Sem título Sermão (2)

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Prefácio á edição brasileira

A obra Global Wesleyan Dictionary ofTheology (2013, pp 396-357) traz um extenso verbete sobre a Teologia Pentecos- tal. Começando com as raízes wesleyana do pentecostalismo, o texto fornece uma visão panorâmica desse movimento nos anos subsequentes a sua gênese pondo em destaque o que cha­ma “revolução teológica” ocorrida em seu interior. De acordo com essa perspectiva a teologia pentecostal deve ser vista em seu aspecto global. Para o escritor Henry H. Knight III (PhD), que assina o verbete, essa revolução teológica tem início nos anos 90 quando Steve J. Land pôs a espiritualidade pentecos­tal, herança da piedade wesleyana, como um dos seus funda­mentos. Land destaca as afeições santas, que integram a vida dos crentes e passam a governar suas vidas e paixão pelo reino de Deus como símbolo dessa mudança. Ainda de acordo com Knight III o pensamento de Amos Yong, conforme exposto em seu livro “Poured Out on All Flesh” (2005) faz parte dessa revolução teológica pentecostal. Ele destaca que já nessa obra Yong “propõe uma teologia cristã mundial baseada em uma hermenêutica lucana, com um foco em experimentar de novo o poder do Espírito. Esta teologia tem Jesus Cristo como cen­tro temático, e a pneumatologia como motivo de orientação” (2013, p.398). Nesse novo livro Quem é O Espírito Santo?, Amos Yong de uma forma ampla e sistemática aborda o lado missional da pneumatologia pentecostal tomando como parâmetro os textos canônicos Lucas-Atos. Convém destacar que o autor, fiel a sua tradição pentecostal na qual foi ensinado a viver a experiência apostólica, não escreve como um observador que se posiciona fora do texto. Não, pelo contrário, Yong dialoga com o texto porque o vivência e absorve o seu sentido. Isso faz com que a sua pneumatologia não fique presa a “carismatismos” que não levam a lugar algum. Merece destaque quando afirma: “Acredito que o Espírito está operando não apenas no nível do indivíduo, mas também no nível da sociedade e de suas várias estruturas políticas e econômicas; não apenas como o nível espiritual do outro mundo, mas também no ní­vel deste mundo material e nos domínios concretos de nos­sas vidas; não apenas em realidades institucionais, culturais e mesmo religiosas mais amplas, mas através delas”. Dessa for­ma, a teologia carismática de Yong destaca a ação do Espírito quando trata com indivíduos, isto é, quando Ele trata com pessoas, mas numa dimensão maior, quando Ele trata com comunidades. A sua pneumatologia, portanto, é global como global é a sua visão do Reino. É por essa e muitas outras razões que o pensamento de Amos Yong tem feito escola. Sua voz tem se feito ouvir não apenas na academia ou dentro do arraial pentecostal, mas so­bretudo na cristandade mundial. Sua obra, portanto, será um diferencial no pensamento teológico evangélico brasileiro e sem sombras de dúvidas uma referência para aqueles que que­rem conhecer de uma forma mais profunda a terceira pessoa da Trindade Santa. José Gonçalves, pastor, articulista e escritor de Lições Bíbli­cas da CPAD. Professor de grego e hebraico bíblico. Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista de Teresina, graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí, pós-graduado em Interpretação Bíblica pela Faculdade Batista do Paraná e mestrando nessa mesma instituição.

INTRODUÇÃO Qual é a Amplitude do Mundo e da Obra do Espírito Santo? Eu cresci em um ambiente pentecostal evangélico. O meu crescimento foi marcado por uma aguçada consciência da pessoa e da obra do Espírito Santo. Tive uma série de ex­periências extáticas do Espírito Santo, em acampamentos de verão, durante meus anos de adolescência, que deixaram uma profunda impressão em minha vida religiosa. Os dons do Es­pírito Santo que eram frequentemente manifestos em nossas igrejas — falar em línguas, palavras de profecia, curas — mol­daram meu entendimento. Sou grato a Deus por me abençoar com o pentecostalismo de minha juventude. Contudo, eu também percebi que, embora essas ex­periências tenham sido valiosas, elas eram apenas a ponta do iceberg, por assim dizer, da obra do Espírito Santo no mundo. Por isto, eu não quero dizer apenas que o Espírito tem tocado vidas em todo o mundo assim como tocou a minha. Também me dei conta de que minha própria visão da pessoa e da obra do Espírito é demasiadamente individualista, demasiadamen­te espiritualista e demasiadamente eclesiocêntrica.Em minha criação pietista, por exemplo, a obra do Espírito tinha a ver comigo: minha salvarão, minha santificação, minha experiên­cia do poder do Espirito tocando as vidas dos outros em mi­nha igreja. Não estou negando que todas estas sejam maneiras importantes, através das quais, Deus encontra as vidas huma­nas. Contudo, concluí, a partir disto, que o objetivo último da obra do Espírito era transformar pessoas. Relacionado a isto, estava o sentido de que a obra do Espírito Santo foi planejada para me purificar deste mundo e me preparar espiritualmente para a vida por vir. A vida nes­te mundo era importante somente como um lugar de teste e treinamento, e o Espírito era o auxiliador divino enviado para nos preparar para a vida eterna. Aqui, eu era um peregrino e, juntamente com outros peregrinos, éramos o corpo e a igreja de Jesus Cristo, limpos e empoderados pelo Espírito Santo para testemunhar ao mundo acerca do vindouro governo de Deus. Então, pensei que a obra do Espírito estivesse basica­mente restrita à vida cristã e à vida da igreja. Claro, o Espírito também estava operando “lá” no mundo, mas somente para convencer os descrentes de seus pecados e torná-los a Cristo. Aqui, novamente, na fé de minha infância, o Espírito operava apenas na dimensão espiritual do indivíduo, focado principalmente, se não somente, na dimen­são espiritual das vidas individuais, a fim de transformá-los e salva-los a luz do julgamento futuro de Deus e do mundo. Não nego, hoje, que o Espírito permanece ativo no mundo de todas estas maneiras, mas agora acredito que o Espírito está fazendo no mundo muito além do que aquilo que eu havia sido treinado a reconhecer. Eu agora acredito que o Espírito está operando não apenas no nível do indivíduo, mas tam­bém no nível da sociedade e de suas várias estruturas politicas e econômicas; não apenas como o nível espiritual do outro mundo, mas também no nível deste mundo material e nos domínios concretos de nossas vidas; não apenas em realidades institucionais, culturais e mesmo religiosas mais amplas, mas através delas. Em outras palavras, agora penso que o mundo do Espírito Santo é muito mais amplo do que eu havia imagi­nado, e que a obra do Espírito é redimir e transformar nosso mundo como um todo, juntamente com todas as suas partes, estruturas e sistemas interconectados. Este livro tenta esboçar tal visão da pessoa e da obra do Espírito Santo por uma releitura cuidadosa do Novo Tes­tamento — particularmente, Lucas-Atos. O autor desta obra em duas partes, conhecido na tradição cristã como Lucas, o médico, não é apenas o mais prolífico contribuinte do Novo Testamento, mas também aquele que menciona o Espírito Santo mais do que qualquer outro. De fato, tanto o tercei­ro Evangelho quanto o livro de Atos dos Apóstolos são comumente tidos como narrativas acerca das obras do Espírito Santo. Atos 1:8 diz: “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia, e em Samaria, e até nos lugares mais distantes da terra”. O “vós” se refere aos discípulos, que testificarão de Jesus aos confins da terra. Pause apenas por um momento. Observe comigo que há uma progressão geográfica acontecendo aqui. Começando a par­tir de Jerusalém (Atos 1:12-6:7), expandindo para o exterior dali através da Judéia e de Samaria (6:8-9:31), culminando em Roma (9:32-28:31) — os “confins da terra”, a partir da pers­pectiva judaica, centrava em Jerusalém — isto é precisamente o resumo do livro de Atos. Então, Atos nos conta que todo o testemunhar apostólico aos confins da terra é capacitado pelo Espírito Santo. Nos capítulos a seguir, veremos que a obra do Espí­rito Santo diz respeito tanto às vidas individuais quanto ao mundo mais amplo, tanto aos aspectos espirituais quanto aos aspectos mais mundanos de nossa existência, tanto à igreja quanto à esfera pública mais ampla. O restante do livro e ne­cessário para que entendamos isso de maneira plena. Preli­minarmente, observe que os acontecimentos registrados em Lucas-Atos acontecem dentro da esfera do Império Romano. Desta forma, há uma dimensão política inevitável ao texto. As vezes, isto fica evidente; outras vezes, fica “por detrás do texto”, ou nas entrelinhas. Proponho que, se lermos Lucas- -Atos conforme estipulado dentro da matriz e sob a sombra da Roma imperial, veremos como o operar do Espírito Santo nas vidas dos primeiros seguidores de Jesus está relacionado à atividade do Espírito na política deste mundo. Isto também pode nos auxiliar a conectar a obra do Espírito em nossas vi­das pessoais com aquela nas políticas nacionais e internacio­nais hodiernas. Também existem abundantes passagens por todo Lucas-Atos que tratam da dimensão social e econômica das vidas humanas. Estes temas estão interligados à missão mes­siânica de Jesus de restaurar o reino de Israel. Entretanto, tal restauração não envolvia nem uma forma revolucionária de nacionalismo hostil aos gentios (como muitos judeus zelotes do primeiro século ansiavam), nem uma mera realização espiritual de “Israel” na igreja (conforme teologias super-sessionistas têm postulado). Em vez disto, a restauração de Israel envolvia uma renovação e um cumprimento da antiga promessa a Abraão — de que, através de seus descendentes, “todas as famílias da terra serão abençoadas” (Atos 3:25; cf Gn. 12:3) — que, simultaneamente, convidava a participação de todos os povos da terra no reino messiânico de paz, justiça e retidão. Creio que os dois livros, Lucas e Atos, também ilu­minarão o que o Espírito está fazendo em nossas organizações sociais e em nossa economia, mesmo na economia global hoje. Por fim, conforme já observado, os horizontes apos­tólicos são globais: “para os lugares mais distantes da terra”. Esta preocupação acerca de todo o mundo inclui a diversi­dade de línguas, o amplo espectro de grupos de pessoas (ju­deus e gentios, homens e mulheres, jovens e velhos, escravos e livres), e todas as culturas e etnias. Neste sentido, acredito que este estudo possa nos ajudar a entender o que o Espírito pode estar fazendo hoje em um mundo de multiculturaíismo, estratificação social, diversidade e pluralismo. Acima de tudo, se pudermos ver como o Espírito San­to capacitou Jesus e seus seguidores a anunciarem em suas palavras e encenarem em seus feitos a chegada do reino vin­douro de Deus, isso pode nos ajudar a discernir e participar na obra do Espírito Santo no mundo hoje. A seguinte busca reflete meu desejo de discernir a obra do Espírito em nosso mundo, não apenas de maneira que possamos ser melhores testemunhas para aqueles “de fora”, mas também que possa­mos ser transformados como seguidores individuais de Jesus e como membros de uma comunidade de crentes buscando fazer as obras de Cristo, quando e onde quer que seja que o Espírito possa querer realizar. Nosso estudo prosseguirá da seguinte maneira: co­meçaremos com o livro de Atos e, basicamente, seguiremos a narrativa sequencialmente conforme estipulada por Lucas. Isso nos ajudará a adentrar o mundo dos mais antigos segui­dores de Jesus, o Messias, para seguirmos seus passos con­forme eles foram capacitados pelo Espírito Santo. Ao assim fazê-lo, veremos o Espírito Santo operando em nossas vidas individuais, capacitando-nos a proclamar e viver a messianidade e o senhorio de Jesus Cristo no mundo. Mas porque os mais antigos seguidores viveram de sua memória de Jesus, em quase todos os capítulos daremos uma espiada “no passado”, historicamente falando, de Atos e do Evangelho de Lucas, a fim de vermos como os seguidores de Jesus podem ter sido inspirados por sua vida, seu ministério e seus ensinos cheios do Espírito, conforme negociavam seus próprios desafios de estarem no mundo, mas não serem do mundo. Assim proce­dendo, faremos o que eu fui ensinado a fazer: reler nossa vida presente à luz das vidas dos apóstolos, a fim de permitirmos que suas experiências iluminem nossas próprias vidas. A medida que ficarei muito próximo dos textos de Atos e Lucas, dada a nossa abordagem, eu fortemente reco­mendo manter uma cópia do Novo Testamento ao seu alcan­ce. Observaremos como o papel central exercido pelo reino de Deus nas vidas de Jesus e de seus seguidores, capacitados pelo Espírito, enriquecem nossa busca por discernir a obra do Espírito Santo em nossas vidas hoje. Esta é uma abordagem interpretativa que tem estado, de modo geral, ausente na maioria das interações devocionais e homiléticas, e dos co­mentários com os escritos lucanos. Minha intenção será gas­tar a maioria de nosso tempo, em cada capítulo, explorando como a obra do Espírito Santo a trazer o Reino tem amplas implicações para entendermos a mensagem e as exigências do evangelho. As oito partes deste livro seguem o caminho dos apóstolos de acordo como foi registrado no livro de Atos, confor­me apresentado em 1:8 — “Mas recebereis a virtude do Espíri­to Santo, que há de vir sobre vós; e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia, e em Samaria, e até aos confins da terra”. Dividir os muitos capítulos do li­vro nestas partes mais administráveis nos auxiliará a andar com os apóstolos e aprender com eles conforme seus próprios horizontes foram continuamente expandidos, ao seguirem a obra do Espírito Santo desde Jerusalém, através da Judéia, e de Samaria, aos confins da terra. Isso, por outro lado, susci­tará indagações acerca de como ver a obra do Espírito Santo em nossas vidas, em nossas igrejas e em nosso mundo, hoje. Meu objetivo nestes estudos, entretanto, é ser menos prescritivo acerca de como responder a estas perguntas contem­porâneas do que abrir certo “espaço” bíblico e teológico para tais indagações surgirem, e que os seguidores atuais de Jesus discutam e explorem as questões. Assim sendo, as perguntas para discussão no final do livro estão correlacionadas a cada capítulo, e objetivam estimular a igreja, a faculdade ou o diá­logo de grupo de estudo, acerca do Espírito Santo no mundo. Estou convencido que se nós, de maneira cuidadosa, prestar­mos atenção a como o Espírito Santo operou por meio de Je­sus e de seus seguidores para transformar o seu mundo, então, nós também estaremos em melhor posição para escutar a voz do Espírito Santo enquanto ele fala conosco e nos conduz, hoje, na mesma tarefa.

