Mateus 9.18-26
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 20 viewsO evangelista usa os relatos desta perícope para expor a fé no Messias como instrumento na obtenção da salvação e da chegada do Reino.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Dando sequência às exortações de Cristo, uma série de outros milagres é registrado por Mateus. Frente a mais esse conjunto de milagres, observa-se um padrão nesta seção de seu evangelho. Após o sermão da montanha, o autor compila uma série de três milagres (vs 1-4; 5-13 e 14 a 15) que corroboram a autoridade do Senhor Jesus Cristo (7.28-29). Na sequência, Mateus exibe a exortação de Cristo quanto ao custo do discipulado, anexando a essa fala outra série de milagres (8.23-27; 28-34 e 9.1-8).
Nesse ínterim, um novo ensino é declarado, agora através da narrativa do chamamento de Mateus, quando Cristo elucida a sua autoridade e extensão de seu poder, alcançando pecadores a despeito de sua condição social ou "(des)prestígio" diante dos homens (9.9-13), rejeitando também o apego legalista que obscurece a graça da Nova Aliança nele inaugurada (9.14-17).
Assim, os milagres que Mateus está elencando nesta seção de seu evangelho (8.1 à 11.1), sempre se seguem após um grande princípio do Reino dos céus ser clarificado, enfatizando o ensino ligado a autoridade de quem o expõe, isto é, Cristo Jesus, por meio de sua doutrina e poder, enfatiza a realidade da chegada do Reino e de sua autoridade como Messias: o Rei prometido ao povo de Deus.
Nesta seção de Mateus 9.18-26, outros aspectos do poder e autoridade de Cristo são exibidos, quais sejam: a fé como instrumento divino da salvação e o poder de Jesus sobre a morte.
Elucidação
A perícope está dividida em duas subnarrativas que se entremeiam e se conectam formando o escopo perspectivo através do qual Mateus expõe a noção quanto a quem Cristo é e como é a partir dele que o pecador é introduzido ao Reino. Os relatos são sintéticos, em comparação com os registros dos outros evangelistas, sobre tudo Marcos, e a própria omissão de detalhes reforça a tese do escritor.
O primeiro relato considera a ocasião da aproximação de um homem junto a Cristo, referenciado no texto apenas como "um chefe", o qual sabemos ser um chefe da sinagoga por nome Jairo (cf. Mc. 5.22). Como dito, no relato de Mateus, a ocultação do nome deste homem e sua posição fazem parte da construção narrativa que o autor deseja ressaltar. Nos versículos anteriores, o evangelista narrou o contato de Cristo com pessoas consideradas indignas e marginalizadas pelos fariseus: os publicanos, grupo do qual o próprio Mateus fazia parte. Tendo demonstrado por meio da cena em que Jesus come com "pecadores" que a salvação está endereçada aos pecadores eleitos, cuja a condição social ou "fama" não importam para o Pai, que os salvará em seu filho (pois não é a consideração dos homens ou apego às obras (cf. vs. 14-17) que pode obter a redenção), agora o olhar do ouvinte/leitor volta-se ao trato de Cristo para com um homem que é reconhecido por sua importância.
A mesma misericódia que fez Jesus comer com pecadores na casa de Mateus, agora o leva a atender ao pedido daquele chefe: sua filha está morta, porém ele crê (tem fé) que o Senhor Jesus a pode fazer voltar à vida. Neste ponto, a narrativa é intencionalmente cortada, e outra cena se sobrepõe a esta primeira. Outro personagem é apresentado também sem muitos detalhes sobre sua identidade: "
[…] Uma mulher, que durante doze anos vinha padecendo de uma hemorragia (v. 20), aproxima-se de Cristo, porém sua intenção é revelada: "porque dizia consigo mesma: se eu apenas lhe tocar a veste, ficarei curada".
