Mateus 12.22-37
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 216 viewsO evangelista retrata um novo quadro da oposição à mensagem do Evangelho sofrida por Cristo, reforçando a tese da total aversão do mundo à redenção, como marco da própria chegada do Reino dos céus.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após o episódio em que Jesus contende com os fariseus, a oposição à sua pregação e ensino passaram a ser mais severas e, com isso, o autor elabora a distinção natural que a mensagem do Reino causa em seus ouvintes, isto é, aqueles que foram destinados à vida, ao ouvirem a mensagem, são habilitados em seus corações para receber com fé o convite ao Reino (cf. 11.28), porém, os réprobos, que, tendo rejeitado a Cristo, opunham-se a publicação da obra redentora através do Messias, revelariam sua proscrição negando os sinais realizados pelo Senhor Jesus como sendo o cumprimento da aliança veterotestamentária.
A presente seção faz parte de um bloco temático em que dois aspectos da mesma reação antagônica ao Reino são explicitados: em primeiro lugar, a oposição ao Reino, apresentada pela resistência direta ao Messias (vs. 22-37), e em segundo, a repetição enfática publicada por Cristo quanto a incapacidade dos resistentes de receberem o Reino mediante a revelação do Redentor (vs 23-50).
Em face dessas observações, neste primeiro momento, nos ateremos a primeira seção, abordando sua tese central: a oposição ao Reino por meio da resistência direta ao Messias.
Elucidação
Após o episódio em que Cristo é indagado com relação a ação de seus discípulos de colherem espigas no dia de Sábado, o que rendeu o prolongamento do embate até que a intenção farisaica fosse exposta (i.e. de denegrir o ensino de Cristo como contrário à Lei), outro confronto entre os mestre da lei e o Senhor Jesus é iniciado, desta vez com um ataque mais direto a pessoa de Cristo.
Por meio da realização de outro milagre, o ciúme dos fariseus é destacado pelo autor, quando, ao perceberem a reação da multidão, que maravilhada, começava a cogitar a possibilidade de que Cristo fosse "o Filho de Davi" (v. 23), aqueles homens respondem rapidamente - numa tentativa de obstruir a construção desse raciocínio - afirmando que na verdade o Senhor realizava todos aqueles sinais "pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios" (v.24).
Essa ação dos fariseus, como dito, visava confundir a multidão, fazendo-a concluir que Cristo era um falso mestre, um embusteiro, que na verdade efetuava sinais mediante um poder outro que não o de Deus. Neste ponto, a intenção dos fariseus revela-se mais uma vez: seus corações estão distantes de qualquer inclinação ao Reino, e por isso, obstruem o caminho de outros:
E toda a multidão se admirava e dizia: É este, porventura, o Filho de Davi? Mas os fariseus, ouvindo isto, murmuravam: Este não expele demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios.
Rebatendo porém essa afirmação, Cristo traça uma construção retórica que leva em consideração aspectos que revelavam que na verdade, não era um mero equívoco que estava levando os fariseus a pensar dessa forma, mas uma deliberada oposição ao Reino dos céus.
Segundo adiantado, a argumentação que se segue leva em consideração um princípio simples: qualquer um que intente fazer algo, deve concentrar-se em seu objetivo, sendo coeso e harmônico com os que estão envolvidos em tal empreitada: "Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto" (v. 25).
Segundo a alegação dos fariseus, Cristo estaria realizando aqueles sinais mediante o poder de Satanás. Porém, a ação do Senhor consiste em expulsar um demônio. Como Satanás expulsaria a si mesmo? Ou como ele poderia agir contra os objetivos de seu "reino" sem que isso acarretasse o fracasso de seus intentos? Além dessa incongruência, o Senhor destaca outro ponto: "E, se eu expulso demônios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos" (v.27)?
O ato de expulsar demônios não era necessariamente uma prática nova ou iniciada exclusivamente pelo Senhor. Os próprios fariseus em sua época, conheciam pessoas que realizavam esta obra, que inclusive não eram vilipendiados por eles, tal como estavam fazendo com Cristo. Como comenta William Hendriksen:
Amigos e seguidores dos fariseus alegavam possuir tal poder, e por razões procedentes ou improcedentes essa alegação era geralmente aceita. Naturalmente, os mestres desses reputados exorcistas só estavam demasiadamente ansiosos por receber uma fatia do crédito, ou seja, desfrutar da glória refletida. Se os fariseus, porém, estavam certos em proceder assim, como poderiam eles, com algum tipo de coerência, opor-se a Jesus por engajar-se no mesmo tipo de obra? (HENDRIKSEN, 2010, p.31).
A única razão para os fariseus se oporem ao que Cristo realizava, era sua oposição ao Reino. E assim, o juízo de Cristo, que se inicia em seguida, sacramenta o destino dos mestres da lei:"Por isso, eles mesmos [vossos filhos] serão os vossos juízes" (v.27). A hipocrisia dos fariseus se tornaria evidente, através de seu próprio julgamento a respeito de Cristo, e eles mesmos seriam julgados por essa atribuição errônea, pois, como dito, não se trata de mera confusão ou desconhecimento, mas um enfrentamento à mensagem do Evangelho propagada pelo Senhor, e tal atitude haveria de ter uma sentença adequada.
