Mateus 6.16-18

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Cristo ensina seus discípulos como usar o jejum como instrumento de relacionamento com o Pai celeste, de maneira distinta do que os hipócritas faziam, ressaltando o clamor a Deus como ferramenta enfática na agência do Reino, assim como a oração.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Compondo a parte final da estrutura relacional com o Pai celeste, proposta por Cristo nesta primeira parte do capítulo 6, Cristo a conclui enfatizando o terceiro e último aspecto que norteia nossa devoção ao SENHOR: o jejum. Cristo então, conclui essa seção ensinando os agentes do Reino a distinguirem-se dos hipócritas, por meio de um uso piedoso e autêntico dos meios de graça, que asseveram o pertencimento ao Reino e a filiação ao Pai celeste.
Observaremos como o Senhor Jesus ensina os princípios que deverão nortear o agente do Reino em relação a prática do jejum.
Elucidação
Há alguns exemplos mais evidentes quanto a prática do jejum nas Escrituras, que lançam luz sobre o contexto em que esse execício espiritual ocorria, principalmente analisando-o segundo a ótica de Cristo neste texto. William Hendriksen lista alguns desses usos:
"Ele servia a diversos propósitos, quer isoladamente ou em qualquer combinação. Dessa forma, ele podia ser uma expressão de humilhação, ou seja, tristeza pelo pecado e em conexão com a confissão de pecado (Lv 16.29–34; 23.26–32; Nm 29.7–11; Dt 9.18; 1Rs 21.27; Nm 9.1ss; Dn 9.3,4; Jn 3.5), ou de lamentação pelo mal, quer já tenha sido experimentado – derrota numa batalha (Jz 20.26), luto (1Sm 31.12; 1Cr 10.11,12; 2Sm 1.12), a chegada de notícias dolorosas (Ne 1.4), uma praga (Jl 1.14; 2.12–15) – quer como ameaça (2Cr 20.3,5ss; Et 4.3; 9.31). No caso de Davi, quando a ameaça de morte do filho tornou-se em realidade, então ele parou de jejuar (2Sm 12.16,21–23). Havia uma base natural para os jejuns mencionados até aqui, uma vez que a tristeza esmagadora ou angústia produz a perda do apetite (cf. 1Sm 1.7). Às vezes ordenava-se e/ou observava-se um jejum com o fim de se promover a concentração sobre um ato ou evento religioso importante, tal como no envio de missionários (At 13.2,3), ou na designação de presbíteros (At 14.23)." (HENDRIKSEN, 2010, p.421).
Entretanto, há uma conexão entre todas essas ocorrências, que diferenciam o jejum de uma prática mais comum de espiritualidade. Quando observamos atentamente tanto o uso do jejum no AT quanto no NT, deparamo-nos com a comum conclusão de que o jejum era praticado como um ato desesperado pelo favor divino quando um decisão ou circunstância muito importante estava para ocorrer. No que tange a possibilidade de pedidos ou a exposição das dores da alma, a oração já havia sido enfatizada como instrumento ordenado por Deus para esse fim, conforme o próprio Cristo ensinou desde os versículo 5. Assim, a única reposta óbvia a que se pode chegar é a de que o jejum, ligado diretamente à oração, é a apresentação de uma súplica intensificada por circunstâncias realmente gritantes ou emergenciais na vida do indivíduo ou de todo o povo de Deus.
Levando em consideração o contexto em que as exortações de Cristo se encontram em relação ao que fora dito anteriormente, as considerações de Cristo ligadas ao jejum enfatizam que o recurso do jejum é a intensificação da oração.
Infelizmente, a ideia de jejum atualmente degenerou-se numa prática estranha ao contexto bíblico, pois é usado apenas como um método cabalístico e asceta, através do qual espera-se algum tipo de aprofundamento espiritual, quando segundo a orientação de Cristo, é na verdade uma ênfase ou desdobramento da oração como meio de graça através do qual nos relacionamos com o Pai celeste.
Por essa razão, Jesus direciona seus discípulos para longe da hipocrisia exercitada pelos escribas e fariseus, que usavam o jejum como "palanque espiritual" para exibir-se com piedosos (assim como fora analisado com respeito a oração e à caridade). A intensificação dos pedidos ou das preces entregues a Deus por meio do jejum, considerava que o assunto em questão envolvia uma causa emergencial.
Assim como ocorre tanto no AT quanto no NT, quando alguém ou grupo de pessoas jejuavam ao SENHOR, a mensagem era inequívoca: "Não importa o comer ou beber. Não importa o mantenimento de nossas vidas através do uso dos meios ordinários (i.e. alimentação); dada a gravidade da situação, o que realmente importa é que o SENHOR nos ouça e atenda. Tomemos por exemplo, a situações listadas por Hendriksen no início, sobre a prática do jejum na Bíblia:
* Humilhação por um pecado cometido (arrependimento).
* Lamentação frente a uma tragédia ou iminência de uma.
*Ameaça de morte
* Envio de missionários e ordenação de presbíteros
Essas e outras ocorrências da prática do jejum ao longo da Bíblia, enfatizam inclusive que o clamor era feito não em prol do(s) próprio(s) indivíduo(s), mas em relação ao uma nação (como é o caso de Israel no AT) ou da igreja (local ou católica).
