Exposição de João 7

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Exposição de João Cap. 7
João escreveu o seu livro, entre os motivos existentes, para responder as perguntas em torno da pessoa de Cristo. Isso está estampado desde o primeiro versículo do livro (“no princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus” 1.1), e os textos anteriores que temos estudado apresentam uma atmosfera de incredulidadeacerca da autoridade de Jesus em fazer a missão do Pai, em realizar milagres, em dominar a natureza, em receber e salvar aqueles os quais o Pai lhe der, em ser o verdadeiro maná, e em entregar o seu corpo e sangue para a salvação.
Por isso, João salta o relato de alguns outros acontecimentos do ministério de Jesus enquanto “andava pela Galileia” para conectar os textos com o capítulo 7, em que a pessoa de Jesus, sua motivação ministerial e sua credibilidade serão questionadas pelos líderes e pelo povo judeu. O contexto do capítulo permanece sendo a falta de fé em Cristo – a incredulidade do homem.
1. O Diálogo entre Jesus e seus parentes. Ou: o coração do homem é radicalmente incrédulo. (1-13)
O texto inicia destacando que Jesus estava na Galileia para não se encontrar com o Judeus da Judeia que queriam lhe matar. Durante a estadia, seus parentes duvidam e escarnecem de seu ministério e de sua pessoa como sendo o Filho de Deus, pois, aparentemente, Jesus perdia um dos momentos mais estratégicos para pregar ao mundo suas palavras, o período da festa dos tabernáculos. Porém, Jesus demonstra que Ele cumpre a vontade de seu Pai, e que o mundo não o acolhe pois Ele atesta que as obras do mundo são más.
a) A espera de Jesus é uma demonstração de fidelidade (1).
Ao contrário do que pode parecer, o fato de Jesus não subir para Jerusalém naquele momento demonstra a fidelidade de Jesus à missão comissionada pelo Pai. Jesus era o verbo encarnado, sujeito à condição humana, em suas fraquezas e dificuldades. Como Deus, Jesus poderia dar cabo de seus inimigos e ir tranquilamente a festa dos tabernáculos. Porém, Jesus é conduzido pelo tempo e vontade de Deus, sendo guiado pelo cuidado de seu Pai. Como disse o apóstolo Paulo, Jesus, “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana”[1] Ele partiria quando fosse o momento correto de mostrar a si mesmo ao mundo.
b) O coração do homem é radicalmente incrédulo (2-8)
A questão é que os homens, em seu estado natural, não compreendem as coisas de Deus. Vemos que nem os irmãos de Jesus[2], ou os seus parentes, criam nele. Geralmente, quem aposta na veracidade e potencial de uma pessoa é a família de uma pessoa. Aqueles que poderiam testemunhar a vida estritamente santa de Jesus, duvidavam de seu poder e de seu ministério.
Os irmãos de Jesus não necessariamente tencionavam se autopromover ao insistir com a ida de Jesus naquele instante para Jerusalém. O texto não nos sugere isso, mas uma espécie de escárnio pois, se Jesus fosse quem ele dizia, seria racional e lógico que Ele quisesse ir à festa para demonstrar seus sinais lá. Porém, parecia que Jesus não queira agir publicamente, e ir em caravana (Lc 2.44). Era como se dissessem “se tens poder e almeja realmente ser conhecido de todos, para de perder tempo com essas pessoas para as quais tem pregado e vai a Jerusalém e aproveita a oportunidade em que a cidade está cheia”. Os familiares de Jesus, se compreendessem e cressem em seu evangelho, teriam observado suas ações com sabedoria e relevância.
Jesus demonstra que o motivo pelo qual ele, por enquanto, não subiria[3]se dá por ele agir no tempo correto. O tempo dos homens é sempre agora, pois as suas obras não acusam a consciência do mundo. Podem andar relaxadamente, pois o mundo não os odeia, mas lhes é favorável. Cristo, por outro lado, testemunha que as obras do mundo são más. Ele testifica a universalidade do pecado e da culpa do mundo (mundo sendo entendido aqui como as pessoas não regeneradas, que rejeitam o testemunho do evangelho e de Deus). A sua vida perfeita e a sua pregação constrangiam a vida daqueles que não criam no evangelho.