À luz de Levítico 15.25, devido seu fluxo de sangue, esta mulher deveria se manter distante do contato com outras pessoas, sendo considerada impura, o que configura outra barreira que o autor está tentando demonstrar que caíra com a chegada de Cristo. Mediante a Lei, ela estava impedida de qualquer contato físico até que sua enfermidade fosse sanada. Porém, sua intenção de tocar em Cristo vai contra a expectativa de todos à sua volta. O ponto focal de sua atitude tão inesperada deve-se ao fato de crer que Cristo é o único que pode purificá-la, e isto exibe que sua fé possui a esperança de não somente ver-se livre de sua enfermidade física, mas está cônscia de que no Messias, poderia encontrar algo mais do que cura.
O cuidado do autor em narrar onsicientemente os pensamentos da mulher enferma, caracterizam e unem os dois relatos (i.e. a mulher com hemorragia e o chefe) sob uma mesma temática: tanto o chefe quanto a mulher possuem fé no Senhor Jesus, como sendo o Messias, tendo ele poder para realizar a cura ou intervir no estado de morte de alguém. Essa fé, à partir do texto, não é apenas a crença na possibilidade do milagre, como já dito; é antes, fruto de um entendimento iluminado para reconhecer quem Cristo Jesus de fato é, algo que é explicitado pela resposta de Cristo à mulher: tem bom ânimo, filha, "a tua fé te salvou" (v.22).
A fé como instrumento de salvação é a temática introduzida por Mateus neste bloco do capítulo 9, que serve como fundamento de seu argumento. Se nos versos de 9-18, o autor demonstrou a graça divina em salvar pecadores, agora ele exibe o instrumento concedido aos homens para a obterem: a fé no Messias.
A fé da mulher em Cristo é recompensada com a cura de sua enfermidade, que é usada pelo próprio Senhor para demonstrar seu poder salvador, ao exclamar que ela havia sido salva. Da mesma forma, o chefe recebe a atenção de Cristo que concede a ressurreição de sua filha, milagre este por meio do qual o autor demonstra o poder do Messias sobre a morte.
Voltando-se a narrativa de Jairo, no relato paralelo a Mateus e Marcos, embora Mateus já tenha resumido o fato, apontando desde o início da narrativa que a menina estava morta, Lucas registra o diálogo entre o chefe da sinagoga e um de seus servos, o qual relata ter morrido a criança enquanto ele e Cristo se dirigiam até sua casa. Ao passo que lhe é dito que não há mais como ajudá-lo pois a menina havia morrido, no registro lucano a resposta de Cristo é exposta construindo a mesma estrutura usada pelos evangelistas ao relatar a fala de Cristo à mulher que estava enferma quando tocou o Senhor: "Não temas, crê somente, e ela "será salva" (gr. "σωθήσεται") (Lc 8.50).
A mesma expressão direcionada para descrever o estado da mulher após ter demonstrado fé no Messias, é usada por Lucas para expor o resultado da fé de Jairo, se permanecesse crendo em Cristo como o Salvador. O uso da mesma expressão, segundo já analisado, aproxima as duas narrativas sob um mesmo viés interpretativo: a fé de ambos os personagens atinge o objetivo de sua existência: a salvação, no segundo caso, demonstrada com a ressurreição da filha do chefe.
Transição
O texto de Mateus 9.18-26 relata o encontro de Cristo com um homem que abriu mão de sua "importância" e "prestígio" diante dos homens, para expor sua dependência do Messias, a fim de que este o socorresse. Sua fé, é rapidamente posta ao lado de um mulher que, por sua enfermidade, era considerada impura.
Com isso, o evanglista demonstra que não há barreiras para o Evangelho, como havia demonstrado à luz do relato anterior, em que Jesus come com aqueles que eram considerados indignos do Reino dos céus. Não há parcialidade ou preferências; os mais "bem-quistos pela sociedade" em detrimento dos "marginalizados", ou vice-e versa. A fé que tanto o chefe da sinagoga quanto a mulher exibiram é ressaltada por Mateus a fim de demonstrar o princípio do ingresso ao Reino através da fé em Cristo; fé essa que sempre será recompensada com a salvação, pois como veremos mais adiante, o reconhecimento de Cristo como o Filho de Deus não é algo que pode ser produzido por carne ou sangue, mas apenas pelo Pai que está nos céus (Mt 16.17).
