Mateus 8.18-22

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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O autor expõe as dificuldades do discipulado cristão, e de como tais dificuldades são expostas como o custo assumido por aquele que verdadeiramente é uma agente do Reino e foi chamado pelo Senhor para proclamar sua chegada.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Tendo Mateus estruturado, na seção anterior (vs.1-17), uma série de milagres de Cristo que substanciavam sua interpretação de que ele era o Redentor, caracterizado especificamente como o Servo do SENHOR, tal como profetizara Isaías, isto é; Jesus é o enviado da parte do Pai para carregar o peso de nossa culpa e nos purificar de nossos pecados por meio do sacrifício de si mesmo em nosso lugar, ele passará a desenvolver ainda mais o tema da autoridade de Cristo, porém, com base noutras perspectivas complementares, sempre amparando a tese exposta no final do sermão da montanha, quando demonstra o espanto das multidões ante sua doutrina, fator que o distinguia dos escribas e fariseus.
Entretanto, entre aqueles primeiros sinais e os próximos, Mateus registra alguns fatos que lançam luz sobre o teor do discipulado com Cristo. O autor usa os episódios dos versos de 18 a 22 para elucidar a realidade do ministério de Cristo em seu estado de humilhação, enfatizando assim a necessidade de compreensão por parte daquele que se aproxima dele, quanto ao que lhe é exigido como agente do Reino. Dessa forma, a ideia fundante da seção de Mateus 8.18-22 é a compreensão do custo do discipulado cristão.
Elucidação
Apesar de estar no meio das narrativas que subsidiam a tese da autoridade de Cristo, Mateus elabora a seção de 18-22 como ponto de intersecção onde abordará princípios referentes ao discipulado cristão, configurando uma estrutura anexa ou de reforço a ideia central deste bloco do evangelho. Os fatos, tal como narrados por Mateus, podem ser organizados em dois princípios, que são evidentes à luz dos diálogos e reações tanto de Cristo quanto de seus interlocutores.
Os dois episódios são narrados como cenas paralelas e correspondentes, reforçando duas verdades centrais: o escriba, ao se aproximar de Cristo e declarar sua intenção de segui-lo, exibe uma falta de compreensão quanto ao que lhe será preciso fazer ou, do quanto ele deverá abrir mão para verdadeiramente seguir a Cristo. No segundo momento, um discípulo também demonstra a mesma falha de compreensão, quando coloca uma condição para que possa seguir o Mestre.
As verdades que Mateus deseja direcionar aos seus ouvintes, deverão levá-los a reflexão quanto a sua situação no Reino de Deus: agora, tendo sido salvos em Cristo, mediante a fé que lhes foi concedida para crer nele como o Messias, devem segui-lo a despeito do que lhe pode parecer mais vantajoso ou benéfico nesse mundo a parte dele. O evangelista apresenta então, em primeiro lugar o custo do discipulado, e em seguida a exclusividade do amor a Cristo e do serviço a ele.
Tratando do primeiro episódio, diante da demonstração de interesse do escriba, Cristo responde de maneira negativa. Há uma intencionalidade em ambas as respostas - tanto para o escriba quanto para o discípulo posteriormente -: o escriba, acostumado com as regalias de sua posição, após enfrentar as primeiras dificuldades do discipulado, poderia ver-se frustrado. Diante disso, Cristo exibe o que enfrentará nesse mundo devotando-se ao Senhor: Embora tenha conquistado o Reino dos céus, as benesses completas e permanentes desse Reino só serão usufruídas no retorno de Cristo, ao passo que neste mundo, seguindo os passos do Senhor, o escriba deveria estar pronto para lutar e enfrentar dificuldades pois, assim como Cristo não tinha "onde reclinar a cabeça" (v.20), da mesma forma, a estrada do agente do Reino é marcada inicialmente pela abdicação dos confortos e prazeres desse mundo, em troca da vida eterna.