PARTE UM O Derramar do Espírito Santo

Os Atos do Espírito Santo e o Reino de Deus Atos 1; Lucas 22:24-30 “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas ensinar”, é o que diz em Atos 1:1. Lucas está se referindo, naturalmente, ao Evangelho de Lucas, como “o primeiro tratado”. Ele também foi dedica­do a Teófilo. Os leitores originais destes volumes, Teófilo e aqueles em sua comunidade, ou eram cidadãos, ou, mais pro­vavelmente, residentes do Império Romano. E em meio a esta realidade que somos apresentados aos ensinos sobre o reino de Deus e sua inauguração. Jesus ensinou acerca do reino durante os quarenta dias entre sua ressurreição e ascensão (Atos 1:3). Os ensinos de Jesus acerca do reino durante este período foram, no mínimo em parte, acerca de sua própria vida e ministério, conforme previsto pelas Escrituras (Lucas 24:44-46). Mas sua vida esta­va intimamente ligada ao reino, em termos tanto do que pro­clamava, como do que fazia. Em outras palavras, na vida e nos ensinos de Jesus, o reino de Deus surge contra os reinos deste mundo e mesmo os confronta, o último sendo mais proemi­nentemente representado pelo Rei Herodes, da Judéia (1:5), e pelo Imperador Augusto (2:1) e por Tibério (3:1), do Império Romano. Na última conversa de Jesus com os discípulos antes de sua ascensão, a pergunta urgente destes a ele foi: “Restau­rarás tu neste tempo o reino de Israel?”. Esta pergunta reflete a suposição de que (minimamente) o Messias destituiría o go­verno romano imediatamente, capacitaria Israel a repossuir a terra prometida a seus ancestrais, e daria início ao governo de Javé sobre Sião. Mas, mais do que isto, a pergunta refletia o próprio entendimento dos discípulos acerca do papel espe­cífico que eles exerceríam no novo reino de Israel. Afinal de contas, Jesus havia escolhido os Doze como líderes do novo Is­rael e prometido que eles “comeríam beberiam á minha mesa em meu reino e assentariam sobre tronos, julgando sobre as doze tribos de Israel” (Lucas 22:30). Mas, parte do problema era que um dos Doze (Judas) havia desertado, e não mais estava entre eles. Entendendo sua situação à luz de recursos escriturísticos (Atos 1:16-20; cf. Salmos 69:25; 109:8), os onze remanescentes foram levados a lançar sorte sobre dois irmãos escolhidos, que preenchiam os rígidos critérios, a fim de se prepararem para seu reinado no reino vindouro. Contudo, a pessoa “eleita”, Matias, jamais é mencionada em Atos dos Apóstolos. Todo este episódio reve­la que os discípulos não anteciparam que a renovação de Israel assumiría um formato totalmente diferente. Em resposta à pergunta acerca de quando o reino sur­giría, Jesus disse: “Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder. Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia, e em Samaria, e até aos confins da terra” (Atos 1:7-8). Em certo sentido, a resposta de Jesus à pergunta deles e não: os tempos e períodos da restauração do reino de Israel permanecem desconhecidos, descansando apenas na auto­ridade do Pai. Contudo, durante este ínterim, os apóstolos receberão poder do Espírito Santo, a fim de testemunharem sobre a vida e o ministério daquele que proclamou e realizou as obras do reino. Então, mesmo se a resposta direta à per­gunta dos discípulos for negativa, a resposta indireta é mais complicada: enquanto nós podemos não saber quando a plena restauração de Israel se dará, seremos, entretanto, capacitados a proclamar os ensinamentos e realizar os feitos do próprio Messias. Neste caso, a resposta real depende da extensão à qual eles estão abertos a receber o reino e a vivê-lo através do poder do Espírito. O dom do Espírito Santo capacita os discípulos a testemunharem até os confins da terra. Não como testemu­nhas genéricas, mas específicas às regiões geográficas, como Jerusalém, Judéia, Samaria, e mesmo o coração do império, a própria Roma. Em outras palavras, não apenas a Escritura capacita o testemunhar dos discípulos acerca dos ensinamen­tos e das realidades do reino, mas o Espírito assim o faz a fim de estabelecer o reino em meio ao presente governo imperial de César e de seus governos regionais. Portanto, quando os discípulos avançam para proclamar o reino, eles o fazem com a plena realidade do Império Romano os pressionando. Certamente, havia várias visões, entre os primeiros seguidores de Jesus, acerca do relacionamento entre o reino de Deus e o império de Roma. Alguns descartavam qualquer relação, dizendo que o reino divino tem a ver com o mundo vindouro e, desta forma, não possui relação alguma com o Im­pério Romano. Outros acreditavam que o império era mais amigavel do que mimigo dos interesses cristãos, e talvez Lucas tenha escrito, em parte, para convencer os lideres romanos de que os cristãos não eram arruaceiros (antes, os judeus o eram), ou mesmo que os cristãos eram, na verdade, cidadãos-modelo, que mereciam todos os benefícios políticos dados aos prati­cantes religiosos por todo o império. E havia, provavelmente, um terceiro grupo, que acreditava que os ensinos e feitos de Jesus desafiavam as estruturas sociais, econômicas e políticas da Roma imperial. Os Atos dos Apóstolos também são os atos do Espíri­to Santo na igreja, atos que são subversivos dos impérios des­te mundo. A história da igreja primitiva deve ser entendida como o estabelecimento e o surgimento de uma comunidade que proclamava e incorporava a vida messiânica e os ensinos de Jesus contra as estruturas cultistas, políticas e econômi­cas do Império Romano no primeiro século. Como, então, os leitores contemporâneos de Lucas-Atos vivem, em meio aos poderes deste mundo, onde quer que possam estar — quer na China ou no Extremo Oriente, na Organização da Confe­rência Islâmica, na União Européia, nos Estados Unidos, ou mesmo no império do mercado global consumista? O restante deste livro nos levará a responder a estas perguntas de ma­neira concreta. Permita-me dizer, no momento, que a chave para nosso entendimento reside precisamente na resposta de Jesus à pergunta dos discípulos acerca de quando o reino seria restaurado a Israel: no dom do Espírito Santo. O testemunhar capacitador do Espírito é e continuará sendo central a como os cristãos vivem fielmente em um mundo de muitos pode­res, por vezes, em conflito. Se as exigências sobre nossas vidas são impostas pelos governos, pelos sistemas sociais ou pela economia global, é o Espírito Santo quem capacita à respos­ta adequada e apropriada que é sensível às variáveis de cada situação. O Espírito que eficazmente capacitou os atos dos apostolos durante a Pax Romana e o mesmo Espirito que esta disponível aos seguidores do Messias hoje.
A Promessa de Restauração do Reino de Israel e a Vinda do Espírito! Lucas 1:46-55, 67-79;2.22-38 Mas o que, exatamente, os discípulos estavam espe­rando em relação a Jesus e ao reino de Deus? Já vimos que as esperanças judaicas em relação ao reino estavam associadas ao Messias, que os livraria do governo estrangeiro. Mais precisa­mente, a vinda do reino restauraria a terra de Israel de acor­do com os pactos feitos com Abraão, Moisés e Davi. Agora, vamos focar nossa atenção naquilo que os discípulos, como também os leitores de Lucas, haviam sido levados a esperar concernente ao que o Messias realizaria. Para assim fazê-lo, devemos analisar cuidadosamente um número de passagens da narrativa da infância do Evangelho de Lucas. Podemos começar com a canção de adoração de Ma­ria, bastante conhecida como Magnificat (Lucas 1:46-55). Esta humilde camponesa ficou sabendo por meio de Gabriel que a criança que ela conceberia recebería “o trono de Davi, seu pai; E reinara eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (1:32-33). Claramente, então, este milagre envolve Deus recordando-se “da promessa dita a nossos antepassados, para com Abraão e sua posteridade” (1:55)- Mas o que acontecerá como resultado da vinda do Messias pelo Espírito Santo? Ma­ria antecipa que os poderosos serão depostos, e os humildes, exaltados; que os ricos serão empobrecidos, ao passo que os pobres serão enaltecidos (1:52-53). Zacarias, um sacerdote e marido fiel de Isabel, paren­te de Maria, já havia escutado que seu filho, João (Batista), iria “deixar um povo preparado para o Senhor” (1:17). No dia da circuncisão (dedicação), Zacarias confirma a canção de Maria através de uma profecia do Espírito Santo (1:67): Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo, E nos levantou uma salvação po­derosa na casa de Davi, seu servo. Como falou pela boca dos seus san­tos profetas, desde o princípio do mundo; Para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam (1:68-71). Zacarias também entendeu que a salvação prometida a Israel envolvería o pacífico perdão de seus pecados (1:78-79) — que necessariamente tinha que preceder a restauração de Israel —, então, ele não necessariamente pensava que o rei­no messiânico envolvería uma revolução violenta. Contudo, a redenção divina de Israel brilharia sobre aqueles que viviam nas sombras da escuridão e os capacitaria mais uma vez, em santidade e retidão. Por último, quando Jesus foi apresentado no templo, diz-se que Simeão estava “esperando a consolação de Israel” (2:25), e Ana estava antecipando “a redenção de Jerusalém” (2:38). Debaixo da inspiração do Espírito Santo, Simeão vem para ver que a consolação e a restauração de Israel estão ne­cessariamente interligadas ao destino do restante do mundo: Pois já os meus olhos viram a tua salvação, A qual tu preparaste perante a face de todos os povos; Luz para iluminar as nações, e para glória de teu povo Israel (2:30-32). Indubitavelmente, a prosperidade de Israel depende de sua restauração e do viver em paz com seus vizinhos gen­tios. Muitos leitores contemporâneos entendem estas re­ferências à redenção de Israel em termos espirituais. Afinal, Jesus jamais destituiu o governo romano na Palestina, nem estabeleceu o reino político de Javé sobre Israel. Na verdade, não apenas o próprio templo foi lançado ao chão uma gera­ção depois (em 70 EC), mas existem outras passagens (a se­rem discutidas posteriormente) em Lucas-Atos que parecem transferir as promessas da aliança dos judeus para os gentios. Mas o nascimento de Jesus é apresentado por Lucas em termos que claramente anunciam seu reino como ao menos sobrepondo, se não substituindo, o reino de César. Por volta do primeiro século, o aniversário de César era comemorado como simbolizando as “boas novas” que o imperador trazia a seus súditos por todo o império, e César era exaltado como divino “Filho de Deus,” “senhor,” “redentor,” e “salvador”, através do culto do imperador. Jesus é anunciado precisamen­te nestes termos, como o “Filho do Altíssimo” (Lucas 1:32) que restauraria o reino davídico. Então, mesmo se naqueles dias seus pais estavam sob o governo do rei Herodes, da Judéia, e do governador Quirino, da Síria, e mesmo se estivessem su­jeitos ao decreto de taxação de César Augusto, o nascimento de Jesus trouxe a proclamação angélica acerca da chegada de “um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (2:11). Leitores do Evangelho mal poderíam ter perdido o entendimento lucano de que a chegada de Jesus desafiava a pressuposta divindade, senhorio e estatura salvífica de César. Esse histórico nos ajuda a entender porque os discípu­los, após seguirem Jesus por três anos e escutando-o ensinar acerca do reino por quarenta dias (Atos 1:3), ainda se inda­gavam se os tempos da restauração haviam finalmente che­gado. Se Jesus era o Messias, então, de acordo com o Antigo Testamento — aludido por todo o Magnificat de Maria e pela profecia de Zacarias —, Deus iria cumprir as promessas da aliança. A Justiça seria exercida sobre os inimigos de Israel, sobre os poderosos, orgulhosos e ricos regentes romanos e so­bre seus patronos aristocráticos (lideres políticos, religiosos e culturais), que haviam conspirado para manter os operários camponeses e proprietários de terra em pobreza (através de uma elevada taxa de impostos, ás vezes de até 50 por cento da safra total) e, assim, oprimiam as classes mais baixas. Da perspectiva de Maria, de José (um carpinteiro), e de outros no último degrau da sociedade israelita, as boas novas — o euangelion — da chegada do Messias traziam consigo expectativas materiais tangíveis. Se de fato Israel iria ser salvo de seus inimigos, Deus precisaria suscitar o Messias para causar uma imensa revolução. Enquanto isso pense, por um momento, acerca de como as classes dominantes do primeiro século podem ter reagido ás notícias, saindo da Palestina, de que o rei há muito antecipado pelos judeus havia nascido. E se eles ouviram que o reino de Jesus seria estabelecido sobre e contra o de César e seus patronos, e aquela parte do levante que ocorrería en­volvendo o nivelamento dos ricos e poderosos e a exaltação dos marginalizados socialmente? Mesmo se concebermos, no momento, que o reino proclamado por Jesus era puramen­te espiritual, as expectativas messiânicas das pessoas comuns combinadas aos medos das classes mais altas concernentes à instabilidade de sua própria posição social teriam sido o bas­tante para causar um tumulto. E de se surpreender, portanto, que os líderes religiosos judaicos — grupos como os chefes dos sacerdotes, escribas, fariseus e saduceus, que, diferentemente dos partidos políticos mais modernos, eram tanto religiosos quanto políticos — estavam preocupados o suficiente acerca de como Jesus poderia frustrar seus próprios lugares na hierar­quia sociopolítica para liderarem a acusação que o executou? O que está claro é que a promessa de restaurar o rei­no estava ligada à promessa do Espírito Santo. Veremos, mais tarde, que, assim como o Espírito Santo operou na vida de Jesus para trazer o reino, também capacitou seus seguidores a anunciarem o reino. O que isto diz, então, acerca de nós, hoje, que somos recipientes do mesmo Espírito? Talvez haja um meio-termo entre pensar ou que o reino proclamado por Jesus seja uma realidade espiritual localizada na vinda futu­ra, ou que fomos chamados para sermos revolucionários que destituiríam os impérios dominantes de nosso mundo hoje. Talvez este meio-termo envolva sermos abertos a receber a capacitação do Espírito de maneira que também possamos ser agentes que apressem o reino, que, em certos aspectos, já está presente, mesmo que em outros aspectos ainda esteja por vir. Talvez possam envolver nosso engajamento e desmantela­mento, pelo poder do Espírito, com as injustas estruturas que mantêm o pobre empobrecido, conforme cantado por Maria. Mais inimaginavelmente, talvez o Espírito capacite à reconci­liação de inimigos de maneira tal que a salvação venha atra­vés de inimigos tradicionais, como Zacarias profetizou, mas através de pacificação justa em vez de destituição ou anulação dos adversários históricos. Por que seria impossível imaginar hoje, por exemplo, a paz entre judeus e palestinos, ou entre israelenses e árabes? Não é possível que a vinda do Espírito objetivasse completar a obra de restaurar a Israel, mas fazen­do-a, precisamente, ao incluir e reconciliar judeus e gentios em vez de perpetuar suas divisões? Se assim o for, então, a promessa de restaurar o reino ainda esta em formação, pelo poder do Espírito Santo.
