Mateus 9.14-17

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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O autor expõe a crítica de Cristo à falta de misericórdia dos legalistas, através de uma narrativa onde o Senhor, por meio de uma parábola, aponta para sua vinda como o clímax da obra redentora, e portanto, superior a qualquer tipo de apego a ritos ou cerimônias externas desapegadas da devoção que representam diante de Deus.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após o relato do chamamento de Mateus à fé e ao discipulado, o autor dá prosseguimento à narrativa do evangelho, ainda enfatizando aspectos da autoridade de Cristo.
O anúncio do alcance do poder remidor de Cristo através da salvação dos que estavam (às vistas dos fariseus) marginalizados ou "distantes", demarca um momento de virada na história da redenção. Enquanto os fariseus confinavam a salvação apenas àqueles que demonstravam mediante a guarda da Lei, serem dignos, o Senhor Jesus demonstra claramente que todo esse "clamor de justiça", na verdade não passava de puro legalismo; uma caricatura do que de fato é a graça de Deus para salvar pecadores, chamando-os ao arrependimento (v.13) através do envio de seu Filho.
Mateus introduz então a narrativa do diálogo entre os discípulos de João, os discípulos dos fariseus e Cristo, como um demonstrativo da chegada da Nova Aliança, momento que susta a necessidade (ainda que brevemente) de apegos à práticas antigas, tendo em vista que o "Novo Vinho" chegou.
Assim, o ponto focal de Mateus nesta seção de seu evangelho é demonstrar a vinda de Cristo como o apogeu da obra salvadora em detrimento ao legalismo.
Elucidação
A introdução dos discípulos de João ao relato, faz menção ao período de transição que este último profeta representa. João Batista, o último profeta sobre os moldes do Antigo Testamento, prepara diretamente o caminho para a chegada do Messias enviado da parte do Pai (cf. Mt 3.11), a fim de executar o plano de salvação. Isso representa o clímax da história redentiva; o apogeu do progresso revelacional que demarca a consumação da inauguração do Reino dos céus e sua consequente publicação.
Somado a isso, o autor apresenta o questionamento que estes discípulos fazem a Cristo, com relação à uma prática (naquele momento) não respeitada pelos seguidores do Senhor: o jejum. Conforme explica Carlos Osvaldo: "o discipulado representa uma ruptura radical com a antiga confiança na tradição humana em favor da lealdade exclusiva ao Messias" (OSVALDO, 2014, p. 65). Assim, a menção ao jejum aqui, não refere-se àquela intenção do coração de humilhar-se diante de Deus em busca de socorro ou provisão, que tornou comum a prática da abstenção de alimento e bebidas, conforme é visto nas páginas do Antigo Testamento, mas à um costume desenvolvido a partir desta prática, que se sedimentou ao longo dos anos, assumindo inclusive características cerimoniais ou ritualísticas, compondo a expressão credal do judeu daquele tempo.
O evangelista está usando esse diálogo para exemplificar a crítica feita por Cristo na seção anterior (cf. v. 13), em que condena o apego legalista dos fariseus à práticas externas sem atentar para a misericórdia de Deus que naquele momento lhes estava revelando que a porta da graça sempre esteve (agora mais do que nunca) aberta à todas as pessoas, independente de sua posição social, cultura, ou língua. Esse mesmo legalismo agora também obstruía os olhos daqueles homens (algo que parece que também ocorria com os próprios discípulos de João Batista) os impossibilitando de enxergar que o que estavam vivendo na verdade era o demonstrativo da inauguração de uma nova era.
Corroborando essa ideia, o Senhor Jesus lhes conta uma parábola na qual revela a incongruência de tal superficialidade legalista.
As parábolas apresentadas por Cristo são paralelas e sinonímicas. Tanto os remendos novos quanto o vinho novo representam a Cristo: a inauguração da Nova Aliança, momento em que uma nova era do plano de redenção é iniciada, e portanto não pode ser anexada às rotas vestes dos fariseus legalistas, ou dos discípulos de João, que se confundiram com o fato de os discípulos de Cristo não jejuarem.
