Mateus 8.1-17
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 41 viewsO autor do evangelho inicia uma nova seção retomando o princípio introduzido ao final do sermão da montanha, qual seja: a autoridade de Cristo como o Rei prometido para inaugurar o Reino dos céus, que como o Servo de Deus, veio curar as enfermidades de seu povo.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Avançando no registro do Evangelho de Mateus, o autor agora passa a descrever os episódios que se sucederam após o grande Sermão do Monte, onde é dito ao final que "multidões estavam maravilhadas da sua doutrina, porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas" (7.28b-29).
A partir desse ponto, ao descer do monte (8.1), Mateus registra uma sucessão de curas e milagres que demonstram a compreensão de que de fato Cristo é o Messias enviado para cumprir as profecias do AT, sendo o redentor do povo eleito de Deus e aquele que estabelecerá seu Reino, tal como fora argumentado nas seções anteriores ao sermão do monte. Com isso, Mateus está retomando a ideia de apresentar Cristo como o Redentor, agora por meio de ênfases particulares e específicas, como por exemplo, Aquele através do qual nossas enfermidades são curadas (v.17).
Mediante essas observações, a ideia sintetizada desta seção do Evangelho de Mateus é a declaração de Cristo como o Servo Sofredor e Redentor do seu povo.
Elucidação
Apesar do comentário que sugere mudanças geográficas da parte de Cristo percorrendo algumas regiões após descer do monte (8.1; 5) onde havia discursado às multidões, é possível notar que a intenção do autor foi listar propositalmente os milagres que sucedem o sermão de Cristo, como evidência daquela autoridade observada pelas multidões que o distinguia dos mestres da lei. Entretanto, essa distinção não está baseada somente na doutrina pregada e aplicada de maneira peculiar, mas deve-se a quem é o que prega e que realiza os sinais.
Mateus relaciona essas curas e milagres ao cumprimento de outra profecia do AT, tecendo um comentário que também encerra a seção. A partir do verso 16, o autor resume os acontecimentos, e faz a observação de que Cristo:
"Curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: "Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (Mt 8.16–17).
À luz disso, Mateus está traçando uma relação íntima entre o resumo que fizera sobre os milagres e o texto veterotestamentário: Cristo é o Redentor esperado, tal como profetizado desde o AT, encarregado de curar as enfermidades de seu povo, mediante a fé que habilita o indivíduo a assim vê-lo.
O desejo de que seu testemunho não fosse deturpado ou destituído da compreensão exata de quem ele é, motiva Cristo a inibir a publicação dos milagres (v.4), para que as pessoas não ouçam apenas o relato dos sinais dissociados da convicção quanto a verdadeira identidade de seu realizador, o que inclusive poderia gerar um conflito de informações que ocultaria a relação de Jesus como a carga conceitual que o antecede (i.e. o testemunho do AT).
Por isso, em determinado momento, Cristo orienta um homem que fora curado de lepra a que se apresente ao sacerdote, como manda a Lei de Moisés (Lv 14.1-32). Esse fato, ligado ao próprio comentário de Mateus quanto a profecia de Isaías que cita, traça a tese central do texto, que inclusive é reforçada por ocasião da segunda cura registrada: a do servo centurião.
Um gentio, crendo em Cristo como sendo o Filho de Deus, demonstra uma fé que não foi encontrada nem mesmo em Israel (v.10), onde supunha-se que Cristo fosse mais profundamente reconhecido. Entretanto, a despeito de seu distanciamento e familiarização com as informações anteriores que registravam quem Jesus era, ele chega a mesma compreensão (mediante a fé) de que somente ele poderá curar seu servo da enfermidade. Embora possa parecer contraditório, pois Cristo não desejava ser reconhecido doutra forma, senão como o Servo do SENHOR (cf. Isaías 42 - 53) o ponto usado por Mateus como objetivo central de seu relato, era a difusão do Reino alcançando agora os gentios.
O contato de Cristo com o centurião assinala que, mediante o poder do Espírito, o Reino está aberto a todos aqueles que reconhecerem a Cristo como o único que pôde carregar nossas enfermidades, livrando-nos da podridão que nos separava do SENHOR, assim como o leproso era banido do arraial. A ordem o Senhor expressa tal ideia: "vai-te, e seja feito conforme a tua fé", seguida pelo comentário que demonstra o desfecho da narrativa: "e naquela mesma hora, o servo foi curado" (v.13).
