Mateus 6.11
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 32 viewsO Senhor Jesus Cristo ensina seus discípulos a orar com um coração contente, que descansa debaixo da providência de Deus, confiando nele como Pai que atende-lhes as necessidades.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
A oração dominical expressa por Cristo, obedece à estrutura da própria temática do capítulo 6, no qual vemos uma divisão básica entre a esfera de relacionamento com Deus em duas áreas: a espiritual (vs. 1-18) e terrena (vs. 19-34) (LLOYDE-JONES, 2018, posição Kindle 6774 de 13870).
Tendo destacado a esfera espiritual na primeira parte da oração (vs.9-10), Cristo volta-se para o espectro terreno da existência dos agentes do Reino, e trata de como expressamos nossas necessidades ao Pai celestes.
Assim, veremos hoje como o Senhor Jesus Cristo ensina seus discípulos a orar com um coração contente, que descansa debaixo da providência de Deus, confiando nele como Pai que atende-lhes as necessidades.
Elucidação
Como será notado mais adiante, as preocupações com o atendimento das necessidades básicas possui um lugar legítimo, embora o controle com essas preocupações deva ser exercido com muita diligência (v. 25-26). Todavia, no que tange ao relacionamento que o crente deve ter com Deus, e principalmente, na expressão desse relacionamento através da oração, Cristo focaliza a atenção dos agentes do Reino para que roguem ao Pai o suprimento de suas demandas e ao mesmo tempo elucida o fato de como eles devem estar pronto a sentirem-se contentes com a providência das necessidades, e não com o desfrutar de riquezas ou bens que vão para além disso.
O Dicionário do Novo Testamento Grego (Rio de Janeiro, RJ: JUERP, 2011, p.84) traduz o termo grego "ἐπιούσιος" por "pão necessário, contínuo, quatidiano, supersubstancial, sustentador, suficiente", enfatizando principalmente que a solicitação desta sentença deve concentrar no atendimento das necessidades, nada mais, pois, quaisquer confortos ou mesmo regalias, cabe apenas a Deus o conceder-las. Outro ponto interessante é o fato de que o SENHOR Jesus expressa essa petição em forma de ordem (i.e. "δὸς" imperativo de "δίδωμι" = dar, conceder). Essa construção frasal denota a urgência ou ênfase do pedido feito, apesar do reconhecimento de que se está falando com um superior (v.9 "Pai nosso...").
É importante também considerarmos que o ensino de Cristo, assim como ele tem feito ao longo de todo o sermão da montanha, está embasado em todo imperativo canônico, principalmente no que tange ao contentamento com o governo de Deus sobre a criação. A partir dessa perspectiva e de acordo com esta sentença da oração, é possível observar que a Escritura aponta este princípio tendo como base esse bom governo de Deus sobre todas as coisas, e o direcionamento da satisfação não em bens materiais ou circunstâncias economicamente favoráveis, mas na misericórdia e amor de Deus que promete suster seus filhos com o necessário para que vivam para sua glória e louvor do seu nome.
Assim é o caso do texto de Provérbios 30.7-9:
"Duas coisas te peço; não mas negues, antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus".
Vale notar que o livro de Provérbios, são ditos de sabedoria que se propõem a explicar a realidade das coisas a partir da ótica da prudência e sabedoria de acordo com o temor do SENHOR (Pv. 1.7). Assim, as palavras e frases coletadas por Salomão, expressam o intento mosaico de que o rei se atenha a ler o livro da Lei a o aplique a vida do povo, sendo ele líder sobre o povo de Deus, leve-os à obediência e à piedade. Logo, quando Cristo formula esta sentença da oração está incorporando a atividade real de exortar o povo levando-os a adoração ao Deus Triuno, como o Rei prometido no AT.
O Rei Messias conduz seu povo ao contentamento e ao descanso debaixo das mãos providentes de Deus, fazendo-os entender que não devem se preocupar com que for para além da necessidade, pois o cuidado paternal de Deus certamente tratará de preservá-los, dando-lhes tudo de que precisam.
Um reforço a essa compreensão de que Cristo está aplicando o princípio do contentamento com o governo do Pai, é a localização dessa passagens à luz do Evangelho de Lucas. Naquele texto, Cristo recita a oração dominical unindo à mesma a parabola do "amigo importuno", conforme Lc 11.5-8, onde o ensio central de Jesus elucida que se mesmo uma amigo atenderá o pedido de outro, tendo em vista a importunação que lhe causou, muito mais o Pai celeste atenderá as orações de seus filhos, sabendo de que necessitam do que lhe pedem. Assim a correlação feita por Cristo conforme registrada por Lucas, realça o ponto principal desta quarta petição: o descanso e dependência de Deus.
O foco em suplicar ao Pai que nos abençoe com a quantidade necessária do que precisamos, humilha-nos levando-nos a entender que há - devido a natureza pecaminosa - uma tendência sempre presente em nossos corações de não nos contentarmos com o que temos e sempre almejarmos o além. Não estamos acostumados, ou pelo menos, habituados a buscar somente o suprimento das necessidades. Não queremos somente o pão de cada dia, mas o banquete por todos os anos, para usufruirmos, amando as coisas, as circunstâncias favoráveis, mais do que o próprio Criador.