Pentecoste — o Espírito Derramado sobre Toda Carne! Atos 2:1-21 Então, os discípulos foram para Jerusalém, conforme instruídos por Jesus, para esperar a chegada do Espírito San­to. E o Espirito Santo realmente chegou, como um estrondo, no Dia de Pentecoste, a tradicional Festa das Semanas que acontecia cinquenta dias após a Festa da Páscoa (Lv. 23:1^-21; Dt. 16:9-12), e celebrava a colheita do trigo como símbolo da renovação da aliança mosaica. Pouco eles perceberam, contu­do, qual seria a extensão da contribuição desta experiência do Pentecoste para a renovação de Israel. O dom do Espírito neste dia marca o início do cum­primento da promessa feita a Abraão e repetida por Simeão: que a semente de Abraão seria o meio através do qual os gen­tios seriam abençoados (Gn. 12:3; cf. Lc. 2:32). A aliança de Deus com Abraão, Moisés e Davi, em outras palavras, não era apenas em prol de Israel, mas do mundo. No aconteci­mento do Pentecoste, barreiras linguísticas, étnicas, culturais e nacionais entre Israel e os gentios são superadas, deixando claro o escopo universal das promessas de Deus. Certamente, o objetivo da missão cristã, conforme capacitado pelo Espí­rito Santo, era levar o evangelho aos confins da terra (Atos i:ô). Contudo, uma vez que a lista de nações e povos nesta passagem representa listas prévias judaicas de nações — por exemplo, Gênesis 10 e 1 Crônicas 1 —, o dom do derramamen­to do Espírito Santo sobre todos aqueles presentes neste dia antecipa o derramamento sobre “toda carne” (Atos 2:17) que está por vir. A maioria daqueles em Jerusalém eram judeus temen­tes a Deus e devotos “vindos de todas as nações do mundo” (2:5). Eles certamente incluíam judeus e gentios prosélitos ao judaísmo, mas talvez também convertidos parciais que não eram circuncidados ou não plenamente observadores da Torá. Parece provável que a comunidade cristã original — os três mil que foram batizados em resposta a este evento de Pentecoste (Atos 2:41) — inaugurou um novo movimento que in­cluía pessoas de compromissos diversos com a fé judaica dos arredores do mundo mediterrâneo. A menção de cretenses (2:11) também teria quebra­do estereótipos acerca de quem estava “dentro” ou “fora” do reino, especialmente dada a disseminada crença, promulgada parcialmente pelos próprios cretenses, de que os cretenses eram “sempre mentirosos, feras malignas, glutões preguiço­sos” (Tito 1:12). Claramente, as pessoas alcançadas neste novo movimento de Jesus incluíam aqueles que teriam sido excluí­dos se os preconceitos prevalentes da época estivessem em operação. Mas imagine quão diferente a história dos últimos dois mil anos teria sido, caso aqueles da Arábia tivessem sido plenamente incorporados no novo povo de Deus. Talvez a di­visão entre os filhos de Sara e Agar, entre os descendentes de Jacó e Ismael, pudesse ter sido curada pelo poder do Espírito de reconciliação. Talvez hostilidades hodiernas no Oriente Médio tivessem sido evitadas se judeus, prosélitos ou gentios da Arábia tivessem alimentado as novas relações trazidas e efetivadas no Dia de Pentecoste. É possível que o Dia de Pentecoste tenha, em parte, restaurado as promessas a Israel, ao constituir um novo povo de Deus, composto de judeus, mas não exclusivo de prosélitos e gentios, que incluía uma diversidade de línguas, e incorpo­rava uma pluralidade de culturas e grupos de pessoas? A vida palestina do primeiro século, em muitas maneiras como nossa vida global hoje, era marcada pela suspeita acerca daqueles que eram diferentes, que falavam outras línguas, e que repre­sentavam estilos de vidas estranhos. Foi obra do Espirito, con­tudo, superar estas barreiras, reunir aqueles que não se conhe­ciam, e reconciliar aqueles que poderiam, de outra forma, ter vivido separados daqueles diferentes deles próprios. O Pentecoste, desta forma, inaugura um Israel res­taurado e o reino de Deus, ao estabelecer novas estruturas e relações sociais. Observe que o dom do Espirito não foi nega­do a nenhum dos 120 homens e mulheres que se reuniram no cenáculo (Atos 1:14-15): as línguas de fogo divididas repousa­ram sobre cada um e capacitaram cada um ou a falar, ou a ser ouvido em línguas estrangeiras (2:3-4). A fim de explicar o fenômeno, Pedro cita o profeta Joel: Os seus filhos e as suas filhas pro­fetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e as minhas servas derrama­rei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão (2:17-18; cf. Joel 2:28-25). Pedro claramente entendeu que, ao passo que a antiga era judaica era patriarcal em caráter, a restauração de Israel apresentaria igualdade de macho e fêmea: ambos profetiza­riam sob o poder do Espírito. Ao passo que a antiga aliança apresentava a liderança de anciãos, o resino restaurado envolveria a capacitação de homens e mulheres de todas as idades. Independente de quais eram as estruturas que previamente sancionaram o sistema social da escravidão, o derramar do Espírito havia sido e seria, indiscriminadamente, sobre livres e escravos, de fato transformando-os em iguais. Em tudo isso, a obra do Espírito era anunciada em línguas desconhecidas, não as línguas convencionais do status quo. Efetivamente, a restauração do reino através do poder do Espírito na verdade derrubou o status quo. Conforme Marias e Zacarias já haviam predito, aqueles no fundo da escada social — mulheres, jovens e escravos — seriam recipientes do Espírito e veículos da capacitação do Espírito. As pessoas pre­viamente divididas por língua, etnicidades, cultura, naciona­lidade, gênero e classe seriam reconciliadas, nesta nova versão do reino. Potencialmente, “toda carne” seria inclusa dentro deste reino dos últimos dias (Atos 2:17). Estas características continuam a marcar a igreja como a comunhão do Espírito Santo? A igreja ainda é uma presença universal que reconcilia comunidades judaicas e gentias divididas por vários motivos? A igreja ainda fala nas línguas do Espírito, que conjuntamente proclama a renovação de Israel (desta forma, preservando a singularidade da aliança com os judeus) e a introdução do reino (desta forma, abrindo as promessas de Deus ao mundo), ou permanecemos cativos às línguas, estruturas e convenções divisivas dos impérios des­te mundo? Nossa oração deve ser “Venha, Santo Espírito!”, de sorte que o derramar proclamado do Espírito sobre toda carne possa realmente encontrar seu cumprimento em nosso tempo.
PARTE DOIS Poder do Espírito em Jerusalém
A Nova Economia de Salvação do Espírito Atos 2:22-40 A citação de Pedro a Joel termina com a declaração de que, no glorioso Dia do Senhor, quando Javé restauraria Is­rael, “todo o que invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos 2:21). Neste sentido, a restauração de Israel envolve a salva­ção tanto de judeus quanto de todos os que invocam o nome de Javé. Mas há, mais uma vez, que, para Lucas, que reconta a história do sermão de Pedro, a salvação esta amarrada em “Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis” (2:22). O cerne das Boas Novas, então, era: “Saiba, pois, com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (2:36). Já vimos que os judeus estavam esperando o Messias, que restauraria a casa de Israel de acordo com as promessas feitas a Abraão, Moisés e Davi. Aqui, em seu primeiro sermão, Pedro, capacitado pelo Espírito, deixa explícito as relações de Jesus com a aliança davídica. Não apenas Pedro o menciona quatro vezes por nome, mas também cita e faz alusão a vários salmos reais, canções que celebram a restauração do reino davídico na era messiânica. Uma destas citações também confir­ma que Israel será vindicada diante de seus inimigos (2:35; cf. Lc. 1:71; Sl. 110:1). A esperança da restauração na antiga Israel estava conectada a renovaçao da aliança davídica e a restaura­ção da nação (cf Ez. 37:1-14). Lucas está acentuando, desse modo, as credenciais de Jesus na linhagem de Davi. Mas, mais do que isso, uma vez que Davi permanecia na sepultura, Jesus é quem cumpre as pro­messas pactuais acerca da vida ressurreta. Para os judeus que acreditavam em uma ressurreição geral dos mortos no final da era relacionada à restauração de Israel, a ressurreição de Jesus teria significado tanto que o reinado de Davi agora pertence a Jesus quanto que a redenção de Israel e as últimas coisas, o Dia do Senhor, tinham, de rato, chegado, na pessoa do homem de Nazaré. Ademais, a ressurreição de Jesus precipita sua exalta­ção à direita de Deus, a partir de onde: “tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (Atos 2:33). Portanto, enquanto o Pai prometeu o Espírito (Lc. 24:4c)), é o Messias ressurreto que sustenta a promessa. Apesar de a salvação estar embasada na obra do Espírito na e através da vida, da morte e da ressurreição do Senhor Jesus (em vez do senhor César), ela é realizada e atua­lizada por meio do Messias ascendido, que derrama o mesmo Espírito sobre toda carne. Se no Evangelho de Lucas o Espíri­to Santo age na vida de Jesus, em Atos, Jesus está presente e ativo nas pessoas restauradas por Deus no poder do Espírito. É o Messias exaltado que foi crucificado por uma gera­ção descrente e corrupta (2:40). Pedro diretamente acusa seus ouvintes: “Vocês crucificaram e mataram pelas mãos daqueles fora da lei” (2:23; cf. 2:36). Seu público é culpado pelo fato de ter escolhido, ainda que inadvertidamente, viver pela política de César e por seu senhorio, ao invés daquele Messias ungi­do. Desejando evitar o julgamento que recai sobre aqueles que executaram o homem inocente, eles suspiram: “Que faremos?” (2:37). Pedro responde: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” (2:38-35). A resposta de Pedro tem gerado inúmeras interpre­tações, durante os dois mil anos de história do cristianismo. Sugiro que a salvação consiste não em enfatizar qualquer uma “coisa”, quer isso seja o arrependimento, o batismo ou a re­cepção do Espírito, mas em arrependimento, batismo, perdão de pecados e receber do Espírito Santo, todos juntos.Também deve ser observado que o perdão era originalmente uma noção comercial que significava ser liberado das obrigações prévias e, no primeiro século, também estava ligado à purificação, que precisava acontecer a fim de que Israel fosse renovado e res­taurado.2 Então, o anúncio de Pedro oferece a seus ouvintes o perdão de pecados cometidos por eles e seus ancestrais, uns contra os outros e contra Deus e seu Messias designado — isso é, de fato, a boas nova, indicando que o tempo havia chegado para a restauração de Israel! Por extensão, aos demais de nós, o perdão livra de nossa dívida com os outros e nos permite receber uma nova identidade, o dom do Espírito, que nos transforma em ser­vos e amigos do Messias. Contudo, tal perdão e salvação não podem ser magicamente ganhados por “cumprirmos” esta pe­quena lista de exigências; antes, a salvação envolve o chamado de Deus, que capacita ao arrependimento, o agir de Deus em Cristo, para possibilitar o gracioso perdão de pecados, e o li­vre derramar de Deus, através de Cristo, do Espírito Santo. Este modo da salvação de Deus, envolvendo o pleno escopo do arrependimento e o dom do Espírito Santo, pa­rece estabelecer a forma de salvação de Deus de uma vez por todas. Dizer que estas promessas são para “vossos filhos e a todos que estão longe” (2:35) aponta tanto para o alcance es­pacial/geográfico da salvação de Deus para aqueles nos lugares mais longínquos do império ou mesmo gentios que estariam nos confins da terra (1:8), quanto às muitas gerações de des­cendentes que invocariam o nome do Senhor. Em outras pa­lavras, se os poderes e as maravilhas de Deus realizados em Jesus inauguraram o dia do Senhor prometido pelos profetas, então, o plano salvífico de Deus esboçado aqui no sermão de Pedro continuará aquela obra até o Dia do Senhor, quando o reino estiver plenamente presente. Então, enquanto o reino pode estar no mundo, ele não é do mundo; antes, o reino vin­douro, que é a promessa do Pai, o caminho do Filho, e o dom do Espírito Santo estão no processo de “alvoroçar” (17:6) os reinos deste mundo. Agora, Pedro disse muito mais do que Lucas registra. Contudo, este texto suscita muitas perguntas importantes. Por exemplo, o que, exatamente, significa dizer que a salvação apresenta uma nova economia da graça, e como, exatamen­te, isso se dá, enquanto permanecemos dentro das economias deste mundo? ______ Permita-me sugerir que a salvação de Deus suplanta a economia deste mundo. Ao passo que o sistema econômico do mundo depende de cada um de nós pagando nossas dívidas, a economia do Espírito de Deus envolve o perdão de dívidas. Ao passo que o sistema judiciário do mundo envolve rece­bermos o que ganhamos ou merecemos, a justiça de Deus nos libera da culpa e da vergonha que acompanham nossas ações. Ao passo que nossa economia construída humanamente de­pende de permutas e trocas, a economia divina envolve mera­mente invocar a Deus em arrependimento e receber tanto o perdão das dívidas quanto o dom gratuito do Espírito Santo. A maneira como Deus faz negócios é contrária às maneiras do mundo. Antes do que meramente cumprir as obrigações impostas pela lei, a vinda do Deus Trinitário estabelece uma nova aliança de graça e uma nova economia de dar. A renova­ção de Israel, então, envolve um tipo de redenção que suplan­ta a ordem (economia) deste mundo, embora não precisamen­te da maneira esperada.