O trecho também apresenta uma ironia. Os parentes de Jesus vão para a festa para adorar a Deus, junto com outros milhares de pessoas. O problema é que a pessoa mais perseguida e rejeitada naquela festa é Jesus Cristo, Deus. Vão adorar a quem não conhecem. A incredulidade é uma criadora de ídolos, pois o coração do homem sempre procurará algo para adorar.
c) A incredulidade distancia da vontade de Deus (9).
Enquanto todos vão para Jerusalém, o filho de Deus desfruta de cuidado e fortaleza na pobre e desprezada Galileia. Muitas vezes o local de cumprimento da vontade de Deus, onde experimentamos refúgio, piedade e temor de Deus, está nos locais mais simples e desprezíveis, e não nos locais de destaque.
d) Discussões sobre quem é Jesus. (10-13)
Agora chegou o momento de Jesus subir à Festa do Tabernáculos[4]. Haviam dois motivos principais: para cumprir a lei, assim nos redimindo da servidão da lei; e para aproveitar o grande ajuntamento de pessoas e difundir o evangelho. Ao contrário do que propunham os irmãos de Jesus, ele vai ocultamente, o que não impede que muitas pessoas discutam sobre quem ele é – também discutiam onde ele estava, pois havia cerca de 1 ano e meio que não ia a Jerusalém[5]. Aqui vemos a realidade, segundo J. C. Ryle, de que onde Cristo é anunciado, Ele se torna motivo de divisão. O coração humano, corrupto ou regenerado, sempre reagirá a pessoa de Jesus (Lc 2.34-35 – “Eis que este menino está destinado tanto para a ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (...) para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.[6]
2. Jesus ensina acerca da justiça (14-24) e é manifestada a cegueira daqueles que são movidos pela injustiça (25-36)
No meio da festa, Jesus agora prega e interage com a multidão. O conteúdo inicial do ensino de Jesus não é revelado no texto, porém o povo se maravilha com o conhecimento de Jesus: Como sabe este letras, sem ter estudado? Diante disso, Jesus tem a oportunidade de apontar o pecado dos líderes judeus.
O motivo do povo se maravilhar com o conhecimento de Jesus é devido o mesmo não proceder de nenhuma escola tradicional de ensino da época. Os judeus presentes notaram que o discurso de Jesus não era o mesmo que se aprendia com os mestres da época, porém sempre em conformidade com a Escritura. Jesus não aprendeu nas escolas dos homens, mas na escola de Deus. Como dissera João Calvino “a razão pela qual o Pai celestial determinou que este Filho procedesse de uma oficina, em vez de sair das escolas dos escribas, era para que a origem do evangelho pudesse ser mais evidente, e assim ninguém concluísse que ela proviesse de uma indústria terrena ou imaginasse que algum ser humano fosse autor dela”. De semelhante maneira, Jesus chamou homens ignorantes para serem seus apóstolos, deixando evidente a capacitação dada pelo Espírito Santo para pregar e expor a Palavra da Verdade.
Jesus disse que o seu ensino não procedia de si mesmo, não porque seu ensino não fosse relevante, mas está utilizando um recurso didático para destacar que seu ensino não era procedente de homens, mas daquele que o enviou. Jesus não afirma, em todo o capitulo 7, que Deus o enviara – ele pretende que os homens, mediante a confirmação das Escrituras e de seus atos, atestem que Deus o enviara. Para reconhecer que o ensino de Jesus é verdadeiro, ele afirma que aquele que obedece a vontade de Deus, conhecerá a doutrina e reconhecerá a sua procedência. Ou seja, obedecer para aprender. Faltavam aqueles homens piedade e solícito desejo de obedecer a Deus – por isso não aceitavam a mensagem de Jesus.
