Como se resolvem contendas na igreja? (1Co 1.10-25)

Notes
Transcript

Introdução

Essa pergunta, eu creio, não pode ser menosprezada. Depois de sua saudação e de agradecer a Deus pela Igreja e pela obra de Deus nela, Paulo parte para lançar a solução do primeiro problema: a existência de contendas na igreja.
Dentre tantos problemas que estavam no seio daquela igreja, o apóstolo Paulo resolve combater este em primeiro lugar e gastando em torno de quatro capítulos para isso. Isso nos mostra que as divisões não podem ter lugar na igreja de Deus.
Você pode pensar em diversos exemplos de situações em que as divisões levaram ao fracasso do propósito final daquele grupo. Casais divididos, times divididos, cidades divididas, países divididos estão no roll dos fracassos, dos divórcios, dos campeonatos perdidos e das guerras sem fim.

Exposição

1. Começando com a solução (10)

Antes de apresentar o problema Paulo já antecipa a solução. Ele faz isso através de uma ordem em tom de apelo (“rogo-vos”/Παρακαλῶ). Uma ministração pastoral feita a “irmãos”. Isso porque a divisão distancia a igreja da sua verdadeira identidade. A manifestação visível da igreja deveria ser de irmãos (Jo 13.35).
Esta súplica e exortação é feita “pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Existe uma autoridade superior a apostolicidade de Paulo, a do nome de Jesus Cristo. Isso é feito porque a igreja é representante Dele [de Cristo] em Corinto. A divisão da igreja poderá causar uma má reputação ao nome de seu Senhor.
A solução dada é a unidade (concórdia) confessional [“faleis todos a mesma coisa”] e a ausência de divisões [“e não haja entre vós divisões”]. Ou melhor, que exista a unidade de pensamento (mesma mente/αὐτῷ νοῒ) e de parecer (“propósito”, NAA, γνώμῃ). A palavra “unidos” (aperfeiçoados/κατηρτισμένοι) remete a voltar para ordem ou situação original. Como se algo tivesse causado algum tipo de desagregação e a gente precisasse voltar para essa unidade, uma unidade entre partes. Não uma uniformidade, mas restaurar a coesão.
E por que essa é a solução? Porque há uma fragmentação na igreja de Corinto que tem sido mais intensa do que aquilo que os une, conforme a solução apresentada nos permite pressupor. Paulo já dá o caminho da solução pois o contrário do que Paulo propõe seria a precipitação no racha definitivo da igreja. Como pais que primeiro dão a instrução ao filho e depois explicam a razão da instrução, logo o apóstolo explicará porque este é o caminho que os Coríntios deveriam seguir.

