Mateus 11.2-19

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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O autor declara através da narrativa a noção de que a chegada do Reino era uma realidade perene, e que os sinais concedidos por Cristo (sinais predefinidos no Antigo Testamento, incluindo o envio do próprio João Batista) concediam provas suficientes para que os discípulos cressem que o Reino dos céus havia sido publicado, e o início da etapa final da obra redentiva havia começado.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após encerrar a terceira seção de seu escrito, no qual registra a publicação da autoridade de Cristo como o Messias, isto é, aquele que havia de vir para inaugurar o Reino dos céus e redimir seu povo, agora Mateus passa a observar as declarações e exemplos que o Senhor Jesus fornece, quanto ao programa do Reino dos céus.
Segundo alguns comentaristas e intérpretes, nesta seção que vai do capítulo 11.2 até 13.53, Cristo passa a expor o objetivo da chegada do Reino e a que se propõe.
A obra de salvação a ser executada pelo Messias, será agora demonstrada; aquele que, exercendo seu papel de Salvador (tal como fora apresentado na primeira seção (cf. Mt 1.1-4.25)), segundo a autoridade que possuía (caps. 5-7; 8.1-11.1), agora declararia o intento de sua vinda tanto por meio de princípios, que exemplifica por meio de parábolas, quanto através de asserções diretas, tanto de convite ao Reino (cf. 11.25-30), quanto de reprovação de acesso ao mesmo (cf. 11.20-24; 11.22-32).
Para tanto, Cristo introduz seu novo discurso, referenciando a João como seu prenunciador, tal como fora profetizado no Antigo Testamento, de maneira a também lançar luz sobre quem ele é. Mais uma vez, a identidade do Senhor Jesus é usada para elucidar a natureza do Reino dos céus, não somente em termos do que significa, mas também, em relação ao requisito a ser atendido como possibilitador do ingresso ao mesmo: a fé no Messias.
Como vimos anteriormente, em Mt 3.1-12, João, o batista, é apresentado como precursor do Messias; um sinal concedido como prova da própria identidade de Cristo. Agora, o autor retoma essa ênfase, voltando-se a João, observando-o como sinal demarcador do início da implantação do Reino dos céus.
Elucidação
A argumentação de Cristo no tocante ao programa do Reino em seu marco inicial, neste texto, estrutura-se em duas subseções: a primeira, dos versos de 2-6, em que são demonstrados os efeitos do evangelho como prova da chegada do Reino, e a segunda, dos versículos 7-19, onde é exposto, especificamente, a tese abordada até este ponto, qual seja; a identidade de João como um referente temporal do início do processo de publicação do Reino, sendo este ponto abordado a partir do aspecto positivo (vs. 7-15: o sinal inequívoco da publicação do Reino) e negativo (vs.16-19: a incredulidade e rebelião contra o Reino).
Passaremos a analisar cada uma destas subseções e seu teor.
1. Os efeitos do Evangelho como prova da chegada do Reino (vs. 2-6).
A narrativa é iniciada com um questionamento da parte de João. À luz de 3.13-17, é pouco razoável a hipótese de que João agora nutrisse algum tipo de desconfiança ou incerteza quanto a quem é Cristo, isto é, não restavam dúvidas ao profeta de que aquele que batizara no rio Jordão, era de fato o Filho de Deus.
Porém, a retomada do autor a esse tema através do questionamento joanino, apoia a ideia de que João deseja atestar e confirmar a chegada do Reino por parte do Messias, por isso sua pergunta é estabelecida em torno de uma figura que havia de vir (ou "ἔρχομαι" = gr. verbo médio-passivo lit. "ser vindo"/"enviado" ), trazendo consigo sinais que comprovariam o início da publicação do Reino dos céus. Dessa forma, o profeta não está interessado em confirmar a identidade do Senhor Jesus do ponto de vista da pessoalidade do Mestre, e sim, relacioná-lo àquele ente responsável por estabelecer o Reino, iniciando a etapa final do plano redentivo. Noutras palavras, João não tem dúvidas quanto a quem é Cristo, e sim, se aquele era o momento em que o Reino de Deus seria publicado.
A resposta do Senhor Jesus atende precisamente a demanda de João. Ao invés de chamar a atenção para si, Cristo concede a João uma relação de sinais que, com base na leitura do Antigo Testamento, comprovariam e afirmariam que sim, o momento aguardado por ele e por todos os profetas anteriores era chegado: o Pai havia cumprido sua promessa, enviando o Messias com a finalidade de executar a obra da salvação e publicar seu Reino eterno:
Mateus 11.4–5 RA
E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho.
Cristo faz alusão a pelo menos duas profecias do Livro de Isaías, a primeira, abre a resposta fazendo menção à cura de cegos (cf. Isaías 35.5), e a segunda a encerra, com a declaração de que "aos pobres está sendo pregado o evangelho" (cf. Is 61.1). Ambas as profecias narram a chegada do Reino através da restauração de Israel.