Além de um milagre ou sinal, o fato de Cristo estar expulsando demônios, faz parte de um conjunto de características identitárias, que demarcam o estabelecimento do Reino, em cumprimento a profecias do Antigo Testamento. Segundo as palavras do próprio Cristo:
Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós. Ou como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa.
Alguns estudiosos atribuem essa expressão "entrar na casa do valente" como sendo um eco linguístico comum, oriundo de uma ocorrência veterotestamentária de Isaías 49.24: "Tirar-se-ia a presa ao valente? Acaso, os presos poderiam fugir ao tirano?". Essa expressão teria sido enraizada no vocábulo judaico, e provavelmente usada por Marcos em seu evangelho, ao retratar o mesmo episódio descrito na presente seção por Mateus. Assim a referência de Marcos identifica Cristo com o valente que adentra a casa do tirano, saqueando seus bens.
A figura é correspondente ao teor comprobatório que o Senhor deseja expor: o Reino dos céus é chegado e isso fica evidente através do fato de Cristo ter subjugado Satanás e seu reino, amarrando-o, isto é, limitando sua ação. Mediante toda essa construção teológica feita por Jesus, a atitude dos fariseus é não somente pecaminosa, no termo "simples", mas também blasfema, isto é, há um caráter intensificador nas palavras dos mestres da lei, em atribuir a obra de Deus de restauração de seu povo por meio da publicação do Reino em cumprimento a obra redentiva, à uma ação diabólica. Por essa razão, tal pecado não seria perdoado:
Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir.
A razão para uma concessão de perdão mediante blasfêmia contra o próprio Cristo, e não contra o Espírito, dá-se pelo contexto anterior: em 11.25, o Senhor Jesus já havia demonstrado que, assim como o dono da casa (i.e. o próprio Cristo) foi humilhado, sendo chamado de Belzebu (o que aponta que este episódio é uma segunda ocorrência daquele primeiro ataque), da mesma forma ocorreria com seus discípulos. Logo, em seu ministério terreno, o Messias fora designado a, como parte de seu sofrimento, sofrer a ignomínia da hostilização dos ímpios. Porém, como estava operando sob o poder do Espírito, e este não estava sob a mesma condição, a afronta dos fariseus não seria perdoada.
É digno de nota que o público a quem Cristo de se refere, não é composto por crentes que pecaram, e sim, homens ímpios que, cientes do que estava ocorrendo (embora tal conhecimento não tenha operado neles o arrependimento e a fé salvadora), opunham-se frontalmente ao Evangelho, e consequentemente, ao próprio Deus, Espírito Santo.
A conclusão desta primeira parte da seção não poderia ser diferente: frente a tamanha oposição, Cristo exibe mais uma vez a natureza dos fariseus:
Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, sendo maus? Porque a boca fala do que está cheio o coração. O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más. Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado.
Os mestres da lei estava indo contra Cristo, sua mensagem e obra, por que não havia sido regenerados para crer; eram maus e seus corações estavam distantes do Reino. Além disso, suas próprias palavras testemunhavam contra si: propalavam afrontas e ofensas, expondo toda vileza de seus corações porque não tinham outra coisa a oferecer, e assim.
É válido reforçar o princípio retórico usado por Cristo nesta última parte de sua argumentação. Ao dizer que "pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado", ele não aponta a confissão verbal de fé como instrumento da salvação, como se apenas verbalizar a fé fosse o critério para tal. O centro do argumento é a última situação: os fariseus, mediante sua acusação de que Cristo operava segundo o poder de Satanás, expunham sua própria condenação, pois, clarificavam que não tinham conhecimento do Reino, e portanto, só poderiam falar o que lhes era próprio: blasfêmias, uma ação tipicamente ímpia, e por essa afronta (como dito) darão conta no dia do juízo.
Transição
O foco principal de Mateus encontra-se na exposição do nível de perseguição que o próprio Cristo enfrentou, mas também configura-se num consolo e reforço que encoraja os seguidores do Senhor a verem a oposição ao Reino por outro prisma: mediante a pregação do Evangelho, aqueles que foram destinados à vida, receberão abertamente discípulo e mestre (cf. Mt 10.40), por outro lado, os que foram proscritos para a morte, evidenciarão essa sentença, atentando contra os agentes do Reino. Peculiarmente, uma confissão será feita por ambos os grupos: de vida para a vida, de morte para a morte (2Co 2.14-16).
Mediante essas considerações, a igreja de Cristo é convocada e refletir sobre a oposição ao Reino como consequência natural fundamental de seu ministério nesse mundo, e através dos princípios expostos no texto, somos exortados pelo Espírito a observar algumas aplicações.
