A CEIA DO SENHOR COMO MEMORIAL – Culto de Ceia

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Introdução

Desde o início do cristianismo a celebração da ceia do Senhor esteve no centro do culto cristão.[1] Provavelmente a expressão “ceia do Senhor” tenha sido originada do apóstolo Paulo quando fez as afirmações da tradição que recebeu (1Co 11.23):

Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão

No Novo Testamento, conhecida como “o partir do pão” e “Ceia do Senhor”. Mas o Novo Testamento não fala muito sobre como a Ceia era celebrada. Por isso, é necessário recorrermos com cautela aos registros da tradição e prática do secundo século.[2]
[1]PANNENBERG, , PAULUS, Santo André, 2009, p. 387. [2]RICHARDSON, ASTE, São Paulo, 1966, p. 359.

I- O que significa a Ceia do Senhor?

Devido ao fato, da Igreja desde o seu começo se reunir para partir o pão e beber do cálice é um testemunho verdadeiro de que a interpretação de Jesus do significado de sua própria morte como o meio estabelecido para ratificar a nova aliança:[1] na noite em que Jesus participou da última ceia com os seus discípulos, ele deu um novo significado àqueles elementos. O pão passaria então a representar o corpo de Jesus, e, da mesma forma que o pão que foi partido, também o corpo de Jesus seria partido. O vinho passaria a representar “sangue da aliança” – isso significa que a morte violenta e vicária de Jesus, ou seja, o sangue derramado na cruz ratificou a aliança que Jesus estava inaugurando com seu povo em Mt.26. 26-28:
Mateus 26.26–28 RA
Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.
Portanto, a Ceia é testemunho da morte e ressurreição de Cristo.

II- Para onde aponta a ceia do Senhor?

Em primeiro lugar, aponta para a morte de Cristo. O pão partido significa corpo de Cristo moído na cruz, e o cálice simboliza o derramar do sangue de Cristo em nosso favor (1Co 11.26):

Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.

Ao participar da Ceia o crente é lembrado que Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi sacrificado conforme escrito em 1Co. 5.7:

7 Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado.

Em segundo lugar, a Ceia do Senhor aponta para uma refeição de comunhão na presença de Deus Vejamos Mt.26.29:
Mateus 26.29 RA
E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai.
Uma maravilhosa comunhão no futuro, quando a comunhão quebrada no Édem será restaurada definitivamente, porque todos os que comerão naquele dia terão seus pecados definitivamente perdoados e não mais pecarão outra vez e sua alegria será completa. Assim sendo, o a ceia do Senhor aponta para o passado e para o futuro: para o sacrifício de Jesus no Calvário e para o banquete messiânico.

III- A Ceia do Senhor como anamnésis - lembrança

A palavra anmnésis significa recordação, comemoração, memorial.[2]
Vejamos os seguintes textos:
Lucas 22.19

E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.

