Mateus 12.1-21

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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O autor reforça a tese de que o legalismo é inútil tanto para demonstrar o caminho da verdadeira obediência requerida por Deus, quanto para anunciar a dinâmica de misericórdia e graça executada por Cristo Jesus, o Messias restaurador prometido no AT.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Observando os desdobramentos da narrativa anterior; a introdução feita pelo autor como ponto conectivo entre a temática do juízo de Cristo contra as cidades impenitentes e contra o legalismo dos fariseus, a presente seção serve como base para uma construção cênica em que será demonstrado o programa do Reino, especialmente no que tange a operação salvífica de Cristo.
Essa tese, engloba outra vez o combate ao legalismo, desta vez, porém, não apenas como um falsificação da mensagem do Evangelho, mas também como uma descaracterização do programa do Reino, que compromete sua identificação com o cumprimento da obra salvadora iniciada e prometida por Deus o Pai desde o Antigo Testamento.
Com isso, a presente seção configura-se numa defesa dessa temática, qual seja, a superioridade da mensagem redentiva do Reino sobre o legalismo farisaico.
Elucidação
Após seu convite aos sobrecarregados pelo legalismo sectarista dos fariseus (cf. Mt 11.28), enraizado nas cidades que negaram o anúncio do Reino feito pelo próprio Cristo, inclusive através de portentosos sinais que, como dito anteriormente, autenticavam seu ministério messiânico, agora, sob os auspícios de uma ocasião de confronto, o Senhor Jesus reenfatiza a distinção entre o programa do Reino tal como proposto pelas Escrituras (i.e. o Antigo Testamento), e o apego meritório dos homens aos rudimentos de uma interpretação legalista e equivocada, que não compreende o propósito final da Lei e da Salvação divulgados por Deus desde a antiguidade, que é a demonstração de misericórdia e graça divinas.
Segundo o versículo 1, enquanto passava pelas searas num dia de Sábado, os discípulos de Jesus, apanhando e comendo algumas espigas, foram criticados pelos fariseus sob a alegação de quebra do 4º mandamento, e indagaram a Cristo sobre tal ação. A crítica daqueles homens, segundo demonstra o contexto, foi de tal forma estruturada e direcionada com vistas a descredibilizar a Cristo, isto é, configurava-se uma tentativa de desqualificar o ensino do Senhor, sugerindo alguma divergência entre o que ele ensinava e o que estava contido na Lei.
A partir do versículo 3, a resposta de Cristo baseia-se numa ocorrência do próprio Antigo Testamento, que sugeria o exato oposto do que estava sendo alegado pelos fariseus. O Senhor cita o episódio registrado em 1Samuel 21.1-6, em que Davi, fugindo da presença de Saul, adentra o santuário e, por necessidade, come, mediante prévia autorização do próprio sacerdote, os pães da proposição; pães que não lhes era lícito comer, senão os próprios sacerdotes, pois eram dedicados ao SENHOR (cf. Lv 24.5-9).
Em que pese a exclusividade dos pães, naquele momento, devido aquela circunstância, Davi e seus homens foram autorizados comer, tendo em vista a indigência. O ponto ressaltado por Jesus, conforme registra o Evangelho, é que, mediante a necessidade de comer, a Lei não foi quebrada, porém, mediante a interpretação do princípio por ela determinado, uma cláusula de exceção foi destacada, tal como foi explicado pelo próprio sacerdote a Davi: "Respondendo o sacerdote a Davi, disse-lhe: Não tenho pão comum à mão; há, porém, pão sagrado, se ao menos os teus homens se abstiveram das mulheres" (1Sm 21.4). Ou seja, mesmo a Lei, mediante uma situação de emergência, exibia misericórdia tal, que apelando a ela mesma, graça era demonstrada ao invés de uma rigidez destemperada e cega.
Ainda outro argumento é usado por Cristo, expondo de maneira ainda mais contundente essa dinâmica: "Ou não lestes na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa?" (v.5). Esta segunda declaração é muito mais direta e objetiva: citando o texto de Números 28.9-10, Cristo explica que, em que pese o 4º mandamento, que prevê o cessar de toda e qualquer atividade comum de trabalho, recreação e afins (CFW, cap. XXI, seção VIII), tal mandamento é "quebrado" pelos sacerdotes, que precisam trabalhar justamente no Sábado, tendo em vista a demanda de sacrifícios e demais atividades no templo.