Ambas as parábolas são precedidas de uma primeira: a do casamento, quando Cristo apresenta a razão de os seus discípulos não jejuarem. Estes, entendendo a chegada do Reino em Jesus, usufruem de sua presença, não vendo a necessidade de jejuar, já que a razão de ser do jejum é clamar para que a misericórdia do SENHOR seja derramada. Sendo Jesus a maior demonstração de graça da parte do Pai, os discípulos nem praticavam o jejum, e tampouco eram encorajados pelo próprio Cristo a fazê-lo naquele período em que estava com eles: o fato de estarem na presença do noivo, anulava qualquer necessidade de se observar o costume que os fariseus e discípulos de João viam como tão importante à sua crença.
A recomendação do Senhor, por outro lado, salienta que haverá o tempo próprio para que os agentes do Reino jejuem: quando o noivo lhes for tirado (v. 15b). A chegada e inauguração da Nova Aliança é o evento que faz disparar o cronômetro para os últimos acontecimentos; período em que Cristo não estará fisicamente com seus discípulos, e nesse meio tempo, os tais recorrerão à Deus em clamor profundo - isto é, através ou também por meio do jejum - a fim de obterem a graça para servirem em seu Reino até o retorno glorioso do próprio Cristo, na publicação de seu Reino.
Os contexto em que as passagens paralelas ocorrem, também lançam luz sobre a apresentação da identidade de Cristo como sendo o consumador da Nova Aliança, e consequentemente, sua eminência.
Em Marcos 2 (cf. Mc 2.23-3.6) , o mesmo relato do diálogo de Cristo com os fariseus e seus discípulos e os discípulos de João, é sucedido pela narrativa que registra a controvérsia quanto ao que é lícito fazer no sábado, narrativa essa que é desdobrada em dois pontos: a colheita de espigas por parte dos discípulos, e a cura de um homem com a mão ressequida. Ambos os relatos são usados pelo autor para declarar a superioridade de Cristo sobre o sábado; não como que através de uma antagonia, mas como seu cumprimento, apontando para a obra redentiva executada em sua plenitude pela ocasião de sua vinda.
A mesma estrutura é construída por Lucas em seu evangelho (cf. Lucas 5.33-39), com o acréscimo de uma fala explicativa da parte de Jesus, que enfatiza ainda mais a temática anteriormente abordada. No verso 39, a parábola é concluída com a seguinte assertiva: "E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: "O velho é excelente"".
A ênfase final de Cristo, de acordo com Lucas, é de que a preferência de alguém por um vinho conservado em odres próprios, pode ser comparada ao fato de sua chegada ser preferida ao provisório e precário apego dos legalistas às obras, no que tange ao logro da salvação. O apego superficial daqueles homens ao jejum, era como por um vinho novo (i.e. Cristo) em um odre velho (o legalismo), o qual não poderia suportar sua fermentação e arrebentaria, ou seja, seria inútil.
A confiança em Cristo e o usufruto de sua presença, comprovam o entendimento de que o bom vinho é chegado; melhor é estar com ele desfrutando de sua presença graciosa, do que apegar-se à cerimonialismos fúteis e hipócritas, afinal, o noivo está presente, e não pode haver luto ou rogos (ações anexas ao jejum) em sua presença, pois não há espaço para expectativa de que ele venha (ou no caso volte, conforme aludido ao período posterior, quando o noivo será tirado) numa que já está entre eles.
Transição
O texto de Mateus 9.14-17, expõe a ênfase do autor a que seu público perceba quão majestoso é o advento de Cristo como clímax da obra da salvação, expondo também a inutilidade de práticas externas desacompanhadas de fervor e devoção ao Senhor, como meios de obtenção da salvação.
Tendo como leitores um misto de judeus e gentios, Mateus coloca todo o povo de Deus debaixo de um mesmo parâmetro: agentes do Reino, convidados para o casamento, o qual agora aguardam o retorno do Noivo, para as contínuas e eternas bodas. Embora nesse intervalo entre sua primeira vinda e seu retorno, a igreja jejue, rogando ao Pai força e graça para suportar as adversidade desse mundo, o Novo Vinho que é Cristo não pode ser substituído pelas obras hipócritas e legalistas que os homens elucubram para si, sem que se perca a noção do quão importante é a própria presença do Noivo e de como ela nos convoca à um coração sinceramente obediente à Ele.
Em face disso, convém observarmos algumas aplicações, tal como pretendidas pelo autor divino.
Aplicações
1. O legalismo obscurece nossa visão quanto a Cristo, não deixando com que reconheçamos a grandeza de sua presença.
Na seção anterior, o Senhor Jesus já havia criticado o farisaísmo daqueles homens, que não os deixava ver que a salvação estende-se (desde sempre) a todos quantos Deus, o Pai, chama em seu Filho. Faziam isso, denegrindo a imagem das pessoas com seus próprios jugos, tachando quem queriam como indignos do Reino.