Apesar de Marcos e Lucas registrarem essas mesmas curas e milagres noutros pontos de seus evangelhos, salvaguardando perspectivas e objetivos diferentes, Mateus preocupa-se em substanciar as palavras anteriormente proferidas por Cristo. Ao final do capítulo 7, a informação registrada pelo autor é de que "as multidões estavam maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas" (v.28-29). Esses versos servem de introdução a seção em que estamos corroborando esse princípio: a salvação havia chegado, e estava sendo divulgada não da forma legalista e hipócrita, como faziam os escribas e fariseus, mas em verdade e graça na pessoa de Cristo.
Transição
O texto Mateus 8.1-17 sintetiza a perspectiva iniciada pelo autor desde o capítulo 1, enfatizando a identidade de Jesus como o Messias. Seu público-alvo, composto majoritariamente por judeus, mediante o engodo legalista dos escribas e fariseus, poderia ter dificuldades ou dúvidas quanto a veracidade do cumprimento profético veterotestamentário, quanto a Cristo ser de fato o enviado da parte do Pai para redimir seus eleitos.
A prova estruturada através de curas e sinais, consiste em reforçar essa compreensão, observando que o contato de Cristo com as pessoas descritas no relato, sempre culmina numa menção de reconhecimento de seu senhorio e messiado, como é o exemplo do leproso, que busca em Jesus a purificação que somente poderia ser representada a partir do sacrifício conforme determinado na Lei (vs.2-4); também por meio do centurião que, mesmo não pertencendo a nação de Israel, reconhece a autoridade de Jesus sobre a enfermidade de seu criado, o que demandava crer de maneira específica em Cristo como o Filho de Deus. Por fim, a próprio sogra de Pedro reage com fé salvadora à cura realizada por Jesus Cristo, quando o próprio narrador descreve sua postura: "ela se levantou e passou a servi-lo".
A conexão entre as enfermidades como necessidades pontuais do povo e o pecado, a maior e mais importante demanda a ser atendida, é feita no final da narrativa, como dito, quando o autor cita a profecia de Isaías 53.4
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
Comentando essa conexão, Wilkins salienta:
Mateus continua sua ênfase de que a vida e o ministério de Jesus são o cumprimento do Antigo Testamento, especificando que seu ministério de cura cumpre a profecia de Isaías 53.4.[…] Isso foca o papel do Servo como aquele que trará cura. O texto grego da citação de Mateus atinge o cerne do significado da profecia, na qual tanto pecado quanto enfermidade estão em vista. O Servo leva a enfermidade de outros por meio de seu próprio sofrimento e morte. Mateus recorre a essa profecia para ligar o ministério de Jesus ao tema da expiação substitutiva de Isaías 53. Jesus não se torna ele mesmo enfermo, mas tira e remove a enfermidade pelo seu poder de curar. Embora isso ainda não apresente explicitamente o sofrimento e a morte vicária de Jesus pelo pecado, certamente prepara o caminho para isso. Jesus veio para salvar seu povo dos pecados deles (Mt 1.21), e suas curas apontam para além deles mesmos, para a cruz, e o início da nova aliança em seu sangue, que é derramado para o perdão do pecado (Mt 26.27-28) (BOCK, 2015, p. 104).
Logo, a intenção do evangelista não é simplesmente notar quantas curas Cristo realizou, mas apontar para seus ouvintes/leitores que tais sinais são provas cabais da salvação que havia finalmente chegado para todos quantos creem em Cristo como o Filho de Deus, enviado para inaugurar seu Reino.
O apelo pastoral de Mateus é que toda a igreja contemple em Cristo a ação salvadora do SENHOR, e possa edificar-se sobre o fundamento de que a despeito das doenças que um eleito possa convalecer, a maior de todas as enfermidades foi curada com o sacrifício daquele que foi morto em nosso lugar, tendo levado-as sobre si.
A partir disso, o texto de Mateus 8.1-17 clarifica alguns princípios a serem observados por nós hoje.
Aplicações
1. Nossa perspectiva sobre Cristo deve estar afinada com o que diz a Escritura, para que a partir de seu testemunho, confirmemos nossa salvação.
