Não julgue o livro pela capa
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Não julgue o livro pela capa
Não julgue o livro pela capa
1 Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens:2 o homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto a sua alma deseja, mas Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto é vaidade e grave aflição.3 Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele;4 pois debalde vem o aborto e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome;5 não viu o sol, nada conhece. Todavia, tem mais descanso do que o outro,6 ainda que aquele vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem. Porventura, não vão todos para o mesmo lugar? 7 Todo trabalho do homem é para a sua boca; e, contudo, nunca se satisfaz o seu apetite.8 Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos?9 Melhor é a vista dos olhos do que o andar ocioso da cobiça; também isto é vaidade e correr atrás do vento. 10 A tudo quanto há de vir já se lhe deu o nome, e sabe-se o que é o homem, e que não pode com quem é mais forte do que ele.11 É certo que há muitas coisas que só aumentam a vaidade, mas que aproveita isto ao homem?12 Pois quem sabe o que é bom para o homem durante os poucos dias da sua vida de vaidade, os quais gasta como sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele debaixo do sol?
Quantos de nós somos rápidos em julgar as pessoas por suas aparências? Nós fazemos isso, né verdade? Nesta perícope nós veremos o que o sábio tem a nos dizer sobre esse perigo. Os mortais não deveriam se confundir a respeito do verdadeiro estado dos negócios de outros ao olhar simplesmente para a situação exterior deles.
Temos no capítulo 6 uma estranha montagem de argumentos, que são, em certo sentido, completamente disconexos. Os estudiosos divergem entre si e não sabem ao certo como dividir o texto ou a que parte da argumentação ele pertence. É possível notar que o sábio escritor toca em temas já abordados anteriormente, mas as recapitulações que ele faz expande o seu pensamento em busca de respostas sobre o sentido da existência e como sentir-se completo na vida debaixo do sol.
Mesmo lançando mais longe o seu olhar, por meio de hipérboles marcantes, ele não foi capaz, ainda, de enxergar as respostas para os enigmas que ele possui. Em vez de soluções para as suas dúvidas, ele encontra três grandes males que aflige o homem:
Insatisfação: Quando Deus dá a prosperidade, mas não permite o desfrute dela (Ec 6.1-6)
1 Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens:2 o homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto a sua alma deseja, mas Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto é vaidade e grave aflição.3 Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele;4 pois debalde vem o aborto e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome;5 não viu o sol, nada conhece. Todavia, tem mais descanso do que o outro,6 ainda que aquele vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem. Porventura, não vão todos para o mesmo lugar?
O homem desse texto tem tudo o que a alma deseja, mas não possui nada. Recebeu o dom da prosperidade, mas não o dom do contentamento.
No capítulo 5, verso 19, nós vimos que Deus dá a algumas pessoas o dom de desfrutar do fruto do seu trabalho:
19 Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.
Nos dois casos Deus é o agente da ação. O texto não apresenta o motivo porque Ele age de uma forma com um e de outra forma com outro. O fato é que Ele é soberano e tem um propósito que executa para cada pessoa.
O que essa passagem nos ensina é que Deus pode conceder riquezas, bens, honra e praticamente tudo o que o coração do homem deseja, no entanto, ele faz isso sem também conceder a essa pessoa a capacidade de desfrutar isso (Ec 6.2) em um caso, enquanto também concede essa capacidade de desfrutar todas essas coisas em outro caso!
Concordo com Kaiser quando ele diz que "uma pessoa pode possuir riqueza, honra, diversos filhos, vida longa e praticamente todos os bens exteriores que alguém possa imaginar; no entanto, ela ainda pode ser uma pessoa muito abatida, insatisfeita e infeliz. Isso porque Deus separou, deliberadamente, o dom dos bens em si do dom da capacidade de desfrutar esses mesmos dons!" (Kaiser, W. C., Jr. (2015). Eclesiastes. (C. A. B. Marra, Org., P. S. Gomes, Trad.) (1a edição, p. 108). São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã.)
