Mateus 6.13-15

Paulo Ulisses
Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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Cristo encerra sua oração didática, reafirmando o engajamento de seus discípulos como agentes do Reino e que por isso, devem rogar ao Pai que lhes proteja da oposição, demonstrando-lhes que ele é o Rei prometido desde o AT, para inaugurar esse Reino e declarar a glória do Deus Triuno sobre todas as coisas.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
A sexta e última sentença da oração dominical ensinada por Cristo aos seus discípulos, trata de aquela diretriz já enfatizada no início, quando elucida a petição pela vinda do Reino, tendo em vista o conflito que existe oriundo do reino parasita e adversário em resistir a essa inauguração do Reino dos céus. Em face disso, após as necessidades materiais e espirituais terem sido abordadas (vs. 11, 12), nosso SENHOR, concentra-se mais uma vez nessa batalha, oferecendo aos discípulos a informação de a quem podem recorrer como fonte de segurança e consolo num mundo que é palco dessa rivalidade que, embora seja feroz, tem seu fim certo com a vitória do Todo-poderosos sobre as forças hostis, lembrando-lhes também de que o perdão mútuo é a marca da graça estampada no crente.
Elucidação
Ligada a petição de livramento das tentações e do maligno, o Senhor Jesus conecta essa petição à uma cláusula explicativa que repete o argumento do versículo 12, tornando enfática a questão da redenção como arcabouço principiológico e direcionador da oração. Sem o aspecto redentivo como ponto basilar que motiva os discípulos a orar, não é possível que uma relação genuína seja estabelecida com o Pai.
Da mesma sorte que os hipócritas estavam impedidos de terem acesso ao Pai, mantendo-se à margem do Reino por não compreenderem a ação salvadora do Pai enviando o Messias, seu Filho - Cristo - ao mundo como cumprimento das profecias e revelações veterotestamentárias, assim também todo aquele que não se permite ser um agente do Reino através da transmissão da graça pelo perdão às ofensas sofridas, não tendo compreendido a disposição graciosa do Pai em perdoar suas ofensas, não pode orar da forma como Cristo ensina sendo ouvido e atendido por Deus.
Algumas expressões usadas por Cristo, tanto denotam um ensinamento prévio já elucidado por Mateus neste evangelho, quanto podem apontar para aspectos de sua obra e de seu ministério conectado à vida dos discípulos, afinal, o próprio Jesus os está ensinando a orar, e isso deveria inspirar nos mesmos uma dependência de sua obra intercessória. Um desses casos é a expressão "πειρασμός" (gr. transl. "peirasmós" = "teste", "provação", "tentação", unida a palavra para "πονηρός" (gr. transl. "ponêrós" = "maligno", "maldoso"). Em relação a segunda expressão, de acordo com o dicionário Strong:
A palavra é usada no caso nominativo em Mt 6:13. Isto geralmente denota um título no grego. Conseqüentemente Cristo está dizendo, “livra-nos do mal”, e está provavelmente se referindo a Satanás (Strong, Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong, Sociedade Bíblica do Brasil, 2002).
A união desses dois termos nesta sentença do verso 13, representa uma referência à própria tentação de Cristo pelo diabo. Assim, Cristo não estaria ensinando seus discípulos a orarem somente no intuito de que fossem protegidos contra possíveis infortúnios, mas engaja-os na luta pelo estabelecimento do Reino dos céus, levando em conta a movimentação adversária que labuta contra isso.
As tentações, que no caso dos discípulos podem ser internas, pois diferentemente de Cristo, eles possuem a natureza pecaminosa, poderiam ser portas para que o Maligno agisse em oposição ao avanço da igreja do SENHOR. Embora Cristo noutras passagens tenha deixado claro que venceu o reino parasita (Mc 3.23-30), os agentes do Reino devem orar para que os impulsos pecaminosos em seus corações sejam refreados pela graça de Deus através do poder do Espírito, para que assim fizessem avançar o Reino de Deus por intermédio de suas vidas.
Jungido a isso, subjaz à conclusão da oração, uma tentação que pode apresentar-se como obstáculo para o esforço dos agentes do Reino em glorificar o nome de Deus: ao se verem sofrendo uma ofensa, poderão ser tentados a pensar antes em si mesmos, do que no próprio SENHOR Deus e sua glória, sendo incoerentes com a revelação do Reino dos céus que receberam em Cristo. Logo, se privarem outros de obterem o perdão dado a eles gratuitamente, terão agido não como filhos do Rei, mas como os hipócritas que há muito são condenados por Cristo devido sua ignorância.
É possível que essa conclusão na parte final do verso 13 e da oração, seja uma alusão resumida ao texto de 1Crônicas 29.11 por ocasião da coroação de Salomão. A referência cruzada entre Cristo e Salomão não é uma ocorrência solta à luz das Escrituras. Por exemplo, na aliança que o SENHOR estabelece com seu servo Davi em 2Samuel 7.11b-16, encontramos a seguinte expressão:
Dar-te-ei, porém, descanso de todos os teus inimigos; também o Senhor te faz saber que ele, o Senhor, te fará casa. Quando teus dias se cumprirem e descansares com teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de homens e com açoites de filhos de homens. Mas a minha misericórdia se não apartará dele, como a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti. Porém, a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre.
As referências apontam de maneira imediata para Salomão, mas o teor excelente faz com que tais promessas sejam um apontamento para o que está por vir, segundo uma leitura feita pelo próprio Novo Testamento:
"Sendo [Davi], pois, profeta e sabendo que Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono, prevendo isto, referiu-se à ressurreição de Cristo[...]" (At 2.30–31).