Na continuação, Cristo estabelece a chave para demonstrar as perversas motivações dos líderes judeus para matá-lo: Quem fala por si mesmo, ou segundo as suas próprias leis, procura a sua própria glória. Porém, o que procura a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro e nele não há injustiça. Aqueles que procuram a glória de Deus falam a sua palavra e não os seus próprios ensinos, e por isso são justos – obedecer nos faz aprender, buscar glorificar a Deus nos faz ensinar corretamente. Esse era o pecado dos líderes judeus. Eles queriam ter aparência de justiça, e para isso, acabavam por transgredir a lei que diz: não matarás! (Ex 20.13) – na mente deles, não seriam assassinos, mas cumpridores da Justiça. Distorciam a bíblia para reprovar atos e ter a aparência de serem zelosos – mas era apenas aparência e não justiça (20-24), como Jesus demonstra em seu argumento sobre a licitude de purificar alguém no sábado. Muitas pessoas agem assim. Querem apresentar ao mundo uma vida reta, apontando os erros dos outros e distorcendo o texto bíblico, apenas para sua própria glória – e ironicamente, enquanto querem parecer justos acabam “matando” os outros. Não sejamos assim, antes obedeçamos a Palavra e busquemos glorificar a Deus em todas as coisas: no falar e no agir.
(25) Desarmados em argumentos tentam atiçar as multidões, questionando se agora aprovam aquele Cristo. E argumentam novamente, inventando mais uma desculpa para não chegar a fé, sobre a origem de Jesus. Alguns criam que o Messias viria de Belém e outros que a origem seria desconhecida (Mq 5.2), esta última advogadas pelo grupo que agora questiona a origem de Jesus (27). Ou seja, era como se dissessem “vocês estão animados com os ensinos deste aí, mas o Cristo não virá da Galileia”. Cristo brada e responde que eles sabem quem ele é, de onde vem e quem o enviou. Porém, eles não conhecem a Deus. O que é a incredulidade senão conhecer algo e não crer? Jesus está justamente dizendo que eles sabem todas as respostas, mas não querem crer. Não conhecem a Deus porque não creem em suas palavras acerca do Messias que agora se cumpriam diante deles.
Sobre a censura que Jesus faz no v. 28, João Calvino escreveu:
“(...) De fato, não há uma praga mais destrutiva do que quando os homens se intoxicam tanto por uma mísera porção de conhecimento que possuem, que ousadamente rejeitam tudo quanto é contrário a sua opinião”.
Novamente sem argumentos, tentaram prender Cristo (30), mas ainda não era o tempo decretado por Deus. E isso nos dá conforto. Quando estamos na missão de Deus, podemos agir corajosamente, pois só pararemos quando Deus assim o quiser. Como diz Ryle, “somos imortais, até que nossa obra seja terminada” – ninguém pode frustrar o tempo dos propósitos de Deus. Como encoraja João Calvino, “que nenhum de nós, lançando toda preocupação em Deus, siga sua própria vocação, e não se deixe desviar da realização de seu dever movido por algum temor”.
(31) Vemos também que, embora pareça que a pregação do evangelho não surta efeitos, Deus opera o seu querer e entrega a Cristo tantos quanto desejar (6.37). Eles não criam em totalidade, mas estavam abertos a crer em Cristo e desfrutar da fé. Por final, Cristo lança uma palavra de que todos os esforços daqueles perseguidores seriam em vão – Cristo iria para um lugar em que eles não o alcançaria (34).
3. Jesus fala claramente de si mesmo, mas o povo se perde em questões banais. (37-44)
A Festa dos Tabernáculos compreendia 7 dias, e memorava a graciosa provisão de Deus durante a peregrinação no deserto. No oitavo dia (37) acontecia uma reunião solene (Lv 23.36), e havia o memorial das águas correntes. Esta celebração precedia a época de chuvas e também era em agradecimento às águas enviadas por Deus no deserto. Nesta ocasião marcante Jesus aproveita para fazer uma proclamação enfática (postura de pé e voz exclamatória), a mesma feita a mulher samaritana: se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.