Não existe nada que se possa acrescentar à vida deste homem que ele já não tenha. Numa série de hipérboles, o sábio afirma que se ele tivesse:
Família grande com muitíssimos filhos;
Vida longa, mas muito longa mesma. (2x 1000 anos, cf. v.6)
O choque/contraste:
Falta de benevolência
Não possuir um enterro adequado: "Era uma grande vergonha e desprezo, no passado, deixar um morto sem sepultura ( Sl 79.1-4; Jr 16.4; Ap 11.9 ). Mas ser sepultado “apropriadamente” não significava apenas ser enterrado. Os serviços fúnebres, aos quais os homens davam extrema importância, envolviam fazer honrarias ao morto e prantear por ele. Se sua morte não fizesse com que as pessoas ao seu redor se entristecessem e chorassem sua partida, isso era considerado uma desgraça ( Jr 16.4 ). Com medo que isso ocorresse, Herodes, o Grande, prendeu os judeus mais ilustres da nação em um hipódromo, em Jericó, e ordenou que fossem todos mortos assim que ele falecesse, de modo que sua morte se daria diante de um pranto inigualável por toda a região, o que só não ocorreu porque sua irmã e seu cunhado, deixados ao encargo da matança, libertaram todos os cativos com vida" (Santos, Thomas Tronco dos. O Caminho Acima do Céu: Comentário de Eclesiastes (Portuguese Edition) (Locais do Kindle 3341-3346). Redenção Publicações. Edição do Kindle).
Um aborto é melhor do que ele.
Não viveu a transitoriedade do mundo e não experimentou as decepções dos relacionamentos humanos. "o termo hebraico traduzido aqui como “descanso” se refere à liberdade do trabalho, da ansiedade e da miséria, parte do infortúnio que o infeliz homem rico deve suportar" (Santos, Locais do Kindle 3371-3372).
É exatamente aí que reside a afirmação de Salomão: as coisas não são sempre o que parecem ser. Sendo ela própria um dom, a prosperidade é em si mesma insatisfatória até que Deus dê também o dom divino da capacidade de desfrutá-la. Na verdade, o que Salomão quer que entendamos é que, a riqueza dada por Deus sem a capacidade que Deus dá de desfrutá-la é uma doença terrível.
Insaciedade: Quando a falta de contentamento leva ao devaneio (Ec 6.7-9)
7 Todo trabalho do homem é para a sua boca; e, contudo, nunca se satisfaz o seu apetite.8 Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos?9 Melhor é a vista dos olhos do que o andar ocioso da cobiça; também isto é vaidade e correr atrás do vento.
O homem deveria trabalhar para sua subsistência, mas quando o coração não se satisfaz ele se entrega ao trabalho excessivo. O homem nunca se contenta com o que possui e insaciavelmente quer mais.
O trabalho não existe sem uma necessidade que o motive e essa necessidade é a sobrevivencia, pois é preciso se alimentar para manter a vitalidade do corpo. A maior dificuldade dessa condição é que ela é contínua. "Independente de quanto o homem trabalhe para saciar sua fome e as necessidades do seu corpo, elas nunca são plenamente satisfeitas, mas apenas momentaneamente". (Santos, Locais do Kindle 3409-3410).
"Apesar de o tema do trabalho ter sido abordado com frequência nos capítulos anteriores, o ponto que o escritor quer enfatizar e utilizar no seu argumento aqui é insaciedade do corpo, ou seja, o fato de ser preciso alimentá-lo sempre, sem que tal necessidade deixe de existir até que a morte chegue" (Santos, Locais do Kindle 3412-3414)
"O constante anseio por comida e água sujeita toda a humanidade, independente de suas condições pessoais ( v.8a ) : “Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo?” . Essa mesma pergunta foi feita no capítulo 2 . A diferença é que lá, o mal que igualava a realidade dos sábios e dos tolos é a morte, que vem a todos. Mas aqui, o que iguala os sábios aos insensatos é a constante necessidade de comida". (Santos, Locais do Kindle 3415-3420).
