O cansaço do homem e a resposta de Deus
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Transcript
Divisão do texto
Divisão do texto
Eclesiastes 3.9 - A grande pergunta
Eclesiastes 3.10-11 - A base para a resposta
Eclesiastes 3.12-14 - A grande resposta
Eclesiastes 3.15 - A conclusão
Introdução
Introdução
Hoje, um culto de quarta-feira, talvez seja um momento muito propício para esse texto. Muito provavelmente, considerando o histórico da maioria das igrejas, trata-se do culto mais negligenciado entre os cristãos. É consenso que o principal motivo para essa negligência está associado ao trabalho, estudo e também ao cansaço que eles geram.
O fato é que vivemos tempos de grandes incertezas e instabilidades, sejam elas políticas, sociais e econômicas. Associado a isso, vivemos tempos em que a cobiça parasita a vida das pessoas através das redes sociais, dos programas televisivos e do marketing de produtos que prometem, de alguma forma, satisfazer o ego humano. Isso tem afligido não só a ímpios, mas boa parte dos cristãos.
Seja pela busca por algum grau de estabilidade ou pela busca inssaciável pelo prazer que as coisas materiais podem trazer, muitos cristãos têm visto suas vidas sendo engolidas pela ansiedade da vida terrena, de tal modo, que se afastaram da busca de um relacionamento com Deus, através da oração, seus devocionais, da comunhão com os santos, dentre todos os meios da graça com os quais fomos abençoados por Deus.
Nessa busca exaustiva e frustrante, em que ninguém alcança a linha de chegada, o coração se enche de dúvidas e ingratidão ao ponto de seguirem caminhos de incredulidade e, até mesmo, apostasia.
Contexto geral de Eclesiastes
Contexto geral de Eclesiastes
Esse é o pano de fundo de alguns ensinamentos do autor do livro de Eclesiastes. Entretanto, antes de adentrarmos na exposição da passagem de Ec 3.9-14, precisamos ter em mente co contexto geral do livro.
Em geral, a maioria dos estudiosos concordam que o autor do lilvro foi Salomão (rei, filho de Davi, declarações sobre notáveis sabedoria e riquezas), entitulado no livro como Pregador, o qual trabalha, em seu livro, no problema de tentar entender a vida, em seus mais diversos âmbitos (trabalho, conhecimento, prazer, justiça social, religião, etc.). Trata-se de um livro com fortes influências da teologia da criação, além de ser um livro geralmente lido na festa dos Tabernáculos como uma celebração da “alegria” e da “boa” criação de Deus.
Contexto imediato de Ec 3.9-14
Contexto imediato de Ec 3.9-14
Nesse propósito, chegamos ao capítulo 3 em que o Pregador desenvolve uma das passagens mais conhecidas e mais mal interpretadas entre cristãos e ímpios: de que há um tempo determinado para tudo nessa vida (Ec 3.1-8).
Muitos olham para essa passagem como uma espécie de defesa em favor do acaso ou destino, ou mesmo, como um espécie de fatalismo da parte do autor. Entretanto, a intenção do autor aqui é deixar claro que Deus estabeleceu um tempo para todas as coisas na vida do ser humano, desde seu nascimento até a sua morte.
É nesse sentido que o Pregador reúne uma coletânea de 14 ações “positivas” da vida humana e 14 contrapartes negativas, para as quais há um momento e propósito determinado por Deus na vida do ser humano.
A grande pergunta (Ec 3.9)
A grande pergunta (Ec 3.9)
Salomão, olhando para todo esse cenário de bençãos que Deus nos dá e também nos tira, retoma a grande pergunta com a qual inicia o livro em Ec 1.3: afinal, qual proveito, ou vantagem, tem o ser humano em todo o trabalho com que se afadiga?
É natural olharmos para esse questionamento e remetermos ao julgamento de Deus contra o homem após o pecado original, de que “com fadigas” obteria seu sustento. Tanto em Gênesis 3.17, como em Eclesiastes 3.9, o sentido da palavra remete a um trabalho árduo, desagradável e doloroso (similar a trabalhos manuais realizados no campo).