J. C. Ryle, abordando este texto afirma que, nesta oração:
Aqui, somos ensinados a reconhecer nossa inteira dependência de Deus para o suprimento de nossas necessidades diárias. Tal como Israel precisava do maná diariamente, assim também precisamos diariamente do nosso pão. Nós confessamos que somos pobres, fracos, criaturas necessitadas, e suplicamos a Deus, nosso Criador, que tome conta de nós. Pedimos pão como a mais simples de nossas necessidades materiais; mas, nessa palavra, incluímos todas as necessidades de nosso corpo (RYLE, J. C. - Meditações no Evangelho de Mateus, org. Tiago J. Santos Filho, 2a Edição (São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2018, 62).
Assim, Deus torna-nos dependentes de sua providência santa e graciosa, quando nos instrui a, reconhecendo nossa pequenez, correr para os braços amorosos de nosso Supremo Pastor, a fim de sermos cuidados, pelo atendimento de nossas necessidades. O mesmo Deus que criou o universo e o sustenta, também nos fornece o que precisamos para existir nesse mundo. Como argumenta Lloyd-Jones:
Coisa alguma poderia continuar existindo se não fosse sustentada e impulsionada por Deus. “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.” É excelente medida quando, ao menos uma vez por dia, embora quanto mais frequentemente melhor, nos recordamos que o nosso tempo, a nossa saúde e a nossa própria existência estão todos nas mãos do Senhor. Nosso alimento e todas as coisas de que carecemos só podem vir até nós da parte de Deus, e dependemos de Sua graça e misericórdia para os recebermos (LLOYDE-JONES, 2018, posição kindle 8109 de 13870).
Transição
A quarta sentença da oração dominical, ensina-nos a reconhecer em Deus, nosso Pai, a única fonte de sustento que existe, e que ele está sempre pronto a ouvir nossa oração, embora já saiba do que precisamos (Mt 6.7). Contudo, há ainda outras, considerações a serem feitas.
1. A oração é o instrumento dado por Deus para que comuniquemos a ele nossas necessidades.
Assim como um pai deseja ouvir de seu filho quais são as demandas que têm a fim de que possa socorrê-lo, Deus deu-nos este precioso meio de graça para que possamos expor a ele nossa completa e total dependência dele, não somente em relação aos bens espirituais de que temos necessidades, mas também tendo em vista nossas necessidades materiais. Somos Corpo e alma, e diferentemente do que poderíam supor alguns, Deus está interessados em ambos, por isso, após ter-nos ensinado a buscar o Reino de Deus e sua glória, Cristo nos orienta a levar em consideração que somente o Deus Triuno, pode manter-nos vivos através dos meios ordinários (alimentação e demais necessidades materiais).
2. Devemos educar nosso coração a orar a Deus em busca de que ele nos atenda as necessidades, não os luxos.
O compromisso divino é de nos suster em nossas necessidades, não em atender nossas aspirações luxuosas e consumistas. Por três razões: 1) as bênçãos de Deus para nós não consistem no usufruto `tudo` daquilo que neste mundo mais parece agradável aos nossos olhos. Geralmente essas coisas escondem por trás uma série de sentimentos e ações pecaminosas: vaidade, egoísmo, materialismo e etc. 2) Não é que Deus não nos possa dar o melhor ou não nos dará o melhor, mas nosso coração possui uma inclinação natural para amar as coisas mais do que a Deus. Facilmente nos encantamos com as coisas desses mundo mais do que com o próprio SENHOR que o criou e sustenta.Quando Cristo restringe nossas orações ao "pão diário" ele está deixando claro que a oração é uma meio não somente demonstrar nossa dependência de Deus, mas de nos santificarmos, exercendo o combate ao materialismo. 3) Como vimos à luz do texto de Pv 30.7-9: tão logo Deus nos desse tudo o que pedíssemos à nos fartar, esqueceríamo-nos dele. O coração dos homens é arrogante, e não poucas vezes acha que por ser detetor de certas condições materiais está blindado contra qualquer situação ou necessidade que o nivele aos demais. Por essa razão, o próprio Deus em alguns momentos nos expõe às necessidades, para mostrar o quanto é gracioso nos sustentando, a fim de que saibamos que é a partir das palavras que lhe saem da boca que obtemos o sustento (Dt 8.3), mas também nos ordena por meio da oração que expressemos essa dependência, humilhando-nos a fim de que o pecado seja expurgado nossos corações.
Conclusão
Cristo por meio desta petição nos ensina que nosso Pai está pronto para nos atender as necessidades, a partir do momento que com sabedoria e reconhecendo de seu supremo governo e providência sobre todas as coisas, nos curvarmos diante dele. O amor de nosso Pai está para além do que pedimos, mas através de nossos pedidos demonstramos nossa filiação: nosso Pai nos ouve; essa é a bênção da oração.