Arrependimento como/e o Dom do Espírito Santo Lucas 3:1-20; 19:1-10 A resposta de Pedro, encorajando o arrependimento, o batismo para perdão de pecados e a recepção do Espírito Santo, pode ter sido nova para a multidão reunida no Dia de Pentecoste. Mas ela não teria surpreendido leitores de Atos que já haviam lido o Evangelho de Lucas. No ministério do deserto de João, eles já haviam sido informados acerca de sua mensagem, “proclamando um batismo de arrependimento para perdão de pecados” (Lc. 3:3). Ademais, o ministério do Batista precipitava aquele do Messias, como também a vinda do Dia do Senhor. A interpretação de Pedro dos aconteci­mentos do Dia de Pentecoste como relacionados ao Espírito sendo derramado sobre toda carne, de sorte que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (2:21), de fato cum­priu a promessa messiânica concernente ao resultado último do ministério de João: “toda carne verá a salvação de Deus” (Lc. 3:6; cf Is. 40:3-4). Em resposta à pregação profética de João, as multi­dões de camponeses e artesãos que haviam se aglomerado no deserto para ouvi-lo perguntaram: “Que faremos?” (Lc. 3:10). A resposta de João foi muito prática e concreta: “Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver ali­mentos, faça da mesma maneira” (3:11). Para estes fazendeiros de subsistência e para outros que viviam do lado inferior da sociedade romana, receber uma túnica ou refeição pode ter significado a diferença entre conseguir viver de um dia para o outro. Arrependimento, portanto, não era uma ideia abstra­ta, mas também uma maneira concreta ao relacionar-se com aqueles que eles pensavam serem, de maneira contrária, seus competidores pelos mesmos tipos de recursos. Esse tipo de arrependimento e perdão associado marcaria o surgimento de um Israel renovado, de acordo com a promessa de Deus. Entre as multidões, também estavam os desprezados cobradores de impostos e guardas imperiais. A maioria deles era de judeus pagos para trabalhar para a estrutura política, religiosa e social. Então, eles teriam sido vistos como traidores do seu próprio povo, uma vez que se sustentavam às custas daqueles nas classes mais baixas. A pregação de João tam­bém os comoveu ao arrependimento, e diretamente insistiu que os cobradores de impostos não deveriam “pedir mais do que estava ordenado” e os soldados “não deveriam extorquir dinheiro de ninguém através de ameaças e falsas acusações”, mas se satisfazerem com seus salários (3:13-14). As marcas de um arrependimento genuíno seriam manifestas em atos con­cretos de honestidade, integridade e hospitalidade. Uma vez realizados tais atos, estes seriam respostas contraculturais que produziríam verdadeiros descendentes de Abraão (3:8), re­conciliando-os com seus compatriotas israelitas, separados, e renovando as promessas pactuais de Deus. A mensagem do ministério de João é claramente vista e estendida no ministério de Jesus. Lucas posteriormente fala sobre Zaqueu, o rico chefedos publicanos (19:2, ênfase minha), e seu encontro com Jesus. Se motivado pelo arrependimen­to ou pela necessidade de defender suas ações diante de uma multidão hostil, Zaqueu disse: “eis que eu dou aos pobres me­tade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho àefraudado alguém, o restituo quadruplicado” (19:8). Agora, conforme o pagamento quádruplo de Zaqueu cumpria as exigências mais precisas da lei em vez das mínimas (compare Ex. 22:1 com Lv. 6:5; Nm. 5:7), isso trouxe a declaração de Jesus: “Hoje veio sal­vação a esta casa, pois também este é filho de Abraão” (Lc. 19:9). A disposição de Zaqueu em fazer reparos não apenas o traz de volta à comunhão com o povo a quem ele havia lu­dibriado, mas também, de fato, salva, restaura e renova uma comunidade partida por ganância, desconfiança e rixas. Se muitíssimos cobradores de impostos tivessem se arrependido de seus pecados, como Zaqueu, e se tornassem reconciliados com o povo, eles cessariam de serem enganadores, e isso, por sua vez, solaparia a economia imperial que favorecia a elite. Em outras palavras, a mensagem de arrependimento e batismo para o perdão de pecados, pregada tanto por João (em Lucas) quanto Pedro (em Atos), cura comunidades, re­concilia aqueles que, de outra forma, estavam alienados uns dos outros, e renova a aliança feita com Israel, mesmo quando ela ameaça destituir os sistemas deste mundo. Assim sendo, no caso de João, os corações das pessoas estavam “em grande expectativa, e pensando todos [...] se porventura seria o Cris­to” 0^1.3:15). Talvez eles ainda pensassem que era impossível produzir estes atos de arrependimento em separado da plena restauração do reino messiânico. A resposta de João foi que o Messias viria e os batizaria “com Espírito Santo e fogo” (3:16). As dimensões políticas da pregação de João não deve­ríam ser subestimadas. No final desta passagem, Lucas men­ciona que João foi preso por Herodes, e posteriormente ouvi­mos que ele foi decapitado por Herodes, que ficou chateado que João o havia repreendido por tomar Herodias, a mulher de seu irmão, como sua própria mulher. Mas Lucas também deixa claro que João intrepidamente o repreendeu, “por todas as maldades que Herodes havia feito” (3:19). Ainda que não nos sejam contados quais os tipos de maldades (Herodes da Galileia, também conhecido como Herodes Antipas, não deve ser confundido com Herodes, o Grande, seu pai, que reinou sobre a Judéia quando Jesus nasceu e publicou o decreto para assassinar os infantes nos arredores de Belém), é seguro conjecturar que a pregação de João ameaçava a própria estrutura do Império Romano conforme havia sido construída na Pales­tina daquela época. Aqui, temos uma mensagem revolucionária que insta­va as massas a mudarem suas alianças de César para o Messias vindouro, e que era caracterizada não apenas por mudanças nos corações, mas também por vidas mudadas. Se a econo­mia imperial era afirmada sobre o apoio da elite aristocráti­ca, dependente do poder do exército imperial, e ativada pela desonestidade dos agentes de coleta do império, então a nova economia messiânica enfatizava o dar em vez de acumular ou tomar, a honestidade em vez da trapaça ou da extorsão, e a in­tegridade em vez da ilegalidade e das falsas alegações. Assim, ao passo que a salvação forjada por César era gozada apenas pelos poucos da elite que traíam a confiança das massas, a salvação do Messias batizaria todos os que invocassem o nome do Senhor em uma nova economia marcada pelo perdão de pecados e débitos e por uma nova comunidade, o Israel res­taurado e o povo reconstituído de Deus. Arrependimento genuíno precipitaria renovação do povo de Deus. Causaria novos relacionamentos, interações e conversas, e isto inspiraria as pessoas que trabalharam sob o governo romano a uma forma totalmente nova de vida. Não e apenas Herodes da Galileia que é ameaçado, mas também toda a hierarquia imperial, como representada por Tibério (o seguindo imperador, de 14 a 37 EC); Poncio Pilatos da Ju­deia (que governou de 26 a 36 EC); Filipe, irmão de Herodes (que governou sobre Itureia e Traconites de 4 AEC a 34 EC); Lisânias (que reinou em Abilene, norte da Galileia, de 28 a cerca de 37 EC); e a liderança político-religiosa representada por Anás e Caifás (todos mencionados em 3:1-2). Não é de se surpreender que aqueles que viram Jesus aceitar Zaqueu res­mungaram que “entrara para ser hospede de pecador” (19:7). Observadores com discernimento teriam previsto que a pre­gação do batismo de arrependimento e perdão de pecados desmantelaria a hierarquia imperial, destituiría o sistema de classes e frustraria o estado existente das coisas. Não era sem razão, então, que os poderes políticos executaram Batista, e que as elites religiosas seguiram o exemplo, mais tarde, com seu primo. Uma pergunta para nós, hoje, especialmente nós que estamos na parte elevada da economia do mercado global, é se faríamos alguma coisa diferente: nós abraçaríamos e então viveriamos as “boas novas” do reino vindouro, ou lutaríamos para preservar o status quo e nosso próprio lugar nele? Se o Espírito Santo fosse convencer nossos corações como o de Za­queu, nossa resposta pode muito bem também se estender à nova economia da salvação, a fim de reconciliar as pessoas, opor e corrigir as injustas estruturas de nosso mundo, e trazer a cura a muitas nações. Comunhão no Espírito Atos 2:41-47 Então, o que, exatamente, aconteceu, quando a mul­tidão de três mil que ouviu Pedro se arrependeu, e todos fo­ram batizados em nome de Jesus para o perdão de pecados e receberam o Espírito Santo? Eles estavam sendo salvos! Esta salvação não tinha a ver apenas com o que aconteceu após eles morrerem, mas também marcava a obra continuada de Deus no Messias, para redimir Israel. Se João e Jesus, ambos, cha­mavam os judeus ao arrependimento, o milagre de Pentecoste pode ter sido a restauração de Israel que havia sido expandida para incluir gentios convertidos ao judaísmo, também. Esses judeus messiânicos e prosélitos se reuniam diariamente no templo (2:46), em antecipação da plena restauração do lugar santo para as pessoas de Deus, conforme havia sido prometido a Davi. Contudo, enquanto aguardava a plena consumação • de Israel, o povo renovado de Deus perseverava “na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas oraçoes I...J E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias [...] e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração” (2:42, 44-46). Ago­ra, relembre que a multidão reunida em Jerusalém viera da região do mundo mediterrâneo para a Festa de Pentecoste. Talvez alguns dos três mil fossem residentes (não contando os originais 120 que haviam se reunido no cenáculo), mas a maioria era, provavelmente, visitante, talvez com parentes na região. Ainda, pode-se imaginar como esse reconhecimento em massa da messianidade de Jesus havia forçado os apóstolos a correrem para organizar uma forma viável de vida em comu­nhão que não apenas suprisse as necessidades das pessoas, mas também servisse aos propósitos de discipulado. O discipulado envolvia o ensino, a comunhão, o partir do pão e as orações. Talvez o partir do pão aqui referido fosse uma extensão do ritual instituído por Jesus na última ceia, mas cuja significância, a comunidade apostólica ainda precisava compreender. Esse ritual acontecia diariamente nos vários lares, por meio do compartilhar das refeições, mas também deve ter sido pra­ticado no templo. Observe, também, que o arrependimento e o perdão de dívidas, pregados por João, Jesus e Pedro, são vividos de uma maneira bastante concreta. As pessoas compartilhavam o que tinham, e os mais abastados vendiam o que fosse neces­sário, a fim de suprir as necessidades de outros da comunida­de. Aqui, o exemplo estabelecido por Zaqueu parece ter sido multiplicado muitas vezes. A “alegria e singeleza de coração” (2:46) das pessoas reflete o viver em simplicidade e liberali­dade, ao invés de serem calculistas e buscarem seus próprios interesses. Tais práticas comunais por estes primeiros segui­dores de Jesus persistiram por um tempo (vide Atos 4:32-37), embora não saibamos por quanto tempo. Está claro, contudo, que aqueles que se arrependeram e foram batizados em nome de Jesus para o perdão de pecados se viam chamados para in­corporar o Caminho de vida exemplificado pelo Messias, Je­sus, e experimentado e ensinado por seus discípulos mais ínti­mos. A restauração de Israel não foi um mero acontecimento espiritual. O derramar do Espírito Santo pelo Jesus ascendido estabeleceu um novo corpo comunal, que forneceu uma forma alternativa de vida para aqueles sob o senhorio de César. Não confunda este estilo de vida judaico-cristão pri­mitivo com certo tipo de socialismo ou comunismo. As crí­ticas de Karl Marx foram direcionadas ao industrialismo que ele viu na Inglaterra da metade do século dezenove, quando os trabalhadores eram forçados a vender seu trabalho pelo valor de mercado (que era insuficiente para suprir suas necessida­des diárias), não permitindo, então, que mantivessem seus lu­cros (os quais eram embolsados pelos mercantes capitalistas). A solução de Marx era distribuir tanto a propriedade privada quanto a posse de capital produtivo ao proletariado (trabalhadores), de maneira que eles pudessem ganhar dos lucros de seu trabalho. O que aconteceu entre três mil convertidos no Dia de Pentecoste não foi uma expressão primitiva do manifesto de Marx. Um dos motivos é que o compartilhar destes pri­meiros seguidores de Jesus como o Messias foi motivado por um coração arrependido e pelo dom do Espírito Santo, e não pela regra socialista de lei. Por este motivo, a venda de pos­ses pessoais era uma prática voluntária, ao invés de uma re­jeição institucionalizada da propriedade privada. Ademais, tal venda e distribuição da renda não pareceu ter acontecido sistematicamente; em vez disto, se desenrolou com o tempo, de acordo com as necessidades da comunidade. O que Lucas descreve aqui não é certo tipo de comunismo, mas é exemplar da comunidade do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, esta primitiva comunidade apostó­lica incorporava valores acerca da comunhão (feoinonin; 2:42), empatia mútua e solidariedade, que também são uma forma bastante diferente do que hoje chamamos de capitalismo de livre mercado. Se a vida no Espírito libera as pessoas de Deus de maneira que contrapõe os regimes opressivos e asfixiantes que tipicamente marcaram as comunidades socialistas, as­sim também a comunhão do Espírito questiona a ganância, o consumismo, o materialismo e o militarismo que caracte­rizam muito a vida em meio à economia de mercado neoliberal. Como o exemplo da comunidade primitiva do Espírito pode desafiar nossa própria cumplicidade nas práticas que sustentam e perpetuam desigualdades na vida global? O que significa, para nós, resistir às forças sistêmicas que oprimem o pobre, e assim fazê-lo de acordo com o modelo apresentado pelos primeiros seguidores de Jesus? É possível traduzir este modelo de vida sob a graça e incluir o perdão de dívidas na classe média norte-americana do século vinte um e na ordem capitalista do mercado global? Penso que devemos reconhecer que as práticas do rei­no representam um contraste tanto com o comunismo quan­to com o capitalismo, conforme os entendemos hoje. Em vez de ou ter de vender nosso trabalho para os lucros de outros, ou ter de redistribuir os frutos de nosso labor através de um sistema socialista, talvez o dom do Espírito Santo nos empodere a dar não a partir de nossa própria necessidade, mas da abundância de Deus. A economia divina da graça satisfaz as necessidades de todos não através da “mão invisível” do mer­cado livre ou do regime forçado de uma economia socialista; antes, por meio da mutualidade e reciprocidade da comunhão nascida do dom messiânico do Espírito. A salvação prometida através do arrependimento, do batismo e do dom do Espírito Santo libera o povo de Deus da alienação de Deus, de outros, e mesmo dos produtos de seu trabalho, uma vez que não mais somos mantidos em escravidão ao “que é nosso” (ou meu!). Somos capacitados a ter todas as coisas em comum e a dar conforme cada um tenha necessidade. Vemos que Pedro e os apóstolos levaram suas palavras à sério: eles se arrependeram de seus pecados, receberam per­dão e estenderam esse perdão aos outros de maneira a trazer o surgimento de um novo Israel, uma nova comunidade daque­les que viviam de acordo com a mensagem do reino de Jesus. Foi esta comunidade primitiva que revelou as importantes implicações do arrependimento, do batismo e do perdão de pecados em um mundo caído como o que vivemos. Tal “sal­vação” não era meramente espiritual, mas consistia em um evangelho — Boas Novas — a ser vivido. As pessoas que foram realmente batizadas com o Espírito Santo e com fogo agora viviam de maneira diferente!
