Mateus 9.36-10.4

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Mateus registra o comissionamento dos apóstolos como marco da autoridade de Cristo como supremo pastor do povo de Deus, que por sua vez indica a chegada da plenitude dos tempos, enfatizando também o chamado que cada agente do Reino recebe ao ter adentrado o Reino, e também de proclamá-lo e transmitir a boa nova de sua chegada e inauguração.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Partindo para a perícope seguinte dentro desta terceira seção do Evangelho de Mateus, o autor adentra um novo bloco de seu escrito, abordando outros aspectos do poder e autoridade de Cristo.
Nas narrativas anteriores, Mateus concentrou-se em expor milagres que Cristo realizara, e de como através destes sinais, o próprio Redentor expunha-se como o Messias, e o autor, por sua vez, demonstra princípios específicos que confirmavam seu messiado, como a amplitude e alcance de seu poder salvífico (Mt 9.1-26); sua autoridade como Filho de Deus sobre enfermidades (que representavam o estado de pecado e queda da humanidade) (8.1-17); sobre a criação (8.23-27); e até mesmo sobre os demônios (8.28-34).
A cada seção, a visão do Reino dos céus é expandida pelo autor, fazendo com que essa realidade se tornasse ainda mais vivaz no coração de seus ouvintes/leitores, tornando suas exortações ainda mais intensas.
A partir do versículo 36 do capítulo 9, o redator tratará de expor outros aspectos relacionados ao poder e autoridade de Cristo e do Reino dos céus, tendo como foco principal a tarefa que recaiu sobre aqueles que foram chamados para serem agentes desse Reino: seus próprios discípulos.
Em que pese algumas distinções de peculiaridade, tanto em termos do contexto quanto no que tange a especificidade destes personagens no tocante à ordem dada por Cristo (i.e. ordens específicas aos apóstolos), Mateus usa essas referências como reflexo daquilo que agora era esperado dos que foram, em primeiro lugar, contemplados com a salvação executada pelo Messias (tema da primeira seção do Evangelho (Mateus 1.1 à 4.25)), e segundo, dos que foram agraciados com a exposição da ética do Reino ao qual agora pertencem (caps. 5 à 7). Como complemento deste segundo aspecto, agora o autor tratará de demonstrar como os agentes do Reino são chamado não apenas a viverem de acordo com aquela ética apresentada anteriormente, mas também a serem difusores do poder redentivo de Cristo, transmitido a todos os eleitos de Deus através da pregação desta mensagem única: Cristo é o Messias, Filho de Deus, o Pai, e inaugurador do Reino dos céus.
Mediante essa compreensão, o público-alvo do Evangelho de Mateus estava sendo frontalmente confrontado e chamado à tomar parte nesta missão para a qual foram tão graciosamente arregimentados. Assim, o texto de Mateus 9.36-10.4 trata da missão evangélica como parte do chamado ao Reino.
Elucidação
A seção presente introduz uma nova abordagem por parte do autor. Como dito, as perícopes anteriores visavam promover uma compreensão mais aprofundada quanto ao ministério redentivo de Cristo como o messias. Agora, a ênfase muda, embora esse aspecto comprobatório ainda persista.
A perspectiva de Mateus apresentará uma ênfase mais latente quanto ao engajamento dos agentes do Reino no programa messiânico. A participação enquanto disseminadores da realidade do Reino já estava presente no ensino de Cristo, quando, por ocasião do sermão do monte, o Senhor introduz essa ação através da responsabilidade da glorificação do nome do Pai por meio das boas obras:
Mateus 5.13–16 RA
Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
Esse princípio é retomado a partir de uma consideração mais apologética, isto é, não é somente através das boas obras que o Messias será exposto na vida dos agentes do Reino, mas por meio de uma promoção ativa da mensagem, que no contexto, virá acompanhada dos mesmos sinais que referenciam a Cristo como o inaugurador do Reino dos céus:
Mateus 10.1 RA
Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades.
Essa ampliação de ênfase consiste na apresentação de uma demanda, metaforizada por Cristo nos termos de uma grande Seara. Tal figura de linguagem exibe a realidade e urgência da missão confiada por Jesus aos agentes do Reino. A dinâmica do trabalho evangelístico, tal como projetado pelo próprio Deus (i.e. o Pai como o Senhor da Seara, o Filho como seu Administrador, e o Espírito como Viabilizador da eficácia da mensagem), declara a essência do chamado ao Reino: todo aquele a quem fora revelado o Filho de Deus, está inerentemente inserido no processo através do qual o Reino é expandido, recebendo sobre si a incumbência de promovê-lo, inclusive rogando ao Pai que os auxilie no envio de mais trabalhadores (i.e. outros agentes), o que resultaria num ciclo retroalimentativo que impulsiona o avanço do Reino dos céus.