1Co. 11.24-25
1Coríntios 11.24–25 RA
e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
Hb. 10.3
Hebreus 10.3 RA
Entretanto, nesses sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos,
Com base no significado de anamnésis, a Ceia de Cristo no seu sentido mais simples e mais direto é lembrança.
Veja Jesus com os discípulos em Emaús conforme Lucas registra:
Lucas 24.35 RA
Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora por eles reconhecido no partir do pão.
Segundo Brunner, “por meio da anamnese cultual o Senhor se torna presente em sua própria congregação com tudo que naquela ocasião aconteceu lá nele e através dele”.[3] Um outro escritor protestante chamado Max Thurian explica que as palavras de Jesus “em memória de mim” significam “tendo em vista o Meu memorial, em memorial de Mim, como memorial a Mim”. Thurian diz o seguinte: “Este memorial não é mero ato subjetivo de recordação: é uma ação litúrgica. Mesmo assim não é apenas uma ação litúrgica que faz com que o Senhor esteja presente: é uma ação litúrgica que relembra diante do Pai o sacrifício sem igual e único do Filho, e é isto que O torna presente no Seu memorial, na apresentação do Seu sacrifício diante do Pai e na Sua intercessão como Sumo Sacerdote celestial” [4].
IV- O que a Bíblia diz
E aqui, eu quero chamar a atenção de vocês, para que nós entendamos o significado da Ceia como uma ação realizada em memória de Cristo.
Mas, a primeira questão que precisamos responder é: qual o significado de “memória” à luz da Bíblia?
Será que quando nós nos lembramos de um fato ocorrido no passado, temos apenas uma ideia pálida daquilo que lembramos? Ou será, que aquilo que nos lembramos se torna presente de modo que exerce um poder sobre as nossas vidas para o bem o para o mal?
Segundo Alan Richardson a atitude da Bíblia em relação à memória, é mais realista do que a atitude que nós temos em relação a memória.
Pois bem, a Bíblia nos mostra que “quando nos lembramos de algo do passado não temos apenas uma ideia pálida da coisa lembrada”.[5]
Nas Escrituras Sagradas, aquilo que é lembrado se torna presente.
Vejamos alguns exemplos:
1. O morto vive nos seus filhos:
2Samuel 18.18 RA
Ora, Absalão, quando ainda vivia, levantara para si uma coluna, que está no vale do Rei, porque dizia: Filho nenhum tenho para conservar a memória do meu nome; e deu o seu próprio nome à coluna; pelo que até hoje se chama o Monumento de Absalão.
2. Não-existência é não ser “lembrado” por Deus. É esse o destino do ímpios:
Êxodo 17.14 RA
Então, disse o Senhor a Moisés: Escreve isto para memória num livro e repete-o a Josué; porque eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu.
Deuteronômio 25.19 RA
Quando, pois, o Senhor, teu Deus, te houver dado sossego de todos os teus inimigos em redor, na terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança, para a possuíres, apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças.
Deuteronômio 32.26 (RA)
Eu teria dito: Por todos os cantos os espalharei e farei cessar a sua memória dentre os homens,
Jó 18.17 (RA)
A sua memória desaparecerá da terra, e pelas praças não terá nome.
Salmo 34.16 (RA)
O rosto do Senhor está contra os que praticam o mal, para lhes extirpar da terra a memória.
E outros textos como Salmos 109.15
Salmo 109.15 (RA)
Permaneçam ante os olhos do Senhor, para que faça desaparecer da terra a memória deles.
3. Por outro lado, a alegria dos justos é serem “lembrados” por Deus e pelos homens:
Salmo 112.6 (RA)
não será jamais abalado; será tido em memória eterna.
Provérbios 10.7 (RA)
A memória do justo é abençoada, mas o nome dos perversos cai em podridão.
4. Tanto as boas obras quanto os sacrifícios oferecidos a Deus são atuantes para o bem quando Deus se “lembra’ deles:
Salmo 20.3 (RA)
Lembre-se de todas as tuas ofertas de manjares e aceite os teus holocaustos.
5. Temos o caso de Cornélio:
Salmo 141.2 (RA)
Suba à tua presença a minha oração, como incenso, e seja o erguer de minhas mãos como oferenda vespertina.
Atos dos Apóstolos 10.4 RA
Cornélio! Este, fixando nele os olhos e possuído de temor, perguntou: Que é, Senhor? E o anjo lhe disse: As tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus.
6. A mulher anônima que ungiu Jesus:
Marcos 14.9 RA
Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua.
Parece que quando Deus se “lembra” de um sacrifício ou de uma obra de misericórdia o Senhor age em favor de quem assim o praticou.
O que se percebe é que a memória, especialmente a memória divina, jamais é neutra, como uma simples ideia na cabeça. Quando Deus “lembra” de alguém é sempre para misericórdia ou para julgamento:
Lucas 23.42 RA
E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino.
Salmo 74.2 (RA)
Lembra-te da tua congregação, que adquiriste desde a antiguidade, que remiste para ser a tribo da tua herança; lembra-te do monte Sião, no qual tens habitado.
Salmo 25.7 (RA)
Não te lembres dos meus pecados da mocidade, nem das minhas transgressões. Lembra-te de mim, segundo a tua misericórdia, por causa da tua bondade, ó Senhor.
Salmo 79.8
Salmo 79.8 (RA)
Não recordes contra nós as iniquidades de nossos pais; apressem-se ao nosso encontro as tuas misericórdias, pois estamos sobremodo abatidos.
CONCLUSÃO
Portanto, meus amados irmãos e irmãs, este memorial da ceia não é “mero ato subjetivo de recordação”. Esse é um ato de culto oferecido a Deus, que relembra diante do Pai o sacrifício único do Filho, que é o nosso Intercessor e Sumo Sacerdote celestial.
Em 1Co. 11.24 e Lc. 22.19 onde aparecem a palavra “memória”, deve significar, que quando a igreja ali se reunia para o partir do pão ela estava rogando a Deus que “lembre seu Messias”, como na antiga Páscoa.
1Coríntios 11.24 RA
e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim.
Lucas 22.19 RA
E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.
O memorial da Ceia é principalmente lembrança divina e não humana. E quando Deus se “lembra”, aquilo que é passado se torna presente e atuante.
O que isso significa neste momento em que essa congregação celebra a Ceia do Senhor?
Significa a lembrança divina do sacrifício pascal de Cristo. Significa que no exato momento em que recebemos os elementos do pão e do vinho, em comemoração da morte e paixão de Cristo, nós somos feitos participantes do corpo e do sangue de Jesus. Aquele evento que ocorrera há dois mil anos atrás não é um passado morto. Ao apresentarmos esse memorial a Deus ele se torna presente e atuante para nossa salvação.
Isso não quer dizer, que na Ceia Cristo é sacrificado novamente. Não absolutamente não. Essa doutrina do sacrifício eucarístico (eucaristia significa ações de graça) da Igreja Romana não é consistente com a Bíblia. Também, não quero que o irmãos pensem que transformando a ceia ou o próprio cristianismo numa religião de mistério e misticismo. O cristianismo tem suas raízes históricas. Por isso, todo o culto da igreja sempre foi e será histórica, verbal e pessoal.
Isso significa, que nesse ato aqui, nós estamos apresentando um memorial, isto é, estamos levando à memória do Senhor Deus que o sacrifício do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, foi oferecido de uma vez para sempre (no tempo e no espaço) para o perdão dos nossos pecados.
Mas, a ceia é também anamnese, isto é, um memorial do sacrifício do Senhor Jesus, que essa congregação apresenta a Deus nesta noite: “Olha Senhor para este memorial que nós oferecemos a Ti nesta noite. Quando olhares para as nossas transgressões, lembre ó Senhor do sacrifício de Jesus em nosso favor”.
[1] RICHARDSON, ASTE, São Paulo, 1966, p. 360. [2]MOUNCE, William D. Léxico analítico do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 82. [3] PANNENBERG, , PAULUS, Santo André, 2009, p.418. [4]DITNT, v. 1, p.1184. [5] RICHARDSON, ASTE, São Paulo, 1966, p. 362.
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