Aplicações
1. O pecado de blasfêmia registrado em Mateus 12.22-32 é uma marca específica, que referencia a atitude dos ímpios reprovados para com o Reino dos céus.
Muitas pessoas se questionam sobre a possibilidade alguém cometer o pecado de blasfêmia contra o Espírito hoje, e quais seriam as consequências dessa afronta numa que, segundo apresentado por Cristo, tal pecado seria imperdoável.
Devemos em primeiro lugar observar que o tema central do texto não é a impossibilidade de perdão para o pecado de blasfêmia, mas ele é usado como símbolo ou referência da postura dos ímpios contra o Reino. Logo, não faz parte do objetivo principal do autor, traçar um conceito sobre algum tipo de pecado que não seria perdoado.
Contudo, é evidente que essa referência é transmitida aos ouvintes/leitores do texto através de uma ação pecaminosa específica, sobre a qual é dito que de fato não haveria possibilidade de perdão. Dessa forma, a conclusão resultante da argumentação feita por Cristo, tal como exposta por Mateus, é qualificar o blasfemo como sendo alguém de fato proscrito para a perdição, que agindo de conformidade com sua natureza, expõe sua condição de reprovado diante de Deus.
Como dito anteriormente, o texto não trata de um crente, que por um equívoco ou falta de conhecimento, se interpõe entre Cristo e seus planos de consumar a obra redentiva. Lembremos por exemplo de Pedro, que ao ouvir de Cristo que seria entregue aos homens e morto, protesta contra quela decisão, aconselhando o Senhor a não fazê-lo:
E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.
Mesmo tendo usado o termo "Satanás" (gr. "Σατανᾶ" = acusador, adversário) para se referir a Pedro, não é dito que ele acabara de cometer qualquer pecado imperdoável, pois, embora o discípulo naquele momento não compreendesse bem o propósito da primeira vinda de Cristo, ele era um eleito, e não havia blasfemado contra o Espírito.
A blasfêmia contra o Espírito é um pecado específico cometido pelos fariseus que, conhecendo que Cristo operava mediante o poder de Deus, pela dureza de seus corações, atribuíram aquela obra ao Diabo, evidenciando sua perdição, ou seja, homens ímpios exibem sua reprovação opondo-se ao Reino.
Não se trata de uma crise de fé, ou falta compreensão quanto a algum princípio bíblico, ou desconhecimento de algum aspecto "secundário" da obra de salvação. A blasfêmia contra o Espírito é uma inclinação já presente no coração dos ímpios; alguns manifestam isso de maneira mais evidente, outros não, porém, todo aquele que não tem o Espírito de Deus, se oporá a Cristo e seu Reino, em maior ou menor grau de intensidade. É disto que trata do texto de Mateus 12.22-37.
2. O texto demonstra o nível de oposição que nos aguarda, nos consolando e habilitando-nos a ver nisso a glória do Pai, revelando seu Filho como único meio de salvação àqueles a quem bem quis (cf. Mt 11.25).
Aquele que é mau, não pode ser bom, e a árvore má dá frutos maus (v. 33). Mateus consola seu público demonstrando que a mudança de natureza é uma prerrogativa do Espírito, e ao invés de isso significar uma dificuldade extra para a pregação do Evangelho, é na verdade um grande incentivo, pois, ao se colocarem diante de um réprobo, pregando a mensagem da chegada do Reino, aquele indivíduo permanecerá em seu estado de perdição, enfurecendo-se ou opondo-se ao Reino, mediante uma confissão pública de "não-fé".
Por outro lado, ao testemunhar do Reino à um eleito, sendo aquele o momento determinado pelo Espírito Santo para sua conversão, a transformação da natureza acontecerá, e tal indivíduo será trazido a fé, confessando que Cristo é seu Senhor e Salvador.
O programa do Reino, conforme anunciado por Mateus nesta seção de seu Evangelho, divide naturalmente a humanidade em dois grupos; os eleitos e os réprobos, e a igreja está comissionada por Jesus Cristo, a ser o instrumento da divisão entre esses grupos, proporcionando o cenário determinado pelo Santo Conselho Trinitário antes da fundação do mundo, para o retorno em glória de Cristo e para a publicação do Reino na consumação da obra redentiva.
Conclusão
Certo pastor puritano, referindo-se aos fariseus, expondo suas naturezas, afirmou:
Um homem pode ter a língua de um anjo e o coração de um demônio… Os eruditos fariseus eram apenas sepulcros pintados (FLAVEL, John).
No texto em questão percebemos que às vezes, os homens a quem Cristo não fora revelado, possuem língua e coração de demônios, pois cegos pelo próprio Diabo, são incapazes de ver o que está diante de seus olhos.
A nós por outro lado, foi dada a graça não somente de ver, mas de provar das delícias do Reino vindouro, sendo usados para divulgar a glória do Criador em seu Filho bendito, anunciando que o Reino dos céus é chegado, fazendo a divisão entre eleitos e réprobos, preparando o cenário para o Retorno do Rei.