Sob a nuvem da ira do Senhor - Lamentações Jeremias 2.1-10
Sermon • Submitted
0 ratings
· 31 viewsNotes
Transcript
Sob a nuvem da ira do Senhor
1 Como o Senhor cobriu de nuvens, na sua ira, a filha de Sião! Precipitou do céu à terra a glória de Israel e não se lembrou do estrado de seus pés, no dia da sua ira.
2 Devorou o Senhor todas as moradas de Jacó e não se apiedou; derribou no seu furor as fortalezas da filha de Judá; lançou por terra e profanou o reino e os seus príncipes.
3 No furor da sua ira, cortou toda a força de Israel; retirou a sua destra de diante do inimigo; e ardeu contra Jacó, como labareda de fogo que tudo consome em redor.
4 Entesou o seu arco, qual inimigo; firmou a sua destra, como adversário, e destruiu tudo o que era formoso à vista; derramou o seu furor, como fogo, na tenda da filha de Sião.
5 Tornou-se o Senhor como inimigo, devorando Israel; devorou todos os seus palácios, destruiu as suas fortalezas e multiplicou na filha de Judá o pranto e a lamentação.
6 Demoliu com violência o seu tabernáculo, como se fosse uma horta; destruiu o lugar da sua congregação; o Senhor, em Sião, pôs em esquecimento as festas e o sábado e, na indignação da sua ira, rejeitou com desprezo o rei e o sacerdote.
7 Rejeitou o Senhor o seu altar e detestou o seu santuário; entregou nas mãos do inimigo os muros dos seus castelos; deram gritos na Casa do Senhor, como em dia de festa.
8 Intentou o Senhor destruir o muro da filha de Sião; estendeu o cordel e não retirou a sua mão destruidora; fez gemer o antemuro e o muro; eles estão juntamente enfraquecidos.
9 As suas portas caíram por terra; ele quebrou e despedaçou os seus ferrolhos; o seu rei e os seus príncipes estão entre as nações onde já não vigora a lei, nem recebem visão alguma do Senhor os seus profetas.
10 Sentados em terra se acham, silenciosos, os anciãos da filha de Sião; lançam pó sobre a cabeça, cingidos de cilício; as virgens de Jerusalém abaixam a cabeça até ao chão.
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
O foco ainda está na terrível provação de Sião. O texto mostra que Sião recebe a justa ira do Senhor, esta foi causada pela mão de Deus, mas não faz qualquer tentativa de mostrar se a reação do Senhor à má conduta do seu povo era justificada. O que marcou a consciência do poeta é a natureza dura de sua experiência da ira não restringida do Senhor. “É uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31).
Nosso Senhor tem todo o poder para julgar, e seu julgar é perfeito, pois o Senhor é perfeito, cair nas mão de Deus, como o salmista Davi coloca é melhor que cair nas mão dos inimigos. Nosso Senhor é longânimo e misericordioso, mesmo quando nos parece ser tão terrível a correção paterna. Jeremias chora por ver tal situação.
Lamentações narra o cerco e a tomada de Jerusalém. A cidade de Davi foi entrincheirada pelos caldeus, arrasada pelos soldados e passada ao fio da espada. Os vasos do templo foram levados para a Babilônia e colocados em templos pagãos e o majestoso templo foi incendiado e destruído. Nas ruas de Jerusalém reina a fome e fora da cidade impera a espada da morte. Esse é o arcabouço de Lamentações.
Neste capítulo presenciaremos a ira do Senhor em três formas, não restringida do Senhor,
1. A ira não restringida do Senhor (2.1–3)
1. A ira não restringida do Senhor (2.1–3)
1 Quando ficou irado, o Senhor cobriu Jerusalém de escuridão. Ele transformou num monte de ruínas a cidade de Jerusalém, que parecia um céu e que era o orgulho do povo de Israel. No dia da sua ira, Deus abandonou até o seu próprio Templo.