Assim, quando Cristo ensina seus discípulo a orarem ao Pai com essas palavras, está também fazendo uma referência a inauguração do Reino de Deus por ocasião da coroação de seu Ungido - Ele mesmo - como Rei sobre o povo de Deus. A oração serve tanto como reconhecimento de Cristo como o Rei prometido para instalar o governo de Deus sobre a criação, quanto uma declaração dessa verdade.
As petições nessa sentença conectam-se sob a consideração de que o Pai salve os agentes do Reino do maligno, ou do mal de um modo geral, através do livramento das tentações. Além da relação óbvia de que o pecado é um desvio da Lei de Deus (ênfase da primeira parte do sermão (cf. cap. 5), tendo orientado a mentalidade dos discípulos para almejarem a glória do Pai, a petição também ganha o teor de anseio para que os próprio discípulos (caindo, por ventura, nas armadilhas de seus próprios corações enganosos) não façam prevalecer o reino parasita. Assim a expressão "livra-nos do mal, pois teu é o Reino" é também um clamor: "sendo fracos e suscetíveis a pecar, que Deus nos livre das tentações, resguardando-nos de dar ocasião ao Diabo em sua rebelião contra o Criador que ganharia extensão também através de nossos próprios pecados", como explica MacDonald:
Essa petição expressa a saudável desconfiança da capacidade de resistir às tentações ou ficar firme sob provações. Ela autentica a completa dependência do Senhor para ser preservado. [...] É a oração de todos os que desesperadamente almejam ser guardados do pecado pelo poder de Deus. É o clamor diário pela salvação diária da atuação de Satanás na vida de cada um (MACDONALD, 2011, p. 29).
A conclusão da oração reflete o ensino de toda ela, qual seja: que aprendamos a depender total e exclusivamente do Deus Triuno, pois somente a ele pertence o Reino, o Poder e a Glória, qualificativos que o colocam na posição de ser o único capaz de atender a nossas necessidades, como também comenta Ryle:
A oitava sentença é uma petição a respeito de nossas fraquezas. Ela nos ensina que, a todo instante, podemos ser enganados e cair em transgressão. Ela nos instrui a confessar nossas debilidades, a buscar a Deus para nos sustentar e não nos deixar andar em pecado. Rogamos que ele, que ordena todas as coisas no céu e na terra, não nos deixe incorrer naquilo que é prejudicial às nossas almas, e que jamais permita que sejamos tentados acima do que somos capazes de suportar (1Co 10.13) (Ryle, 2018, p. 63).
Transição
A sexta sentença da oração que o SENHOR nos ensina, demonstra o engajamento dos discípulos no avanço do Reino, através da luta constante contra o mal, que tanto habita seus corações quanto, por meio de Satanás, resiste à consumação dos planos redentivos.
À luz disso, algumas observações podem ser feitas com base nesse ensino de Cristo.
Aplicações
Devemos orar para que o SENHOR refreie o mal, tanto dentro de nós, quanto o que atua no mundo, declarando, na luta contra o pecado, a glória do Deus Triuno.
A vida cristã é uma batalha árdua. Em vários momentos da Escritura, a luta contra o mal é encarada com uma guerra a ser travada diariamente, principalmente dentro nós, contra o pecado. O desvio que reside em nossos corações é uma tendência rebelde contra o avanço do Reino de Deus e sua publicação. Devemos todos os dias, orar ao Pai para que nos livre desse poder corruptor dentro de nós, livrando nossos corações de darmos lugar ao pecado e a iniquidade, agindo de maneira contrária a revelação salvadora que recebemos de Deus em Cristo, que nos chamou para sermos arautos de seu império.
Enquanto não aprendermos a ver o pecado como algo a ser repudiado dentro de nós, não estaremos apto a lutar a favor do Reino dos céus. Tampouco, poderemos lutar contras os ardis de Satanás, que dia após dia, lança seus dardos contra nós, tentando-nos em nossas concupiscências. Lembre-se: a tentação não é a imposição do desejo iníquo sobre a sua vontade, mas a potencialização de um vontade corrupta que brota no seu coração. Ou seja, já temos, dentro nós uma predisposição para o mal, tudo o que a tentação faz e aumentar seus efeitos, fazendo parecer que o caminho mais proveitoso é o da transgressão e da iniquidade.
Além disso, Cristo nos apresenta um meio de vencermos o pecado dentro de nós: explicitando aquele perdão que recebemos, demonstrando quão gracioso é Deus, e quão poderosa é sua graça, pois nos perdoou, fazendo-nos instrumentos da expansão de seu império, por meio do perdão que somos direcionados a conferir. Se nos recusamos a proceder assim, demonstramos que o Reino não nos fora revelado, e portanto, não perdão a ser desfrutado.
Quando oramos para que Deus não nos deixe cair em tentação, estamos pedindo que o Criador tenha misericórdia de nós, e nos ajude a vencer essa inclinação, fazendo morrer o velho homem de acordo com o novo nascimento que recebemos em Cristo.
Conclusão
Finalizando esta seção do sermão do monte, onde vimos a grandeza de Deus por meio de Cristo que nos ensina a orar ao Pai como filhos amados e agraciados com a graça e o cuidado divino, estamos prontos a suplicar que nosso SENHOR nos use como instrumentos seus, para sua glória e nosso bem.
E como conclui Ryle:
Que nós possamos tomar uma decisão e, com a ajuda de Deus, fazer com que nossos lábios e nossos corações caminhem juntos! Bem-aventurado é quem verdadeiramente pode chamar Deus de Pai celestial, por intermédio de Jesus Cristo, seu Salvador, e que, portanto, pode sinceramente dizer “Amém”, de todo o coração, a tudo que a oração do Pai-Nosso contém (RYLE, 2018, p. 64).
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