A Sabedoria e a Aleatoriedade da vida
Eclesiastes • Sermon • Submitted
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· 28 viewsA sabedoria é muitas vezes anulada pela natureza aleatória da vida (9.11–18). Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco & Desenvolvimento no Antigo Testamento, ed. Juan Carlos Martinez, 2a Edição Revisada e Atualizada. (São Paulo: Hagnos, 2014), 574.
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A sabedoria e a aletoriedade da vida
A sabedoria e a aletoriedade da vida
11 Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso.12 Pois o homem não sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos homens no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles. 13 Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande.14 Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande rei, sitiou-a e levantou contra ela grandes baluartes.15 Encontrou-se nela um homem pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre.16 Então, disse eu: melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada, e as suas palavras não são ouvidas.17 As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos.18 Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói muitas coisas boas.
Introdução:
A Itália perde pra Macedônia e fica fora da copa do Mundo pela segunda vez seguida. Com nomes importantes no cenário mundial, como o ítalo-brasileiro Jorginho, Berardi, Verrati e Donnarumma, a Itália, recém campeã da Eurocopa de 2020, perdeu para uma seleção que nunca esteve numa copa.
Como entender a aleatoriedade da vida?
Será que podemos ter certeza de alguma coisa?
Será que nosso problema não está em querermos ter o controle nas nossas mãos?
Proposição: O Dr.Carlos Osvaldo sabiamente definiu o dilema do texto afirmando que: "A sabedoria é muitas vezes anulada pela natureza aleatória da vida (9.11–18)".
I. UM DILEMA - a exposição do problema (Ec 9.11-12)
O Pregador traz à tona uma verdade que todos nós em algum momento já testemunhamos, que nem sempre aquele que aparentemente teria julgaríamos de antemão como o mais capaz e de "melhor futuro" de fato se dar bem no final.
Nem sempre "é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes o favor".
Cinco tipos de pessoas são colocadas aqui pelo autor: "o mais rápido", "o mais forte", "o mais sábio", "o mais inteligente" e o "mais habilidoso". Também são colocadas as atividades e objetivos de cada um deles, sendo: "a corrida", a batalha", "a provisão, literalmente o pão", "a riqueza" e "o reconhecimento, literalmente, o favor".
Nada mais natural que os mais capazes conquistem todas essas coisas, entretanto, Salomão afirma que nem sempre isso é uma verdade. De modo chocante, o sábio nos diz que não são as qualidades pessais dos indivíduos que garantem o seu sucesso e nem são elas as pessoas que sempre atingem esses resultados.
Mas por que aconteceria algo desta natureza? A explicação não está em algo lógico, mas no fato de que "o homem não sabe a sua hora" ou "um acontecimento inesperado pode vir a todos eles" ou ainda mais, como foi traduzido pela NVT, "as pessoas caem em desgraça de modo repentino".
Ele afirma aqui o que todos nós de forma intuitiva sabemos, mas muitas vezes não levamos em consideração. Vivemos num mundo de muitos riscos. Todos nós estamos sujeitos a muitas situações inesperadas. As expressões "tempo" e "acaso" são apresentadas como duas contingencias separadas, mas como um fator único. Seria como "uma coincidência bem cronometrada". Outra forma de entender a expressão seria dizer: " um acontecimento na exata hora em que não podia ocorrer, pode vir a qualquer situação e alterar o que teria sido considerado um resultado seguro e garantido" (Santos, Thomas Tronco dos. O Caminho Acima do Céu: Comentário de Eclesiastes (Portuguese Edition) (Locais do Kindle 5125-5127). Redenção Publicações. Edição do Kindle).
Santos (Locais do Kindle 5128-5144) nos explica que "o nome da figura de linguagem envolvida no caso acima se chama hendíadis que significa literalmente “um por meio de dois” , uma figura que se utiliza de duas palavras coordenadas para formar um único conceito. O problema aqui de não se reconhecer a hendíadis na tradução é expor o leitor desavisado ao termo “acaso”, como se não houvesse qualquer controle externo dos acontecimentos por parte de Deus. A palavra que é traduzida por algumas versões como “acaso” tem também os sentidos de sorte, fato ou problema. [232] Ela só ocorre duas vezes no AT , uma aqui e outra no livro de 1Reis , em que seu sentido não é de sorte ou acaso, mas de “adversidade”: “ Porém, a mim o Senhor , meu Deus, me tem dado descanso de todos os lados; não há nem inimigo, nem adversidade alguma” ( 1Rs 5.4 ). Além disso, o próprio texto hebraico trata as palavras “tempo” e “acaso” como um conceito único, já que associam a elas um verbo na forma “singular” “pode vir” em vez de “podem vir”. A mesma figura de linguagem aparece em Eclesiastes 3.1 , em que se diz, literalmente, “para tudo há uma data e um tempo”, mas cujo significado correto, levando-se em conta a hendíadis, é “para tudo há um momento certo ”.