2 Sem dó nem piedade, o Senhor destruiu todas as cidades de Judá e na sua ira acabou completamente com as suas fortalezas. Ele jogou por terra, humilhados, o reino de Judá e as suas autoridades.
3 No calor da sua ira, Deus acabou de uma vez com o poder de Israel. Quando os inimigos chegaram, ele não quis nos ajudar e ainda se jogou contra nós como um fogo que destrói tudo ao seu redor.
O poema inicia com o mesmo tom do capítulo primeiro, mas revela uma perspectiva um tanto diferente pela justaposição de o Senhor, filha Sião no final do primeiro verso. Diferentemente do primeiro poema, que descreveu o destino de Sião em termos gerais como isolamento, agora, a ênfase está na interação entre o soberano Senhor e seu povo. A passagem de 2.1–5 evita o termo “o Senhor” como Javé, pois a cena não é de bênção da aliança. Ele está cobrindo com uma nuvem/“anuviando” descreve uma situação permanente na qual a cidade está envolta por uma nuvem tempestuosa de ira divina conforme o capítulo 1.12.
As implicações ameaçadoras das trevas que pairam sobre o país são reforçadas pela repetição de “sua ira” no final do versículo. Esse tipo de escuridão é característica das teofanias ou seja a manifestação de Deus, conforme Salmo 18.11 “11 Das trevas fez um manto em que se ocultou; escuridão de águas e espessas nuvens dos céus eram o seu abrigo.” ; Isaías 8.22 “22 Olharão para a terra, e eis aí angústia, escuridão e sombras de ansiedade; e serão lançados em densas trevas.” ; Sofonias 1.15 “15 Aquele dia será um dia de ira, dia de angústia e tribulação, dia de ruína e destruição, dia de trevas e escuridão, dia de nuvens e densas trevas,”, mas aqui ocorre uma inversão da ordem pactual esperada, e o juízo divino foi imposto a Israel, não aos seus inimigos, Amós 5.10–20 “10 “Vocês odeiam quem os repreende no tribunal e detestam quem fala com sinceridade. 11 Portanto, visto que pisam os pobres e deles exigem tributo de trigo, vocês não habitarão nas casas de pedras lavradas que construíram, nem beberão o vinho das belas videiras que plantaram. 12 Porque sei que são muitas as suas transgressões e que são graves os pecados que vocês cometem. Vocês afligem os justos, aceitam suborno e rejeitam as causas dos necessitados no tribunal. 13 Por isso, numa época de tanta corrupção, quem é prudente prefere ficar calado.” 14 “Busquem o bem e não o mal, para que vocês vivam. E assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará com vocês, como vocês dizem. 15 Odeiem o mal e amem o bem. Promovam a justiça nos tribunais. Talvez o Senhor, o Deus dos Exércitos, se compadeça do remanescente de José.” 16 Portanto, assim diz o Senhor, o Senhor, Deus dos Exércitos: “Em todas as praças haverá pranto, e em todas as ruas dirão: ‘Ai! Ai!’ Chamarão os lavradores para o pranto e, para …”
O resumo da ação do Senhor apresentado no verso inicial é desdobrado em 2.1–8 numa série de verbos, dos quais Deus é o sujeito. Desse modo, é enfatizado que não pode haver dúvida quanto ao seu envolvimento decisivo na queda de Sião. Conquanto a beleza de Israel possa ser uma referência geral a tudo o que a nação recebeu em virtude da sua posição como povo da aliança do Senhor, é provável que aqui esteja em vista Sião e, mais particularmente, o Templo “um objeto de fama e beleza para todas as terras”, 1Crônicas 22.5 “5 Pois Davi dizia: — Meu filho Salomão ainda é moço e inexperiente, e o templo que será edificado para o Senhor deve ser sobremodo magnífico, para nome e glória em todas as terras. Portanto, vou providenciar o necessário para a construção. Assim, antes de morrer, Davi providenciou materiais em abundância.”