Essa pergunta, então, nos lembra que, seja qual for o trabalho que venhamos a executar nesse mundo, existirá algum nível de dor, cansaço e desagrado. A questão levantada aqui, porém, vai além da labuta associada ao sustento necessário, parece-nos, aqui, que o “trabalhador” acresce uma carga adicional a toda essa labuta, na busca incessante e ansiosa por compreender e se preparar para os diversos “tempos” (Ec 3.1-8), para, de alguma forma, estar no controle da situação, como entendemos os versículos seguintes.
A base para a resposta (Ec 3.10-11)
A base para a resposta (Ec 3.10-11)
É em Ec 3.10, então, que Salomão começa a deixar claro algumas considerações que levou em conta para sua pergunta e começa a delinear, através de um princípio que ele entendeu e observou (termo “Vi”), a base para sua conclusão. Aqui, a maioria das traduções trazem que:
“Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir” Ec 3.10.
Essa tradução pode acabar gerando uma ideia de “crueldade” da parte de Deus. Entretanto a tradução mais correta seria:
“Vi a ocupação (in-yan) que Deus deu (na-tan) aos filhos dos homens, para com ela os ocupar (anot).” Ec 3.10.
Os termos aqui denotam mais o sentido de uma tarefa entregue por Deus, para ocupar o ser humano, do que alguma espécie de tortura para afligi-lo. É importante entender essa premissa, pois está conectada com o versículo seguinte, onde Salomão continua a linha de raciocínio para solucionar o problema da sua pergunta inicial.
Em Ec 3.11, o verbo “fez”, diferente de todos os verbos semelhantes que seguem, denota “criação”. O fato aqui é que Deus criou o ser humano e lhe entregou tarefas com que se ocupasse - Gn 2.15, quanto a cultivar e guardar o Éden - (o julgamento após a queda só trouxe a dor com que essa ocupação seria executada), sendo que, nessa obra criativa, Ele determinou de forma adequada (“formosa”) o tempo exato para cada ocupação. O que Salomão está declarando é:
Assim como Deus criou o homem e lhe deu ocupações, Ele também criou um tempo apropriado para todas as ocupações, tudo faz parte de sua obra Criativa. Ele é Soberano sobre tudo o que acontece, é Ele quem está por trás de tudo.
Além disso, na criação do ser humano, Deus deu o senso de eternidade à sua mente (“coração”). “Eternidade” aqui, olam, traz o sentido de algo sem começo no passado ou final no futuro, um reflexo exato da nossa mente. Não temos lembrança de quando e como começamos a ter conhecimento de vida, bem como temos o senso de que nunca deixaremos de tê-lo. Entre esses dois extremos, estamos constantemente buscando entender, em vão, como todos os detalhes (aquilo que Deus “fez”, no sentido de ação provedora e não criativa, “desde o princípio até ao fim”) se organizam para completar o plano de Deus. Em suma, estamos, constantemente, tentando conhecer o curso completo de nossa história, como se algo estivesse destinado ao nosso controle, e nessa busca, muitas vezes somos consumidos pela ansiedade de não entendermos o passado e não conhecermos o futuro.
A grande resposta (Ec 3.12-14)
A grande resposta (Ec 3.12-14)
Considerando tudo aquilo que entendeu e observou, Salomão chega a primeira conclusão para a grande pergunta inicial: afinal, qual o proveito de toda a aflição com a qual somos afligidos em nossas ocupações?
A conclusão, ou resposta, se divide em dois “Sei”. Esse verbo, denota aprender ou descobrir algo ao fazer um inquérito, mostrando que a partir de agora teremos a resposta para a pergunta anterior.
A primeira resposta é que nenhum proveito há além de 3 princípios (Ec 3.12-13):
“Regozijar-se”
O fato de não conseguirmos sondar o plano completo de Deus muitas vezes eleva a nossa ocupação a uma condição de preocupação, a ponto de vivermos uma vida ansiosa. Isso de nada tem proveito, pelo contrário é cansativo, destrutivo e sem propósito, pois, já que Deus criou um tempo adequado para tudo e provê todas as coisas no tempo correto, “desde o princípio até ao fim”, de que adianta viver ansioso e preocupado com aquilo em que não temos nenhuma ação? Isso só nos leva à tristeza e aflição. Antes disso, devemos nos regozijar, nos alegrar, pelo fato de Deus haver criado tudo “formoso” e continuar atuante na história através de sua mão provedora.
