Mateus 6.25-34

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Cristo exorta seus discípulos não somente quanto ao amor às riquezas (vs. 19-24), mas também quanto a ansiedade, e também como esta pode na verdade ser um indicativo não apenas de alienação do Reino, mas também de negação da obra salvadora de Deus o Pai em Cristo Jesus, seu Filho, ao agir como órfão.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após a introdução exortativa quanto ao relacionamento do agente do reino com as riquezas, ou sua advertência em relação a uma consideração idólatra para com os bens desse mundo, Cristo amplia essa exortação, analisando em primeiro lugar a incoerência da ansiedade, tendo em vista o cuidado divino (vs.24-30), e em segundo, o próprio consolo de que dispõe o crente, em razão deste cuidado.
Assim, o SENHOR Jesus Cristo encerra o capítulo 6, enfatizando a irracionalidade e rebeldia da ansiedade.
Elucidação
É possível notar como a argumentação de Cristo é estruturada a ressaltar dois pontos básicos: o primeiro é a própria incoerência da ansiedade diante do cuidado divino (vs.25-30), e em seguida o consolo divino como consolo contra a ansiedade e esta como um ato de rebeldia contra o próprio Pai (vs. 31-34).
Observemos então o primeiro ponto.
1. A incoerência da ansiedade diante do cuidado divino.
Para que a exortação torne-se tanto mais evidente quanto compreensível, o Senhor Jesus usa um princípio de interpretação e ensino judaico em sua fala. Tal princípio considera a observação da própria vida pela ótica dos mandamentos de Deus, extraindo lições e aplicações a serem analisadas e seguidas.
Esse ensino baseia-se numa consideração de importância e relevância, do menos importante para o mais como forma de ênfase sobre o segundo. Cristo introduz o primeiro ponto de sua exortação, nesse sentido levando os discípulos a considerarem a vida como mais importante do que aquilo que a sustenta: "Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes?" (v.25).
Partindo dessa premissa, a lógica é muito clara: se Deus concedeu o mais importante (a vida), não cuidará de sustentá-la? Porém, Cristo segue elucidando o exemplo de maneira ainda mais evidente. Dos versos 26 a 30, três exemplos do zelo do Pai são aplicados aos discípulos: as aves; o curso da vida, e os lírios.
Os três exemplo apontam para a mesma realidade anterior, extraída agora da própria vivência diária dos agentes do Reino: as aves não devotam-se ao trabalho, mas o SENHOR as alimenta. Não é óbvio que, àqueles a quem fora ordenado o trabalho como forma de serviço ao Criador, receberão muito mais atenção? A vida segue seu curso determinado pelo próprio Pai Celeste, e nenhum cuidado ou ansiedade poderão acrescentar nenhum um "minuto" (no texto representado por uma medida de tamanho = côvado, aprox. 44cm) a ela. Por fim, por mais que se preocupem consigo mesmos, jamais poderão providenciar um cuidado melhor do que aquele que o próprio Pai desprende para com seus filhos, assim como ocorre aos lírios, que embora sejam mais belos do que as vestes de um rei (e.g. Salomão; o mais próspero rei de Israel), perdem toda essa majestade sendo tratados como combustível para o fogo pelas donas de casa.
Cristo reduz a ansiedade à um comportamento não somente estranho a ética do Reino, bem como paradoxal, levando em conta a informação apresentada de que o Pai cuida de seus filhos.
Assim, toda essa explicação evolui rapidamente para o segundo ponto da exortação:
2. O cuidado divino como consolo contra a ansiedade
Enquanto os discípulos achavam que precisavam preocupar-se com essas coisas, pois do contrário, tais suprimento lhes faltariam, Cristo enfatiza o exato opostos: "vocês não são sustentados pelo cuidado (ou ansiedade) em suster-se, mas é o Pai que, sabedor de que precisam dessas coisas, sustenta vocês". Porém, uma afirmação mais enfática é dada como parâmetro distintivo dos filhos de Deus: os gentios é que procuram todas essas coisas.
O procedimento gentílico com relação aos cuidados com essa vida é idólatra, pagão e avesso a tudo aquilo que o Senhor Jesus apresentou como sendo a vontade do Pai para o modo como devem viver os seus filhos.
Cristo já havia demonstrado que o coração dos ímpios estava imerso nas coisas desse mundo, de forma tal que amavam as riquezas (vs.19-24). Porém, o argumento do Senhor reforça que a situação é mais grave do que isso: eles não somente amam as riquezas, mas também, através da ansiedade, voltam-se contra Deus estando cegos; não percebendo como o próprio Deus é providente.