Era ali que o reinado celestial do Senhor se revelava visível e esplendidamente na terra, “Força e beleza estão no seu santuário”, Salmo 96.6. Ao propositalmente lançar essa revelação gloriosa do céu para a terra, o Senhor rompeu esse vínculo, e assim o povo da aliança, Israel (o termo é usado apenas aqui e em 2.3,5) não desfrutava mais do privilégio de sua presença no seu meio e seu santuário estava exposto às devastações do inimigo.
A ideia do abandono divino continua no último verso do versículo. Não se lembrou, descreve uma postura permanente de negligência prática: descuido deliberado em vez de amnésia. Isso também representa uma inversão do privilégio da aliança em virtude da qual o Senhor se lembrara do seu povo e o salvara (cf. Êx 2.24; 6.5; Sl 105.8; 106.45; 111.5).
Um estrado para os pés era um item necessário para os tronos elevados do antigo Oriente. O estrado dos seus pés pode ser uma referência ao complexo do Templo em Sião (compare Sl 99.5 com Sl 99.9) ou, mais especificamente, à arca da aliança, que era o foco religioso do santuário (cf. 1Cr 28.2). É difícil – e provavelmente desnecessário – escolher entre uma dessas duas referências, pois uma depende da outra. A história posterior da arca não foi documentada, mas ela pode muito bem ter permanecido no Templo até a destruição deste em 586 a.C. A perda da arca – escondida, queimada ou saqueada – serve como indicação da intensidade da ira do Senhor contra o seu povo. Nem mesmo esse símbolo sagrado de sua presença foi poupado no dia de sua ira.
Cinco versos sucessivos em hebraico começam com verbos perfeitos na terceira pessoa masculina, e a repetição inicial dessa forma contribui para a sensação avassaladora da ação soberana do Senhor (ʾădōnāy, cf. 2.1).
Devorou indica um ato de destruição rápido e aparentemente irreversível. O que foi derrubado pode ser reerguido, mas o que foi engolido parece ter desaparecido para sempre. À irreversibilidade da ação do Senhor junta-se a sua implacabilidade.
Ele não demonstrou piedade ressalta como, ao contrário do que poderia ser esperado da postura anterior do Senhor de paciência a despeito da má conduta do seu povo, eles agora haviam exaurido a sua clemência, e assim agiu soberanamente sem hesitação ou misericórdia, não os poupando de sua indignação.
Os objetos de sua ira são especificados como todos os pastos de Jacó. “Jacó” não é usado como referência ao reino do norte, mas a toda a terra. “Os pastos pacíficos” (Jr 25.37) representam a prosperidade econômica do país inteiro, que se baseava principalmente na agricultura. Visto que o termo “pastos” indica “lugares de descanso” e pode ser usado também para assentamentos, a imagem sugere que a devastação causada pelas forças invasoras de Nabucodonosor atingiu campos e aldeias das regiões rurais.
O impacto do juízo divino foi além, observe:
Ira remete ao intenso desprazer de Deus diante do qual nada consegue subsistir:
9 Eis que vem o Dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para fazer da terra uma desolação e exterminar dela os pecadores.
31 Por isso, derramarei sobre eles a minha indignação, e com o fogo do meu furor os consumirei. Farei cair sobre a cabeça deles o castigo que os seus atos merecem”, diz o Senhor Deus.
Nesse caso, o texto lembra também como o Senhor havia usado as forças inimigas para demolir as fortalezas da filha Judá. Vários locais estratégicos em toda a terra haviam sido fortificados para resistirem a uma agressão externa. Quando os babilônios apertaram o cerco em torno de Jerusalém, as Escrituras nos contam que apenas as duas cidades fortificadas de Laquis e Azeca conseguiram permanecer de pé em determinado momento (Jr 34.7) e, quando foram tomadas, o país ficou indefeso.
