Mateus 9.27-35

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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Após ter exposto o princípio da fé como instrumento para o recebimento da salvação e do ingresso no Reino, o autor divino/humano, explicita o conceito da fé como dom de Deus que habilita os agentes do Reino a reconhecerem a Cristo como o Filho de Davi; o Messias prometido.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Encerrando mais esta sequência de milagres em que a autoridade de Cristo é confirmada, Mateus narra a última parte do capítulo 9 ressaltando o argumento anteriormente exposto, isto é: a fé como instrumento divino da salvação e do ingresso no Reino, a partir desta próxima ocorrência em que o poder do Senhor é evidenciado pela cura de dois cegos, e um mudo.
O ponto central do bloco anterior foi ressaltar o alcance do poder salvador do Messias - Cristo Jesus - através do reconhecimento mediante a fé por parte de indivíduos que representavam "polos sociais" aparentemente distantes segundo a ótica dos homens: um homem de grande importância e uma mulher enferma e impura. A junção desses personagens numa mesma narrativa, reforça por sua vez aquilo que havia sido registrado pelo evangelista a partir do verso 9, quando do chamado de Mateus e da refeição que Jesus faz na presença de publicanos e pecadores: que a salvação não considera as circunstâncias sócio-econômicas para contemplar alguém, mas que esta é um dom gratuito do Deus Triuno para aqueles que soberanamente elegeu desde a eternidade.
O objeto da fé tanto do chefe da sinagoga quanto da mulher enferma é o próprio Cristo. Está fé lhes proporcionou reconhecerem nele o Messias enviado a fim de curar as mazelas do pecado e vencer a morte. Agora, esse mesma referência serve como pano de fundo conceitual através do qual a fé dos cegos será também evidenciada por sua noção - concedida do Alto - de que Jesus Cristo é o Filho de Davi; o Rei prometido por Deus para guiar seu povo à Redenção.
Assim, a tese central desta seção do evangelho de Mateus é a fé como poder para reconhecimento de Cristo como o Redentor.
Elucidação
Os milagres descritos nesta seção estão justapostos a fim de que seus efeitos exibam o contraste entre os personagens. No primeiro caso, dois cegos clamam à misericórdia de Cristo, a fim de serem curados. O destaque dado pelo autor concentra-se no título usado pelos cegos para chamarem a atenção de Jesus para sua fé: "Tem compaixão de nós, Filho de Davi!" (v. 27).
A expressão usada possui duas implicações: 1) a significância de humilhar-se diante de alguém a quem consideravam muito importante em seu papel peculiar, e 2) Ao chamar Cristo de "Filho de Davi" os cegos estão identificando-o como o Messias prometido pelo pacto davídico, um título peculiar que conecta o ministério de Cristo ao messiado prometido como instrumento da salvação do Pai para com seu povo. A partir dessa consideração, os cegos intensificam sua humilhação e fé, publicando que creem no Senhor como o Rei dos reis, enviado da parte do Pai para libertar seu povo do pecado, redimindo-os.
Ao ouvir tamanha confissão, "tendo ele entrado em casa" (v. 28), Cristo faz questão de que tal fé seja ratificada: "Credes que eu posso fazer isso?". A pergunta de Cristo não possui a intenção de sondá-los a fim de saber se o que dizem é superficial ou genuíno, mas, como dito, tenciona reiterar o testemunho dado pelos próprios cegos, isto é, Cristo deseja confirmar a fé daqueles homens, e para isso, lhes pede uma confissão formal, dado que é reforçado pela tréplica de Jesus a eles, após afirmarem que criam em Cristo e em seu poder: "Faça-se-vos conforme a vossa fé" (v.29). Outra vez, o uso dessa expressão não possui conotação investigativa, como quem simplesmente possibilita o milagre caso a fé seja legítima, afinal, eles já haviam declarado duas vezes que entendiam ser Cristo o Messias, o único capaz de lhes restaurar a visão, pois seu poder vai além disso (v.27, 28).