Mais uma vez a referência paralela com o evangelho de Lucas possui um ponto comum que reforça a tese de ambos os evangelhos, embora suas ênfases ou fins didáticos sejam diferentes. Enquanto que para Mateus, a citação da exortação de Cristo contra a confiança última nas riquezas está inclusa na narrativa completa do sermão da montanha, Lucas 12.22-34 inclui o mesmo trecho após uma seção onde Cristo afirma sua atitude diante daqueles que o negariam, qual seja: a de o negar diante do Pai celeste. O horizonte comum entre ambas as citações é o de que aquele que devota-se as riquezas, está não somente servindo outro senhor, que não Cristo, mas também está negando o Filho de Deus. Logo, tanto para Lucas quanto para Mateus, o amor as riquezas (Mt 6.19-24) manifesto através de um coração ansioso é a prova cabal de que tal pessoa não somente não adentrou o Reino, bem como de que negou o Filho de Deus.
Diante dessa relação, a didática de Mateus em seu evangelho é reforçada, pois está traçando um manual através do qual o crentes em Roma poderão encontrar a orientação de que precisam para viver por modo digno do Reino do céu, mesmo no coração do império romano que rivalizava com a pregação do Evangelho. As pessoas (e.g gentios vs. 32) vivem procurando ansiosamente seu sustento, tendo em vista o sentimento de desamparo que sentem por não terem o cuidado paterno de Deus sobre suas vidas - de maneira salvadora -, por outro lado, os justos (i.e. os filhos do Pai Celeste) sendo conhecedores de que a providência divina age de maneira especial no cuidado e sustento dos agentes do Reino, não inquietam-se, mas descansam tranquilamente da dispensação do Altíssimo.
Lloyde-Jones, comentando essa ênfase de Cristo, afirma:
O argumento essencial do Senhor é que nós, como crentes que somos, devemos ser diferentes dos gentios. É por aí que Ele começa. Pode-se notar que Jesus situou essa declaração dentro de parênteses, por assim dizer: “... porque os gentios é que procuram todas estas cousas..Entretanto, quão poderosa declaração é essa, quão importante ela é! Embora formulada negativamente, ela conduz a um resultado perfeitamente positivo. Se você deseja aumentar sua fé, então a primeira coisa que lhe convém fazer é perceber que andar preocupado e ansioso a respeito de alimento, bebida, vestuário, e a respeito da própria vida, neste mundo, em certo sentido é estar vivendo tal e qual os gentios (Lloyd-Jones, D. Martyn, 2018, posição kindle 9491-13870).
Transição
O texto de Mateus 6.25-34, aponta para como o amor às riquezas descamba numa postura estranha ao reino dos céus, quando o indivíduo entregando-se às coisas deste mundo, vive afundando-se nas preocupações a tal ponto de desesperar-se, não reconhecendo o governo providente de Deus sobre todas as coisas. Tal postura não deve ser vista entre os agentes do Reino. Mas, para além dessas considerações, Cristo, por meio deste texto nos leva a refletirmos quanto a pelo menos dois pontos que são abordados no texto como aplicações às nossas vidas.
Aplicações
1. A irracionalidade da ansiedade.
Cristo, em primeiro lugar, demonstra quão fútil e irracional é a ansiedade. Por irracionalidade não estamos querendo dizer que o princípio ético do Reino exposto aqui por Cristo pode simplesmente ser praticado ou alcançado por um exercício lógico ou racional de entendimento, pois só se pode entrar no Reino pela fé. Contudo, a questão é irracional do ponto de vista da falta de observação quanto ao controle soberano do SENHOR sobre todas as coisas, e que tal controle implica diretamente num cuidado e preservação tal, que se alguém pudesse reconhecê-la, veria que que a ansiedade é sim, vazia de sentido.
É estarrecedor ver o quanto a ansiedade tem destruído diversas pessoas em nosso tempo. Segundo a revista "Exame", em matéria publicada em 05/06/2019:
O Brasil sofre uma epidemia de ansiedade. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o País tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno (Disponível em:https://exame.com/ciencia/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo-segundo-a-oms/).
Entretanto, o maior problema não é ver o quanto os gentios estão sofrendo com a ansiedade, mas o quanto cristãos professos tem também sido vítimas desse mal do coração. Se para os ímpios já é um equívoco viver ansioso, para os justos é no mínimo um contra-senso: como alguém dispondo do favor infinito de um Pai Todo-poderoso, pode nutrir em seu coração uma desconfiança quanto ao curso de sua vida tamanha, ao ponto de viver desesperado e assombrado pelos cuidados dessa vida?
Como já afirmamos, os pássaros, que não possuem qualquer responsabilidade consciente de trabalhar para glória de Deus, são diariamente alimentados e cuidados pelo SENHOR. Os lírios, não desprendendo qualquer esforço para vestirem-se de modo a dar louvor a Deus, são pelo Pai vestidos de tal glória, que por meio dessa vestimenta, apontam para quão majestoso é o Rei que os veste. Mas o homem, responsabilizado por Deus para cuidar de toda a criação; dotado de senso moral - principalmente quando vivificado pelo Espírito - para direcionar toda sua existência para louvar seu Criador, desconfia que aquele que fez o mais (i.t. criou tudo a partir do nada), possa fazer "o menos" (preservar sua criação).