Tanto a ruína da economia quanto a demolição das fortalezas faziam parte da ação do Senhor contra seu povo rebelde, pela qual ele nivelou a terra prometida.
Ele profanou refere-se à terra sendo privada do seu caráter sacro especial, quando o Senhor agiu para romper o vínculo sagrado entre Ele e o povo da aliança (cf. Sl 89.38–45, especialmente o versículo 39b: “Tu profanaste sua coroa no chão”).
Reino refere-se a mais do que apenas ao último rei de Judá. É o reino de Davi, a linha da promessa da aliança, que é derrubado juntamente com seus regentes, que administravam as questões do reino. Ao privar a terra do seu significado especial e ao devastá-la econômica e militarmente, o Senhor rompeu completamente seu relacionamento especial com ela e seu povo. As advertências que Ele transmitira por meio dos profetas, seus porta-vozes, não haviam sido ameaças vazias.
O texto especifica ainda mais como o Senhor destruiu a força do seu povo no furor de sua ira.
Os soldados de Israel haviam perdido a capacidade de atacar ou de defender-se e o impacto disso continuava na nação derrotada.
A destra ou seja mão direita do Senhor simboliza sua força, que normalmente é usada para defender e proteger seu povo (cf. Sl 98.1). Aqui, porém, Ele retirou sua mão direita. Isso não acontece em preparação para desferir um golpe contra o inimigo, antes representa a retirada da sua proteção do seu povo, a despeito do fato de que ele está sendo atacado na face do inimigo.
Além do mais, a ação do Senhor nessa situação não é de mera retirada, é a imposição de sua ira. Ele ardeu contra Jacó (cf. Sl 2.12; Is 30.27). O Senhor é comparado a um fogo que consome tudo em seu relacionamento com seu povo da aliança. Nada extingue sua ferocidade, não há como escapar das chamas.
Quando o Senhor retira sua destra, Ele deixa o povo completamente desprotegido, essa imposição da ira do Senhor ao recair sobre o povo, eles são tomados e levados pelos inimigos, a força do exercito não está em seus treinamentos, mas sim em Deus.
2. A hostilidade do Senhor - vs. 4–5
2. A hostilidade do Senhor - vs. 4–5
4 Como se fosse um inimigo, Deus apontou as suas flechas contra nós e, com a sua força, matou as pessoas mais estimadas do nosso povo. Ele derramou a sua ira, como se fosse fogo, sobre os moradores de Jerusalém.
5 O Senhor é como um inimigo. Ele destruiu Israel, derrubou as suas fortalezas e arrasou os seus palácios, trazendo com isso tristeza e choro sem fim para o povo de Judá.
O poeta relembra a devastação que o Senhor havia causado em Jerusalém. Conquanto o ataque inicial de sua ira agora já faça parte do passado, suas consequências continuam a ser amargamente sentidas. O Senhor é apresentado como um arqueiro inimigo que entesou seu arco (cf. Sl 7.12–13). As comparações que recorrem ao como evitam chamar o Senhor diretamente de inimigo, pois se ele fosse inequivocamente e absolutamente inimigo deles, não haveria possibilidade de esperança. Mesmo assim, o poeta não tenta minimizar a severidade de suas ações.
A ideia aqui expressa que o Senhor assumiu uma posição em relação à sua mão direita como arqueiro inimigo, que pisou em seu arco para fixar a corda e que agora segura o arco pronto para atirar no alvo que escolheu. A mão direita que o versículo anterior disse estar retirada agora está pronta para atacar. A curiosa e estranha obra do Senhor ao punir o povo pelos seus erros (cf. Is 28.21) inverte a expectativa que eles tinham sobre como Ele os trataria.