Existe também outro tipo de apetite que nunca é saciado, são aquelas coisas que o coração deseja. Não está relacionado ao alimento para saciar o corpo, mas aos desejos para saciar o coração. O ponto aqui é a cobiça da alma. O segredo do contentamento está na satisfação com o que se têm e não ficar desejando o que não possui. (Melhor é um pássaro na mão do que dois voando).
Por isso, o autor diz que “melhor é o que os olhos veem”, ou seja, aquilo que a pessoa tem diante de si, em sua posse. E nesse mal é possível igualar os homens mais e menos instruídos, com mais e com menos posses, com mais ou com menos habilidades, dos quais fala o versículo 8 . Para todos eles, que precisam de alimentos do mesmo jeito, é preciso também que se satisfaçam com o que têm diante de si, aquilo “que os olhos veem”. (Santos, Locais do Kindle 3438-3442).
Incerteza: (Ec 6.10-12): homem não consegue saber ao certo quais são as melhores decisões a se tomar e o que ocorrerá com ele no futuro.
10 A tudo quanto há de vir já se lhe deu o nome, e sabe-se o que é o homem, e que não pode com quem é mais forte do que ele.11 É certo que há muitas coisas que só aumentam a vaidade, mas que aproveita isto ao homem?12 Pois quem sabe o que é bom para o homem durante os poucos dias da sua vida de vaidade, os quais gasta como sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele debaixo do sol?
Somos levados a pensar em Deus e no Éden. O primeiro a falar e a dar nome às coisas foi o próprio criador, depois o homem que criara e colocara no jardim do Éden. É claro que nem tudo o que existe hoje existia no Éden, mas parece que a intenção do autor não é de nos levar a uma longa jornada do desenvolvimento científico, tecnológico e filosófico, pois logo a seguir ele menciona o conhecimento "do que é o homem".
Em Gênesis 1-2 temos "conhecimento de que o ser humano foi criado por Deus, que lhe foi dado o poder de dominar os animais e comer dos frutos da terra, que o homem precisa da sua contraparte feminina e que ele tinha uma relação especial com Deus, diferente do restante da criação" (Santos, Locais do Kindle 3477-3479).
Também foi no Éden que o homem aprendeu que "não pode contender com quem é mais forte que ele". O homem experimentou as consequencias de se rebelar contra o seu criador. As tentações que querer ser igual a Deus e de assumir as rédeas dos rumos de sua vida (Gn 3.1-6) fez com que o pecado tomasse a raça humana. "Isso também faz parte do “conhecimento sobre o que o homem é”: Ele é pecador e sujeito às maldições de Deus por causa do pecado ( Gn 3.16-19 ). A partir de então, o homem passou a conviver com a mesma morte sobre a qual Salomão dá atenção em Eclesiastes e à qual ele rende a falta de sentido na vida debaixo do Sol, além de todas as outras dificuldades a que foi sujeitado" (Santos, Locais do Kindle 3490-3494).
O homem sempre tentou e tenta fugir da sujeição da morte e das demais dificuldades. Ele conseguiu alguma vitória sobre algumas consequencias da queda. O avanço da tecnologia o levou a derramar menos o suor do rosto para conseguir o seu sustento. A medicina avançou e as dores do parto para a mulher podem ser grandemente amenizadas. Mas contra o seu mal maior - a morte - o homem não obtem sucesso.
Diante dessa triste realidade a tendência natural do homem é reclarmar e falar mal contra o Senhor. Mas como o próprio texto diz: "Quando aumentam as palavras, aumenta a vaidade".
"A ordenança de Deus decreta a incapacidade das coisas do mundo de fornecer alegria por conta própria; na verdade, deve-se observar que muitas vezes a prosperidade mundana, por si mesma, apenas aumenta o vazio e a insatisfação" (Kaiser, p. 110).