À luz dessas considerações, é importante destacar que Cristo não está sugerindo uma frouxidão na Lei, que permite a quem quer que seja escusar-se de seu cumprimento. O que está sendo evidenciado é que o extremismo dos fariseus e seu rigor, não configuram o cumprimento da Lei, e sim, uma tola impressão de santidade, que na verdade se traduz num ódio que os cega, condenando inocentes (v. 7) e não reconhecendo que, a exigência divina encrustada na Lei deveria gerar no coração dos homens misericórdia, para, em primeiro lugar, reconhecerem suas próprias falhas, e em seguida, recorrerem ao SENHOR buscando graça e perdão. Como porém não foram despertos para esse princípio, tais fatos lhe passam despercebidos, e deixam de notar que diante deles estava o senhor do sábado (v. 8), isto é, aqueles a quem deviam adorar, reconhecendo sua obra salvadora que os redime da maldição da Lei.
Um segundo momento é narrado em sequência a este primeiro. Agora, o ambiente é a própria sinagoga, e um novo debate é iniciado, ecoando ainda considerações e questionamentos baseados no tópico anterior:
Mateus 12.9–10 RA
Tendo Jesus partido dali, entrou na sinagoga deles. Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida; e eles, então, com o intuito de acusá-lo, perguntaram a Jesus: É lícito curar no sábado?
A mudança sutil no argumento sugere que os inquisidores, não podendo questionar o Senhor sob a tese da necessidade, buscaram agora voltar-se para uma situação menos "óbvia": a cura de um homem. Entretanto, a lógica de Cristo mantém-se, pois seu princípio, avalizado pelo teor redentivo do Reino, proporciona uma compreensão da Lei muito mais aguçada do que a superficial abordagem dos mestres da lei. E assim, rebate a pergunta dos fariseus com outra:
Mateus 12.11–13 RA
Ao que lhes respondeu: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado, esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito, nos sábados, fazer o bem. Então, disse ao homem: Estende a mão. Estendeu-a, e ela ficou sã como a outra.
O mesmo argumento da misericórdia mediante correta análise da Lei, é agora exemplificado. Em nenhum lugar da Lei, havia qualquer proibição quanto ao resgate de um animal em perigo no dia de Sábado, pois, a restrição ao trabalho não impedia que alguém lançasse mão do bem, ou que o mandamento desencorajava seu exercício. Com isso a assertiva de Cristo é direta: "é lícito, nos sábados, fazer o bem!".
A conclusão da seção porém, exibe um quadro muito mais amplo do que simplesmente a vitória de Cristo sobre o argumento legalista dos fariseus. Ao concluir a perícope, Mateus redigi o episódio em que, após ter respondido aos mestres da lei, estes conspiravam para matar a Jesus (v. 14), e também interpreta os fatos posteriores (ligando-os contudo ao que ocorrera) à luz de uma profecia do Antigo Testamento situada em Isaías 42.1-4:
Isaías 42.1–4 RA
Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; em verdade, promulgará o direito. Não desanimará, nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina.
Como analisado anteriormente, as profecias de Isaías registram oráculos divinos quanto a restauração de Israel, porém, em conjunto, várias nações gentílicas são mencionadas como participando da benção redentiva. Mateus interpreta esta profecia aplicando dois princípios que esclarecem seu cumprimento: 1) a misericórdia ausente nos fariseus era demonstrada por Cristo, ao estender sua mensagem salvadora aliviando os fardos dos que eram oprimidos pelo fardo legalista dos fariseus (cf. Mt 11.28-30), ao passo que não atrai glória para si mesmo (cf. "não contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças a sua voz", e 2) a extensão do seu convite abarca judeus e gentios: Mateus copia o texto de Isaías, interpretando a expressão final "e as terras do mar aguardarão sua doutrina" (cf. Is. 42.4), substituindo-a por uma paráfrase explicativa: "e no seu nome, esperarão o gentios" (cf. Mt 12.21).
O aspecto profético anexado ao texto por Mateus enfatiza a distância entre os fariseus e o Senhor: a aplicação da Lei aponta para o Messias, o qual receberá todos quantos perceberem sua desconformidade para com ela, incluindo os próprios gentios, já o legalismo dos fariseus só os distancia da realidade graciosa da recepção do Reino dos céus.