Após a constatação de que as multidões de seguidores "estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor" (v.36), o Senhor, direcionando-se aos discípulos, conecta-os diretamente a missão de difusão do Reino no contato e pastoreio dessas mesmas multidões:
Mateus 9.37–38 RA
E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara.
A ótica do autor quanto a cena da observação do estado das multidões por Cristo, é intensificada através de algumas alusões à textos do Antigo Testamento (e seus consequentes paralelos), quais sejam: Números 27.12-17; 1Reis 22.13-23 (paralelo em 2Crônicas 18.12-22); Ezequiel 34 e Zacarias 10.
Em Números, o contexto é a predição da morte de Moisés, o qual tendo recebido da parte de Deus esta notícia, intercede junto ao SENHOR pelo povo:
Números 27.15–17 RA
Então, disse Moisés ao Senhor: O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar, para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor.
A intercessão do profeta como possível escopo da alusão de Mateus, sugere a perspectiva da vinda deste “homem” mencionado por Moisés, como responsável pelo apascentar do povo de Deus, guiando-o ao centro da vontade do SENHOR da Aliança, os fazendo andar em seus caminhos. Essa ideia, transporta os leitores do texto de Mateus de volta ao contexto da vinda de Cristo, que demarca a inauguração da Nova Aliança, momento em que as intenções redentivas de Deus são cumpridas em sua plenitude.
Em face dessa noção da necessidade de um guia ou profeta que encaminhe o povo aos pastos da Palavra de Deus, a segunda possibilidade de alusão refere-se ao texto de 2Reis 22.13-23, em que o contexto é o da apresentação do oráculo divino aos reis Acabe e Josafá, por parte de Micaías.
Sendo convocado para profetizar ao rei sobre o futuro do empreendimento militar que Acabe e Josafá pretendem executar, após todos os profetas da corte terem sido favoráveis ao rei Acabe , Micaías ousa contradizer as profecias alegando o iminente infortúnio da incursão militar. Para isso, corrobora sua profecia com uma visão, que revela que os profetas da corte de Acabe profetizaram engano e mentiras. Nesse ínterim, Micaías aponta que por causa da obstinação do coração de Acabe, o povo estava disperso: "Então, disse ele: Vi todo o Israel disperso pelos montes, como ovelhas que não têm pastor; e disse o SENHOR: Estes não têm dono; torne cada um em paz para a sua casa (1Rs 22.17).
A ausência de um homem piedoso que pudesse guiar o povo na devoção ao SENHOR, os fez perecer em engano, e como consequência, o juízo divino recai sobre o rei de Israel, fazendo o povo sofrer. Esse contexto de sofrimento devido ao fracasso de um rei, vincula-se ao enredo da alusão de Mateus, apresentando mais uma vez a chegada de Cristo como o marco em que a graça do SENHOR finalmente atingira o apogeu, e a demonstração final seria a provisão de um guia fiel a Deus sobre seu povo.
A terceira e quarta possibilidades de alusão textual do Antigo Testamento na passagem de Mateus 9.36, são as passagens de Ezequiel 34 e Zacarias 10. No primeiro texto, o oráculo profético de Ezequiel registra a Palavra do SENHOR contra os pastores; uma metáfora para os líderes políticos e religiosos de Israel. Estes homens estavam oprimindo o povo ao invés de pastoreá-lo através dos estatutos e mandamentos de YHWH,e por isso as ovelhas estavam dispersas “por não haver pastor”(Ez 34.5) . As metáforas usadas pelo profeta enfatizam que, tendo pasto em abundância, os pastores estavam desprezando o cuidado para com as ovelhas (i.e. o povo):
Ezequiel 34.3–4 RA
Comeis a gordura, vestis-vos da lã e degolais o cevado; mas não apascentais as ovelhas. A fraca não fortalecestes, a doente não curastes, a quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer e a perdida não buscastes; mas dominais sobre elas com rigor e dureza.