A construção frasal da resposta de Cristo (i.e. de acordo com a estrutura semântico-sintática grega: "Κατὰ τὴν πίστιν ὑμῶν γενηθήτω ὑμῖν" = "'de acordo' (cf. prep. "Κατὰ") com a fé vossa, seja-vos feito a vós), serve como demonstrativo de ênfase no atendimento do pedido; uma forma acentuada de dizer: "tal como vocês creem, assim vos seja feito". Noutras palavras, a fé dos cegos recebe como resultado o efeito pretendido, por crer em quem criam: sabendo que Cristo era o Filho de Davi, eles passam a ver.
Ironicamente, a fé dos cegos lhes proporcionou saber quem era Cristo, mesmo antes do milagre, ao passo que, homens que podiam enxergar, não o reconheceram como tal, assim como é demonstrado a partir do milagre seguinte. Mesmo tendo advertido os cegos a não divulgarem aquele milagre, os cegos "divulgaram-lhe a fama por toda aquela terra" (v. 31). Uma expressão equivalente aparece no relato de 8.4, em que Cristo purifica um leproso, ordenando-lhe que se mostre ao sacerdote, "para servir de testemunho ao povo". Como vimos anteriormente:
"O desejo de que seu testemunho não fosse deturpado ou destituído da compreensão exata de quem ele é, motiva Cristo a inibir a publicação dos milagres (Mt 8.4), para que as pessoas não ouçam apenas o relato dos sinais dissociados da convicção quanto a verdadeira identidade de seu realizador, o que inclusive poderia gerar um conflito de informações que ocultaria a relação de Jesus como a carga conceitual que o antecede (i.e. o testemunho do AT)" (ver Sermão em Mateus 8.1-17).
O milagre seguinte registra exatamente essa tensão de informações que move os personagens a emitirem juízo em razão do que ocorrera. Um homem possuído por demônios - possessão essa que lhe causara mudez - foi trazido a presença de Cristo. Após ter liberto o homem, que pôs-se a falar, "as multidões se admiravam, dizendo: Jamais se viu tal coisa em Israel!" (v.33). Imediatamente após essa descrição, o autor registra a reação dos fariseus: "Mas os fariseus murmuravam: Pelo maioral dos demônios é que expele os demônios" (v.34).
O ponto de contraste é que o fato de que, enquanto as multidões estavam impressionadas com o poder de Cristo (embora isso não signifique que necessariamente passaram a crer nEle, tal como os cegos na narrativa seguinte), os fariseus, contrariamente, atribuíram a obra que o Senhor estava realizando aos próprios demônios.
Em passagens paralelas como Mc 3.22 e Lc 11.14-15, a mesma ocorrência reforça a relutância dos fariseus em crerem em Cristo como o Messias. Aqui está o contraste irônico com a narrativa anterior: os cegos, mesmo em sua condição, publicaram sua esperança e fé no Filho de Davi, crendo em Cristo como tal. Por outo lado, os fariseus, homens supostamente religiosos, rejeitavam a Jesus, e mesmo após tantos milagres (cf. Mt 8.1-9.35), atribuíam sua obra ao demônio, o que Cristo identifica como o pecado de blasfêmia: uma resistência específica que denota a relutância de alguém em, mesmo diante de evidências, admitir que Jesus é o Cristo.
Transição
O texto de Mateus 9.27-35, esclarece o princípio de que o reconhecimento de Cristo como o Messias, é algo concedido aos agentes do Reino, cujo os olhos são desobstruídos para o verem como tal.
Essa verdade, direcionada ao público alvo do Evangelho, servia como um consolo e exortação: o entendimento de que dispunham não veio através do emprego de algum esforço intelectual para apreenderem uma informação, ou por meio de algum ritual místico, tal como era comum no contexto pagão do mundo greco-romano; eles criam em Jesus Cristo como seu Rei e Redentor devido a fé que lhes foi dada pela operação dos Espírito Santo, os tornando capazes de enxergar aquilo que muitos à sua volta não podiam, pois estavam em trevas, tal como os fariseus, que se recusavam a enxergar o que estava ante seus olhos.
