Mateus 8.28-34
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 11 viewsO evangelista registra nesta seção, evidencia a autoridade de Cristo sobre os demônios, que por sua vez, confirma a chegada do Reino dos céus; argumento usado para fortalecer a fé de seus leitores/ouvintes.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Encaminhando-se ao próximo milagre descrito por Mateus em seu evangelho, o autor concentra-se em mais um avanço no percurso de Cristo à Jerusalém, onde executará o maior de seus sinais: seu sacrifício vicário em favor dos agentes do Reino. Esse trajeto também é usado pelo escritor a fim de intensificar a ação de Jesus em estabelecer seu Reino: ao passo em que se aproxima de Jerusalém e ao longo de cada milagre ou diálogo registrado pelo evangelista, a imagem de Cristo como o Rei prometido fica mais evidente.
Com base nisso, como temos analisado, a autoridade do Reino é o tópico que está sendo trabalhado por Mateus, em conexão imediata com a seção anterior (i.e. o sermão do monte caps. 5 à 7). Após as curas e o acalmar da tempestade, o registro evangelístico narra um exorcismo realizado por Cristo, no qual demonstra sua autoridade e supremacia sobre o reino espiritual, mais especificamente, sobre os demônios. Assim, a tese central desta seção do evangelho de Mateus consiste na autoridade de Cristo sobre os demônios como evidência da chegada do Reino dos céus.
Elucidação
Com base no que foi visto, o ponto focalizado pelo autor demonstra sua intenção de expor Cristo como superior às situações adversas ao estabelecimento do Reino dos céus. As enfermidades e as intempéries da própria criação não podem conter o avanço do Reino, sendo na verdade usadas para evidenciar a identidade do Senhor Jesus.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Mateus trata de usar o relato da expulsão dos demônios de dois cidadãos de Gadara, para declarar a autoridade de Cristo também sobre às forças espirituais rebeldes. O objetivo do autor é ressaltado a partir do uso dessas adversidades como fatores que na verdade agregam valor ao invés de dificultarem a execução da obra salvadora. A ênfase pastoral não pode deixar de ser notada, pois, por meio dessas manifestações milagrosas, Mateus exorta seus leitores a perseverarem na fé em Cristo mesmo diante de situações contrárias, como a perseguição empreendida pelo Estado Romano, pois, se nem mesmo os demônios puderam fazer frente ao Senhor, não será o ódio dos homens que obstruirá a publicação do Reino de Deus em Cristo.
Em comparação com os evangelhos de Marcos e Lucas, Mateus é muito sintético em seu relato, omitindo alguns detalhes, além de acrescentar o fato de que eram dois endemoniados (v. 28), enquanto que os outros evangelistas, provavelmente concentrando atenção no único curado que retorna a fim de seguir a Cristo, listam apenas este (Mc 5.2; Lc 8.27).
A explicação para sua síntese deve-se a probabilidade de Mateus ter usado Marcos e Lucas como fonte, e tendo percebido que ambos os relatos haviam sido registrados em detalhes, o autor procurou enfatizar aspectos diferentes, sendo um deles, a informação que subsidia a crescente afirmação que está fazendo sobre a chegada do Reino na pessoa de Jesus.
Somente Mateus transcreve a pergunta feita pelos demônios a Cristo: "Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! 'Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?' (v.29). A razão para o registro dessa informação coaduna-se ao objetivo do Escritor: Mateus usa a progressiva análise da autoridade de Cristo como marco que delineia a chegada e inauguração do Reino dos céus para os seus ouvintes/leitores. Mais adiante, esse mesmo argumento será desenvolvido mais profundamente por ocasião do embate de Cristo com os mestres da lei, que afirmavam que Cristo estava expulsando demônios pelo poder do príncipe dos demônios. Ao que Jesus responde que, se ele expele "demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (Mt 12.28).