Embora o verso Ele destruiu seja muito curto e algumas traduções apresentem o versículo como se lhe faltasse metade do verso (cf. ESV), não há evidência textual que justifique outra leitura. Isso especifica o impacto das flechas de julgamento de Deus (cf. Nm 24.8; Dt 32.42; Sl 7.14; 18.15; 38.3; 64.8). Mas onde elas se alojaram? Conquanto a palavra prazeroso e outras semelhantes possam se referir a objetos físicos como o Templo (Ez 48.14), o verbo associado “destruiu” torna uma referência pessoal aos filhos de Sião mais provável nesse caso (cf. Ez 24.16; Os 9.16).
Devorou repete a expressão de 2.2 para ressaltar a total destruição que a hostilidade do Senhor causou no meio do povo da aliança, Israel (cf. 2.1), por causa do seu pecado. Há um contraste entre seus palácios – ou seja, o complexo de edifícios reais e do Templo e possivelmente também as residências das pessoas influentes na filha Sião e suas fortalezas (cf. 2.2), as fortalezas espalhadas por toda a Israel. Mas seu destino é o mesmo. A ruína e destruição repentina foram causadas pelo Senhor, contrariando assim o consenso da teologia popular. Ao impor essa penalidade, Deus aumentou aflição e lamentação (Is 29.2). Esse jogo de palavras semelhantes é usado para descrever a tristeza e o pranto que estavam presentes em toda a filha Judá.
3. A destruição do Templo - vs. 6–7
3. A destruição do Templo - vs. 6–7
A descrição da penalidade imposta a Sião é intensificada quando se concentra no seu impacto sobre as instituições sagradas da cidade. A enormidade do que ocorreu é enfatizada pela mudança na designação de Deus para Senhor. Os alvos de sua ira são as instituições pactuais que Ele mesmo projetara para o seu povo. O verbo demoliu com violência costuma referir-se a ataques sem motivo contra pessoas. Os tradutores dessa passagem tendem a amenizar suas implicações, mas isso é desnecessário, pois descreve como o povo percebeu a postura do Senhor em relação a eles quando Ele os atacou como um inimigo. Era como ser atacado na rua ou tornar-se vítima de um incidente terrorista. Nesse versículo, porém, o objeto do ataque é um lugar, não uma pessoa. O termo sua tenda ocorre apenas aqui com essa ortografia, mas certamente se refere ao Templo como a própria residência do Senhor (cf. Sl 27.5; 76.3). A violência divina se dirige contra a propriedade divina.
Os rejeitados oficialmente são o rei e o sacerdote (cf. Jr 14.21) quando o Senhor os dispensou dos seus serviços e não mais lhes permitiu, seja por meio da morte ou do exílio, de cumprirem suas funções designadas em seu reino ou no Templo, que era seu palácio. O Templo servia também como capela real do reino, e assim, implicitamente, a adoração realizada pelo rei também é rejeitada. Os sacerdotes não exercem mais seu ofício no santuário porque ele não existe mais; na verdade, os próprios sacerdotes pereceram.
O repúdio implicado por rejeitou normalmente é reservado a pessoas. Portanto, a menção do seu altar se refere provavelmente às sagradas ordenações vinculadas ao sacrifício e àqueles que oficiavam no altar. A conduta incorreta deles havia exposto sua rebelião contra o Senhor, e Ele não pode mais tolerar a hipocrisia deles. No entanto, essa rejeição não precisa ser final (cf. 3.31; Zc 10.6). Para o presente, porém, não pode haver dúvida em relação ao fato de que ele renegou seu santuário, pois agora não o reconhece mais como lugar dedicado ao seu culto. Como havia deixado de ser objeto de sua afeição e proteção, Ele é adequadamente entregue à possessão hostil.
Esse era o coração de Sião, pecaminoso, ao rejeitar o povo e sua adoração, o Senhor soberanamente entregou os muros de Sião, sobretudo os muros em torno do Templo e de seus edifícios associados, ao controle do inimigo. Era um convite a eles para que os saqueassem e os queimassem. Isso constituía o desafio supremo à teologia de Sião que havia sido popular em Jerusalém durante o século anterior à queda. Acreditava-se que, visto que o Senhor havia se feito presente no Templo, tanto este quanto a cidade seriam perpetuamente invioláveis. Confessavam que o Senhor era mais forte do que qualquer inimigo e, por isso, acreditavam que sua presença era uma garantia de que Sião jamais cairia. No entanto, foi justamente isso que aconteceu: não por causa da impotência divina, mas pelo fato de a presença divina ter partido.
