NÃO ENGANEIS A VOCÊS MESMOS
II - NÃO VOS ENGANEIS QUANTO AO SIMPLES OUVIR E NÃO CUMPRIR A PALAVRA DE DEUS
Ouvir é uma arte difícil de se dominar, pois significa ter um forte interesse pela pessoa que está falando. Ouvir é a arte de fechar a boca e abrir os ouvidos e o coração. Ouvir é amar o próximo como a si mesmo: suas preocupações e problemas são importantes o suficiente para serem ouvidos.
Tiago adverte seus leitores a estarem plenamente cônscios das palavras que falam. Na verdade, ele reverbera o ditado de Jesus: “Digo que toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia de juízo; porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mt 12.36,37; consultar Ec 5.1,2; Sir. 5.11).
Quando Tiago diz que devemos ser tardios para falar, não defende a idéia de que devemos fazer um voto de silêncio. Pelo contrário, ele quer que sejamos sábios em nosso falar. Alguns dos provérbios judaicos prevalecentes nos dias de Tiago diziam: “Fale pouco e aja muito”; “É sábio para o homem instruído manter-se calado, e mais ainda para os tolos”; “Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio” (Pv 17.28). Salomão disse algo parecido neste provérbio: “No muito falar não falta transgressão, mas o que modera os seus lábios é prudente” (Pv 10.19).
Palavras descuidadas, muitas vezes, acompanham um estado de espírito irado. É claro que há um lugar para a ira correta, mas o salmista nos diz que devemos conhecer o limite dessa ira: “Irai-vos, e não pequeis” (Sl 4.4; Ef 4.26; e ver Mt 5.22). No tocante à raiva, Tiago pede que haja controle.
Temos prontas as nossas desculpas para a ira: estamos muito ocupados, sob muita pressão, é uma característica de família ou até mesmo dizemos: “Não posso evitar”. Tiago elimina qualquer possibilidade de desculpas quando diz: “Seja… tardio para se irar”. Isso significa que devemos ser capazes de prestar contas de todas as palavras que proferimos. “O de ânimo precipitado exalta a loucura” (Pv 14.29), a ira e o pecado (Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 1.7). Um homem irado ouve a voz do maligno, e não a voz de Deus.
Tiago é direto. Ele diz que “a ira do homem não produz a vida de justiça, que é da vontade de Deus”. A ira é um estorvo para as orações de um crente (1Tm 2.8) e evita, assim, que ele promova a causa de Cristo. Com efeito, ela dá “lugar ao diabo” (Ef 4.27). Considere Moisés, que se irou com os israelitas e não deu ouvidos às instruções que recebeu de Deus. Ele mostrou desobediência e, por isso, não foi autorizado a entrar na Terra Prometida (Nm 20.10–12,24; 27.14; Dt 1.37; 3.26,27).
Quando vivemos a vida de retidão que Deus quer para nós, ouvimos a Palavra de Deus com cuidado e obediência. Quando planejamos fazer ou dizer alguma coisa, devemos nos perguntar se nossas ações ou palavras serão para a glória de Deus e o progresso da causa da justiça e paz para nosso próximo. Quando nos deixamos ser guiados pela ira, não somos mais conduzidos pela lei de Deus. “O iracundo levanta contendas, e o furioso multiplica as transgressões” (Pv 29.22). Ao invés disso, o crente deve controlar o seu gênio, orar pedindo sabedoria e obedecer à lei de Deus.
21 Portanto, livrem-se de toda a sujeira moral e de todo o mal que é tão prevalecente e aceitem humildemente a palavra plantada em vocês, a qual pode salvá-los.
Eis a conclusão desta seção: uma língua descontrolada e um gênio irado conduzem o ser humano às profundezas do pecado e para longe de Deus. Assim, uma “faxina” espiritual torna-se necessária para que a Palavra de Deus, quer na forma escrita ou falada, possa entrar na vida do ser humano.
b. Um exemplo marcante. Uma figura, especialmente aquela que nos retrata como somos, vale mil palavras. Todos os dias nos vemos no reflexo de um espelho: antes de sairmos de casa pela manhã, ao longo do dia e várias vezes à noite. Os espelhos são parte da vida. Mas a constante volta ao espelho demonstra que nossa memória é como uma peneira.
Tiago usa a ilustração de um espelho. Na verdade, sua ilustração se aproxima do discurso por parábolas adotado por Jesus durante seu ministério na terra (comparar com Mt 7.26). Os espelhos do século 1o̱ não eram feitos de vidro, mas de metal, que era polido regularmente. Os espelhos ficavam em posição horizontal sobre as mesas, de modo que a pessoa que desejasse ver seu reflexo precisava curvar-se e olhar para baixo. Podia, então, ver um parco reflexo de si mesma (Jó 37.18; 1Co 13.12; 2Co 3.18; Sabedoria de Salomão 7.26; Sir. 12.11).
Eis o ponto de comparação. A pessoa que olha no espelho para ver sua própria imagem e logo a esquece é como a pessoa que ouve a proclamação da Palavra de Deus, mas não responde. Ela vê seu reflexo no espelho, arruma rapidamente sua aparência externa e vai embora. Ela ouve o evangelho sendo pregado, faz pequenas mudanças e segue seu caminho. O evangelho, porém, não consegue penetrar no coração e não pode mudar a disposição interna do ser humano. O espelho é um objeto usado para alterar a aparência externa da pessoa; a Palavra, contudo, confronta o ser humano internamente e exige uma resposta.
Por que a pessoa se esquece de sua aparência assim que se retira? Parece incrível, porém é verdade. Muitas pessoas ouvem um sermão no domingo e, uma semana depois, não conseguem se lembrar de uma única palavra daquela pregação. A pessoa que apenas ouve a Palavra e se retira não responde ao que lhe está sendo pedido.
25 Porém, o homem que estuda atentamente a lei perfeita que concede a liberdade e continua a fazê-lo sem se esquecer do que ouviu, mas praticando essas coisas, será abençoado no que realiza.
c. Uma pronta resposta. Observe o contraste. A pessoa cujos olhos e coração estão abertos ao que Deus diz literalmente curva-se para olhar dentro da lei de Deus, de modo parecido com o que ela faz para olhar num espelho colocado horizontalmente sobre uma mesa. A diferença, porém, está em que, enquanto ela olha dentro da lei de Deus, ela não se retira, como faz a pessoa que lança um rápido olhar num espelho. Ela continua a olhar atentamente dentro da Palavra. Medita nela e a coloca em prática obedientemente.
Tiago lança mão de um sinônimo para a Palavra de Deus. Ele a chama de “lei perfeita”, fazendo com que o leitor se lembre do texto no Salmo 19. Nele Davi canta:
A lei do Senhor é perfeita,
e restaura a alma;
o testemunho do Senhor é fiel,
e dá sabedoria aos símplices…
Por eles se admoesta o teu servo;
em os guardar há grande recompensa. [vs. 7 e 11]