O primeiro dos sinais lança luz sobre uma preocupação de Cristo que é repetida pelo autor do evangelho: a de que as multidões o reconhecessem não pelo milagre em si, mas por quem ele realmente era, e isso só seria possível se a própria Escritura desse testemunho de Cristo, o que é providenciado mediante a orientação de Jesus ao leproso de que ele deveria apresentar-se ao sacerdote "para servir de testemunho ao povo" (v. 4b).
Tal cuidado elucida uma restrição fundamental para que alguém achegue-se a Deus através de Cristo: que o reconheça não baseado em quaisquer informações que possam contradizer o ensino bíblico sobre o Redentor. A apreensão da verdade de que Jesus é o Filho de Deus está intrinsecamente vinculada ao testemunho que a própria bíblia fornece sobre ele. A identidade do Messias conforme declarada na Palavra de Deus não rivaliza com a experiência, a subsidia, de maneira que os olhos contemplam o que ao coração fora antes testificado: Cristo Jesus é o Servo de Deus, enviado ao mundo para curar seu povo da enfermidade do pecado.
É triste notar que em nosso tempo as pessoas tem diversas ideias sobre Jesus Cristo: um benfeitor somente interessado em nos fazer prosperar materialmente; um curandeiro/milagreiro que deseja apenas mostrar seu poder, inclinado-se, convenientemente, a nos beneficiar de alguma forma; um revolucionário político, que difere do discurso fundamentalista religioso de nosso tempo, e deseja apenas nos desamarrar de todas essas ataduras culturais retrogradas através do amor e da liberdade.
O apelo moderno a desconstrução identitária, desconfigura a mensagem do evangelho de seu real significado, moldando-o à nossa imagem. Cristo não existe, pelo menos, não mais. O que há é um receptáculo metamorfoseado pronto a ser adaptado às agendas e pautas de quem se interessar em usá-lo como ancoradouro ou ponte comunicativa para alcançar seu público-alvo.
Cristo pode ser o jovem negro, que cresceu nas periferias das grandes metrópoles. Ou, o adolescente que cresceu num família privilegiada “heteronormativa”, mas enxerga desigualdade social de um mundo injusto. Pode ser também a mulher, que vítima da selva de pedra patriarcal, não consegue achar seu lugar no mercado profissional. Compreende? Cristo é quem eu quiser que seja, baseado nas visões sócio-políticas ou filosóficas que mais me agradarem.
A resposta do evangelho a toda essa patifaria mundana é um altissonante NÃO! o Salvador não pode ser moldado às minhas preferências. Jesus Cristo, é o Filho do Deus vivo, o Messias enviado da parte de Deus o Pai, como seu voluntário Servo, para curar as nossas enfermidades. Se não cremos nele de acordo com o que nos mostra sua Palavra, podemos construir para nós o ídolo que quisermos, só não podemos chamá-lo de "Jesus Cristo".
Devemos crer em nosso SENHOR tal como nos é revelado pelo Espírito Santo em sua Palavra. Dessa forma, obteremos não somente o testemunho verídico de quem é o Senhor Jesus, bem como a fé para experimentar a cura que somente ele pode fornecer para o pecado que nos corrompe e afasta de Deus.
O que nos leva ao segundo princípio.
2. Jesus Cristo é o Servo do SENHOR, enviado para curar a enfermidade de seu povo.
Como dito, as curas executadas por Cristo nesse relato, representam aquilo que ele faz por nós, curando nossa alma. A convicção que precisamos ter ao nos aproximarmos de Jesus é de que estávamos num estado de enfermidade tal, que não havia solução para nós. Entretanto, sendo alvos da graça divina, fomos alcançados pela salvação do SENHOR, e agora, assim como a sogra de Pedro podemos nos levantar e servi-lo.
A oferta preciosa do sangue de Cristo que nos purifica de todo o pecado, deu-nos a graça de, agora curados, podermos testemunhar que ele é o Servo Sofredor, que padeceu nossas dores e doenças, dando-nos o acesso ao Pai. Ao crermos em Cristo, estamos ao mesmo tempo testificando que foi realizado o cumprimento profético: Deus o Pai nos visitou em seu Filho bendito, abrindo-nos a porta de entrada nos céus.
Conclusão
Em Cristo, o Servo do SENHOR, somos revigorados; curados de nossas mazelas e enfermidades, para que, como um povo santo, possamos proclamar que Deus é fiel às suas promessas: ele nos enviou a redenção, nos enviou o Rei prometido que graciosamente nos convidou a entrar no Reino dos céus.