Mateus 6.12

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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Cristo demonstra que a graça de Deus é o referencial de distinção do Reino dos céus dos reinos deste mundo, quando ensina seus discípulos a orarem pedindo que Deus perdoe suas ofensas, que são dívidas que demandam o acerto merecido (i.e. a morte do pecador), extendendo a mesma graça e perdão a outros, testificando da obra da redenção que receberam.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Após levar em consideração, na quarta sentença da oração dominical, nossas demandas materiais ou necessidades terrenas, a segunda petição que o Senhor Jesus Cristo adiciona, abarca a esfera de nossas necessidades espirituais. Porém, diferentemente da anterior, esta é acrescida por uma cláusula explicativa introduzida por uma conjunção comparativa. Noutras palavras, a petição apresenta uma condição que serve de base argumentativa para a súplica dirigida ao Pai.
Assim, veremos como Cristo nos ensina que o perdão dos pecados levá-nos ao reconhecimento de que nossa própria dívida foi saldada graciosamente por Deus, o que nos encaminha à oração de maneira grata, expandindo o Reino dos céus através do perdão que também estendemos a outros.
Elucidação
A oração de Cristo, didaticamente, segue uma estrutura cadenciada na qual a primeira parte enfatiza o mais importante, e a segunda, gradativamente aumenta o locus a fim de que se perceba uma conexão entre as petições, de maneira que a prece culmina ressaltando aquilo que foi enfatizado primeiramente. Seguindo o seguinte escopo:
1. "Pai nosso": a glória de Deus em primeiro lugar.
2. O reino dos céus e sua justiça acima de tudo: anelo por fazer a vontade do Pai.
3. "Dá-nos o pão": a oração como via de apresentação de nossos anseios a Deus.
4. "Perdoa nossas dívidas": vivendo por modo digno do Reino e da redenção.
5. "Livra-nos do maligno": O triunfo do Pai sobre os inimigos e sua glorificação no Filho.
6. “Pois teu é o Reino”: Retomada ao reconhecimento da majestade divina.
Ao sair das necessidades básicas e materiais para as espirituais, Cristo eclipsa a oração num retorno aos itens anteriormente trabalhados, enfatizando a oração como o meio através do qual todos esses pontos são atendidos.
O ensino de Nosso Senhor, nesse ponto, vale-se de uma figura de linguagem para expressar nossa situação diante do Deus Triuno. Cristo expressa essa condição de perdoados por Deus, enfatizando a graça que francamente nos perdoou, não levando em consideração as nossas ofensa - usando a imagem da "dívida".
É válido ressaltar que o arcabouço teológico da figura do "débito" como representando nossa condição pecadora diante de Deus, remete ao próprio pacto de obras que fora estabelecido por Deus com Adão. Tendo este descumprido o tratado, a toda a raça humana (que era representada por ele) caiu numa condição de "débito", isto é, em sua rebelião, nossos primeiros pais, violando a aliança, colocaram-se numa condição de transgressores, o que por sua vez ativou as maldições previstas (i.e. "porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás" Gn 2.17b. Mesmo tendo sido mitigada a pena, ainda assim, toda a raça humana, por sua condição corrupta, "deve" ao SENHOR o ser alvo de sua justiça, na aplicação da sentença, morrendo.
Quando Cristo refere-se aos discípulos, ensinando-os a orar clamando pelo perdão dos pecados, torna a graça de Deus em perdoá-los a base argumentativa para que da mesma forma correspondam a tal realidade, ministrando sobre outros o mesmo perdão que receberam. O próprio contexto em que as expressões "ἀφίημι" (gr. transl. "aphiêmi"= "deixar, perdoar") e "ὀφείλω" (gr. transl. "hopheilô"= "dívida", "obrigação") aparecem no Novo Testamento, sempre sugerem uma obrigação do devedor para com outro, algo a ser acertado ou pago, seja um valor ou algo que tenha veito (e.g. voto, etc). O uso desse termo usado pelo autor para descrever o que Cristo ensinou em sua oração no tocante à petição que referencia o perdão como tendo sido realizado em favor dos agentes do Reino que estavam em débito com o Pai por causa de suas transgressões, enfatiza a graça a ser transmitida a outros, deixando ainda mais evidente a distinção entre o Reino dos céus e os reinos deste mundo.
Ligado a compreensão de que devemos expor diante de Deus nossas necessidades por meio da oração, Cristo salienta que também precisamos enxergar que uma grande demanda em nossa vida é o fato de que somos todos devedores a Deus, devido ao nosso pecado sempre demandar juízo, mas que o SENHOR em sua graça e misericórdia, não derrama sobre nós sua ira, tendo nosso débito sido “pago” por meio do sacrifício vicário de Jesus.
Logo, esta quinta sentença da oração que Cristo nos ensina, possui um conectivo argumentativo que intensifica o teor dessa parte da oração: o perdão dos pecados que recebemos de Deus o Pai, está de alguma forma ligado ao perdão que ministramos sobre outros. Não que haja um condicionamento, isto é, só seremos perdoados se perdoarmos ao próximo, mas há, sem dúvidas, uma correspondência.