Por isso, o SENHOR visitaria tais pastores em juízo, encerrando suas atividades e castigando severamente tais homens. Porém, após profetizar diretamente contra os pastores infiéis, o profeta torna para o povo, e direciona uma mensagem de esperança: o SENHOR, pessoalmente, acolheria as ovelhas (Ez 34.11-12), providenciando que um Pastor segundo seu coração - o qual referencia através da figura de Davi (Ez 34.23-24) -, esteja sobre o povo promovendo paz e guiando-o para pastos abundantes (Ez 34.25-31).
A menção em Zacarias encerra o mesmo enredo de restauração. Após terem ouvido da parte do profeta a menção à chegada de um Rei que inauguraria tempos de paz e salvação (Zc 9), o profeta sentencia os que levaram o povo ao paganismo e idolatria (Zc 10.2) deixando-o disperso e distante de Deus “porque não há pastor” (Zc 10.2). Tempos de chuvas serôdias (Zc 10.1) chegariam, e a prosperidade novamente tornaria juntamente com o povo à terra da Aliança. Essa restauração, deveria ser entendida como a redenção tão esperada, em que as tribos seriam novamente reunidas (Zc 10.6-11) - representando todo o povo de Deus - e o SENHOR os fortalecerá "e andarão no seu nome, diz o SENHOR" (Zc 10.12).
Ambas as referências (Ezequiel e Zacarias) demonstram uma ideia mais específica quanto aos planos do SENHOR. Na plenitude dos tempos, YHWH providenciaria um Pastor (vindo de sua parte) que apascentaria seu povo permanentemente, como um líder final - daí a menção à Davi em Ezequiel - e através de sua chegada, novos tempos seriam inaugurados: a redenção estaria consumada.
Qual de todas essas referências parece ser a que Mateus tem em mente ao registrar que Cristo, ao ver as multidões "compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor"? A resposta mais apropriada é a de que todas essas passagens estão na mente do evangelista, que as usa na verdade como um escopo através do qual aponta para seus ouvintes/leitores que Cristo é este Pastor há muito profetizado, que supre a necessidade de arrebanhar seu povo através da proclamação da mensagem libertadora do Evangelho, pela demonstração de seu poder messiânico, por meio do qual também corrobora e confirma a fé dos agentes do Reino.
Esse argumentação também fortalece a convocação que Mateus realiza aos agentes do Reino quanto ao engajamento na missão confiada pelo próprio Cristo aos seus discípulos (i.e. os chamados ao Reino): como Supremo Pastor, Cristo comissiona os discípulos para serem guias do povo, até que a consumação dos tempos chegue, e ele, final e pessoalmente, pastoreie seu rebanho. Uma mescla entre o “já” (o supremo pastor é chegado e o tempo da redenção também) e o “ainda não” (a obra ainda precisa ser consumada) faz com que a expectativa da igreja se eleve, e assim, busque tão intensamente quanto possível, cumprir a missão para a qual foram convocados: proclamar a salvação em Cristo.
A publicação da lista dos doze discípulos (Mt 10.2-4) é usada por Mateus para confirmar essa autoridade de Cristo: somente aquele que tem o poder como sendo o supremo pastor sobre o rebanho de Deus, pode comissionar embaixadores (i.e. apóstolos - gr. “αποστολος”) com representantes de seu Reino e responsáveis pela publicação da chegada do mesmo.
Transição
O texto de Mateus 9.36-10.4 aclara uma nova dimensão da chegada do Reino para a qual Mateus deseja chamar a atenção de seus leitores. A vinda de Cristo não demonstra apenas o favor do Altíssimo em salvar seus eleitos, mas também os chama à responsabilidade de proclamar a salvação que receberam pela graça, tornando-nos emissários das boas-novas do Evangelho: o Reino dos céus é chegado em Cristo Jesus, o Filho de Deus!
Essa compreensão, resume as intenções do evangelista ao ter registrado esta passagem, e nos transmite uma perspectiva através da qual enxergamos alguns princípios que devem ser aplicados à nossa vida.
Aplicações
1. A chegada de Cristo é o maior indicativo de qual era nosso estado diante de Deus.
A constatação que Mateus registra que Cristo fez ao observar as multidões, é um claro retrato do qual era nosso estado: ovelhas dispersas, exaustas e aflitas pela escravidão do pecado. Errantes nesse mundo, vagávamos perdidos sem qualquer esperança. A vinda de Cristo exibe isso: se alguém veio em nosso resgate, obviamente precisávamos de uma resgate.