Reforçando essa ideia, Cristo usa pela primeira vez o termo "Filho do Homem". O termo extrai sua carga semântica das referências escatológicas do Antigo Testamento, como por exemplo em Dn 7.13-14, em que a descrição aponta para a inauguração do Reino vindouro através deste personagem. Assim, a expressão significava "mais do que o título "Messias" poderia reinvidicar: dominío total e as prerrogativas da divindade" (Bíblia de Estudo de Genebra, 2009, p. 1242). O uso feito por Cristo nessa passagem, em sua fala ao escriba, denota então uma ironia: enquanto em seu estado de humilhação, o próprio Filho do Homem, isto é, o Messias (Senhor absoluto sobre todas as cosias), é rejeitado ao ponto de viver nas mais difíceis e precárias condições. Se o escriba deseja mesmo seguir a Jesus, deverá estar ciente dessa realidade.
Observando o segundo momento, o ponto central da narrativa é esclarecido ao observarmos o que está sendo proposto pelo discípulo ao requerer de Cristo um tempo para primeiro enterrar seu pai.
Os enterros e preparativos fúnebres naquele período em que o fato ocorreu, demandavam muito tempo, em geral 7 dias. É possível que o argumento do discípulo para com Cristo englobe todo esse longo ritual, em que primeiro desejava realizar todo o procedimento fúnebre, para que então, livre de quaisquer outros entraves, pudesse servir a Cristo. Além disso, a cultura da época fazia do enterro uma ocasião altamente solene, como comenta Hendriksen:
Segundo o costume, o sepultamento geralmente se dava logo após a morte (Jo 11.1,14,17; At 5.5,6,10). Em Israel, dar um honroso sepultamento ao morto era considerado tanto um dever quanto um ato de bondade (Mq 6.8), que tinha a mais elevada prioridade sobre os demais serviços que requeriam atenção (Hendriksen, 2010, p. 505).
Outra possibilidade, é a de que "o homem estivesse pedindo permissão para esperar que o seu pai morresse para ele que então começasse o seu ministério como discípulo" (Bíblia de Estudo de Genebra, 2009, p. 1242).
A dificuldade encontrada por Jesus no sentimento do discípulo era o de querer primeiro "resolver sua vida". O discípulo gostaria de ter uma situação confortável para que então pudesse devotar-se ao Senhor. Ao que este lhe expõe à ordem de que deveria "deixar os mortos o sepultar seus próprios mortos" isto é, aqueles que não fazem parte do Reino de fato estão mortos em sua condição espiritual, e por isso não podem contemplar a emergência do seguir a Cristo como condição primária e mais importante de suas vidas. Jesus está enfatizando ao discípulo que não há condição favorável para que alguém possa segui-lo: ao ser vivificado, o agente do Reino só pode encontrar sentido em sua vida, se tão somente der às costas a esse mundo e suas demandas, e voltar-se exclusivamente ao Reino.
Observando as seções paralelas nos evangelhos, no texto de Lucas a passagem está localizada entre a recusa dos samaritanos em receberam os discípulos (provavelmente motivados pela rivalidade étnica que os separa dos judeus (Lc 9.53)), e a passagem do envio dos setenta. O objetivo de Lucas com essa estruturação de localização da passagem é orientar seu(s) leitor(es) quanto ao caráter do verdadeiro discípulo: aquele que entende que o Reino dos céus consiste na salvação dos eleitos de Deus (Lc 9.56), e mediante isso, age em conformidade com a comissão que recebera de Cristo, enfrentado dificuldades e tribulações; fato que é ampliado em Lucas 10.1-13.
Em Mateus 8.18-22, o horizonte semântico é equivalente, com uma ressalva: a confrontação feita pelo evangelista na passagem em questão, leva em consideração os custo do discipulado cristão, algo que demarca o compromisso daquele que verdadeiramente foi chamado a fazer parte do Reino dos céus.