Aos leitores/ouvintes do texto de Mateus, não deveriam restar dúvidas: a autoridade de Cristo, conforme listada pelo autor, lhes entrega a prova cabal de que precisam para que sua fé não vacile: o Reino dos céus é chegado.
Entretanto, enquanto que para os leitores esse dado é evidente, Mateus usa a reação dos povos daquela localidade para enfatizar outro princípio.
Na mesma expressão, ao deparar-se com o próprio Cristo, os demônios declaram a verdade de sua identidade: "Que temos nós contigo, ó Filho de Deus!" (v.29). É deveras notável essa declaração registrada por Mateus, tendo em vista o contraste idealizado por ele ao fazê-lo. Os próprios demônios (seres espirituais da maldade), que desejam opor-se ao Reino dos céus, não podem furtar-se de reconhecer a supremacia e autoridade de Cristo sobre eles.
Por outro lado, no verso 34 o autor usa uma figura de linguagem para intensificar uma importante cena. A metonímia (i.e. identificação do todo pela parte) usada por Mateus, declara o quão contrária foi a reação dos habitantes daquela cidade ao ouvirem o milagre realizado por Cristo. Os gadarenos, sendo testemunhas de tal milagre, não chegaram a mesma conclusão que os demônios, e expulsam a Cristo da cidade. Assim, o tema adjacente exposto por Mateus é que a revelação do Reino dos céus em Cristo, não acontece mediante o espanto com o poder do Senhor. Somente a obra pelo poder do Espírito realizada no coração dos eleitos, lhes pode conceder fé para crerem no Messias como tal.
Enquanto que para os discípulos as evidências da chegada do Reino começaram a se tornar claras, para os que não foram eleitos para serem agentes desse mesmo Reino, os mesmos sinais somente os confundem.
Transição
O texto de Mateus 8.28-32 amplia o quadro através do qual vemos a Cristo Jesus como o Rei soberano que veio ao mundo inaugurar o Reino de Deus. Seu reinado não possui limites, e mesmo seus mais ferrenhos e diretos opositores (os demônios) não podem negar sua condição de derrotados ante o Todo-poderoso.
Entretanto, como já visto, há uma intenção muito mais profunda declarada por Mateus ao registrar esse episódio, intenção que se desdobra em alguns princípios pastorais que devem ser cuidadosamente observados e aplicados aos agentes do Reino.
Aplicações
1. O Reino dos céus é uma realidade iminente, e isso fortalece a esperança dos eleitos de Deus em sua vitória contra esse mundo tenebroso.
Diante a oposição de um mundo rebelde, os cristãos no passado enfrentaram grande perseguição por diversas frentes que se opunham a Cristo e seu Reino. Certamente, por trás de toda essa rivalidade estava o principado das trevas, o reino espiritual parasita, que desde a Queda engendra e potencializa a natureza pecaminosa do homem, fazendo-o voltar-se contra seu Criador. Por outro lado, todos aqueles que não receberam o poder de serem feitos filhos de Deus, militam contra Cristo e seu povo, e os irmãos das igrejas a quem Mateus escreveu sentiam essa oposição agigantar-se cada dia mais.
Conosco não é diferente. Mesmo depois de dois mil anos, o cenário não mudou, e o mundo continua a perseguir e tramar contra o Senhor e contra seu Ungido (cf. Sl 2.2). A política e a cultura têm sido orquestradas para fazer com que os eleitos de Deus sejam cada vez mais desprezados e hostilizados. Filosofias, ideologias, conceitos, práticas, todas essas coisas têm sido usadas como ferramentas na guerra contra a igreja. Diante de tudo isso, a exortação de Mateus encontra um ponto comum tanto para os crentes a quem ele primeiro escreveu no passado, quanto para nós hoje.