O terrível resultado foi que os inimigos deram um grito na casa do Senhor como num dia de festa, esse não foi um grito de aclamação ao Senhor, mas um ato de zombaria e sacrilégio, quando o inimigo exultante expressou sua alegria pela conquista da cidade, pela captura do Templo e pelo que eles acreditavam ser a impotência do Senhor. Acontecera o inimaginável.
4. A destruição de Sião e do seu povo - vs. 8–10
4. A destruição de Sião e do seu povo - vs. 8–10
8 O Senhor decidiu arrasar as muralhas de Jerusalém. Ele fez o plano de destruição e, sem descanso, o levou até o fim. Muralhas e paredes racharam e vieram abaixo ao mesmo tempo.
9 Os portões da cidade estão enterrados no entulho, e as suas trancas foram despedaçadas. O rei e as autoridades estão espalhados pelas nações pagãs. Não se ensina mais a lei, e os profetas não recebem mais visões de Deus, o Senhor.
10 Os moradores mais velhos de Jerusalém estão sentados no chão, em silêncio. Em sinal de tristeza, puseram terra na cabeça e vestiram roupa feita de pano grosseiro. As moças estão ajoelhadas, com a cabeça encostada no chão.
Os três versos desse versículo contam uma história: primeiro, a decisão de Deus de destruir; depois, a ação tomada por Ele; por fim, o resultado do que Ele fez.
A destruição que o Senhor causou em Sião não foi algum ato gratuito que, inadvertidamente, fugira ao controle. Foi o resultado de uma ponderação deliberada sobre o que deveria ser efetuado. Quando a paciência divina se esgotou, o que tomou seu lugar foi planejado e estruturado.
O muro da filha Sião era o que lhe garantia segurança. Ele precisava ser derrubado, e assim Deus cuidadosamente esticou o cordel (cf. Am 7.7–9). Sua intenção não era construir, mas demolir (cf. 2Rs 21.13) por meio de um ato deliberado de poder divino, durante o qual não demonstrou qualquer hesitação: ele não impediu sua mão.
O antemuro era, provavelmente, uma fortificação externa mais baixa contra os ataques inimigos. Tanto esta quanto o muro da cidade lamentaram. Essa personificação se deve provavelmente ao costume de uma pessoa em luto se sentar no chão, tomada pela tristeza. Quando os muros foram invadidos pelo inimigo, eles foram demolidos (2Cr 36.19), deixando a cidade exposta a ataques.
Seus portões, que antes forneciam forte resistência a qualquer força que tentasse invadir a cidade, tiveram suas dobradiças removidas e agora se encontram jogados no chão entre os escombros. O Senhor destruiu e quebrou as barras, isto é, as grossas travas de madeira que serviam para manter os portões fechados. Essas travas, porém, só funcionavam adequadamente enquanto o Senhor garantia sua eficácia, mas aqui Ele agiu para anular o propósito delas. Elas estão despedaçadas, como também a segurança de Sião.