A Missão de Jesus Cristo, o Ungido Lucas 4:14-30 Se a imagem da comunhão não hierárquica de iguais que acabou de ser retratada parece implausível, talvez nós a estejamos julgando não de acordo com a vida no poder do Espirito, mas de acordo com nossas próprias preferências e pressuposições de classe media do século vinte e um. Vamos continuar a interrogar nossas próprias suposições sobre es­tas questões, ao acompanharmos mais a narrativa de Lucas da vida e ministério de Jesus. Lucas 4:14-30 registra o início do ministério público de Jesus em sua cidade natal, Nazaré, e sua região natal, Galileia. Jesus inicia seu ministério “cheio do poder do Espíri­to” (4:14). Em reconhecimento daquela unção que está sobre ele, ele anuncia a partir do texto messiânico do profeta Isaías (61:1-2): O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração, A pregar liberdade aos cativos, e res­tauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor (Lc. 4:18-19). Ao invés de enxergarmos cada um destes elementos como separados da vocação messiânica de Jesus, devemos vê­-los como aspectos inter-relacionados à sua missão de restau­rar a aliança com Israel. Neste sentido, precisamos manter em mente os aspectos a seguir. Para começar, o pobre, os cativos, os cegos e os opri­midos não são meramente metáforas, e nem devem ser aplica­dos somente aos quatro grupos literais de pessoas. A primeira interpretação espiritualizaria estes rótulos, mas ela ignoraria o fato de que o ministério público de Jesus, no restante da
narrativa do Evangelho, de fato libertou cativos, abriu olhos cegos e libertou oprimidos. A última interpretação pode nos levar a pensar que as “Boas Novas” estavam limitadas a quatro grupos de pessoas. Em vez disto, deveriamos ver estas referências como incluindo o amplo espectro de habitantes entre as classes mais baixas da Palestina do primeiro século. Eram pessoas realmen­te pobres, cegas e oprimidas, e o ministério de Jesus era para elas e por elas. Além disso, havia outros, como os leprosos, os espiritualmente empobrecidos (incluindo cobradores de im­postos, tal como Zaqueu), e os oprimidos pelo demônio, aos quais o evangelho era direcionado. Todos estes eram pessoas de status baixo, zero ou desprezível na sociedade greco-roma- na — que constituía cerca de 55 por cento da população, que vivia sob o julgo do governo imperial, a elite sociorreligiosa e a aristocracia possuidora de terras — e era para estes pobres que a mensagem messiânica era particularmente relevante. A partir desta perspectiva, o ministério messiânico é a boa nova de maneira concreta. Para os cegos, ela significava a abertura de olhos e o dom da visão (vide Lc. 7:21-22; 18:35-42); para aqueles em prisão ou que eram oprimidos, ela significava libertação, comumente entendida em termos de libertação de opressão demoníaca; e para o pobre, ela significava sua liber­tação da prisão ou mesmo da dívida (a palavra para “liberta­ção” podendo ser também traduzida por “perdão”). Com estes elementos combinados, o ministério de Jesus ungido pelo Es­pírito causaria “o ano aceitável do Senhor” (4:19). Entendido de acordo com as promessas messiânicas dos profetas hebreus, incluindo Isaías, que está sendo citado nesta passagem, este “ano do Senhor” teria sido tomado como uma referência ao Ano do Jubileu, anunciado na Torá.3 Havia três fatores-chave do ano do Jubileu (o quinquagésimo ano após sete ciclos de sete anos): (1) débitos seriam cancelados; (2) escravos seriam libertos; e (3) a terra seria devolvida a seus proprietários originais. O pronunciamento de Jesus de que “hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos” (4:21) erá, portanto, recebido com gozo por seus ouvintes, aqueles do lado inferior da sociedade. O ministério público de Jesus não resultou direta­mente, em sentido algum, em uma implementação literal do programa do jubileu. Contudo, o estabelecimento da comu­nidade messiânica primitiva (Atos 2:42-47) de fato criou um modo alternativo de vida que instituiu o Espírito, se não a letra das prescrições do jubileu. Ao passo que não nos é dito explicitamente que as dívidas econômicas foram canceladas, já temos visto que o sistema socioeconômico foi radicalmente reestruturado na comunidade apostólica, precisamente a fim de fornecer alívio aos necessitados. Tão importante quanto, a declaração do perdão de pecados renovou o pacto com Is­rael e criou uma comunidade radicalmente igualitária, em um sentido no qual todos eram reconhecidos pecadores diante de Deus e, contudo, eram absolvidos e exonerados de seus er­ros, sendo, deste modo, igualmente aceitos na comunhão do Espírito. A comunidade messiânica primitiva entendia que a proclamação de Jesus das boas novas aos pobres intencionava realizar a renovação de Israel e o estabelecimento do reino (o ano aceitável do Senhor). Porque o poder do mesmo Espírito que ungiu Jesus havia sido derramado sobre eles, os discípulos perceberam que suas vidas seriam uma extensão do ministério de Jesus. Avance, então, para hoje. Não deveriamos abraçar a unção do Espírito em nossas vidas, ao seguirmos os passos dos discípulos? O poder do Espírito está presente agora para nos capacitar a trazermos as boas novas aos pobres e a colocar­mos em prática o evangelho para os oprimidos e para aqueles em prisão. Isto envolvería não apenas declarar aos pobres que seus pecados são perdoados, e não apenas alimentar, prover vestimenta e recursos ao pobre, por mais importante que tais coisas sejam. Mas ele também deve envolver o que os crentes messiânicos primitivos faziam: reestruturar nossas próprias vidas e comunidades de maneira que as linhas entre os que têm e os que não têm sejam vencidas, de sorte que ninguém precise necessitar de algo! ' Observe, ainda, como Jesus tenta liderar seus discípu­los a verem o ano aceitável do Senhor como sendo não apenas para eles, enquanto judeus, mas também para outros. Em cer­to sentido, a multidão estava dizendo que, se o ano do Senhor tinha realmente chegado, então por que Jesus não realizou mais das obras messiânicas na cidade de Nazaré, em particu­lar, e na região da Galileia, em geral (Lc. 4:23)? A resposta de Jesus foi extraída dos ministérios de Elias e Eliseu: que um foi enviado a uma viúva gentia (a região de Sidom ficava fora do território judaico, naquela época), ao passo que o outro foi enviado a um leproso sírio. Se a unção do Espírito significa­va boas novas aos pobres, não se limitava aos judeus. Antes, o evangelho do reino também era para os gentios, incluindo aqueles nos setores mais baixos do mundo social: as mulheres, os leprosos e os impuros. Com estes dizeres, nem mesmo a calorosa recepção inicial de Jesus pelos galileus pode mantê-lo em boa posição com os líderes e membros locais da sinagoga nazarena. Eles “se encheram de ira” (4:2.8) e tentaram assassiná-lo. (De algu­ma forma, Jesus escapou para continuar a obra de restaurar o reino, mas somente por um curto período de tempo). Às vezes, talvez sejamos como aqueles nazarenos arrogantes que pensavam serem merecedores da presença e do poder do Espí­rito Santo, mas não outros, que estão além do escopo do amor redentor de Deus.
O Espírito Santo e a Política de Cura Atos 3:1-4:31 A perseguição a Jesus em Nazaré, que acabamos de ver, prenunciava a perseguição que os discípulos experimen­tariam, como resultado de ministrarem em Seu nome. De fato, sua vida forneceu um modelo para o ministério de seus discípulos. Assim como Jesus foi enviado aos pobres — entendido como aqueles às margens e do lado inferior da história —, o mesmo se deu no primeiro episódio do ministério dos discí­pulos: os principais apóstolos foram enviados a uma pessoa assim. A pobreza do homem cujo nome não é mencionado, contudo, estava explicitamente relacionada à sua deficiência: ele fora aleijado por mais de quarenta anos, desde o tempo de seu nascimento (Atos 3:2; 4:22). De acordo com o entendimen­to judaico da lei, então, a deficiência deste homem era, pro­vavelmente, o resultado do pecado nas vidas de seus pais ou ancestrais (comparar Jo. 9:2 e Dt. 28:15-68). Em certo sentido, ele merecia sua sina na vida, e sua deficiência, na verdade, o marcava como sendo alguém fora das promessas da aliança de Javé. Aqui estava alguém duplamente oprimido, e seu lugar estava fora do templo (cf. Lv. 21:17-20). Mas o poder do Espírito que operou por meio de Jesus para abrir os olhos dos cegos e curar os deficientes também estava presente em Pedro e João. Com Jesus à destra do Pai, a cura do aleijado, feita em nome de Jesus, foi realizada pela unção do Espírito (Atos 3:6, 16). Como resultado, aquele ho­mem cuja deficiência o impedia de entrar nas cortes do tem­plo estava vindicado, e ele se aproximou do santuário interior saltando, pulando e louvando a Deus (3:8-9). Esta cura do homem aleijado não deve ser vista como um ato isolado de misericórdia, mas como parte da tarefa missionária mais ampla de restaurar Israel e trazer o grande e glorioso ano aceitável do Senhor, em especial para aqueles do lado inferior da história. Na verdade, os profetas haviam predito que, no ano de redenção de Javé, “os coxos saltarão como cervos” (Is. 35:6)! Como tal, Pedro entendeu a presença manifesta de Je­sus através do Espírito como uma ocasião para mais uma vez convidar a multidão de israelitas a se arrepender e receber o perdão de pecados (3:12, 19). Mas o que Jesus havia insinuado aos nazarenos na sinagoga, Pedro, agora, explicitamente de­clara: “e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor, E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado. O qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de to­dos os seus santos profetas, desde o princípio” (3:19-21). Em outras palavras, a restauração de Israel estava, de alguma for­ma, ligada á renovação de todas as coisas em Deus, ainda que (conforme veremos posteriormente, em Atos 10) o próprio Pedro não tenha entendido plenamente as implicações desta obra redentora, nesta época. Agora, assim como foram os líderes religiosos que per­seguiram a Jesus, também foram os líderes religiosos de Jerusa­lém (inicialmente) que perseguiram os discípulos. Mais espe­cificamente, foi o mesmo grupo de líderes político-religiosos — “Anás, o sumo sacerdote, e Caifás, e João, e Alexandre, e todos quantos havia da linhagem do sumo sacerdote” (compa­rar At. 4:6 com Lc. 3:2 e Jo. 18:13-24) — que participaram do julgamento e crucificação de Jesus, não muito tempo antes, que agora liderava a inquisição contra os apóstolos. Natural­mente, havia outros, particularmente o partido dos saduceus, que não acreditaram na possibilidade de ressurreição e que provavelmente discordaram das reivindicações teológicas de Pedro, concernentes a Jesus ter sido ressuscitado dentre os mortos (At. 4:1-2). Contudo, nós não devemos subestimar as preocupações da liderança judaica de que toda esta pregação acerca do senhorio e da messianidade de Jesus (3:20) ameaçava destituir a hierarquia religiosa-política, próxima ao topo no qual eles mesmos estavam posicionados. Interessada em preservar seu lugar na escada social, política e econômica, a hierarquia política estava demasiada­mente preocupada acerca do poder e da autoridade que eles viam manifesta na pregação apostólica e que estava atraindo milhares a uma nova maneira de vida, bem ali, em Jerusalém. Seus piores temores pareciam estar se desdobrando: eles ha­viam matado, com o auxílio dos romanos, o homem de Na­zaré que pregava acerca do ano aceitável do Senhor, realizava as obras do reino e também ajuntava milhares de seguidores; mas esta mensagem e estes feitos haviam, agora, reaparecido entre seus companheiros, desprovidos de educação formal. Era precisamente em nome de Jesus que o aleijado havia sido curado, e apenas em e através de seu nome — não no de César! — que tal cura e redenção (salvação) estavam sendo declara­das a todos debaixo do céu (4:10, 12). E importante, aqui, seguir a dica fornecida por Lu­cas para observarmos que “salvação”, em Lucas e Atos, quase nunca se refere primariamente ao que acontece após a morte, mas significa, literalmente, completude e saúde. À cura deste homem envolveu não apenas a cura de sua deficiência, mas também sua integração a vida comunal judaica, conforme re­presentada por sua entrada no templo. Ademais, ele não mais seria um mendigo, mas agora poderia fazer contribuições como membro de sua sociedade. Em cada uma destas formas, as boas novas da salvação tinham relevância não para o pós- -vida, mas para a vida aqui e agora. Além disso, assim como as curas que Jesus realizou, a cura do deficiente na Porta Formosa acabou por ter poten­cialmente implicações políticas drásticas. A política de cura não apenas expunha a descrença da liderança religiosa; mais desconcertantemente, para aqueles interessados em preservar o sistema de classes, que mantinha as massas esmagadas sob o pé imperial e aristocrático, a comunidade apostólica reconhe­cia e proclamava que a hierarquia religiosa estava entrelaçada às autoridades políticas, e uma era dependente dos mecanis­mos da outra. Se as autoridades haviam sido informadas acer­ca das orações da comunidade perseguida, eles sabiam que os seguidores de Jesus reconheciam apenas um: “O Soberano, tu fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há!” (4:24), e que eles associavam a descrença dos líderes judaicos à descrença do governo imperial, e vice-versa: Por que bramaram os gentios, e os povos pensaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e os
príncipes se ajuntaram à uma, con­tra o Senhor e contra o seu Ungido (4:25-26; cf. Ps. 2:1-2). Mesmo em meio à perseguição, a comunidade messiâ­nica inexperiente pedia mais ousadia, mais curas e mais sinais e maravilhas (4:30-31), e talvez mesmo seus oponentes sentis­sem que estas orações estavam sendo ouvidas. Então, assim como a liderança religiosa e as autorida­des imperiais se recusaram a acreditar na proclamação mes­siânica de Jesus, eles também, agora, perseguiam aqueles que pregavam a restauração do reino em nome de Jesus. Assim como as forças que tinham preferido sua desonestidade e in­justiça (aos custos das massas) sobre os caminhos do reino } * A . J 1 t messiânico, esses mesmos poderes, agora, também emprega­vam os mecanismos mundanos de ameaças políticas (4:17-21), precisamente aquilo que os soldados sob o ministério de João aviam esquecido (Lc. 3:14). Em vez de abraçar o Dia acei­tável do Senhor oferecido por Pedro (At. 2:21), a hierarquia religiosa preferia o senhorio de César. Sua culpabilidade é, agora, enfatizada como entrelaçada a daquele império gentio: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel” (4:27). Outra diferença, agora, era que os milhares de servos de Jesus, “cheios do Espi­rito Santo” e com ousadia (4:8, 31), é que estavam ameaçando destituir o status quo. Nós devemos também entender a cura hoje não ape­nas como um acontecimento salvífico (para aqueles que estão doentes), mas também como tendo uma dimensão política. Considere, por exemplo, os avanços na medicina. Enquanto não devemos dispensar o uso responsável da medicina, nós podemos vir a confiar nela mais do que no poder de Deus de curar. Melhor, em vez disto, é ver a medicina como par­te dos meios divinos de cura, ainda que reconheçamos que Deus pode, em alguns casos, escolher realizar tais propósitos bem em separado dos meios medicinais convencionais. Mais importante, e mais complicado, é o fato de que nossos siste­mas de saúde neste mundo estão entrelaçados às complicadas estruturas econômicas e políticas (ex., conforme manifesto nos debates congressionais concernente ao seguro saúde). Em suma, se vamos ver a abertura dos olhos cegos e o fortale­cimento do deficiente como sinais da chegada da nova era do reino, então devemos, também, tomar medidas políticas e econômicas para tornar tais meios médicos acessíveis ao má­ximo possível de pessoas. Somente então, o manifesto poder de cura do Espírito anunciará mais inequivocamente o esta­belecimento do senhorio de Jesus Cristo, que colocará um fim nos reinos deste mundo.