Jesus estava anunciando que em meio ao deserto, de onde não haveria fonte de água, Ele era a fonte de águas vivas, que sempre se renovam. Onde o homem não poderia prover saciedade, Deus provia gratuitamente água viva. Como se beber dessa água? Crendo em Cristo Jesus! (38) Os que creem em Cristo são unidos a Ele pelo Espírito Santo[7], que opera no crente uma fonte de satisfação e gozo contínuos em Cristo. Para o momento do episódio, o Espírito viria de forma maravilhosa em Pentecostes, após a glorificação de Jesus.
Jesus fala para uma multidão que reiteradamente vem sendo incrédula às suas palavras. A sua fala soa como “vocês não creem pois estão satisfeitas nas coisas erradas, e tem buscado satisfação em águas que se esgotarão e logo terão necessidade novamente, mas aqueles que estão desesperadamente sedentos, encontrarão em mim fonte de águas vivas”. As pessoas vão a Cristo por profunda necessidade, e perpetuamente são satisfeitas delas.
Surge uma discussão mais aprofundada sobre a identidade de Jesus. Muitos ouviram o que Jesus falaram e deram credibilidade às suas palavras (40) – a sua postura de autoridade e suas palavras tiveram efeito no púbico. Alguns viam nele a autoridade de profeta (40) e outros o reconheceram como o Cristo (41). Porém, outros ainda se perdiam em questões que já estavam claras diante de seus olhos – se perguntavam a origem de Jesus (41, 42). Tinham a verdade estampada, mas se perdiam em discussões secundárias. É notável que novamente a proclamação de Jesus gera dissenção entre o povo (43).
4. Fazer a justiça provoca ódio do mundo. (45-53)
Essa prática da justiça na presente passagem diz respeito, principalmente, à vida de quem quer seguir as palavras de Jesus. Alguns dos que foram enviados para prender Jesus não conseguiram cumprir às ordens, pois “jamais falou alguém como este homem” (46)[8]– ou seja, não vemos erro nos ensinos de Jesus. Nicodemos, que já havia se encontrado com Jesus, também questiona a legitimidade daquele julgamento, onde eles não permitem a Jesus se defender (50, 51). Conforme Jesus havia falado ao povo, não devemos julgar por aparência, e sim pela reta justiça (24). E isso o mundo odeia. Aquele tribunal se desfez.
[1] Almeida Revista e Atualizada. (1993). (Fp 2.6–7). Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil. [2] Em atos vemos que seu orgulho foi removido e após a ascenção de Jesus (At 1.14) [3] A leitura mais provável do vs. 8 é “subi a festa, (...), eu não subo”. O “por enquanto” pode ter sido uma tradução para evitar contradição nas palavras de Jesus no português. [4] A Festa dos Tabernáculos (setembro) era a festa mais prolongada do calendário judaico, durando 7 dias. Ocorria antes do ano-novo judaico e do Dia da Expiação (Lv 23; Dt 16), e celebrava a provisão de Deus no deserto e o encerramento das colheitas anuais. Realizavam-se dois rituais, o cerimonial da água corrente (Nm 20.2-13) e o cerimonial de acender lâmpadas. [5] Jamieson, R., Fausset, A. R., & Brown, D. (1997). Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible (Vol. 2, p. 141). Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc. [6] O “trilema” de C. S. Lewis [7] A menção ao Espírito pode ser uma referência escatológica, cf. Is 44.3; Ez 36.25-27). [8] No vs. 45, existe o advérbio “finalmente” (NVI), expressando que os esforços do guardas [levitas treinados] para cumprir o mandado de busca havia inequivocamente se frustrado.
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