Transição
O texto de Mateus 8.18-22 é como um parêntese feito por Mateus, que serve como aferidor para que seus leitores ratifiquem o quão firme está sua fé em Cristo e do quanto precisam estar certos em segui-lo. Certamente, não há conveniências ou benefícios humanamente atrativos no fato de ser discípulo de Cristo enquanto neste mundo caído. Não há regalias, como presumira o fariseu, ou concessões, como imaginou o discípulo.
A decisão de seguir ao Senhor exige um comprometimento profundo, que só é dado aqueles que nasceram de novo, reconhecendo através disso a salvação promovida pelo Pai celeste. Esta tese tem sido repetidamente apresentada por Mateus, mas agora assume um caráter noutético mais contundente: assim como Cristo não teve onde reclinar a cabeça, e concentrou-se firmemente em cumprir o que lhe estava proposto, da mesma forma deve fazer todo aquele a quem fora dado o poder de ser filho de Deus.
Dessa forma, a passagem é um lembrete/exortação quanto ao verdadeiro custo do discipulado cristão, e de como tal custo deve sempre ser lembrado pelos agentes do Reino, não para simplesmente evitar que murmurem ou reclamem, mas para torná-los cada vez mais cônscios da maravilhosa obra neles realizada, que os remete à grandeza da salvação.
Assim Mateus 8.18-22 nos leva a refletir sobre duas posturas básicas que devem estar claras na mente do agente do Reino.
Aplicações
1. O discipulado cristão exige a abnegação de confortos.
A resposta de Cristo ao fariseu é, por si mesma, autoexplicativa: [...] "o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça" (v. 20). Se o próprio Messias, enquanto estava nesse mundo, passou por essas dificuldades, devemos nos preparar para encarar e pagar o custo devido de ser seu discípulo. O texto não fala de 'dificuldades' outras, isto é, o texto não se refere ao enfrentar lutas e tribulações oriundas da convivência em um mundo devastado pelo pecado; já nos foi dado o prazer de meditar nas promessas de Deus que, mediante a prática de seus mandamentos, nos garantem força e graça para suportar os dessabores dessa vida (Mt 7.24-27).
A ênfase da exortação desta seção, tal como foi direcionada por Mateus à igreja de Cristo, faz menção às lutas e confrontos que teremos de suportar por seguir a Jesus, proclamando a chegada do Reino. Lembremo-nos por exemplo, do episódio narrado pelo evangelista a respeito do nascimento de Cristo. Só o fato de ter Cristo vindo a esse mundo, provocou descontentamento nas forças rebeldes, que se levantaram contra seu Reino e, através de Herodes, vimos o quanto o reino parasita se opôs (e se opõe) frontalmente a obra redentiva que está sendo executada pelo Deus Triuno.
O próprio Cristo sofreu com represálias e retaliações devido seu anúncio e demonstração de que o Reino de Deus é chegado. Não podemos esperar que conosco será diferente. As ponderações que o escriba precisaria fazer, deverão incluir o custo de estar declarando que seguirá Jesus aonde ele for (v.19). Vivendo entre seus pares, como um escriba - um mestre da Lei -, aquele homem poderia estar acostumado a ser tratado com honrarias e privilégios, mas, vindo sobre ele o poder do Espírito para compreender que Jesus é o Filho de Deus, ele passou a nadar "contra a correnteza" do mundo.
Precisamos entender que a pura confissão "Jesus Cristo é o SENHOR" será vista como um ato de rebeldia, o que é uma enorme contradição, pois, todo o que se volta contra Cristo é que na realidade incorre em rebelião contra o Rei. Mas, lembremos que o homem natural não pode alcançar essa verdade: está fora e além de sua capacidade o receber o Reino de Deus. Além disso, a nova vida que recebemos do Pai, em seu Filho, por obra e poder do Espírito, é antagônica e contrária a nossa natureza caída. Essa é a razão de sermos perseguidos e afligidos por seguir a Jesus.