O autor canônico registra essa seção de seu Evangelho de maneira tal que demonstra claramente que o ativismo humano, envolto em um rigor cego, não referencia com justiça o Reino dos céus e seu programa salvífico. Se antes, no discurso do sermão da montanha (cf. Mt 5-7), Mateus expôs as palavras de Cristo que desmascararam o legalismo dos fariseus, trazendo à lume o equívoco daqueles homens, que julgando cumprirem a Lei, estavam na verdade longe disso, agora o mesmo princípio esclarece que o legalismo dos homens não se coaduna com a mensagem de salvação publicada por Deus, o Pai, em seu Messias, pois, tendo entregue aos homens a Lei, seu intuito era que todos os eleitos, tendo a mente iluminada para enxergarem sua devassidão e depravação, fossem tomados de profundo arrependimento, a fim de reconhecerem a graça e a misericórdia do Deus Triuno em salvá-los do pecado.
A mensagem restauradora de Isaías, usada como arcabouço teológico por Mateus, conecta-se a este episódio de confronto com os fariseus, demonstrando a realidade do Reino dos céus publicada pelo Senhor Jesus: aos homens a salvação é impossível, principalmente quando se apegam à dinâmica do mérito para se salvarem. Somente pela graça, mediante a fé no Messias, é possível obter acesso ao Reino.
Transição
A exortação franca de Mateus endereçada a igreja, visa desencorajar qualquer confiança humana em ativismos ou legalismo como o objetivo de obter a salvação. Por sua vez, não é a elevação (através de uma interpretação elucubrada por homens) de princípios ou imperativos bíblicos ao patamar sobre-humano que refletirá a grandeza do Reino. Pelo contrário, é a misericórdia e graça anunciada por um procedimento humilde e amoroso que revelará a majestade do Evangelho, pois, com disse o próprio Cristo: "misericórdia quero e não holocaustos" (v.7).
Mediante essa análise, obtemos, a partir do texto, as seguintes aplicações para nossas vidas.
Aplicações.
1. O legalismo humano não traduz a graça divina.
Preocupados em expor o quanto eram zelosos para com a Lei, os fariseus na verdade estavam distante daquilo que verdadeiramente era requerido por ela: a humilhação dos homens em reconhecimento de seus pecados, buscando em Deus a misericórdia e graça para serem perdoados.
Cristo, nesta seção do Evangelho, condena mais uma vez o legalismo, confrontando-nos com a própria tendência que nasce em nossos corações de, através de nossas obras, fechar ou abrir a porta dos céus a outros.
Não é nosso zelo em guardar os mandamentos de Deus que nos torna dignos do Reino, mas sim, o reconhecimento da misericórdia divina traduzido numa obediência piedosa, transmitindo o amor divino em perdoar pecadores.
2. A Lei nos humilha a fim de recebermos e transmitirmos a graça e a misericórdia de Deus, anunciando seu Reino.
O fim da Lei é nos mostrar o quanto somos pecadores. Como isso foi mudado pelos fariseus a fim de que se enaltecessem mediante um falso cumprimento da Lei? por meio do enorme ego do coração dos homens, que graças ao pecado agora deseja tirar a glória do Criador, transferindo-a para si mesmo.
Porém, a graça de Deus em Cristo Jesus raiou para nós, impedindo-nos de sermos consumidos pelas trevas de nossos pecados. Isso nos deve levar à uma profunda humilhação diante do SENHOR, reconhecendo sua graça e misericórdia.
O Reino dos céus é a publicação da majestade de nosso Deus em seu Cristo, que para nós exibe sua graça e misericórdia, fazendo-nos o bem que muitas vezes negamos para outros.
Se, contudo, a redenção foi aplicada ao nosso coração, não usaremos nosso lugar de filhos de Deus como pretexto para um procedimento arrogante, muito pelo contrário, nos felicitaremos sempre que, por nosso intermédio o Espírito trouxer à si, um pecador, tendo nos usado como demonstrativo da graça do Reino dos céus.
Conclusão
Nossa entrada no Reino dos céus deve nos motivar a glorificar a Deus, pois jamais poderíamos agradar ao Criador com nossas obras, sobretudo em relação à Lei. Mas ele, em seu Filho, baixou até nós, a fim de sabermos que as obras que agradam ao SENHOR, são aquelas realizadas em Cristo Jesus, aquele que aguardávamos, como restaurador do povo de Deus à sua presença.
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