Um acidente no transito faz o jovem perder aquela prova para qual tanto estudou. Aquele líder nacional bloqueia as contas daqueles que passaram a vida poupando pensando na aposentadoria. Aquele gol inesperado pode ganhar uma copa e fazer o time que jogou melhor a partida inteira ir pra casa sem a taça. Um único golpe repentino pode derrubar um campeão. Os gênios financeiros podem ser arruinados por uma quebra no mercado de ações. Um escorregão pode fazer o atleta mais veloz perder a corrida.
"Os homens não sabem a sua hora" ou "ninugém é capaz de prever quando virão os tempos difíceis". O "tempo" e o "acaso" são agora descritos como "tempo de calamidade". Os homens são como peixes apanhados por redes e pássaros presos por laços, quando menos esperam são pegos de surpresa e não possuem capacidade de escapar dos infortúnios que os prendem. Toda autoconfiança e preparo prévio, tão eficientes para lidar com os objetivos, demonstram-se ineficientes para lidar com as ocorrências inesperadas que se abatem sobre eles.
Thomas Tronco nos faz refletir sobre o destino dos homens. Ele pergunta: "Será que o texto está ensinando que somos guiados por um destino cego que não sabe para onde nos levará, a despeito da soberania do Senhor? O pai de Salomão escreveu, em um dos salmos, o seguinte: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16 ). Dificilmente, o Pregador acolhia um conceito diferente a respeito da soberania divina. Assim, o problema inicialmente exposto pelo escritor não se deve ao abandono da sua posição anterior de que a vontade de Deus determina tudo (cf. 9.1 ). Ele está simplesmente olhando para a natureza arbitrária da vida a partir da perspectiva humana “debaixo do Sol” e não teológica, algo que ele faz ao longo de todo o livro, especialmente na primeira parte dele. Desse modo, compreendemos que ele afirmou que o mérito nem sempre é recompensado e que o mundo pode tratar as pessoas de modo injusto. Sabedoria, habilidade e trabalho duro podem alavancar o sucesso, mas não têm como garanti-lo".
II. UM EXEMPLO - o impacto da sabedoria (Ec 9.13-15)
A segunda parte do texto fala sobre um grande impacto que o sábio teve de um exemplo de sabedoria que ele observou. É interessante ver como o homem mais sábio que existiu pôde ser impactado com a sabedoria de um homem pobre e despresado na sociedade.
Ele não está criando uma história didática como o nosso Senhor fazia por meio das parábolas, o texto deixa claro que ele viu esse exemplo de sabedoria.
Essa situação é um exemplo claro do que acabara de falar, o homem sábio que salvou uma cidade inteira é pobre e não tem reconhecimento.
A situação fala de um cerco à cidade de um exército muito poderoso. Não sabemos ao certo se Salomão é o "grande rei" da história ou se o caso se trata de outros grandes monarcas e líderes de outras nações. Se Salomão foi esse "grande rei", dá pra entender porque ele foi tão marcado por esse acontecimento.
Santos explica que "Essas “grandes torres” que o rei levantou contra a cidade eram construções militares erigidas diante dos muros da urbe sitiada, as quais podiam ser feitas de estruturas de madeira ou de elevações topográficas formadas por amontoamento de terra e rochas qualquer coisa que fornecesse vantagem aos invasores sobre os defensores que ficavam sob o alto da muralha. Quando isso era feito com sucesso, a vantagem que a cidade tinha por causa de suas muralhas era neutralizada e, nesse caso, não há porque supor que um exército muito maior tenha tido dificuldades para tanto".
Os adjetivos “pequena” e “poucos” são cercados, na frase, pelo “grande rei” e por suas “grandes torres”, assim como ocorreu naquela localidade. Fica claro para o leitor que a ruína da cidade e de sua população era apenas questão de tempo e não muito tempo.
Mas é exatamente neste ponto que uma guinada acontece na história. O que se esperava que aconteceria, não aconteceu. Os invés de ser tomada, a cidade foi liberta, não por um poderoso general, nem por armas tecnológicas, mas por um homem simples, que não sabemos o nome, pobre, porém, sábio.
O texto não nos informa como ele livrou a cidade, só podemos conjecturar. Santos dá algumas sugestões de como isso poderia ter acontecido:
"Isso pode ter sido feito por meio de negociações ou concessões oportunas com os invasores, pela entrega de um ofensor principal, como no caso da cidade de Abel-Bete-Maaca (cp. 2Sm 20.14-22 ), pelo assassinato de um general inimigo, como em Betúlia (cp. Judite 13.8-11 ), [236] ou pela aplicação inteligente das artes mecânicas, como fez Arquimedes, em Siracusa, diante do ataque naval dos romanos às muralhas da cidade (214 a.C.). [237]" (Santos, Locais do Kindle 5210-5217).
Independente de que meios o “sábio” utilizou para deter o avanço e a fúria dos invasores, o fato é que ele foi o grande herói.
O que esperar? Honras, glórias e dinheiro, certo? Errado! Ele nem sequer foi lembrado depois. Neste ponto fica a dúvida sobre o que de fato teria levado o sábio pregador a ficar impactado com a situação, se foi a libertação de uma cidade tão pequena diante de um grande rei e um exército tão poderoso ou se foi o despreso, a falta de recompensa dada àquele que evitou que um grande morticínio tivesse acontecido. Mas é exatamente aqui que está o exemplo que Eclesiastes está querendo deixar para os seus leitores. O que ele afirmou no verso 11, ele comprovou nos versos 13-15. Nem sempre será dos sábios e inteligentes a provisão e o favor.