Agora, Cristo incide ainda mais sobre essa visão errônea de como a salvação de fato opera, fazendo-os entender que o apego que têm para com as obras que eles mesmo cunharam como "chaves do reino", não passam de rotas vestes e velhos odres, incapazes de conter algo tão esplendoroso quanto a graça maravilhosa do SENHOR para salvação dos perdidos.
Estando na presença do Rei, ainda se apegavam ao jejum como base de sua religiosidade, mal percebendo que estavam de luto numa festa de casamento. Cristo nos ensina, assim como ensinou a esses homens, o quanto nos afundamos em nossa vã sabedoria, embrutecendo nosso entendimento da graça, ao tratarmos a salvação de acordo com os rudimentos de nosso desajustado senso cerimonialista, que transforma práticas até legítimas em obras mortas e áridas, incapazes de fazer brotar no coração qualquer sentimento que sirva ao Criador com amor e misericórdia, e assim, obstruímos a entrada no Reino dos céus, subjugando todos ao nosso cânon salvador, que não serve para absolutamente nada.
O noivo nos foi tirado, e agora amargamos dias em que o jejum se faz necessário, pois nossas almas clamam pela acolhedora presença de nosso Noivo. Porém, às vezes, toda as dificuldades da vida presente, ao invés de nos encaminharem à intensa piedade, mecanizam a expressão de nossa fé e expectativa em que o Noivo retorne, e recorremos ao legalismo como consolo para essa ausência.
Contextualizando os princípios extraídos do texto de Mateus 9.14-17, observando por exemplo, o trato com neófitos, J. C. Ryle, comenta:
Devemos ter o cuidado de não atribuir excessiva importância às questões secundárias da religião. Não devemos apressar-nos em exigir imediata conformidade a uma norma rígida quanto a coisas indiferentes, enquanto os princípios elementares do arrependimento e da fé não tiverem sido devidamente apreendidos. Devemos orar por graça e bom senso cristão para nos guiarem nesse assunto (RYLE, 2018, 94).
Ao invés de impor sobre os outros e sobre nós um o apego farisaico e oco de respeito às obras sobre o amor, que possamos dar lugar á fé, expressando-a por meio de uma reverente obediência, nutrindo em nosso coração a expectativa de que, estamos caminhando rumo ao encontro com nosso Noivo, quando mais uma vez o jejum será tirado, dessa vez para sempre, e todos - de todo povo, língua, tribo, condição social, cultura, grau de escolaridade etc - usufruiremos de sua amorosa presença por toda a eternidade.
2. O legalismo nega que a vinda de Cristo seja o ponto máximo da história, dando as costas à redenção nele proposta e executada.
Além desse obscurecimento causado pelo legalismo, aquele que abraça sua proposta, nega a suficiência e singularidade da obra de Cristo como único meio de salvação.
A confiança dos fariseus no jejum ou em outras práticas engessadas por seus corações inférteis, os fazia dar às costas a Cristo, preferindo uma parceria ilusória - pois nunca foi possível - com sua religiosidade putrefata.
Não nos enganemos, achando que nossa “moral ilibada” pode de alguma conquistar um lugar no Reino dos céus. A porta da graça, à qual Deus abriu desde o anúncio do Descendente prometido (cf. Gn 3.15) atraiu a si pecadores: homens e mulheres imersos no pecado, cujas obras não servem nem como trapos de imundície.
Ou aprendemos a viver pela graça, sempre tendo em mente que tudo que usufruímos é uma dádiva imerecida, ou nos afundaremos cada vez mais, vivendo espiritualmente pobres, expondo os remendos de nossas vestes sujas, ao invés de nos cobrirmos com o manto da justiça que Cristo nos concedeu através de sua morte e ressurreição.
Conclusão
O Noivo nos foi tirado. Os tempos são de jejum e oração contínua, pois são maus. Porém, estamos aguardando o retorno do vinho novo; do momento em que seremos reunidos novamente ao nosso Noivo; quando adentraremos para as bodas para sempre. Então, não haverá mais jejum, não haverão mais lágrimas, somente os doces cânticos de alegria, entoados por todos os que pela graça, foram feitos dignos de serem chamados filhos de Deus.
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