9 Cura Carismática como Sinal do Reino ■ Lucas 5:12-26; 6:6-11; 7:1-10; 8:40-56 Conforme acabamos de ver, a cura do homem na Por­ta Formosa envolveu a intriga política ao redor de todos os atos de cura de Jesus. Agora, nas passagens lucanas em consi­deração neste capítulo (que objetivam ser um representante em vez de uma coleção exaustiva das curas de Jesus no Evange­lho), seis curas miraculosas de Jesus, realizadas por meio dele pelo poder do Espírito Santo, são sinais do ano aceitável do Senhor (Lc. 4:19) e do reino e, neste sentido, têm dimensões sociopolíticas que são comumente minimizadas. Este é um lu­gar onde você realmente precisará ter seu Novo Testamento próximo e de fácil acesso — para se juntar a mim em analisar intimamente estas passagens no Evangelho de Lucas. Vejamos como estas curas estão embutidas nas estruturas sociais, po­líticas e religiosas mais profundas, ao passo que elas também anunciam a redenção e a transformação destas realidades à luz do reino vindouro de Deus. Para começar, Jesus purifica um leproso (Lc. 5:12-15). A lepra no mundo antigo não era simplesmente um problema de pele; antes, ela exigia um tipo de quarentena social que efetivamente removia os leprosos de seus lares e comunidades. Havia extensivas provisões feitas sob a lei mosaica em relação ao diagnóstico, ao tratamento e à purificação de leprosos e de seus lugares de habitação (Lv. 13-14). Portanto, quando Je­sus tocou este homem, ele transgrediu as convenções bíblicas, legais, médicas e sociais de sua época. Contudo, Jesus sabia que as dimensões sociais da lepra tinham de ser tratadas ex­plicitamente, ainda que o homem tivesse sido curado. Assim sendo, ele instrui o homem: “vai [...] mostra-te ao sacerdote, e oferece, pela tua purificação, o que Moisés determinou, para que lhes sirva de testemunho” (Lc. 5:14). O milagre teria sido incompleto por si só, em separado dos atos religiosos através dos quais o sacerdote declarava o homem purificado e apto a ser reintegrado na comunidade. A perícope é seguida imediatamente pela história do paralítico que foi baixado pelo teto por seus amigos na presen­ça de Jesus (Lc. 5:17-26). Enquanto Lucas sugere que o homem foi incapaz de ver Jesus em razão da multidão, em linguajar contemporâneo, este paralítico ou homem encarnado tinha um problema de acessibilidade. A cura de Jesus está entrela­çada a seu pronunciamento de perdão de pecados. Enquanto já temos visto que o perdão de pecados envolve a libertação de todas as dívidas e necessariamente precede a renovação de Israel, neste caso, Jesus pronunciou absolvição também em relação a Deus (5:20-21). A declaração do perdão de pecados servia não apenas a funções existenciais e terapêuticas, mas também espirituais e teológicas relacionadas à cura física des­te homem. A cura é, portanto, um sinal não apenas do poder de Deus de restaurar os corpos humanos, mas também de Je­sus como representante da promessa messiânica de trazer a redenção, a reconciliação e a liberação há muito associada ao ano aceitável do Senhor. De mesma importância é o fato de que Jesus curou este homem porque sabia que ele estava rodeado de fariseus e mestres da lei (5:17). Esta é a primeira vez no Evangelho de Lucas que os fariseus são mencionados. Ao questionarem a autoridade de Jesus para perdoar pecados (5:21), os fariseus indubitavelmente também estavam expressando ceticismo sobre este ser aquele que iria renovar e restaurar Israel. A cura deste paralítico frisou as interconexões entre cura e perdão. Mais importante, ela colocava as poderosas obras de Jesus na esfera publica da vida social e religiosa judaica, e sinalava as pessoas (e a seus líderes religiosos) que Deus estava presente neste homem para realizar a redenção de Israel. Deste mo­mento em diante, no Evangelho de Lucas, as hostilidades en­tre Jesus e os líderes religiosos se intensificaram. A próxima cura, aquela do homem com uma mão mirrada (Lc. 6:6-11), acontece na sinagoga, no sábado. Lucas havia acabado de contar a violação de Jesus das leis sabáticas diante dos interrogadores farisaicos (6:1-5). Novamente, Jesus sabe que está sendo observado e, contudo, diz ao ho­mem: “Levanta-te, e fica em pé no meio” (6:8), desta manei­ra, garantindo que suas interações com o homem sejam feitas em plena vista. Ao passo que seus oponentes estão buscando trazer acusações contra ele, Jesus lhes indaga: “É lícito nos sábados fazer bem, ou fazer mal? Salvar a vida, ou matar?” (6:9, ênfase minha). Jesus vira as mesas, ao associar os propó­sitos do sábado com as intervenções salvadoras de Deus. A fim de cumprir as intenções divinas para o descanso sabático, então, Jesus realiza a obra salvadora de Deus, não por perdoar seus pecados, mas ao restaurar a mão mirrada. Então, apesar de os judeus acreditarem em Javé como Salvador, eles estavam despreparados para a manifestação de Javé na forma de Jesus. Em vez disto, a aparição de Jesus como o mediador da salvação divina (cf 1:47; 2:11) enfurecia os escribas e fariseus. A salvação de Deus está, também, pelo presente inter- relacionado ao descanso sabático, estabelecido para garan­tir que os ritmos humanos sejam trazidos em sintonia com aqueles da criação de Deus. A salvação manifesta nesta cura é um sinal do reino vindouro, que cumpre as intenções de Deus para causar o shalom do sábado. As próximas duas curas acentuam que, enquanto, em geral, Jesus direcionou seu ministério aos pobres e de classe baixa da sociedade palestina, também interagia com a elite regente, quando as oportunidades se apresentavam. Tanto o centurião em Capernaum (Lc. 7:1-2) quanto Jairo, o líder da sinagoga (7:41), eram patronos que serviam como agentes en­tre o governo imperial e as massas. O status de elite do centurião está claramente identificado, como também o está o fato de ele ser um benfeitor para os judeus em termos de seu amor por eles e de lhes ter construído uma sinagoga (7:5). (Patro­nos do primeiro século eram aqueles, como o centurião, que forneciam mercadorias e serviços para seus clientes e, em tro­ca, incorriam débitos de lealdade a seus patrocinadores). Ao passo que ele estava em uma posição de fazer exigências dos carpinteiros de classe mais baixa, tal como Jesus, o centurião reconheceu a autoridade de Jesus e agiu com reverência para com ele — primeiro, ao enviar amigos para interceptor Jesus, e, então, a não agir com presunção com Jesus (7:6-7). Mas, mesmo quando o centurião contradizia as convenções sociais de sua época, ao agir mais como um cliente do que um patro­no, Jesus, por sua vez, também parecia intencionar quebrar expectativas sociais, ao entrar na casa de gentios (7:6). Então, Jesus expressa espanto com a fé do centurião, e realiza a cura do escravo. Em suma, esta narrativa é menos acerca do cria­do curado do que é sobre as promessas de Deus de estender a aliança aos gentios. Isto antecipa a expansão do evangelho a Cornélio, em Atos, mesmo quando coloca o poder de cura de Deus em meio aos domínios sociais e políticos das vidas humanas. A cura da filha de Jairo (Lc. 8:40-42, 49-56) futura­mente revela as implicações sociais das ações salvadoras de Deus. A restauração da menina acontece somente após uma interrupção envolvendo uma mulher com hemorragia. Contu­do, Jesus explicitamente define esta ressurreição como sendo salvadora: “Não temas. Crê somente, e será salva” (8:50). A sal­vação da menina também foi iminentemente a de sua família. A orientação de Jesus aos pais para que dessem à menina algo para comer (8:55) simboliza não apenas a nutrição de comida doadora de vida, mas também as práticas sustentadoras de vida de comerem juntos como uma atividade social. Ambos os casos, envolvendo Jairo e o centurião, então, revelam como seus encontros com Jesus causaram uma transformação das relações normais entre clientes e patronos que governavam as interações do primeiro século entre elites religiosas e milita­res e suas clientelas. Ultima para nossos propósitos, porém, não menos importante em relação aos atos de cura de Jesus, e a cura da mulher que vivia com hemorragia (e, portanto, era impura) por doze anos e que havia sido reduzida à penúria. Estas “três bolas fora” — mulher, impura e pobre — não a desencoraja­ram de se espremer entre a multidão para tocar Jesus, durante o processo do qual seu estado de contaminação tornava ri­tualmente impuro tudo aquilo com o que ela tivesse contato. Como com o leproso que vimos acima, sua cura física estava incompleta, em separado da confirmação social de Jesus de sua purificação. O diálogo que se seguiu resultou em uma fir­marão tripla (8:48), rebatendo as “três bolas fora”: sua digni­dade e status foram restaurados no tratamento de Jesus a ela como “filha” (de Abraão; cf. 1:55); ela fora fisicamente curada, mas agora também socialmente redimida e feita sã (comple­ta); e ela recebeu o dom da paz, não apenas em termos de sua condição física, mas também em termos de agora ser aceita quando, até aqui, havia sido rejeitada e marginalizada. Este reconhecimento público era um componente essencial à cura de Jesus, dado o “pecado” da mulher de contaminar a multi­dão em razão de sua condição hemorrágica. Não temos espaço para explorar as muitas outras curas de Jesus registradas no Evangelho de Lucas. Meu pon­to primário em toda essa discussão é acentuar a significância mais ampla, social e política, dos atos de cura de Jesus. Em cada caso, as curas são sinais anunciando a invasão do reino de Deus, seja em termos de liberação de pecados ou débitos, reconciliação com a comunidade, restauração da dignidade social ou reordenação das relações sociopolíticas. As curas de Jesus realizaram outras funções, além de corrigir corpos quebrados: elas tanto anunciavam a restauração final de Is­rael quanto constituíam a chegada do descanso sabático úl­timo. Contra este histórico, é menos surpreendente que as curas apostólicas em nome de Jesus posteriormente (ex., em Atos) tanto participaram do início do dia aceitável do Senhor como, simultaneamente, instigavam certos tipos de reações hostis dos líderes religiosos expressas previamente contra o próprio Jesus. Retornado ao presente, então, devemos refletir sobre o fato de que há mais para a cura divina do que interven­ção biomédica. Como seres completos sociopsicosomáticos, nossa saúde exige tanto cura física quanto remediação psi-coespiritual, incluindo reconciliação com Deus. Seres huma­nos são criaturas sociopolíticas e econômicas tais que a saúde holística também envolve resolução de relacionamentos in­terpessoais, reintegração em comunidades e restauração do valor humano vis-à-vis às percepções de outros. Na medida em a medicina ocidental bifurca nossos corpos do restante de nós, ela só pode consertar alguns de nossos sintomas, mas não pode trazer a cura plena; nossas melhores práticas médicas permanecem, exceto sinais parciais do reino. O que seguido­res de Jesus capacitados pelo Espírito podem fazer, hoje, para redimir e transformar nossos sistemas de saúde em todos os níveis — medicina, acessibilidade, seguro, e assim sucessiva­mente — de maneira que a cura possa, mais uma vez, anunciar o ano do Senhor? As curas carismáticas de Jesus foram sinais do reino precisamente porque Jesus recusou se alinhar às convenções sociais de sua época. Ele repetidamente atravessou limites so­ciais, religiosos e teológicos — tocando em leprosos, perdoan­do pecados, declarando o limpo impuro, interagindo com os patronos de Israel de maneira diferente de um cliente, e assim por diante —, como também agiu sob a capacitação do Espí­rito Santo para anunciar e estabelecer o dia do Senhor. En­quanto houvesse alguns da hierarquia regente que estivessem abertos a abraçar a nova ordem mundial de Jesus, a maioria dos líderes religiosos, da aristocracia dona de terras e da elite imperial teria se sentido ameaçada a perder seu lugar no sis­tema social. Estamos, hoje, plenamente comprometidos com o tipo de comunidade plena e transformadora que é o reino de Deus? E, se sim, como nossas ações podem ser subversi­vas aos atuais poderes dominantes? Se não estivermos presos em manter nosso próprio lugar na ordem social, poderemos nos tornar agentes melhores do poder carismático do Espírito para trazer sinais de cura do reino vindouro.
PARTE TRÊS A Economia do Espirito na Judeia
IO Economia do Espírito Atos 4:32-5:11 Existem outras passagens em Atos que revelam outras razões porque os líderes políticos e religiosos da Palestina fi­caram preocupados acerca da comunidade cristã inexperiente em Jerusalém. Dentro de um curto período de tempo, houve mais de cinco mil membros das redondezas e do mundo me­diterrâneo mais amplo reunidos ao redor dos apóstolos (Atos 4:4; já havia ao menos esse mesmo número de seguidores de Jesus durante o período público de seu ministério — vide Lc. 9:14). Enquanto estes incluíam alguns donos de terra e aqueles das classes altas mais abastadas, os líderes apostólicos tam­bém tiveram que garantir que as necessidades dos mais pobres em seu meio estivessem sendo supridas. O que estava surgin­do era uma comunidade plenamente mútua (em vez de hie­rárquica), na qual “era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns” (At. 4:32). Não apenas havia pessoas mais ricas dispostas a compar­tilhar com os menos privilegiados, mas mesmo os pobres ha­viam internalizado a mensagem de Jesus a eles (no “Sermão da Planície”) para dar, compartilhar e emprestar uns aos outros sem a expectativa de retorno (Lc. 6:30-35). Este estilo de vida alternativa, vivido em larga escala, certamente ameaçaria as pirâmides sociais, econômicas e políticas do poder que servia aos propósitos das elites urbanas às custas das massas abaixo. Na verdade, foi a partir da matriz de tal abnegação comunal e mutualidade que o testemunho apostólico de Je­sus avançou com tal poder. Ao passo que, no passado, era dito da comunidade apostólica que ela instigava “a simpatia de todo o povo” (At. 2:47), aqui, fica claro que a comunidade estava agradando a Deus, que, por sua vez, concedia “abun­dante graça [...] sobre todos eles” (4:33). A proclamação apos­tólica causou a impressão que causou precisamente em razão do amor das pessoas a Deus ser confirmado e manifesto pelo amor concreto de uns para com os outros. O cumprimento do maior mandamento envolvia amar a Deus e ao próximo (Lc. 10:25-28). Jesus disse: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei avós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13:34-35). A ressurreição de Jesus era, portanto, não apenas fa­lada, mas testemunhada em feitos tangíveis de compartilhar altruísta, de maneira que “Não havia, pois, entre eles necessi­tado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depo­sitavam aos pés dos apóstolos” (At. 4:34). A medida que os judeus antecipavam a ressurreição trazendo consigo a restau­ração final de Israel, estes primeiros seguidores de Jesus incor­poravam sua vida ressurreta como o povo renovado de Deus. Desta forma, eles estavam testemunhando a possibilidade de viver o sábado e o ano do jubileu discutido no Pentateuco de modo a satisfazer as necessidades de todas as pessoas (vide Dt. 15:1-18, especialmente v. 4). Em suma, a comunhão dos crentes e o compartilhar das posses eram uma realização material da redenção de Israel, um sinal da efetuação do reino de Deus. O poder deste testemunho não era apenas a natureza voluntária da vida cristã em comunhão, mas também a men­sagem de que era possível imaginar um mundo organizado de maneira diferente do modo como o era. Ao passo que a Palestina do primeiro século operava de acordo com relações recíprocas entre patronos e clientes — por exemplo, entre a elite religiosa e as massas, entre aristocratas donos de terra e seus trabalhadores camponeses, e entre a guarda imperial e suas comunidades —, para Lucas, o próprio relacionamento de patronagem havia sido subvertido completamente, uma vez que Deus era o patrono último, Jesus era seu representan­te, e os seguidores de Jesus viviam, em vez disto, em resposta à generosidade de Deus. Em vez de vendedores de propriedade se tornando beneficiários daqueles que recebiam os lucros, ca­bia aos apóstolos “repartir a cada um” (4:35). Por sua vez, não existe indicação de que os apóstolos reivindicaram ser benefi­ciários; eles mesmos não pareciam possuir propriedade algu­ma. O exemplo positivo, aqui, é o de José, chamado Barnabé.
Um estrangeiro cultural (de Chipre), Barnabé fazia parte da diáspora judaica, da tribo de Levi. A lei levítica exigia viver do dízimo em vez de permitir a posse de propriedade (vide Nm. 18:20; Dt. 10:9). A conversão de Barnabé o levou a viver os princípios levíticos, sabáticos e do jubileu: vendendo seu campo, compartilhando o lucro com aqueles em necessidade, se tornando “de um só coração e de uma só alma” com outros seguidores de Jesus, e tendo todas as coisas em comum com eles. O exemplo negativo para a comunidade cristã primi­tiva foi o de Ananias e Safira. Dada a natureza voluntária do compartilhar cristão, o casal não precisava dar o valor total de sua venda aos apóstolos (5:4). O pecado do casal foi dar apenas parte do lucro enquanto fingia que estava dando o valor total, e, então, mentir sobre o caso. A decisão do casal ameaçava a abertura, mutualidade altruísta e honestidade da comunida­de cristã primitiva. Quando eles perceberam que seu engano havia sido descoberto, eles “caíram [...] e morreram” (5:5, 10). O contraste entre as práticas doadoras de vida daqueles como Barnabé e a ganância e desonestidade destruidora da comuni­dade de Ananias e Safira eram, agora, inconfundíveis, e “hou­ve um grande temor em toda a igreja [ekklesia] e em todos que ouviram estas coisas” (5:11). Ironicamente, a primeira referen­cia a ekklesia4 pode também ter assinalado, com esta sequência chocante de acontecimentos, o início do final do experimento comunal cristão primitivo; tirando as discussões em Atos 6 e 11, nós pouco ouvimos deste tipo de partilha comunal e gene­rosidade, mais tarde, no registro de Lucas. Ainda, o episódio de Ananias e Safira contrasta tanto a espontaneidade e generosidade de Barnabé, em particular, como da comunidade cristã mais ampla, como um todo. Os primeiros seguidores de Jesus testemunharam com poder o Cristo ressurreto, em parte através da quebra das relações en­tre patrono e cliente de sua época. Crentes de todas as clas­ses econômicas e sociais compartilhavam uns com os outros uma nova família de irmãos e irmãs “de uma mente e coração” 4 A palavra grega ekklesia, geralmente referida à “assembléia”, do grego polis, ou cidade estado; aqui e em poucos outros lugares aparece em Atos, indicando a nova comunidade política formada de crentes messiânicos.