O contexto de cativeiro é o ambiente em que o profeta Isaías deflagra uma série de profecias messiânicas em que o SENHOR cuidaria de restaurar a sorte de seu povo, através de uma figura que enviaria para executar essa obra salvadora. No texto de 35.4-5, Isaías claramente menciona essa figura, caracterizando-a inclusive como o próprio Deus, e sua ação será “desobstruir as vistas dos cegos”, representando o retorno de Sião à sua terra. O texto seguinte, em Is 61.1-3, observa a mesma ocorrência, tornando ainda mais clara a noção da instrumentalidade do SENHOR para com seu Enviado. No texto, o próprio Messias relata seu envio:
Isaías 61.1–3 RA
O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória.
Os sinais e prodígios que são relacionados e posicionados entre os textos que Mateus redige, são efeitos da obra redentiva que Cristo está executando, e são sinais claros da chegada do Reino. Os discípulos de João deveriam relatar ao seu mestre, que o que está acontecendo não é simplesmente um conjunto de milagres aleatórios, sem qualquer ligação ou razão específica de ser, mas, os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho, como fruto da ação efetiva do Messias em publicar que o Reino chegou. Bem-aventurado (gr."μακάριος" = lit. "feliz"), quem não encontra nEle motivo de tropeço (fig. ling. para "crer").
A réplica de Cristo a João progride, e o autor posiciona logo após esta, um testemunho que o Senhor fornece quanto ao próprio João, que centraliza a temática abordada pelo autor de referenciá-lo mais uma vez como um dos sinais que, aliado aos demais descritos, confirmam a publicação do Reino de Deus e seu programa junto ao seu povo eleito.
2. A identidade de João como demarcador da publicação do Reino (vs. 7-19).
Como base de sua asserção, Cristo salienta e focaliza João como sendo aquele que deveria vir para preparar os caminhos do Messias, demonstrando assim, que o próprio profeta era um sinal que apontava para a realidade da chegada do Reino e seu anúncio:
Mateus 11.9–10 RA
Mas para que saístes? Para ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta. Este é de quem está escrito: Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti.
Agora, o profeta Malaquias é citado por Cristo, no texto que explica que o próprio Messias haveria de ter um precursor; um emissário enviado a fim de chamar o povo ao arrependimento, preparando o caminho para que o anúncio do Reino fosse recebido pelos eleitos de Deus. Porém, tal figura seria o último personagem enviado em termos preparatórios, ou, nas palavras do próprio Cristo: "todos os profetas e a Lei profetizaram até João" (v. 13), isto é, o anúncio do Reino não mais seria feito de maneira introdutória ou preparativa, mas após João Batista, viria o próprio Redentor, e com ele, o Reino, que deveria ser recebido pela fé mediante esforço (cf. v. 12).
Naturalmente esse "esforço" não deve ser entendido como obras meritórias que garantiriam a salvação, pois o próprio Senhor (bem como o autor por meio da narrativa) já havia deixado evidente que o Reino de Deus não é deste mundo, e portanto, esforços humanos não poderiam lograr êxito em recebê-lo.
Nesse ponto, Cristo começa a introduzir um aspecto duplo em sua argumentação quanto ao sinal inequívoco da chegada do Reino; em primeiro lugar, exibindo novamente a João como seu precursor (marca indelével da inauguração do Reino), embora este tenha sofrido represálias (estando no cárcere devido a perseguição de Herodias), e em segundo, esse mesmo levante exibe a incredulidade de muitos (especialmente dos fariseus) em relação ao Reino, fato que aponta para a realidade superior do Reino, que não pode ser recebido mediante a sabedoria humana.
Em face disso, João é destacado por Cristo como um sinal tão evidente da publicação do Reino, que o ato de rejeitá-lo só demonstra a impossibilidade de o Reino ser recebido naturalmente, e o testemunho que o profeta deixa aos discípulos o torna modelo para estes, que através de sua pregação, também apontarão para a mesma realidade.
a) João: o sinal inequívoco da publicação do Reino e modelo para os demais discípulos (vs. 7-15).
O texto de Malaquias, citado pelo Senhor, antecipa a vinda do Anjo da Aliança (cf. Ml 3.1), e a pergunta do profeta resume o caráter de sua chegada: "[...] Quem poderá suportar o dia da sua vinda" (cf. Ml 3.2). Assim, o esforço a que Cristo se refere, aponta para o caráter emergencial da chegada do Reino, isto é, a mensagem da salvação traz consigo obrigatoriedade de rendição, o que pode ser entendido como uma exigência de arrependimento, tal como foi o teor da própria pregação de João.
Porém, de acordo com o que fora exposto, essa mensagem não pode ser recebida mediante a sabedoria humana, e o Reino que, em tese, deveria ser recebido com alegria pelo povo, na verdade é hostilizado, e para reforçar esse argumento, Cristo usa o próprio João como exemplo.