A declaração dos demônios é uma admissão de derrota: "Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?" (v. 29). Embora estejamos sofrendo por conviver em um mundo caído, o relógio não para de correr, e naquela ocasião, não havia sido determinado que Cristo desse cabo de seus oponentes, porém, quando retornar, o Messias não virá mais com a missão de ser o Servo Sofredor, o Cordeiro enviado para o holocausto. Jesus virá como o Leão, o Rei em cuja mão está o cetro de ferro, com o qual regerá e submeterá as nações (Sl 2.9), dando fim a oposição do inferno e de todos aqueles que se aliaram às forças das trevas. A autoridade de Cristo será publicada e seu Reino não terá fim (Lc 1.33).
A mensagem do Evangelho não é uma negociação; é uma oferta de paz mediante rendição: todo aquele que não render-se a governo de Cristo, terá o mesmo fim representado pelos demônios em Mateus 8.32: será precipitado para fora do Reino, e perecerá.
Essa perspectiva por sua vez, apesar de fazer todo o sentido para nós, que tivemos nosso entendimento aclarado pelo poder do Espírito, não pode ser apreendida por aqueles que não foram alvos da mesma graça. O que nos leva ao nosso segundo princípio.
2. O reconhecimento da autoridade de Cristo, mediante a demonstração de seu poder, não gera no coração dos ímpios a fé salvadora.
Os gadarenos foram testemunhas da onipotência de nosso Senhor. Viram que pelo seu poder, os dois homens foram libertos dos espíritos imundos, que bateram em retirada diante de Cristo. Porém, isso não provocou em seus corações a crença no Filho de Deus de modo a serem salvos da ira vindoura.
O registro dessa reação nos evangelhos, aponta para uma realidade única explicitada pelos escritores: testemunhar os milagres de Cristo não resulta em fé para crer nEle como o Senhor e Salvador, enviado da parte do Pai para inaugurar seu Reino. A exortação pastoral feita por Mateus (assim como pelos outros evangelistas) consiste em demonstrar para os leitores/ouvintes de seu texto, que o acesso ao Reino do céus não é garantido aos que se espantam ou ficam impressionados com o poder de Deus. A admiração frente a magnitude do domínio de Cristo sobre todas as coisas, é um sentimento que fortalece a fé no coração dos eleitos, mas não a gera no coração dos ímpios.
Os sinais e prodígios realizados por Jesus ao longo de seu ministério terreno, não tinham como objetivo fazerem as pessoas o receberem como senhor e salvador de suas vidas, mas, de apenas declarar que de fato era isso que ele era. Os milagres serviram ao propósito de confirmar para os eleitos aquilo que sua fé já concebia.
Por ocasião do retorno de Cristo, os ímpios serão expostos a mais gloriosa visão que poderiam ter em suas vidas: verão o Filho de Deus assentado em seu trono nas nuvens, rodeado de anjos que o glorificam sem cessar, mas nem mesmo essa contemplação majestosa mudará sua condição de réprobos diante do Criador.
Isso apenas aponta a necessidade do anúncio do evangelho através de nós; agentes do Reino. Aprouve ao SENHOR que o coração de seus eleitos fosse vencido não por um milagre, mas pela simples pregação do Evangelho, que é uma demonstração tão poderosa quanto, do poder de Deus (Rm 1.16). Isso nutriu nos crentes a quem Mateus escreveu o ávido desejo de anunciar as boas novas, e deve nos levar à mesma postura, sabendo que, a pregação do evangelho é a única via de salvação para os perdidos.
Conclusão
Como agente do Reino, nossa função é testemunhar que este mundo pertence ao Senhor, nosso Deus, e ao seu Cristo, e que em breve ele irá voltar para reclamar o que é seu. No dia de seu retorno, não haverá oferta de rendição. A promessa da Escritura é clara: E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás (Rm 16.20).
Para nós, resta apenas o aguardar do momento em que aquilo que foi registrado para o fortalecimento de nossa fé, seja conhecido por homens e demônios:
O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos (Ap 11.15).