(4:32), sob o senhorio de Cristo e a liderança apostólica. Eles haviam recebido a hospitalidade graciosa de Deus, e agora vi­viam da abundância divina contra a violência, a injustiça e a iniquidade do império e de suas agências de execução. O Espírito Santo está operando de maneiras seme­lhantes hoje? Existem comunidades de fé que são sinais da mutualidade e da amizade do reino vindouro? Estes tipos de comunidades eclesiásticas, por sua própria existência, cons­tituem uma crítica profética ao egoísmo, à injustiça e à vio­lência que caracterizam as estruturas falidas deste mundo, como também uma ameaça de destruição da forma do mun­do de fazer negócios. Talvez a testemunha presente da igreja ao mundo esteja silenciosa porque estamos dominados por nosso individualismo, materialismo e consumismo, em vez de cativados pela abnegação de Cristo e dos exemplos como Barnabé. Mas, se plenamente abraçarmos o poder do Espírito Santo, em vez disto, cessaremos de comprometer o evangelho com nosso egoísmo e, na verdade, incorporaremos as boas no­vas aos confins da terra.
11 Ausência de Hierarquias de “Classe” no Espírito! Lucas 7:18-50; 13:10-17; 18:9—17 Como podemos explicar o fato de que os primeiros se­guidores de Jesus “estavam juntos e tinham tudo em comum” (At. 2:44) e de que lhes “era um o coração e a alma” (4:32)? Como estes primeiros discípulos eram capazes de se libertar das divisões de classe e da estrutura organizada hierarquica­mente e viver uns com os outros, como iguais? Talvez isso ti­vesse algo a ver com a vida e com os ensinamentos daquele que eles seguiam. Talvez ele tivesse sido, de fato, capacitado pelo Espírito para restaurar o reino de Israel, e assim o fez, derrubando os poderosos e exaltando os humildes (vide Lc. 1:51-53), e ao proclamar libertação aos cativos e liberdade àqueles que eram oprimidos (4:18). As passagens lucanas sob consideração neste capítu­lo acentuam o nivelamento feito por Jesus das hierarquias de classe de sua época e o estabelecimento de uma comunidade de iguais. Vemos que os pobres — incluindo o doente, o endemoninhado, o cego, o deficiente, os leprosos, os cobradores de impostos, os bêbados e os pecadores no fundo da hierarquia social (7:21-22, 29, 34) — respondiam avidamente a seu minis­tério. Ao mesmo tempo, também estava claro haver outros, incluindo alguns fariseus, advogados e líderes religiosos, que recusaram os ministérios de João (e, por extensão, o de Jesus) e “rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos” (7:30). O registro singular de Lucas na casa de Simão, o fari­seu, e a interação subsequente com a mulher pecadora, ilus­tram o Espírito chamando uma comunidade de iguais, através do ministério de Jesus. Não apenas era incrível que Jesus, para começar, aceitou o ministério dessa mulher, mas ele também claramente comunicou sua aceitação por Deus através da exo­neração de seus débitos (7:41-43) e do perdão de seus peca­dos. (Lucas 7:47 sugere que ela havia previamente, talvez em privado, já encontrado Jesus e recebido perdão, e agora bus­cava lhe mostrar sua gratidão). O problema com o anúncio de Jesus de perdão, contudo, era que isto tinha permanecido como prerrogativa do sacerdócio, realizado de acordo com os protocolos dos sacrifícios do templo. Jesus, na verdade, havia minimizado o ministério do templo e, ao comparar e con­trastar a mulher pecadora com um respeitado fariseu, ambos minimizavam o estabelecimento religioso e questionavam a autorretidão de Simão. (Na verdade, a fala de Jesus a Simão, “aquele a quem pouco é perdoado” [7:47], tecnicamente sugere que Simão tem poucos pecados que precisam de absolvição, mas, em realidade, comunica que, de seus muitos pecados, apenas poucos foram reconhecidos por ele como necessitando perdão!). No final, então, a declaração de Jesus de que “a sa­bedoria é justificada por todos os seus filhos” (7:35) prefigura sua justificação pública da mulher pecadora e sua denúncia pública e condenação da hierarquia religiosa. Um episódio semelhante acontece, mais tarde, quan­do Jesus “ensinava no sábado, numa das sinagogas” (13:10). Neste caso, Jesus curou uma mulher espiritualmente oprimi­da pelo diabo que estivera, então, encurvada por dezoito anos. Contudo, a imagem contrastante é a do líder indignado da si­nagoga, que objetou que tal feito tivesse sido realizado no sá­bado. A resposta de Jesus foi direcionada à liderança religiosa como um todo, que servia como guardiã social e cultural: “hi­pócrita!” (13:15). Aqui estava uma “filha de Abraão” (13:16) que estava pronta para receber seu descanso sabático, ainda que contra toda a hierarquia, que parecia determinada a evitar a chegada do dia aceitável do Senhor. Eles pareciam dema­siadamente preocupados com as convenções tradicionais para abraçar a obra do Espírito de realizar a plena restauração de Israel, especialmente quando isso incluía e envolvia as classes mais baixas e os habitantes pobres da terra. A parábola posterior de Jesus, sobre o fariseu e o co­brador de impostos (18:9-14), confirma o rebaixamento dos orgulhosos e a exaltação dos humildes pelo Espírito. O fariseu via a si mesmo como superior em pelo menos três níveis: mo­ralmente, porque ele era diferente dos ladrões, trapaceiros, adúlteros ou cobradores de impostos; religiosamente, porque ele jejuava duas vezes por semana; e economicamente, porque ele pagava o dízimo fielmente. Mas foi o autoconfesso peca­minoso cobrador de impostos que — como Zaqueu — “desceu justificado para sua casa, [...] porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humi­lha será exaltado” (18:14). Na verdade, Jesus caracteriza o reino vindouro como pertencente àqueles que são como crianças (18:15-17). Isto reflete o tipo de humildade manifesta entre os crentes primitivos, uma vez que ninguém que considerava a si mesmo melhor que os outros teria ficado confortável entre aquela comunidade de iguais. Como crianças não exigem a hospitalidade que busca seus próprios interesses, assim agia a comunidade de iguais, florescendo através da mutualidade e da hospitalidade de pessoas como Barnabé e outros dos pri­meiros seguidores de Jesus. Jesus estava pregando e convidando pessoas para um novo Israel, constituído pela aliança e pela hospitalidade gra­ciosa de Deus. Naquele descanso sabático final, representando o reino vindouro, dívidas e pecados seriam perdoados, as pes­soas seriam feitas completas, e os pobres seriam redimidos das margens da sociedade e restaurados ao centro. O ministério público de Jesus sob o poder do Espírito estava aterrorizador aos poderes de sua época porque ele ameaçava desvendar toda a estrutura hierárquica estabelecida pelo Império Romano. A renovação de Israel destituiria o status quo e produziria uma comunidade de iguais na qual os pecadores eram perdoados assim como os líderes religiosos; na qual os pobres, doentes e endemoninhados eram restaurados e reconciliados com aqueles que eram prósperos; e na qual cobradores de impostos desprezíveis, mas arrependidos, e crianças, pouquíssimo valo­rizadas, representavam personagens centrais do reino. Eu imagino se somos mais como Simão, o fariseu, e o líder da sinagoga, ou como a mulher pecadora e a mulher encurvada: estamos dispostos a sermos “rebaixados” de nossos status mais altos, ou devemos ser “exaltados” de nossos lugares mais baixos? Também imagino se poderiamos ter nos conten­tado em ouvir, como a mulher pecadora, “vá em paz” (7:50), ou se teríamos, talvez, dado os próximos passos de formar e então morar em tais comunidades de paz, perdão, boas-vin­das e hospitalidade. Não deveriamos ficar felizes ou satisfeitos meramente com nossas salvações “individuais”. Afinal, é obra do Espírito, através de Cristo e seu povo, renovar Israel; salvar um povo novo e peculiar de Deus; e introduzir o pleno reino de retidão, justiça e paz (shalom). E esta obra salvadora en­volve a dimensão coletiva de nossas vidas, não apenas nossos seres solitários.
12 Espírito e Perseguição: A Política de Restauração Atos 5:12-42; 12:1-25 Assim como as coisas continuariam a piorar para Je­sus em suas relações com os líderes religiosos e políticos de sua época, o mesmo aconteceria com seus seguidores. Ao pas­so que eles haviam anteriormente sido advertidos e ameaça­dos pelas autoridades (At. 4:21), posteriormente ele são açoi­tados (5:40) e, no caso de Tiago (o irmão de João), executado (12:2). Podemos conjecturar que as hostilidades aumentaram em grande parte em razão à ameaça sentida que estes seguido­res de Jesus apresentavam aos poderes existentes. As pessoas estavam sendo curadas, aqueles com espíritos imundos esta­vam sendo libertos, o numero de crentes estava crescendo dia após dia e incluindo pessoas das áreas circunvizinhas, e todos aqueles excluídos socialmente e desprovidos de educação (na maioria das vezes) estavam sendo mantidos em uma crescen­te elevada estima (5:13-16). Todos estes acontecimentos eram, naturalmente, uma extensão do ministério carismático de Jesus (cf. Lc. 4:18): os feitos que ele realizou sob o poder do Espírito Santo estavam agora sendo realizados por seus segui­dores, que também estavam sendo capacitados pelo Espírito. Tão assustador quanto era o fato de que os seguidores de Jesus estavam oferecendo perdão de pecados às pessoas, conforme Jesus oferecia. Pior, eles estavam agindo assim nos limites do templo (At. 5:21, 25), mas, como Jesus, contornando totalmente os mecanismos do sistema sacrificial e o sacerdó­cio. Ao passo que curadores daquela época teriam se tornado patronos com uma vasta clientela, os apóstolos não apenas ameaçavam colocar tais curadores fora de circulação, mas também recusavam operar de acordo com as normas de rela­cionamentos de patronos e clientes. Em vez disso, as pessoas estavam sendo curadas bem em separado de quaisquer ações intencionais dos apóstolos, com a sombra de Pedro mediando a graciosa cura de Deus inclusive quando ele andava e cobria aqueles que estavam enfermos (5:15). O que poderia ter sido mais urgente, entretanto, era a pregação dos apóstolos. Em particular, os líderes religiosos — incluindo o sumo sacerdote e “o conselho e todo o cor­po de anciãos de Israel” (5:21) — estavam preocupados que os apóstolos estivessem “determinados a lançar o sangue desse homem [Jesus] sobre nós” (5:28). A isto, Pedro e os apósto­los responderam em uníssono, reiterando a acusação acerca de “Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro” (5:30)- O sábio Gamaliel (que pode ter sido professor de Pau­lo; 22:3) comparou este movimento de massa a dois outros, cuja notoriedade indubitavelmente permanecia nas mentes dos líderes judaicos (5:36-37). Teudas reuniu cerca de quatro­centas pessoas, e Judas, o galileu, também liderou uma revolta em massa (documentada pelo historiador judeu Josefo) em reação ao governo tirânico de Arqueleu (que reinou na Judeia de 4 AEC a 6 EC) e à exorbitante política de taxação de Quiri- no (da Síria). Este detalhe também pode explicar porque Tia­go, o irmão de João, foi executado pelo Rei Herodes Agripa (Agripa I, que reinou na Judéia de aproximadamente 37 a 44 EC). De acordo com a Mishnah Sanhedrin (9:1), decapitação ou execução pela espada eram reservadas não somente para assas­sinos, que Tiago claramente não era, mas também para após­tatas — aqueles que ameaçavam a segurança e a estabilidade da região, o que a liderança de movimento de Jesus ameaçava! No caso de Herodes, também é útil saber que ele era bastante popular com os judeus (At. 12:3), em parte porque ele visava melhorar o s tatus quo dos judeus vis-à-vis seus regentes roma­nos. Não é difícil imaginar que ele, também, talvez depois de prolongadas discussões com os lideres religiosos, veio a en­xergar o emergente movimento de Jesus como uma ameaça política e não foi desencorajado por nenhum dos argumentos, ao estilo dos dados por Gamaliel, de tentar acabar com esta insurreição. Ele não apenas matou Tiago, mas também lançou Pedro na prisão.5 Em meio a esta perseguição, os seguidores primitivos de Jesus oravam fervorosamente (12:5, 12) e continuavam a proclamar as boas novas do perdão de pecados. Em resposta a violência decretada sobre Jesus, “O Deus de nossos pais res­suscitou a Jesus [...] Deus, com a sua destra, o elevou a Prínci­pe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados” (5:^0-31). Então, contra as ameaças dos líderes religiosos, os apóstolos, em vez disso, seguiram nos passos de seu líder e Salvador, oferecendo arrependimento e perdão de pecados. Assim como Jesus havia sofrido uma morte desonro­sa e amaldiçoada em um madeiro, os apóstolos estavam “rego­zijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus” (5:41). Em vez de resistir à violência de seus opressores de maneira semelhante, os primeiros seguido­res de Jesus orereciam o dom do Espirito Santo. Estas respos­tas subvertiam os valores do império com os valores do reino. O fim da vida de Herodes reflete a subversão das “boas novas” da Pax Komana. Como representante do senhor César, ele mediava os benefícios salvadores do Império Romano em termos de distribuir comida aos necessitados, incluindo pes­soas de Tiro e Sidom (12:20); mas assim, também, agiam os primeiros seguidores de Jesus. A diferença era que Herodes recebia glória para si (12:20), ao passo que aqueles que abra­çavam a messianidade de Jesus se importavam uns com os outros como uma comunidade de iguais. Então, “no mesmo instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus e, comido de bichos, expirou [um registro confirmado em outras palavras por Josefo]. E a palavra de Deus crescia e se multiplicava” (12:23-24). Através da oração e da pregação, então, os leitores de Lucas recebem uma visão de uma forma não violenta de re­sistência, de um modo que introduzia o reino vindouro nos passos de Jesus, o profeta capacitado pelo Espírito de Deus. O poder do Espírito não produziu rebeliões armadas, como aquelas lideradas por Teudas e Judas, o galileu, entre outras (vide 21:38). Em vez disto, inspirava a proclamação de um Messias que trazia cura para 0 corpo, realizava reconciliação social entre classes de pessoas que haviam estado previamente alienadas e separadas uma das outras, oferecia perdão de pe­cados, e libertava as pessoas da opressão (social e espiritual). Aqueles que recebiam seu convite e eram obedientes em an­dar em seu caminho de vida eram “nascidos de novo” em um Israel restaurado, um povo renovado de Deus, comunidade e comunhão de iguais. Os judeus muito ansiavam por tal renovação de Is­rael, mas não esperavam que ela adotasse essa forma. O mes­mo pode ser dito daqueles entre nós, hoje, que se consideram seguidores de Jesus. Podemos pensar em arrependimento, em perdão e no dom do Espírito Santo de maneiras bastan­te individualizadas. Isso também pode explicar porque nosso testemunhar da ressurreição de Jesus é, as vezes, silenciado, sem potencial socialmente explosivo. E isso também pode ser o motivo porque experimentamos muito menos perseguição por nossa ré do que os primeiros seguidores do Messias.