Em face disso, o texto nos convida a observarmos esse princípio e aplicá-lo às nossas vidas, através da seguinte assertiva:
Aplicação
A graça da salvação é obtida mediante a concessão da fé, para crer que Cristo é o Messias, o Filho de Deus.
Certamente essa é uma das informações mais básicas que a Escritura revela; a de que a somente através da fé em Cristo seremos salvos. Porém, a informação cumulativa que temos analisado, enfatizada novamente por Mateus nesta seção de seu evangelho, é a de que a fé não possui restrições discriminatórias, isto é, não procura favorecer por posição social, renome ou aprovação dos homens, ou qualquer outro critério que os homens criem para conceder méritos ou restringir favores.
Já vimos, neste mesmo capítulo, Mateus demonstrar que a salvação foi endereçada à pecadores: sejam eles publicanos marginalizados (v.12); fariseus legalistas (vs. 15-17), e agora observamos essa mesma graça sendo direcionada para homens de renome ou importância (v. 18) ou considerados impuros e enfermos (v. 22).
Todas essas condições descritas por Mateus, retratam bem o nosso próprio quadro diante de Deus, antes de o Espírito Santo irromper fé em nosso coração para crermos em Cristo. Nós éramos publicanos: indignos de estar na presença do Rei; nós éramos fariseus legalistas, apegados à nossa moralidade; éramos corruptos e subservientes àqueles que considerávamos importantes, ou nos achávamos importantes; nós éramos impuros: enfermos por causa do pecado.
Mateus está escrevendo este texto à igreja de Roma, uma igreja mista de judeus e gentios. Mediante os princípios aqui descritos, agora os judeus podem olhar para os gentios, que não eram circuncidados, nunca guardaram o Dia do SENHOR, e no passado sequer tiveram um conhecimento prévio do único Deus vivo verdadeiro. Olhando para esses irmãos, lendo esta seção do Evangelho de Mateus, eles podem afirmar: "verdadeiramente, Deus não fez acepção de pessoas, e os salvou, assim como a nós". Também os gentios, após receberem o ensino exposto através deste texto, puderam olhar para os judeus, a quem achavam arrogantes, incompassivos e frios, e dizer: "verdadeiramente, Deus não fez acepção de pessoas, e os salvou, assim como a nós". Aqui está o retrato do Reino dos céus, para o qual Mateus chamou a atenção dos crentes no passado, e o Espírito chama a nossa hoje: uma igreja, um corpo, um povo, formado por homens e mulheres trazidos das mais diferentes situações e circunstâncias, tendo sido eleitos e amados antes da fundação do mundo, são agraciados com a fé para reconhecerem a única porta que pode conduzir à salvação: Cristo Jesus, o Rei prometido.
Nossa atitude, pela fé, deve ser a mesma: agradecer a Deus pelo dom da fé à nos concedido, e louvar ao SENHOR todas as vezes que um perdido é trazido à graça, não olhando para o que foi no passado, ou qual era seu estado, mas enchendo nosso coração de alegria, pois não há barreiras que possam impedir o avanço do Reino e o chamado do Espírito aos eleitos que serão trazidos à fé em Jesus Cristo.
Conclusão
O autor divino está demonstrando, por meio desse texto, o tamanho da autoridade de Cristo, sobrepujando a morte e a enfermidade, garantindo que entendamos a intensidade da obra salvadora, que traz à fé quem não merecia; não por alguma consideração em que estavam ou viviam, pois ninguém debaixo do céu merece a salvação, mas exclusivamente pela graça imerecida do Criador.