Em Cristo, precisamos estar prontos para abandonar os confortos de uma vida de paz com o mundo: não somos mais amigos do mundo, somos amigos de Deus, e ambos estão numa relação irreconciliável que culminará com a destruição do primeiro. Estamos caminhando por uma estrada cheia de espinhos, e esses espinhos são o sinal de que não pertencemos a este século.
Um dia nós declaramos que seguiríamos a Cristo para onde quer que ele fosse, e vai custar absolutamente tudo para manter essa confissão: bens, riquezas, confortos, amigos, prazeres etc. O discipulado cristão exigirá que todos os dias confirmemos nosso comprometimento com o Senhor, o que nos encaminha ao próximo ponto.
2. O discipulado cristão exige exclusividade.
A dura resposta de Cristo ao discípulo pode soar insensível, mas demonstra uma tendência sempre presente em nossos corações. Antes de exibir que seguimos realmente a Jesus, sempre queremos primeiro "enterrar os mortos", ou em outras palavras, sempre queremos primeiro resolver nossas demandas, ou procuramos sempre achar que haverá um momento propício para decidirmos por Cristo e seu Reino, rejeitando aquilo que mais gostamos, ou que estaremos prontos para dar às costas ao que nos provoca grande prazer, mas entrava nossa caminhada.
Quer sejam distrações ou coisas necessárias, sempre protelamos a confirmação de um compromisso mais profundo com o SENHOR. "Primeiro vou me formar academicamente, depois me dedico a Cristo"; "buscarei primeiro atingir certo patama na minha vida profissional, depois me engajo na igreja local" etc. O Reino de Deus exige exclusividade; não se trata de um item na agenda; ele é a própria agenda. Vivemos, respiramos e nos movemos tendo a Cristo como referência, andando segundo suas pisaduras.
É mister que nos lembremos que lá fora, no mundo, as pessoas movem-se baseadas em seus próprios interesses, vivendo à margem do Reino dos céus, concentrando-se em seus projetos pessoais. O problema é que estão mortas, inertes, indiferentes à sua real situação espiritual. Com isso, a resposta de Cristo ao discípulo é a mesma para nós: "deixem os mortos enterrarem seus próprios mortos" (v.22).
Também é importante dizer que em momento algum dessa passagem Cristo está condenando que tenhamos sonhos, projetos e ambições por melhorias em nossas vidas. O ponto é que esses projetos nunca poderão furtar nosso coração de nosso principal e maior alvo: glorificar a Deus servindo-lhe como emissários do Evangelho, e todas esses nossos desejos, sempre devem ser idealizados para servir a esse propósito maior, do contrário, estaremos somente correndo atrás do vento.
As palavras do apóstolo Paulo ao jovem pastor Timóteo encontram um ponto de contato com esse texto: "Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou" (2Tm 2.4). Como soldados de Cristo, nosso coração deve estar totalmente concentrado em fazer a vontade de Deus, abrindo mão de tudo aquilo que obstrua nossa jornada rumo à redenção.
Conclusão
Parafraseando o texto de Lucas 9.57-62, texto paralelo a este de Mateus 8.18-22, o Grupo Logos compôs uma música cujo refrão elucida bem a ideia central desta passagem:
Quem em Cristo põe a vida
Não pode mais olhar pra trás!
Pois quem ao mestre deu a mão
Trabalho certo e perto, tem serviço e profissão (disponível em: https://www.letras.mus.br/grupo-logos/336334/).
O texto de Mateus 8.18-22 nos remete aos custos do discipulado, custos que - sendo verdadeiros discípulos de Cristo - não nos importaremos em pagar, tendo em vista que qualquer prazer ou conforto, perseguição ou luta, não são comparáveis a dádiva de ser um seguidor do Rei dos reis e Senhor dos senhores: Aquele decidiu não ter, nesse mundo, onde reclinar a cabeça, a fim de que nós pudéssemos repousar na glória eterna.
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