Usando o próprio Cristo como exemplo, vemos ao longo dos evangelho que Cristo em muitos momentos jejuou, como por exemplo, quando sofreu a tentação (Mt 4.1-11) . Além de uam busca por dependência do Pai para vencer o maligno, é mister lembrar que Jesus é o Agente promotor do Reino dos céus: é através dele que a redenção será executada por Deus, logo, não há maior motivo para jejuar do que este, tendo em vista que é algo da maior importância e emergência.
Usar o jejum como meio de promoção pessoal é algo impensável para um agente do Reino, segundo Jesus salienta. Mas, sem que busque transparecer piedade, confiando na promessa de que temos um Pai que está atento ao nosso clamor, confiemos nossas petições em secreto Àquele que nos pode socorrer.
Transição
O texto do Evangelho de Mateus 6.16-18, registra o ensino de Cristo aos agentes do Reino sobre o uso do jejum como mais um recurso para nossa relação com o Pai, porém, tal recurso não pode e não devem, em primeiro lugar ser usado levianamente, e ligado a isso, em segundo, não deve ser usado para promoção pessoal, no sentido de o usar para parecer piedoso, assim como a oração e a caridade.
Porém, é necessário que esses mesmo princípios sejam ainda mais clarificados, tendo em vista o que elucida o texto.
Aplicação
O jejum é uma intensificação da oração, devendo usar usado com sabedoria e humildade.
Os fariseus usavam o jejum para promover-se, e por isso não obtinham nada além daquilo que desejam: o louvor dos homens. Se essa for a nossa intenção no uso do jejum, estamos fadados a ter os mesmos resultados. Porém, também somos exortados a enxergar o quanto o jejum é uma ferramente distinta e específica dada a nós pelo SENHOR.
Se notarmos a lista que elencou William Hendriksen, com relação ao contexto que em o jejum era praticado, veremos que não se trata de uma solicitação de caráter "comum" ou "normal", isto é, o jejum não era usado para qualquer fim, ou como meio mais intenso de pedir algo a Deus, mas um clamor enfático de dependência do Pai celeste, e a constatação de nossa limitação.
Infelizmente, como já afirmamos, o jejum é tratado atualmente como mais um meio de exercício espiritual, onde o praticante usa-o para ter algum tipo de "experiência transcendental" mais profunda com Deus, ou quando deseja muito algo, ao ponto de considerar que se pedir de maneira mais evidente, o SENHOR o atenderá. Entretanto, não é para isso que serve o jejum. Se queremos apenas pedir, ou apresentar diante de Deus alguma necessidade, já temos um meio de graça próprio para esse fim: a oração. O jejum é o clamor da alma, testificando que nada mais importa, além da atenção do SENHOR e de que sua graça seja derramada em favor do suplicante.
Assim, algumas orientações de cunho prático devem ser feitas, antes de decidirmos jejuar:
a) Por que desejamos jejuar? qual a razão que nos leva a achar que devemos jejuar ao invés de orar? será que nossos pedidos pessoais são razões suficientes para apresentar a Deus um jejum? não seria mais próprio, buscar ao Pai em oração, em se tratando de uma necessidade comum? não há uma dicotomia entre oração e jejum. A primeira tem um aspecto geral, o segundo é uma súplica intensa. O ponto não é considerar algumas coisas que possamos pedir como menos importante ou indignas de um jejum, mas entendermos que não é por nos sacrificar através de um jejum, que nossos pedidos serão atendidos. Quando Israel via-se a mercê de inimigos, os reis decretavam jejum para que o SENHOR os livrasse das mãos do adversários. Quando a igreja precisava de presbíteros para lhes pastorear, os apóstolos jejuavam para que o SENHOR enviasse ministros para sua igreja. Quando a perseguição ameaçava parar a marcha da igreja, o povo de Deus jejuava pedindo a Deus forças para suportar a opressão. Será que sua causa é tão extrema, como qualquer uma dessas, sendo necessário um clamor tão profundo quanto o jejum?
b) Diante de uma causa realmente extrema, como devemos jejuar? é triste ver como alguns crentes, mal instruídos na fé, aplicam o princípio do jejum - uma súplica intensa por uma causa maior - à qualquer debilidade do caráter: "jejum de rede social para combater o vício"; abstinência de alimentação para crescimento espiritual (por osmose): suspender a alimentação por um determinado período de tempo, mas realizando outras atividades; "jejuns" de curta duração (15 mim., 30 min..) etc.
O jejum é a concentração da atenção focalizada em Deus em seu nível máximo. Assim como os nossos irmãos no período bíblico fizeram, como já abordamos, o jejum é a demonstração da ideia de que naquele momento, nada mais importa, senão que Deus ouça a prece. Você realmente quer jejuar? quer apresentar diante de Deus uma causa? prepare seu dia reservado um horário viável, busque sossegado, abstenha-se de alimento (comida e bebida), e ore ao SENHOR, leia a Escritura, entoe salmos e cânticos, se preferir, mas o ponto central a ser aprendido acerca do jejum é: sua atenção deve estar focada somente em Deus.
A partir dessas considerações, a exortação de Cristo de que não devemos usar o jejum para exibicionismo se torna clara, pois é buscando intensamente o Pai secreto, que recebemos a promessa de que ele no recompensará com a ouvida de nossa súplica, e com o conforto de que ele executará sua vontade, levando-a em consideração.
Conclusão
O jejum é o clamor da alma em revelar de maneira ainda mais intensa que somos totalmente dependentes do Deus Triuno, e que sua glória está acima de todas as coisas, e é por ela que sacrificamos até as condições mais básicas para nossa existência - como o alimento - tendo em vista a promoção do Reino de Deus em Cristo Jesus através de nossas vidas.
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