Quando consideramos isso, só nos cabe dar graças em quaisquer circunstâncias da vida, como exorta Paulo à igreja de Tessalônica em 1Ts 5.18. Em suma, viver uma vida alegre, mesmo em meio às ocupações desgastantes da vida.
“Levar a vida regalada”
Aqui temos uma expressão que, em muitas traduções, pode gerar um entendimento equivocado de que Salomão está aoncelhando a viver se deleitando nos prazeres da vida (“viver uma vida regalada”). Entretanto, o termo que muitas vezes é traduzido como “regalada”, na verdade, é o mesmo termo utilizado quando Deus viu que tudo em Sua Criação era “bom”, tôb que tem o sentido de algo bom, de excelência moral.
O segundo proveito que Salomão deixa claro trata-se de fazer e viver aquilo que é bom, correto e justo. Trata-se de uma busca constante de viver o propósito original para o qual fomos criados e que Deus viu que era bom, glorificar a Ele com as nossas vidas, inclusive em todas as nossas ocupações. Em suma, vier uma vida de santidade.
“Comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho”
O terceiro proveito deveria ser o mais óbvio, porém, talvez, seja o mais negligenciados. Trata-se de desfrutar do sustento (“comer” e “beber”) e de todas as recompensas prazerosas (“bem”) que são resultado de nosso trabalho ou ocupação. Entretanto, o proveito aqui não é cego ou sem propósito, mas entendendo que, tanto o sustento, quanto as recompensas oriundas de nossas ocupações são um dom de Deus, ou seja, são um presente dado pelo próprio Deus Soberano.
Quando você entende isso, entende que você não tem nada e que é Deus quem te deu um caminho para alcançar benefícios que Ele mesmo também te dá. Quando entende isso, compreende que seu trabalho (ou ocupação) é primeiramente para Deus, então o faz de todo o coração, mesmo que seja doloroso; também compreende que os benefícios dele são um presente de Deus, então não murmura por não ser o que você gostaria, nem se torna ansioso na busca frustrante de alcançar aquilo que deseja. Em suma, trata-se de viver em gratidão a Deus pelas suas bençãos.
Concluindo a primeira parte da resposta (Ec 3.12-13), o único proveito que temos em todas os trabalhos e ocupações de nossas vidas é realiza-los em alegria, santidade e gratidão.
Entretanto, para alguém que não conhece a Deus ou se afastou dEle, é impossível viver dessa forma, justamente porque longe de Deus não há proveito nenhum na obra de nossas mãos:
Os tempos para cada ocupação serão obra do acaso e não de Deus, por isso se frustra e entristece por não estar no controle;
Não conhece aquilo que é bom, nem o propósito para o qual foi criado, por isso, não vive em santidade, pelo contrário, faz o que for necessário para alcançar aquilo que deseja;
Não entende aquilo em que se ocupa, nem seus benefícios, como presentes de Deus e se torna ingrato e murmurador por aquilo que tem.
É com isso em mente que o Pregador inicia o segundo “Sei” em Ec 3.14, ou seja, a segunda parte da resposta ao inquérito de Ec 1.3 e Ec 3.9. Salomão afirma que, independente de qualquer esforço do ser humano, nenhum efeito existirá sobre o curso tomado pela ação provedora de Deus na história.
Além disso, há propósito no fato de Deus prover tudo sem revelar qualquer detalhe ao ser humano: para que o temam. Aqui chegamos ao ponto alto do livro. O temor do Senhor é mencionado várias vezes nas escrituras, em especial, como sendo o princípio da sabedoria (Jó 28.28). Trata-se de uma profunda reverência a Deus, entendendo quem Ele É e o Seu caráter. Quando reconhecemos nossa pequenez e limitação em comparação à grandiosidade e glória de Deus, não há outro caminho, a não ser nos achegar a Ele em total e sincera dependência, exaltando a Ele assim como Paulo o fez em Rm 11.33-36. É só quando tememos a Deus que conseguimos tirar proveito das ocupações colocadas diante de nós nessa vida.