O foco agora passa das consequências físicas da queda da cidade para seu impacto sobre a vida comunitária. Nenhum grupo escapou ao desastre, e em decorrência disso a coesão social e a eficácia de Jerusalém foram minadas. Rei e sacerdotes não são mais protegidos pelo Senhor, foram capturados e levados para o exílio, de modo que a terra está sem liderança política e militar. O rei no exílio é, provavelmente, uma referência a Jeconias, o penúltimo rei de Judá, que juntamente com sua elite administrativa e militar foi levado para o exílio por Nabucodonosor em 597 a.C. Registro esse encontrado no livro de 2Reis 24.14–15. A falta de instrução ou “lei” (tôrâ) pode ser uma alusão ao lugar para o qual os regentes haviam sido deportados como um lugar sem lei e sem Deus. No entanto, é mais provável que isso seja uma continuação da descrição das condições em Sião, e a desolação da comunidade é destacada pela ausência de instrução em questões divinas, que havia sido uma das funções principais dos sacerdotes (cf. Lv 11.11; Mq 2.7). Nem todos os sacerdotes haviam sido levados para o exílio, mas aqueles que permaneceram na cidade foram impedidos de agir como sacerdotes do Senhor porque ele não reconhecia mais o santuário ou seu ministério. Em sua cegueira, o povo havia alegado que “a lei não perecerá do sacerdote” (Jr 18.18), mas agora havia sido privado até mesmo desse ponto de referência fixo.
A mesma ausência de direção e orientação para a população se evidenciava ainda no fato de que seus profetas também não encontraram qualquer visão do Senhor. Esses profetas são figuras encontradas no Templo e com frequência associadas aos sacerdotes dali (cf. Jr 5.31; 6.13; 18.18; Ez 7.26). Conquanto aleguem serem porta-vozes do Senhor, Ele não os comissionou (Jr 23.21–22), e eles elaboravam suas mensagens copiando-as uns dos outros (Jr 23.30). Depois do colapso da cidade, nada tinham a dizer, pois as alegações de sua teologia haviam sido demonstradas pelos acontecimentos como sendo falsas, e eles não conseguiam encontrar qualquer palavra de orientação ou encorajamento para repassá-la aos outros (cf. Sl 74.9). Os profetas mencionados aqui não são figuras como Jeremias ou Ezequiel, que continuaram a exercer seus ministérios proféticos autênticos, mesmo que não dentro dos limites da cidade.
Enquanto os reis e sacerdotes foram retirados da cidade e os sacerdotes e profetas remanescentes nada tinham a dizer, os anciãos da filha Sião permanecem na cidade. Talvez sejam capazes de oferecer conselhos aos residentes de Sião em sua angústia. Mas não, os anciãos compartilham da mesma sorte que a cidade como um todo, eles estão sentados no chão se lamentando, esmagados pelo grande fardo das condições depois da queda da cidade. Estão calados, porque, tomados pela tristeza não têm conselhos a oferecer aos outros (Ez 7.26). Como todo o resto da população, estão ocupados com rituais de luto, jogando pó sobre a cabeça (cf. Js 7.6; 1Sm 4.12; 2Sm 1.2; 15.32), possivelmente numa representação da sentença de Gênesis 3. Roupas de saco era um tecido áspero frequentemente usado diretamente sobre a pele como sinal de luto ou penitência (cf. Gn 37.34; 2Sm 1.11; 3.31; 13.31). Alquebrados pelos acontecimentos, os anciãos não conseguem articular nenhum futuro para a comunidade.
Outro grupo muito mais jovem é mencionado para ressaltar a extensão da melancolia que tomou conta da cidade. As virgens de Jerusalém ou as jovens mulheres de Jerusalém, elas compartilham do luto dos anciãos e curvaram a cabeça até ao chão. Esse gesto não ocorre em nenhum outro lugar no Antigo Testamento, mas o contexto o associa claramente ao luto. Pode significar simplesmente que estão olhando para baixo ou talvez estejam deitadas no pó do chão. O dia do derramamento da ira do Senhor tira até mesmo a resiliência dos jovens.
Aplicação e Reflexão
Aplicação e Reflexão
A prevalência da ira como reação a situações é indicada tanto em hebraico quanto na nossa língua pelo número de termos existentes para descrevê-la. A Bíblia nos diz mais sobre a ira divina do que sobre a ira humana. A ira de Deus demonstra que Ele se preocupa com situações. Suas imposições não são irrupções petulantes ou irracionais, mas procedem de sua santidade ao afirmar seu direito de determinar que tipo de conduta deve ser tolerada no mundo que ele criou e sobre o qual Ele domina. A ira divina é um sinal de que o universo não é irracional, mas moral, guiado e responsável.