À luz disso, o texto nos convoca a observarmos os desdobramentos dessa verdade, aplicados à nossa vida.
Aplicações
A fé que, pelo poder do Espírito Santo, foi gerada em nossos corações, é que nos dá a graça de entendermos que Cristo é o Filho de Davi, o Rei enviado para libertar seu povo da enfermidade do pecado.
Como já demonstrado, o instrumento usado pelo Espírito Santo a fim de que fazer com que homens perdidos recebam o dom gratuito da vida eterna é a fé, e esta lhes fornece o poder para confiarem totalmente em Cristo Jesus como o Filho de Deus, enviado a esse mundo, segundo as Escrituras, para salvar seu povo do seu pecado (Mt 1.21).
Sem essa intervenção divina, os homens são não somente incapazes de crerem tal como é necessário, isto é, total, integral e espiritualmente em Cristo, como são também avessos à essa verdade. Como já destacado, aqueles de quem menos se poderia esperar, viram ao Senhor Jesus com justiça: os cegos. Comentando essa ironia, Ryle asserta:
Quem poderia imaginar que dois cegos pudessem chamar nosso Senhor de “Filho de Davi”? Naturalmente, eles não tinham visto os milagres realizados por Jesus. Só podem ter tomado conhecimento dele mediante o que outras pessoas lhes diziam. Porém, os olhos de seu entendimento foram iluminados, embora seus olhos físicos continuassem em trevas. E, assim, perceberam a verdade que os escribas e os fariseus não foram capazes de perceber. Compreenderam que Jesus de Nazaré era o Messias (RYLE, 2018, p.96).
Como dito por Ryle, os fariseus, por outro lado, eram homens versados na Lei: dedicavam anos de sua vida à discussão e aplicação da Lei ao povo. Porém, como já denunciado por Cristo, há muito corromperam seu propósito e agora, usavam as Escrituras para promover legalismo e vanglória. Contudo, essas características e ações, não denotam apenas um equívoco ou desvio por parte desses homens; retrata também sua total incapacidade de sozinhos, chegarem ao pleno conhecimento da verdade: que somente através de Cristo, o homem tem salvação.
Todo homem nasce nessa condição, e nós não somos exceção. Estávamos perdidos em nossos pecados, e num abismo tão escuro que não enxergávamos nosso estado de perdição e miséria. Cegos e mudos, nem nos dávamos conta de nossa situação, nem clamávamos por socorro. Nossa condição era de condenação inescapável. Porém, tando sido eleitos pelo próprio Deus Triuno na eternidade, tendo chegado o tempo em que o Espírito agiria para mudar nossa cina, a fé nos foi dada e juntamente com ela, a visão espiritual da glória de Deus estampada em seu Filho. Nossa situação foi mudada pela graça do SENHOR, que nos deu a fé: a certeza de coisas que se esperam (a Redenção), a convicção de fatos que se não vêem (nossa salvação) (Hb 11.1. Ênfases nossa).
A blasfêmia dos fariseus (como veremos mais detalhadamente adiante) é o comportamento que evidencia corações não regenerados, incapazes de crer na única solução para o pecado dos homens: Cristo. Porém, nós, a quem fora dado o poder da fé, declaramos assim como os cegos: que o Filho de Davi teve compaixão de nós, e curou nossa cegueira, nos tornando agentes do Reino dos céus.
Conclusão
Nossos olhos foram tocados por Cristo, assim como nossa boca, segundo à ordem dele, fora aberta, e agora pregamos e testemunhamos das maravilhas que ele nos têm feito. Porém, com essa fé que recebemos, estamos aguardando o dia em que assim como aqueles cegos, contemplaremos a mais gloriosa das visões: o Senhor Jesus Cristo assentado em seu alto e sublime trono, publicando a glória do Pai e nos convidando para o Reino que está preparado para nós desde a fundação do mundo (Mt 25.34).
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