III. UM DESFECHO - o valor da sabedoria (Ec 9.16-18)
O sábio chega a três conclusões a partir do dilema levantado e do exemplo colocado. Ele expõe a sua conclusão de forma crescente apresentando o valor da sabedoria.
Melhor é a sabedoria do que a força (Ec 9.16)
Mesmo que a sabedoria do pobre seja desprezada;
Mesmo que a sabedoria do pobre não seja ouvida.
Como pode alguém chegar a essa conclusão? O pobre sábio, continuou pobre, mesmo depois de ter liberto a cidade. Do que vale então ter tanta sabedoria? Alguém poderia indagar. Mas o grande sábio, Eclesiastes, consegue olhar para dois benefícios que a sabedoria alcançou:
A sabedoria demonstrou a sua eficácia quando a força bruta era claramente incapaz de salvar o povo.
A sabedoria trouxe benefício para o próprio sábio, pois se não fosse pela sabedoria ele seria um pobre morto ao invés de um pobre sábio.
Mesmo que as pessoas desprezassem o pobre sábio e os seus conselhos depois que ele tenha libertado a cidade com a sua sabedoria, ainda assim a sabedoria demonstrou a sua superioridade sobre a força bruta, ela garantiu a sobrevivência da cidade.
Melhor é a pobreza sábia do que a nobreza tola (Ec 9.17)
Temos dois contrastes aqui:
As palavras dos sábios são contrastadas com os gritos de quem governa.
Ele dá um princípio amplo tirado de um exemplo específico. Ele fala de sábios e não do pobre sábio. Mas parece que tem alguém em mente quando fala sobre "os gritos"de quem governa.
Os dicionários traduzem esse "gritos" como sendo um clamor por socorro. O que é de se esperar de alguém que está em desespero tentando comandar o seu exército.
O sábio tem seu espírito sob controle e é capaz de pensar e falar com clareza.
Os ouvidos pacientes, que ouvem em silêncio, são contrastados com os súditos tolos, incapazes de prestar atenção.
É possível que Salomão esteja se referindo a provável situação em que o desfrecho da guerra tenha acontecido por meio de uma conversa entre o pobre sábio e o grande rei, que ouviu pacientemente, aceitou os termos, e retirou o seu exército. Se for o caso, então, o pobre sábio conseguiu mais com suas palavras sábias do que os gritos do que governa sobre tolos.
Não dá pra não relembrar o que já vimos no capítulo quatro de Eclesiastes quando ele afirmou que:
13 Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar,
Muita sabedoria pode ser anulada por pouca insensatez (Ec 9.18)
Parece que a enfaze que o Pregador está querendo dar está na segunda parte do versículo. A primeira parte afirma o que ele já afirmara no verso 16 de que melhor é a sabedoria do que a força, neste caso, "armas de guerra". Mas agora ele traz uma nova verdade: "um só pecador destrói muitas coisas boas".
Olhando para o contexto podemos imaginar que toda a sabedoria do pobre, que acabou salvando a cidade de uma carnificina, poderia ter sido anulada se o regente, que aparentemente era um tolo que governava sobre tolos, impedisse o sábio de fazer as negociações com o grande rei e insistisse em resistir ao ataque com táticas militares, movidos pela tola ilusão de que conseguiria suportar o ataque. Ou quem sabe, movido pelo orgulho de querer ser aquele por meio de quem a vitória seria alcançada, ele rejeitasse o conselho e a intermediação do sábio.
Não é difícil de imaginarmos o que um homem separado de Deus é capaz de fazer de ruim. A sabedoria que vem de Deus tem sido rejeitada pelo homem natural da mesma forma que o próprio Deus tem sido deixado de lado.
Conclusão:
Devemos, como cristãos que somos, refletir e agir de duas formas, pelo menos:
Não podemos ser arrogantes e pretensiosos com relação às nossas capacitações pessoais e atributos físicos ou intelectuais, pois eventos inesperados recaem sobre todos e frustram até os planos mais bem-estruturados e as habilidades mais bem-lapidadas. Devemos viver em inteira dependência do nosso Senhor soberano, sabendo que os acontecimentos são inesperados para nós, mas não para ele, que os controla.
Não podemos pensar e agir como o mundo. Não devemos nos entregar às suas vãs filosofias e pretenças sabedorias. A Palavra de Deus deve ser magnificada em nossas vidas por meio do nosso empenho em conhecê-la e obedecê-la. A sabedoria de Deus pode não garantir um presente de riqueza e reconhecimento, mas nos livrará do mal e nos manterá no caminho da retidão. É bem possível que os tolos que desprezem a Deus e Sua palavra, no momento de aperto, procurem os sábios servos do Senhor Jesus e ouçam com paciência as benditas palavras da salvação e tenham, não a sua cidade liberta da carnificina, mas a alma salva da condenação.