A ira divina contra o pecado é um aspecto inescapável deste mundo em que vivemos. “Deus é um juiz justo e um Deus que reage com indignação todos os dias” (Sl 7.11). Mesmo assim, devemos reconhecer que a ira divina não é da essência de Deus do mesmo modo como o é seu amor ou sua santidade.
1. A ira de Deus é a resposta de sua santidade ao pecado de uma criação rebelde.
2. Sem pecado não haveria ira, mas sempre haverá o amor de Deus. Consequentemente, as Escrituras afirmam que “Deus é amor”, mas jamais que “Deus é ira”.
3. A imposição do juízo é algo que é “estranho” a Ele (Is 28.21). Um aspecto vital de sua autorrevelação é que Ele “demora a se irritar” (Êx 34.6), portanto, “sua ira é apenas momentânea, mas seu favor dura uma vida inteira” (Sl 30.5). No entanto, o fato de que Ele deseja ser misericordioso e mostrar sua compaixão não compromete a verdade de que ele é um Deus da justiça (Is 30.8).
O princípio básico da responsabilidade se estende ao povo de Deus. O Senhor não é passivo quando o povo age contra suas estipulações da aliança. Na verdade, em tais circunstâncias, sua ira não anula seu amor, mas coexiste com ele e é, de fato, uma expressão do seu amor. Esse castigo divino, apesar de real e severo, tem como sua intenção a recuperação do seu povo da rebelião e o reestabelecimento deles à sua graça. A determinação do seu amor eletivo opera por meio dos problemas causados pela traição deles, para purificá-los do pecado e reinstituí-los como povo no qual Ele se deleita.
A realidade da ira divina não deve ser descartada como ensino antiquado do Antigo Testamento. Visto que ela reflete aspectos vitais e imutáveis da natureza de Deus, ela permanece sendo de importância fundamental tanto em relação ao castigo paternal para o pecado do seu povo (cf. Hb 12.5–11) quanto em relação ao destino eterno daqueles que rejeitam o evangelho. “Quem crê no Filho tem a vida eterna, mas quem não obedece ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36).
Deus tem a promessas da aliança a Israel, isso não livrava o povo de experimentar seu juízo caso pecasse na verdade, isso assegurava um rompimento de sua obrigação pactual. Do mesmo modo, a nova Israel de Deus formada por judeus e gentios não é poupada do castigo divino quando peca. Embora haja a promessa de segurança e perpetuidade, mais especificamente de que “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18), isso não deve gerar uma atitude de descuido em qualquer igreja cristã. “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas” (Ap 2.5).
O modo do castigo divino fosse adequado à política dos tempos do Antigo Testamento, em que a vida nacional e religiosa do povo de Deus estava unida numa única entidade, nos tempos do Novo Testamento Deus age de acordo com as estruturas sociais e religiosas que prevalecem agora. Se uma igreja negar a inspiração da palavra de Deus e reclamar para si o direito de julgar as Escrituras, sua mensagem se tornará distorcida, pois estará manipulando a palavra de Deus e não professará mais abertamente a verdade (cf. 2Co 4.2). O abandono divino desse tipo de igreja se evidencia na ineficácia de sua proclamação, pois ela já não desfruta mais da bênção do Espírito Santo para causar um impacto real.
A destruição do Templo e o abandono das cerimônias de adoração, ordenadas divinamente, indicam claramente a prioridade conferida ao compromisso sincero. Os privilégios herdados do passado e até mesmo a realidade de uma utilidade demonstrada no passado ao serviço de Deus precisam ser acompanhados de lealdade e devoção. “Desejo um amor constante e não sacrifício; o conhecimento de Deus e não holocaustos” (Os 6.6; cf. Mt 9.13).