2. Compreendendo o problema (11 e 12)

Na exortação de Paulo, como falamos, é possível perceber a natureza do problema. Agora, Paulo apresenta como esse problema era manifesto.
Vemos que este problema chegou a Paulo pela casa de Cloe (uma provável comerciante de Corinto que dispunha de funcionários na rota até Éfeso, onde Paulo estava). Havia coragem em sua família e nessa parcela de irmãos da igreja que informaram a quem poderia tomar alguma providência.
Nota-se que as contendas não eram um problema da ótica de Paulo, um assentimento dele, mas algo perceptível por outros irmãos da igreja. Embora ele pudesse utilizar de sua autoridade apostólica, ele demonstra que aquele problema não é algo que ele imaginou ou pensou que a igreja tivesse passando, ou mesmo que tenha meramente inferido das mensagens que chegaram a ele, mas houve uma confirmação de outros irmãos da própria igreja.
No versículo 12 ele inicia, em outras palavras, com um “vamos falar abertamente”: que as contendas eram oriundas do partidarismo de 4 grupos dentro da igreja, os de Paulo, os de Apolo, os de Pedro e os de Cristo.
É difícil entender como este partidarismo acontecia de fato. Podemos imaginar assim, pelo contexto histórico e bíblico:
Na verdade, seriam dois grandes grupos formados por duplas: Paulo e Apólo, de uma ala helenista, filosófica e mais liberal; e Pedro e Jesus, de uma ala mais conservadora quanto o judaísmo.
Ou haviam mesmo 4 partidos: de Paulo, abarcando a comunidade gentílica em geral; de Apólo, de escola alexandrina, abarcando os que destacavam a sabedoria, os sofismas; de Pedro, abarcando um judaísmo mais restrito; e os de Jesus, abarcando os que queriam se apresentar mais piedosos.
A última linha, e talvez a mais coerente diria que seriam quatro mesmo, mas partindo da ótica que, entre os partidarismo, haviam os defensores de Paulo e os que se opunham ao seu ministério. Assim os paridos seriam: a favor de Paulo, por sua robusta teologia e boa escrita; A favor de Apólo contra Paulo, pois seria um homem de grande sabedoria, retórica e eloquência At 18.24); Pedro contra Paulo, sendo homem de um puro judaísmo e poder na pregação (1 sermão e 3 mil se convertem); e Jesus contra Paulo, pois se enfatizava a piedade, aqueles que provavelmente Paulo ironiza como “os espirituais”, ex.: 1Co 3.1).
Evidentemente, os coríntios transferiram para os pregadores o apreço que eles tinham pela retórica dos sofistas gregos (filósofos itinerantes que ganhavam a vida pela eloquência de seus discursos). Ou seja, da sua tendência de reproduzir comportamentos anteriores a conversão, eles mantiveram a ênfase no que não era o Plano de Deus para salvar pecadores e para unir a sua igreja, passando a se unir onde não deveriam (como na retórica), e deixando de se congregar no centro do evangelho e em práticas que o próprio Cristo instituiu como a disciplina eclesiástica de um membro faltoso.
A divisão não era dos servos de Deus, mas das “torcidas”. Os apóstolos e evangelistas eram amigos, não brigavam por apoio, sendo tolos são os que brigam por eles (parece futebol e política). Na verdade, os coríntios não de preocupavam com Paulo, Apolo, Cefas ou Jesus: era sobre eles, como eles se identificavam e eram vistos. Desta forma, Paulo compreendeu que eles precisavam da lente do evangelho, senão as divergências iriam não somente chegar, mas permanecer.

3. A reflexão de Paulo que apresenta a razão da solução (13 a 16)

A natureza do problema já conhecemos, como ele ocorre também. Agora, Paulo parte para uma reflexão sobre Cristo e sobre seu ministério entre eles, para que eles compreendam quais as razões teológicas para a existência das contendas. Paulo quer que eles reflitam se existe explicação, no evangelho, para que uma igreja tenha divisões. Há um tom sarcástico e a resposta para esse exercício mental, obviamente, é uma negativa.
No verso 13, em primeiro lugar, Cristo está dividido? Não. Todos na igreja tem a mesma porção dele! Como será ensinado a frente, todos são participantes de seu corpo (e para funcionar bem precisa de harmonia). Depois, o fundamento da salvação de vocês é quem? Paulo (ou qualquer outro)? Não. Jesus! Ninguém, exceto ele, morreu para a salvação e nenhum nome exceto o dele fundamenta o batismo.
É provável que Paulo vislumbrava a possibilidade daqueles irmãos, por causa de sua tendência a partidarismo, fazerem divisões por causa de batismos, tendo ele deixando esse ofício a seus auxiliares. Por isso, neste momento, ele agradece a Deus o fato de ter batizados poucos (nenhum, mas ele vai se lembrando alguns), o que seria muito estranho para um pastor se não conhecêssemos este contexto.
O fato é que ele não está disputando quem batiza mais, mas a preocupação dele é outra (a pregação, v. 17). Não é que ele despreze o batismo, mas é mais importante em nome de quem ele é realizado. O batismo salva aqueles que creem naquele que é o fundamento da salvação, Jesus Cristo, e não o operador do batismo. Paulo, então, parte para desenvolver o que coloca em segundo plano as distinções dos membros ou dos grupos da igreja.

4. O que iguala os homens?

Podemos dizer que agora Paulo apresenta a proposta teológica que vai resolver esse problema das divisões: a graça, o poder e a sabedoria de Deus na pregação de Cristo.