Graças porém a Deus que no momento certo, providenciou a vinda do Supremo Pastor, que deu a sua vida para nós tivéssemos vida, e nos arrebanhou, garantindo para nós os pastor verdejantes da palavra de Deus, através da qual podemos ser nutridos.
Mas, com a entrada no Reino, não somos apenas convidados a pastar nas campinas verdejantes que Cristo nos oferece: há um trabalho a ser executado por nos, antes de desfrutarmos de toda a plenitude do governo de nosso Supremo pastor. o que nos encaminha ao segundo princípio extraído do texto.
2. Como agentes do Reino, devemos lembrar que fazemos parte de algo maior que nós mesmos: a Seara do Rei.
A responsabilidade confiada a nós por Cristo, de proclamarmos a chegada do Reino em Sua Pessoa, é algo inerente ao que somos agora diante de Deus. Não há como dissociar a recepção da salvação de seu anúncio a outros.
Ao ver as multidões ávidas por pastoreio, Cristo não deixa de demonstrar aos discípulos o dever que agora tinham como agentes do Reino: “A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara” (vs. 37–38).
Pelo menos duas ações são requeridas dos discípulos, ao ter Cristo pronunciado essas palavras: 1) a ação de trabalharem na Seara do Rei, cumprindo com aquela incumbência que recai sobre todo o que recebe a salvação em Cristo, e 2) orar para que o anúncio seja eficaz (não que sua eficácia dependa da oração), trazendo assim os eleitos a Seara, para trabalharem no alcance mediante o testemunho do Evangelho às ovelhas que ainda estão perdidas.
Tais deveres são igualmente requeridos de nós, pela razão que já deve ter ficado evidente: somos parte do Reino, e portanto, devemos trabalhar na Seara do Rei. É inimaginável que um crente se omita de publicar o testemunho da salvação, tanto quanto é inimaginável Cristo abstendo-se de sacrificar-se por nós. Tal como o sacrifício do Messias é intrínseco à obra redentiva, da mesma forma, a evangelização o é na vida de todos aqueles que agora são ovelhas do Supremo Pastor.
O que nos encaminha ao terceiro e último princípio ensinado no texto:
3. Como trabalhadores da Seara, a difusão do Reino no alcance dos perdidos não é uma opção, mas uma incumbência.
Por ocasião do sermão em Mateus 8.18-22, vimos que seguir à Cristo terá seus custos. O discipulado cristão exigirá de nós comprometimento em devotar toda nossa vida ao SENHOR Jesus e seu Reino.
O eco daquele texto agora preenche nosso ouvidos, nos fazendo enxergar que uma das demandas de servir a Cristo é publicar sua glória, seu Reino e a mensagem de salvação que um dia nos tirou do poço de trevas em que estávamos.
Diferentemente do que pintam muitos “teóricos de missões”, não são requeridas técnicas refinadas, ou estratégias muito elaboradas para evangelizar quem quer que seja: muçulmano, ateu, hindu, homossexual, drogado e etc, embora, para imersão em algumas culturas seja bom ter algum tipo de conhecimento. O que é exigido de você é que, através de sua vida e testemunho, Cristo seja publicado. Não é exigido de você eficácia, isto é, não requerido que você converta/salve alguém, mas que emita a mensagem transformadora: Cristo Jesus, o supremo pastor enviado da parte do Pai, salva o homem de seus pecados e o transforma numa nova criatura.
Essa é a mensagem que somos chamados a proclamar como discípulos de Cristo. Esta é a mensagem que não podemos nos conter em anunciar.
Conclusão
Por meio do texto de Mateus 9.36-10.4, Mateus esclareceu aos seus leitores/ouvintes, que Cristo é o profeta prometido que viria, para ser também o Supremo Pastor de suas ovelhas, e essa compreensão deveria nutrir no coração de todo agente do Reino, o desejo de testemunhar do evangelho a todos, para que por meio desse anúncio, os eleitos fossem trazidos á Cristo e assim, mais trabalhadores seriam arregimentados para a Seara do Rei.
Essa é a dinâmica que devemos entender e por em prática: Cristo, aquele que se compadeceu de nosso estado de anterior, revelou-se a nós, nos dando a graça de sermos seus embaixadores: arautos de Deus e publicadores da mensagem de salvação que glorifica o nome do Deus Triuno e consuma a redenção.
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