É impossível ler esse ensinamento do Pregador e não lembrar da exortação de Jesus quanto a viver uma vida ansiosa em relação ao “comer” e “beber” (sustento), bem como ao “vestir” (prazer), em Mt 6.25-34. Geralmente, são aqueles que não temem a Deus que se afligem com nas ansiedades dessa vida, mesmo não podendo “acrescentar nnenhum côvado ao curso das suas vidas”. Quanto aos que o temem, devem buscar primeiramente o reino de Deus e sua justiça, vivendo o proveito de suas ocupações e entregando todos os seus anseios Àquele ao qual todas as coisas são.
Conclusão (Ec 3.15)
Conclusão (Ec 3.15)
Após delinear a resposta para a pergunta com a qual inicia o livro em Ec 1.3, Salomão conclui seu argumento com uma resposta para a afirmativa, aparentemente pessimista, dos versículos de Ec 1.4-11 quanto à constância das coisas nesta vida. A pergunta que inicia o livro é acompanhada de uma perspectiva limitada a essa vida, de modo que o Pregador avalia que, da perspectiva debaixo do sol, tudo é mesmice e canseira. Aqui, Salomão retoma a mesma pergunta e, agora, nos mostra (em Ec 3.15a) a correta perspectiva à luz do temor diante de Deus: a aparente mesmice pessimista que essa vida nos mostra, na verdade, trata-se de Deus atuando ativamente na continuidade do movimento do mundo. A parte (b) da sua conclusão pode tanto:
Dar a ideia de que Deus busca as coisas do passado para que aconteçam novamente, de modo que tudo se repete conforme o agir de Deus
Ou também, de que Deus busca aquele tempo que se perdeu aos olhos humanos (tradução como “busca aquilo que é perseguido”) e o conecta aos acontecimentos futuros, seguindo Seu plano perfeito.
Em suma, Deus é o Criador e o Mantenedor Provedor da história. Ele conduz todo o ciclo de movimentação do mundo e da história de forma soberana e formosa, de modo que não há espaço para uma vida de ansiedade, mas apenas para uma vida de contentamento e confiança.
Aplicações
Aplicações
Da mesma forma que Salomão inicia com uma pergunta, podemos concluir com uma pergunta: como se encontra seu relacionamento com Deus? Se você tem deixado de lado os meios que Deus nos entregou para nos relacionarmos com Ele, há uma grande possibilidade de estar olhando para o mundo e para a vida através da ótica pessimista desse mundo caído. Se assim o for, provavelmente, você tem visto tudo como um grande ciclo cansativo onde tudo se repete; onde seu trabalho não é aquilo que você queria e não tem proveito algum; o seu salário poderia ser melhor; o seu esforço, em todas as áreas da vida, parece ser repetitivo, sem fim e sem propósito. Você se sentirá fadigado até mesmo nos momentos de aparente descanso.
Nesse caso, só há uma solução: busque primeiramente o Reino de Deus e sua justiça, através de uma vida de temor diante de Deus e intimidade com Ele, só assim, você entenderá que o verdadeiro proveito é viver uma vida de alegria, santidade e gratidão por tudo aquilo que Deus já lhe acrescentou.
No mais, olhe para Cristo. Essa vida, marcada pelo pecado, traz fadigas em todas as nossas ocupações. Mas Cristo carregou o fardo da única obra que não poderíamos realizar e nEle encontramos o verdadeiro descanso. Ele nos faz descansar de nossas obras e nos entrega uma Esperança certa. Não sabemos o que será de nós até alcançarmos nosso destino, isso não nos foi revelado, porém, Cristo no revelou e nos deu certeza, de forma clara e através de Sua vida, morte e ressurreição, de quão maravilhosos será ele se seguirmos Seu caminho.
Que nos momentos de cansaço e ansiedade, possamos nos achegar ainda mais a Deus para encontramos proveito nessa vida e olharmos para Cristo para termos a certeza do que o futuro nos reserva.