Contudo, como já dito, não se trata de apreender uma informação ou realizar um exercício de silogismo lógico (e.g. se Deus criou, logo, pode manter e cuidar), e sim, de ser iluminado (Mt 6.19-24) para enxergar a dádiva da providência; algo que o homem natural jamais conseguirá, pois está preso a uma observação vazia e solitária da vida tendo sido corrompido pelo pecado, que o faz devotar-se ao cuidado para com sua própria vida como se de alguma forma ele fosse seu próprio mantenedor. Tal postura, além de ilógica é pecaminosa, pois despreza a ação da boa mão de Deus sobre todas as coisas. O que nos leva a enxergar a ansiedade de acordo com um segundo prisma.
2. A impiedade da ansiedade.
Combatendo a inquietude do coração dos agentes do Reino, Cristo remete: "[...]os gentios é que procuram essas coisas." (v. 32). A ansiedade é a desconfiança de que Deus possa ou queira cuidar de nós, ou ainda, de que se estivéssemos no controle faríamos de outra maneira.
A modernidade trouxe consigo um terrível mal: o de nos fazer pensar que não podemos passar por infortúnios. Temos de viver sempre bem, nunca sofrendo ou passando por quaisquer dificuldades. Entretanto, o texto não nos fala sobre como devemos lidar com as tempestades da vida, mas enfatiza o controle soberano de Deus sobre todas as criaturas. Ou seja, o fato exposto no texto é de que Deus cuidará de nós. Porém, transpomos a barreira estabelecida pelo Texto Bíblico, quando por causa de nossa inquietude, começamos a ver nossa necessidade como uma circunstância difícil pela qual estamos passando: é a tendência infantil de dramatizar a circunstância a fim de chamar a atenção, passando-nos por vítimas.
A vileza da ansiedade consiste em nos voltarmos contra esse governo providente, afirmando através da inquietude do nosso coração que a providência não nos serve tão bem quanto diz a Escritura, ou que o cuidado paternal do SENHOR não é tão efetivo.
Além do mais, na maioria das vezes em que nosso coração se inquieta por causa da ansiedade não é levando em consideração uma necessidade genuína, uma demanda real, mas majoritariamente está ligada aos nossos desejos e e aspirações. A ansiedade peca contra Deus pelo descontentamento com relação aquilo que nem temos, e de que não precisamos.
Mas, qual o antídoto para esse mal de nosso coração?
O próprio Cristo nos mostra o caminho a ser percorrido em nossa luta contra a ansiedade: "buscai em primeiro lugar o seu Reino e a sua justiça" (v. 33). É interessante ver como Cristo ressalta a "justiça" como sendo o substantivo distintivo entre a postura dos gentios (e provavelmente dos fariseus e escribas, conforme 5.20) em relação aos agentes do Reino. É a justiça divina que torna inimigos em filhos, logo, quando confiamos na providência divina e em seu cuidado paternal, estamos nos distanciando cada vez mais da postura ímpia daqueles que se rebelam contra o Reino dos céus.
Vencemos o pecado dentro nós quando descansamos debaixo da mão poderosa do SENHOR. As posturas e ações que poderiam exemplificar como faríamos isso são as mais diversas, porém todas se resumirão naquilo que o próprio Jesus nos ensina no verso final: sabendo que todas as necessidades de vocês são conhecidas pelo Pai, "não vos inquieteis com do dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal" (v.34). Não há razões para tentarmos prever quais serão as demandas que nos sobrevirão no futuro, pois além de não sabermos quais serão, não podemos fazer nada, até que a necessidade se apresente. Contudo, confiando no fato de que é Deus mesmo quem fornecerá a provisão, basta que nos concentremos e dediquemo-nos em agir de acordo com a ética do Reino de Deus, proclamando que Deus cuida de nós.
Se precisar esforçar-se para isso, "traga à memória o que [lhe] pode dar esperança. As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos" (Lm 3.21-22). Seja o livramento de uma nação inimiga que invade Israel, como no caso do profeta, ou do abastecimento de nossa dispensa, o fato é que se abrirmos o baú de nossas memórias veremos o quanto Deus tem sido gracioso em nos sustentar com tudo o que precisamos e até mais.
É também importante salientar que Jesus não está impedindo que tenhamos provisões ou que façamos planos para o futuro. Talvez a fábula da cigarra e a formiga nos ajude a entender o princípio do equilíbrio: não devemos ser temerários como a cigarra, e nem ansiosos como a formiga: basta que trabalhemos de acordo com o que se apresenta para nós mediante o descortinar da providência no dia-a-dia.
Conclusão
O descanso sob a mão poderosa da providência é uma das virtudes cristãs mais difíceis de exercitar, pois concorre contra nós a tendência natural do coração de desconfiar ou rebelar-se contra o cuidado de Deus. Mas, não há consolo mais eficaz nem arma mais poderosa contra esse pecado do que o repouso tranquilo nos braços do Criador, atentando para o que nos diz a Escritura: "Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós (1Pe 5.6–7).
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