) e a palavra “bosque” (hyle), no verso 5; a palavra “roda” (trochós), no verso 6; a palavra “animal marinho” (enálion), rara mesmo na literatura extra-bíblica, no verso 7; o adjetivo “mortífero” (thanatephoros), no verso oito; e a palavra “semelhança” (homóiosis), no verso 9. Essa lista poderia continuar até o fim do capítulo, no qual Tiago parece empregar uma palavra rebuscada a cada verso ou dois.
Uma incidência tão freqüente de palavras raras em um trecho tão curto não é algo trivial. Apesar de existir a possibilidade de que, por azar, as palavras registradas por Tiago tenham sido usadas por outros escritores da época, mas simplesmente não tenham sobrevivido após tantos anos, o mais plausível é que o apóstolo realmente desejasse usar palavras rebuscadas em sua pequena, mas sofisticada composição literária. O teor artístico superior da passagem deixa poucas dúvidas quanto a isso. Em realidade, a forma eloquente, mas ligeiramente afetada com que o apóstolo trata o tema da língua nesse trecho me faz lembrar o assim-chamado estilo alexandrino dos poetas do período helenístico.
Tudo na passagem é minuciosamente planejado; a escrita tem, de fato, toda a precisão e ornamentação de uma arquitetura textual.
f. Bendizer e maldizer (3.9-10)
f. Bendizer e maldizer (3.9-10)
É capaz de, em momentos quase simultâneos, bendizer e maldizer (3:9-10), uma situação que parece incomodar bastante a Tiago (3:10b).
Essa denúncia da duplicidade da língua prepara o terreno para que o apóstolo introduza a metáfora do manancial que faz jorrar, do mesmo orifício (ópe), água doce (tó glyky) e salobra (tó pikrón), em 3:11. A palavra “água” (hydor) não se encontra expressa em grego, sendo apenas subentendida, aqui, em conformidade com seu uso no versículo seguinte.
Em um quiasma sutil, Tiago faz uma breve pausa para abordar a metáfora da árvore que produz frutos inesperados (3:12) e, então, retorna à metáfora do manancial (3:13b).
Na segunda ocorrência da imagem da fonte, o texto grego parece bastante corrompido e várias correções foram propostas, ao longo dos anos, pelos copistas dos manuscritos da epístola. Do jeito que se encontra nos manuscritos mais antigos, a frase diz simples, mas incompreensivelmente: “nem produz água salgada doce” ou “nem água salgada produz doce”. O significado provável deve ser o proposto nas traduções modernas: “tampouco pode uma fonte de água salgada (halykón) dar água doce (glyky)”. O escritor romano Plínio fala acerca de uma fonte que era capaz de produzir água doce e água salgada alternadamente.
Contudo, o que deve ter levado Tiago a cogitar essa possibilidade é o fato de o Mar Morto, famoso por sua salinidade, encontrar-se apenas a cerca de 25 km de Jerusalém. No entanto, uma situação tão inusitada não deve ter sido observada em nenhuma região da Antiguidade e talvez só tenha um pálido equivalente no famoso encontro das águas do rio Negro com o Solimões. Não se trata, porém, de misturar água doce com água salgada, mas águas claras com águas escuras.
g. Figueira e videira (3.12)
g. Figueira e videira (3.12)
Figueira que produz azeitonas e da videira que produz figos?
Nessas duas últimas figuras, Tiago emprega a interrogação em vez da declaração direta.
Talvez o faça movido pelo desejo de variar o estilo.
Talvez pretenda copiar seus modelos literários, já que encontramos a mesma indagação sobre oliveiras e figueiras em Ariano, discípulo de Epíteto. Ou talvez o faça porque queira sugerir que essas metáforas pertencem a um tipo diferente de imagem.
Até aqui, Tiago sempre mostrara que o cristão precisa controlar a língua, pois, do contrário, esta o controlará.
Para provar seu ponto, Tiago enumera uma série de coisas pequenas que têm o poder de controlar ou destruir coisas grandes: o freio ao cavalo (3:2-3); o leme ao navio (3:4), o fogo ao bosque (3:5-6a); o adorno ao corpo (3:6b) e o homem à fera (3:7-8). Contudo, agora, Tiago procura mostrar que a falta de controle da língua pode levar o homem ao comportamento incoerente.
Para provar seu ponto, Tiago afirma que é incoerente que usemos a língua tanto para dizer palavras boas quanto palavras ofensivas (3:9-10). Por isso, suas indagações: pode um manancial produzir água doce e também água salobra (3:11 e 12b)? pode uma figueira produzir azeitonas e uma videira, figos?
Conclusão
Conclusão
O questionamento de Tiago nos leva a pensar que o apóstolo desejava que seus ouvintes compreendessem o absurdo dessas situações e decidissem fazer uso consciencioso de suas palavras.
Afinal de contas, para ele, o homem perfeito é aquele que consegue controlar a língua.
Apelo
Apelo
Quantos gostariam de pedir auxilio divino para aprender a cada dia ser temperante no falar, no trato com as pessoas, enfim, no controle desse órgão tão importante do ser humano?
Adaptado do Livro: “Tiago: retratos da natureza humana”, de Milton L. Torres.a