Referenciando João como "Elias", mediante uma alusão ao texto de Malaquias 4.5, em que tal profeta seria o responsável por aplicar a Lei de Deus ao povo, trazendo-o de volta ao SENHOR, Cristo afirma que João, sendo o maior nascido de Mulher (v.11), fora lançado no cárcere, mas o menor no Reino dos céus, tendo confirmado com sua vida o testemunho do Reino, é maior do que ele, isto é, merecerá as mesmas honras que o próprio precursor do Messias recebeu, pois funcionou como tal.
Esse panorama que conecta João a todo discípulo de Cristo, serve ao autor do texto como fonte de sua exortação: João Batista era um sinal inquestionável (para aquele a quem foi concedido fé para entender as Escrituras do Antigo Testamento) da chegada do Reino, e mesmo assim foi preso. Não seria nenhuma surpresa se outros discípulos, pregando a mesma mensagem, sofressem assim como ele, as represálias dos incrédulos. O que nos encaminha ao segundo aspecto deste subseção do texto de Mt 11.2-19.
b) A incredulidade e rebelião contra a publicação do Reino (vs. 16-19).
Essa parte da argumentação é esplanada por Cristo mediante uma figura de linguagem (e.g. símile), em que compara os incrédulos quanto a mensagem do Reino à meninos indiferentes à alguns acontecimentos ao seu redor:
Mateus 11.16–17 RA
Mas a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes.
Os inimigos do Reino estão alheios aos efeitos do Evangelho: lançaram o precursor do Messias no cárcere, e ignoraram os sinais (tal como preditos pelo AT) que indicavam a chegada do Reino.
Tal ignorância é acentuada nos versos finais da seção, quando Cristo exibe a incongruência dos homens (especialmente dos escribas e fariseus) em rejeitar o Evangelho, pois, se veio um - João, o batista - "se amoldando" aos padrões éticos que eles defendiam, acusaram-no de ter demônio, se veio outro (i.e. Cristo), "fora desses padrões" - o que poderia sugerir que os agradaria - o condenaram.
A única conclusão possível é que tais homens estavam cegos e indiferentes à mensagem de salvação que estava sendo pregada pelo Senhor Jesus, e assim, "a sabedoria é justificada por suas obras", ou noutras palavras, se alguém de fato recebeu o Reino de Deus, haveria de manifestar isso, diferentemente da geração incrédula que resistam ao Messias.
Mateus por meio deste texto, encoraja a igreja a crer no programa infalível do Reino que já havia inagurado os tempos finais de completude para sua publicação, e consequentemente, consumação da obra redentiva.
Além disso, o presente texto funciona como uma intersecção explicativa entre a os parágrafos anteriores, e a nova divisão do evangelho: se antes Cristo demonstrada as agruras que os discípulos sofreriam por pregar o Evangelho, o autor através desta fala de Cristo, expõe o exemplo vivo do caminho árduo a ser trilhado pelo servos do Senhor, que, embora seja difícil, serve de referência a cada crente de que o fim está próximo, pois o tempo é da publicação do Reino dos céus é chegado.
Transição
As dificuldades enfrentadas por todo aquele que foi chamado ao Reino, de publicar o Evangelho por meio do testemunho (cf. gr. "μαρτύριον"), não somente os conectam a Cristo e seu sofrimento messiânico, mas também lhes serve de consolo em saber que o tempo é chegado; a publicação do Reino é iminente e o tempo de redenção se aproxima.
Mediante essa leitura, o princípio ressaltado pelo Evangelista no texto, também é direcionado pelo autor divino, a todos os crentes, em todos os tempos.
Aplicação
O sofrimento e perseguição apontam para o tempo da publicação do Reino.
João pergunta a Cristo se aquele era o momento em que o Rei seria publicado, e, ironicamente, Cristo demonstra que ele mesmo é o sinal afirmativo disso. Através de seu testemunho (i.e. pregação e martírio), João havia declarado a chegada do Messias, num primeiro momento, e agora, segundo a interpretação do próprio Senhor Jesus, que o Reino estava para ser publicado, encaminhando a história da redenção para seus momentos finais.
Da mesma forma, o Evangelho de Mateus 11.2-19, nos declara que aquelas perseguições profetizadas por Cristo que sofreríamos, são na verdade provas inequívocas de que estamos prestes a escutar as últimas badalas do relógio divino, que demarca o retorno do Rei e a publicação de seu império.
Assim, somos chamados a sofrer por Cristo sim, porém, sabendo que esse sofrimento além de pífio comparado a glória a ser experimentada por nós por ocasião de seu retorno, será breve, pois aquele que há de vir virá, e não tardará (Hb 10.37-Hc 2.3-4).
Conclusão
Como veremos mais adiante, muitos sinais foram concedidos por Cristo como prenúncios de seu retorno, porém, o mais intenso deles é o testemunho de sua volta concedido ao mundo por intermédio dos próprios agentes do Reino.
Não nos envergonhemos de sofrer por Cristo, nem de testemunhar de seu evangelho, ainda que sejamos atirados ao cárcere ou mortos, pois, com nossas vidas estamos demonstrando a realidade iminente da chegada do Reino, para a glória de Deus.
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