Cristo está dirigindo a atenção de seus discípulos a que não hajam como os hipócritas, pois o tratamento deles para com outros está baseado no usufruto de vantagens ou benefícios que eles mesmos recebem (Mt 5.46-48), isto é, tratam bem apenas quem os trata bem, e consequentemente, só estão dispostos a perdoar, quem os perdoa. O fato de concedermos perdão àqueles que nos ofenderam ou pecaram contra nós indica que fomos regenerados e estamos habilitados a testemunhar do Reino dos céus, ofertando a outros a mesma graça e predisposição em perdoar. Também não se quer afirmar por isso que o perdão dos pecados de outros está ligado ao nosso desprendimento em perdoar ofensas, mas sim, que a recusa em perdoar o pecado que os outros cometem contra nós demonstra que não entendemos quão grande é o favor de Deus sobre seus filhos, quitando suas dívidas consigo mesmo, e providenciando que os pecados deles sejam apagados (Jr 31.34b). Como explica Lloyde-Jones:
Se pensarmos que os nossos pecados são perdoados por Deus, mas nos recusarmos a perdoar aos nossos semelhantes, estaremos praticando um grave erro; e isso será prova de que jamais fomos perdoados. O homem que sabe que foi perdoado em virtude do sangue vertido por Cristo, e nada mais, é o indivíduo que sente a compulsão de perdoar a outros. Não pode mesmo evitá-lo. Se realmente conhecemos a Cristo como nosso Salvador, então nossos corações serão quebrantados e não poderão mostrar-se duros, e nós não poderemos recusar o perdão a quem nos tiver ofendido. Se você se está recusando a perdoar a quem quer que seja, então quero sugerir-lhe que você nunca foi perdoado por Deus (Lloyd-Jones, 2018, posição Kindle 8181 de 13870).
Transição
A quinta sentença da oração de Cristo, nos demonstra que, um dos tópicos centrais que devem constar em nossas orações, é o favor imerecido de Deus por nós, tendo quitado nossas dívidas. Se não temos consciência dessa realidade e não nos apresentamos em oração com isso em mente, certamente há algo de errado com o modo como entendemos a mensagem do Reino dos céus inaugurado em Cristo.
Porém, uma outra consideração deve ser feita à luz dessa percepção.
Aplicações
Como agentes do Reino, somos conclamados a glorificar o nome do Deus Triuno, ministrando a outros a mesma graça que nos foi concedida em Cristo, perdoando-lhes os pecados, cônscios de que essa era nossa maior necessidade.
De graça recebemos o perdão dos pecados. Mesmo diante das nossas ofensas e pecados, fomos favorecidos por Deus com sua graça soberana, que pagou com o sangue de seu próprio Filho uma dívida que jamais poderíamos pagar. Como pois, indignos de tamanha graça, mas ainda assim, recebendo-a gratuitamente, poderíamos privar outros de serem testemunhas da misericórdia de Deus, através do perdão daquelas ofensas e pecados cometidos contra nós? Seríamos realmente filhos do Criador se mediante ofensas e injúrias que sofremos, não perdoássemos nossos devedores, assim como o próprio SENHOR nos perdoou? "A súplica por perdão subentende que o suplicante reconhece que não existe outro métido pelo qual sua dívida seja cancelada" (HENDRIKSEN, 2010, p. 413).
O perdão que recebemos não foi uma concessão mesquinha, falsa ou compulsória, o que nos faz meditar profundamente sobre como temos tratado outras pessoas que nos ofenderam. Será que, sendo hipócritas e fingidos, não temos dito, da boca pra fora que perdoamos, reservando no coração algum rancor ou mágoa, agindo como fariseus ou invés de agentes do Reino? Pense no contexto em que vivíamos os nobres irmãos a quem esse evangelho primeiro se dirigiu. Cidadãos romanos, guardas da cidade, oficiais do governo, e o próprio imperador. Todos estes estavam no encalço de nossos irmãos perseguindo-os por causa de sua fé, mas Cristo através da oração lhes ensina, que à favor de qualquer um destes deveria ser ministrado o perdão, caso se arrependessem de suas obras más. O coração dos filhos de Deus não devem nutrir reservas para não perdoar quem os ofende, pois o único que poderia e teria plenos motivos para recursar-se a perdoar ofensores, mostrou-se benigno e gracioso, quitando plenamente nossa dívida, lançando no mar nossos pecados (Mq 7.18-19).
Ainda William Hendriksen nos adverte:
"Para que seja genuíno (próprio dos agentes do Reino), esse perdão que nós mesmos concedemos aos nossos semelhantes deve ser dado alegre, generosa e conclusivamente; não no espírito de "Eu te perdoo, mas estejas certo de que jamais me esquecerei" (HENDRIKSEN, 2010, p. 414. Parêntese nosso).
A graça de Deus é manifesta em nossas vidas, quando, ofendidos, testemunhamos que o poder de Deus em Cristo, tendo nos revelado o evangelho libertador, nos impulsiona a perdoar as mais terríveis ofensas sofridas, isso porque, o sacrifício de Cristo nos proporciona o poder necessário para que onde abunde o pecador, superabunde a graça.
Conclusão
A oração dominical nos ensina que, o tamanho das nossas ofensas foi sobrepujado pelo poder da graça de Deus, que converteu ofensores em filhos, devedores em servos leais, para a glória de Deus e avanço do Reino dos céus.
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