Não é possível discutir com Deus sobre a condição que Ele impôs sobre a humanidade por causa do pecado. "Palavras, argumentos, tentativas, projetos, experimentos, desenvolvimentos e avanços são inúteis para deter o poder da morte" (Santos, Locais do Kindle 3502-3503).
Por causa disso os homens precisam ser sábios durante o pouco tempo que lhes resta. Mas como fazer isso diante de tantas falhas como da insatisfação e da insaciedade do coração? Como fazer para viver bem os poucos dias de vida que o homem possui? Como aproveitar a vida?
O pregador não torna a questão mais fácil, ele afirma que:
12 Pois quem sabe o que é bom para o homem durante os poucos dias da sua vida de vaidade, os quais gasta como sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele debaixo do sol?
Concordo com Tronco quando ele diz que:
"Se já não era possível saber “o que é melhor para o homem”, ou seja, quais são as decisões corretas para cada pessoa a fim de aproveitar bem a vida, afirma-se, também, que não é possível saber o que cada decisão produzirá no futuro, nem as circunstâncias que serão impostas à vida de cada um. Essas duas dúvidas “o que é melhor?” e “o que acontecerá?” tornam fúteis todos os planos que qualquer um possa fazer para sua vida. Até o plano de vida mais bem-elaborado pode dar em nada, de uma hora para outra, por causa de um acontecimento imprevisto ou pela descoberta de que o plano que parecia ótimo conduzia, na verdade, a consequências amargas. Isso quer dizer que, mesmo o homem sabendo de sua morte e da necessidade de viver bem enquanto pode, ele não tem como garantir que conseguirá fazer isso. Ele tem de conviver com essas perguntas sem respostas esperando descobrir aonde vai chegar e como sua história se desenrolará".
Conclusão:
O sábio não é um estraga prazeres. Já falamos sobre a importância de lermos o livro olhando para o seu desfecho. Ele sempre está querendo levar o seu leitor a olhar para a realidade de uma vida acima do sol.
As pessoas precisam aprender a reconhecer a Deus em todos os seus caminhos e a entender que Deus é o doador e sustentador de todas as coisas. Todos precisam depender Dele e a descansar na Sua soberania. Quando reconhecemos isso, passamos a viver de forma livre e, com humildade, desfrutamos das bênçãos recebidas das mãos de Deus. É muito bom comer, beber e desfrutar do resultado de todo nosso trabalho, tudo isso é presente de Deus, mas distituído de Deus, todas essas coisas perdem a beleza, o encanto e o seu propósito primário que é de atribuir glória ao nome do Senhor.
O Senhor Jesus afirmou que aquele que nele crê nunca mais terá fome e nunca mais terá sede. Jesus é o pão da vida e a água da vida. Ele faz um manancial de águas vivas brotar dentro de nós. Quem crê em Cristo encontra satisfação e saciedade. Ele é o único que pode nos dar segurança quanto ao futuro e alegria no presente.
Assim, na primeira metade do livro de Eclesiastes , o leitor moderno percebe que a única resposta correta é que somente em Cristo o homem encontra o sentido dessa vida e vê abrirem-se as portas para a próxima vida, na qual não haverá necessidade do brilho do Sol.
Não julga o livro pela capa. Não veja a prosperidade dos ímpios e julgue, com isso, que são realizados, felizes. A prosperidade nem sempre é aquilo que parece. Devemos buscar conhecer a Deus e estarmos contentes com os dons que ele nos concede, recebendo sempre de suas mãos o dom acompanhante da alegria.
Desafio você que nos assiste e nos ouve a não julgar a Bíblia pela Sua capa ou o cristianismo pela vida de alguns supostos cristãos que envergonham o nome de Deus, mas a abrir a Bíblia e a se relacionar com cristãos verdadeiros para conhecer a verdadeira vida, a vida abundante que Jesus veio nos conceder.