A) O que iguala os semeadores? (17)

A cruz anunciada. Se fosse a eloquência, a retórica, ou qualquer outra coisa, haveria algum destaque para o mensageiro, mas as conversões ocorrem pela cruz e não pela palavra de sabedoria (retórica).

B) O que iguala os crentes?

No verso 18 Paulo equivale sabedoria com poder. O contrário de loucura [tolice/μωρία] é poder e não sabedoria. O ponto é que para todos (TODOS) os salvos, ela (a palavra da cruz) é poder de Deus. (18 e 19). Para os que “estão se perdendo”, é tolice (ex.: interrupção de Festo, At 26.24) a ideia de que alguém leve sobre si os pecados de outro.
Assim, vejamos os verso 20 e 21b. O que iguala todos os crentes? A sabedoria deles? A posição? (Sábio filósofo, escriba, ou mesmo os sofistas públicos 20,21a). Não. São todos igualados pela pregação de Cristo crucificado (21b-23). Não está no ouvido dos ouvintes, nem na eloquência dos pregadores, mas no Cristo pregado. Nele está nossa posição (somos todos poderosos) e sabedoria (somos todos sábios) (24 e 25).

Aplicações

Aplicação 1

Não há prática sem doutrina. Uma das piores tragédias da igreja cristã atual é a rejeição de alguns à doutrina. Paulo gasta tempo e desenvolve teologia para resolver problemas, irmãos. O espírito da nossa época quer ir logo para a prática, mas antes de irmos para a prática precisamos nos equipar com o conhecimento de Deus revelado nas escrituras. Sempre vamos agir com base em conhecimentos prévios, e eles precisam estar corretos.

Aplicação 2

Podemos ter pregadores prediletos. Não é um problemas você ter um pastor que gosta de ouvir, ou uma teóloga predileta para aprender. Paulo não está combatendo isso. Nem venha equivocadamente com negócio de “não sou de Calvino, nem de Armínio, mas sou de Jesus”, pois isso não cola. Aprendamos com os mestres que Deus deu a igreja, mas não nos apartemos do que primordialmente nos une: o evangelho de Jesus Cristo.
Como falou Rupert Meldenius, um escritor do século 17:
Nas coisas necessárias – unidade;
Em coisas não essenciais – tolerância mútua;
E, em todas as coisas, amor.

Aplicação 3

Nem Cristo, nem Deus estão divididos. Paulo ensina que Cristo nem Deus estão dividido. Ele é três pessoas, um só Deus, mas são três pessoas que estão em perfeita harmonia e coesão de propósito. Não há rivalidade na Trindade, mas uma preocupação para que o outro seja honrado. Assim devemos ser nós enquanto igreja, pois Cristo nos fez um como Ele é um com o Pai (Jo 17).
Talvez a pergunta do sermão pareça estranha para uma igreja que não briga, que não tem irmãos disputando e tal. Mas uma outra pergunta é respondida na questão tratada por Paulo: é onde caem as nossas diferenças? No Cristo que não está dividido, mas que nos salvou por graça. Isso é a essência da Igreja.
A igreja é o local onde nos unimos para além das nossas diferenças. Não nos reunimos por afinidade, mas pela cruz de Cristo. Não tem a igreja dos jovens, nem a dos idosos, nem a das crianças, mas só a Igreja.

Aplicação 4

A glória de Cristo é a finalidade última da pregação. A finalidade a este propósito é que vai servir melhor à igreja e que honrará a Cristo em adoração. A pregação que ameaça o evangelho é aquela em que o estilo é mais importante que o evangelho. Aquela em que o tom de voz, que o fundo musical e que frases de efeito são mais importantes que a mensagem da cruz.
Por isso, se os irmãos saem dizendo “que pregador maravilhoso” no lugar de “que Cristo maravilhoso”, o pregador falhou na sua missão.

Aplicação 5

Cristo foi partido para que fôssemos unidos. Só tem uma hora que Cristo é partido: na cruz, visível na ceia, para que nos tornemos um. Não importa quem você seja, Cristo faz um convite para que você deixe seus pecados na sua cruz e participe dele pela fé. Sem ele, não importa também quem seja, o mais humilde ou o mais cheio de títulos, estará perdido.
S.D.G
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