3 O Espírito e a Paixão de Cristo: Política da Paz Lucas 22:31-23:56 Não é de se surpreender, o mesmo Espírito Santo que capacitou o testemunhar dos discípulos (At. 4:31; 5:32) e os ca­pacitou a perseverar em meio à perseguição mesmo ao ponto do martírio também capacitou o ministério de Jesus que o levou à morte. Na verdade, a vida e a paixão de Jesus fornecem um modelo para a imitação dos discípulos. O próprio Jesus advertiu seus seguidores destas coisas (Lc. 12:11), e explicita e ominosamente lhes disse: “Satanás vos [plural no grego] pe­diu para vos cirandar como trigo” (22:31). Enquanto Jesus dizia estas palavras, Satanás já tinha entrado em Judas (22:3), e a hora do “poder das trevas” (22:53), do próprio julgamento e da perseguição de Jesus estava iminente. Naturalmente, a máquina política que fez mártires os apóstolos também estava operando no caso de Jesus. Em sua traição por Judas, Jesus foi levado ao sumo sacerdote e, na­quela manhã, foi interrogado pelos principais dos sacerdotes e escnoas, e pelo concilio judaico; posteriormente, acusado de estar “pervertendo a nação, proibindo dar o tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei” (23:2), e de mobilizar as multidões de “alvoroçar o povo ensinando por toda a Judéia, começando desde a Galiléia até aqui” (23:5). Os líderes judai­cos haviam claramente seguido cadapasso de Jesus, desde que 0 início de sua jornada através da Galiléia para Jerusalém, cer­to tempo atrás (9:51), e haviam observado o quanto as pessoas estavam encantadas com sua mensagem e seus feitos. Eram, provavelmente, as mesmas multidões da Galiléia e da Judéia que também foram atraídas a Jerusalém, mais tarde, durante o avivamento apostólico (At. 5:16). Claro, os apóstolos eram culpados das acusações con­tra eles — de inspirar o povo, de pregar acerca de Jesus e de oferecer perdão de pecados —, embora eles não fizessem tais coisas com a intenção direta de destituir o status quo religioso e político. Por contraste, Jesus era totalmente não culpado das acusações contra ele. Contudo, estas acusações foram trazidas porque os líderes religiosos sentiram que ele estava prestes a derrubar o scatus quo,ainda que não conseguissem entender como ele planejava fazer isso. Desta forma, em resposta às acusações fabricadas de traição e sedição, Lucas é cuidadoso ao nos dizer que Jesus não proibia o pagamento de impostos a César (Lc. 20:25), eenquanto ele, de fato, instigava o povo, não estava buscando causar uma rebelião armada, conforme eles temiam. Então, enquanto Jesus mesmo afirmou ser o Filho messiânico de Deus e rei dos judeus — desta forma, levando a inscrição: “Este é o rei dos judeus”, na cruz (23:38) —, sua inocência é reconhecida e declarada repetidamente em várias fases de seu “julgamento”: por Pilatos (três vezes), por Hero- des Antipas, por um dos criminosos na cruz, pelo centurião ao pé da cruz, e, implicitamente, por José de Arimatéia, que não concordou com o processo de acusação contra Jesus feito pelo concilio. Previsivelmente, Jesus também é proclamado como o “Justo” pelos apóstolos, posteriormente (At. 3:14). Ironicamente, enquanto Gamaliel comparou os após­tolos aos insurrecionistas Teudas e Judas, o galileu, Jesus foi executado no lugar de Barrabás, “O qual fora lançado na pri­são por causa de uma sedição feita na cidade, e de um homi­cídio ” (Lc. 23:19, 25). Contra a violência de Barrabás e outros aspirantes a messias, contudo, Jesus advogava um caminho de paz (19:42; cf 1:79; 2:14). Sim, aquele era um tempo de cri­se, conforme simbolizado pela espada, a que Jesus chamou a atenção (22:36). Mas, enquanto os discípulos pensavam que isto significava que era chegado o tempo de libertar Israel do governo imperial, eles não haviam entendido o que Jesus queria dizer. Em resposta à produção de duas espadas para a tarefa que eles acreditavam estar iminente, Jesus exclama em exasperação: “Basta!” (22:38); e à resposta violenta contra Judas e a multidão, ele ordena: “Deixai-os, basta!” (22:51), e promove cura e paz, em vez disso. Mesmo quando ele é satiri­zado, zombado e espancado (22:63-65; 23:11, 35-36, 39), Jesus se recusa a retaliar. Após o Pentecoste, os discípulos claramente haviam aprendido a imitar as abordagens não violentas de Jesus. Enquanto eles não conseguiam manterem-se acordados, quando ele se preparava, através da oração, para confrontar a oposi­ção, repetidas vezes, mais tarde, não buscaram a espada, mas a oração e o poder do Espírito (At. 4:24-30; 12:5). A determina­ção de Jesus de ser obediente ao Pai, inclusive obediente até à morte na cruz, forneceu um modelo para a própria resistência não violenta dos discípulos. Desta forma, a repetida oferta dos discípulos de perdão de pecados em sua pregação era um reflexo da resposta de Jesus, tanto em sua vida quanto em sua morte: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc. 23:34). , Já vimos que Jesus, bem como João, antes dele, oferece o perdão de pecados em nome do Pai, bem antes de sua morte (3:3; 5:20; 7:47-48). Deve ser observado que, diferente dos de­mais escritores neotestamentários, Lucas não possui conceito algum da morte de Jesus como uma substituição ou satisfação pelos pecados. Antes, Jesus claramente esperava morrer como um inocente em um confronto político com as autoridades — e ele morreu! —, mas também esperava que Deus vindicasse a missão de sua vida (renovar e redimir Israel) e sua messianidade através de uma ressurreição dentre os mortos (5:22; 18:33; 22:69). Os apóstolos entenderam a morte, ressurreição e exal­tação de Jesus como sendo central à disponibilidade de per­dão de pecados. O plano de Deus para a renovação de Israel, por conseguinte, parecia envolver a demonstração de Jesus de um caminho de paz; sua execução, apesar de sua inocência, a vindicação divina de Jesus como messias através da ressurrei­ção; e a consequente oferta de paz, reconciliação e vida abun­dante — o descanso sabático último, o ano do jubileu e o dia aceitável do Senhor —, através do perdão de pecados cometi­dos contra Deus e seu inocente Messias. Jesus viera, cheio do poder do Espírito, para restaurar e renovar Israel e estabelecer o reino de Deus. Em sua paixão e morte, parecera a seus discípulos que seu plano fora frustrado. Mas pode ter havido alguns, incluindo José de Arimatéia, que intuíam o contrário. José não seguiu seus colegas membros do concilio, aparentemente porque, diferente deles, ele “esperava o reino de Deus” (23:51; como Simão e Ana, antes dele), e reco­nheceu, ainda que fracamente, que a vida, o ministério e mes­mo a morte de Jesus apontavam para seu início em seu meio. O caminho adiante para Israel não era através da espada, mas da incorporação da paz, da retidão e da justiça exibidas na vida do Messias. Tudo isso pedia não passividade em face da oposição, mas dependência fiel de Deus. Após o Pentecoste, os discípulos finalmente pareceram ter entendido! Aqueles de nós, hoje, que foram e são recipientes do dom do Espírito Santo, devem, então, viver os valores e manifestar as práticas do reino que Jesus veio para estabelecer. Devemos ser como os primeiros discípulos, que seguiram no caminho de Jesus, vi­veram sua visão e carregaram seu fardo — assim como Simão de Cirene o fez (23:26). Devemos ser tão culpados hoje quanto Jesus e seus primeiros discípulos foram de ameaçar destituir o status quo, de livremente perdoar os pecados dos outros e de antecipar uma nova ordem mundial de shalomem meio a um mundo de violência. Devemos orar para não ignorarmos a obra do Espírito Santo ou estarmos por demais presos nos reinos deste mundo quando deveríamos estar avançando o reino de Deus.
M Multiculturalismo, Globalização e o Espírito Atos 6:1-7; 11:19-30 A missão de Jesus de restaurar Israel e estabelecer o reino fez nascer uma forma alternativa de vida. Esta reunião de Deus (ekklesia), que havia sido cheia do Espírito Santo, no dia de Pentecoste, estava inicialmente constituída de judeus da diáspora e prosélitos de ao redor do mundo (mediterrâ­neo) conhecido, e continuava a acrescentar a seus números habitantes locais de ao redor do interior judeu. Contudo, esta comunidade de iguais, apesar de suas generosas práticas de compartilhar o que tinham, por um tempo, resultando nas necessidades de cada um sendo supridas, estava prestes a con­frontar seus maiores desafios interculturais e econômicos. Atos 6 nos conta que as tentativas dos apóstolos de servir as multidões haviam alcançado um ponto de ruptura. Ironica­mente, isso foi ativado pelo conhecimento de que alguns na comunidade — helenistas, Lucas os chama, provavelmente se referindo aos judeus (e prosélitos) da diáspora que falavam grego — que estavam sendo tratados como menos do que iguais, em razão da negligência apostólica. As coisas haviam mudado, desde os primórdios do movimento, quando os dis­cípulos partiam o pão uns com os outros em seus lares. O tremendo crescimento do movimento de Jesus havia sobre­carregado os limitados recursos da comunidade, e os grandes números envolvidos foram direcionados, naturalmente, aos bolsos comunais, que se desenvolviam junto a linhas sociais, culturais, linguísticas e de classe. Os grupos mais vulneráveis na comunidade, as viú­vas, havia, portanto, se reunido em duas congregações dis­tintas: a de fala grega, provavelmente representando aquelas que retornaram a Palestina da diáspora após seus maridos haviam falecido, e a de fala hebraica, consistindo de locais. O problema parece ter sido que as viúvas helenistas “eram menosprezadas no ministério cotidiano” (At. 6:1). Mas o tex­to grego diz somente que elas estavam sendo negligenciadas na diakonia cotidiana, melhor traduzido simplesmente como “serviços” ou “distribuição”; é somente a resposta dos Doze — que distinguiam entre a “palavra de Deus” e “servir mesas” (6:2) — que leva a tradução de diakoniacomo “distribuição de comida”. Contudo, isso não parece certo; logo de início, no nível sociocultural, a preparação, a distribuição e o servir da comida teriam sido responsabilidade das mulheres. Futura­mente, jamais se diz que os sete homens que são escolhidos para supervisionar esta questão assumiram o trabalho de dis­tribuição de comida; em vez disto, com dois deles (Estevam e Filipe; At. 6:S-8:ô), nos é contado como estes pregavam a palavra com poder. Parece que Atos 6 reflete os desafios de manter uma comunidade de iguais que confronta qualquer comunidade multicultural, multiétnica e multilinguística. A tendência hu­mana leva a nos reunirmos com outras pessoas com experiên­cias e históricos semelhantes; não há nada inerentemente er­rado com isto. Contudo, este movimento palestino estava sob uma liderança palestina (isto é, de fala aramaica), e isso, por sua vez, levou, provavelmente de maneira inadvertida, à marginalização das viúvas helenistas — “estrangeiras residentes” que não tinham família ou apoio social da participação ativa na provisão do serviço cotidiano e nas atividades da comu­nidade. A resposta apostólica foi designar e capacitar líderes que falavam grego (os nomes dos sete são todos helenistas), para assegurar que tais práticas e comportamentos exclusivis­tas e injustos fossem corridos e que estas viúvas fossem cuida­das de maneira adequada. Um destes lideres cneio do Espirito era Nicolau, “prosélito de Antioquia” (At. 6:5). Nicolau e sua família podem ter visitado Jerusalém no dia de Pentecoste com outros judeus da diáspora da An­tioquia e da região circunvizinha. Eles haviam se juntado à comunidade apostólica, e suas habilidades de liderança foram reconhecidas e confirmadas. Em toda probabilidade, estes judeus antioquinos e prosélitos não tinham outros parentes que permaneceram em Antioquia. E provável que as várias comunidades de fala grega e hebraica, conectadas por crenças religiosas comuns, práticas e aspirações, encontraram causa comum com a visão apostólica ainda que falassem línguas diferentes. Ainda assim, era previsível que a perseguição da comunidade messiânica em Jerusalém levasse a uma dispersão dos fiéis, e que muitos destes convertidos simplesmente retor­nasse a suas casas (ou segundas casas, no caso dos judeus da diáspora) e trouxessem as boas novas com eles. Isso é exatamente como o evangelho chegou a Antio- quia, através de Nicolau e outros antioquinos. Este foi um importante desenvolvimento, pois a comunidade messiânica primitiva desde Antioquia era amplamente reconhecida no primeiro século como a terceira maior cidade no Império Ro­mano (além de Roma e Alexandria), com uma população de aproximadamente meio milhão de habitantes. E ali que estes crentes messiânicos primeiro vieram a ser conhecidos como christianos,ou seguidores do ungido, o Messias (11:26), ainda que este nome não tenha se enraizado como um autoenten- timento cristão até o segundo século. (A palavra christianos somente ocorre duas vezes em outros lugares no Novo Testa­mento: em Atos 26:28, nos lábios de Agripa II, que pergunta a Paulo: “Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!”, e em 1 Pedro 4:16, que diz: “Mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte”). Provavelmente, por algum tempo, durante a segun­da década da existência desta comunidade messiânica, uma fome mundial (o grego original é oikoumenen)se estabelece. Ao menos, isto é o que Àgabo, o profeta, predisse (11:27-28). Esse aparte de Lucas aconteceu “durante o reinado de Cláu­dio” (que data de 41-54), e é confirmada pelas referências em textos extrabíblicos uma seca, um tanto severa, que devastou as safras de grãos do Egito durante os anos 45-47. De fato, enquanto a seca pode ter sido local no Egito, ela teve impli­cações “globais”, não apenas para aquelas regiões do mundo (imperial) conhecido que eram dependentes da exportação do grão egípcio (como eram os habitantes da Palestina), mas também para aquelas comunidades da diáspora que estavam relacionadas àquelas que foram fortemente atingidas pela es­cassez de grão e pela inflação resultante dos preços dos grãos (como era o caso dos judeus da diáspora em relação aos seus parentes “no seu país”). Os cristãos antioquinos responderam a esta necessi­dade enviando alívio aos seus irmãos e irmãs judeus através de Barnabé e Saulo, e isto parece ser confirmado pelo pró­prio Saulo (Paulo) (vide Gl. 2:1-10, esp. v. 10). Ao passo que o evangelho de Jesus, o Messias, havia deixado a igreja “mãe”, os ministérios das igrejas “filhas”, tal como a de Antioquia, estavam agora fluindo de volta ao lar. Estes desenvolvimentos sugerem que a missão cristã resiste a qualquer tipo de men­talidade hierárquica, patriarcal ou “colonial”, e enfatiza, em vez disso, uma mutualidade e reciprocidade entre “enviar” e “receber” igrejas. Em certo sentido, pouco mudou em dois mil anos, ex­ceto que o “império” do capitalismo de mercado substituiu o Império Romano do primeiro século. O que resta agora, como outrora, são a marginalização dos “excluídos” culturais e lin­guísticos em qualquer situação, as sempre presentes necessi­dades dos pobres em todo o mundo (tanto dentro quanto fora das comunidades cristãs), alterando comunidades migrantes e mesmo refugiadas (talvez fugindo da perseguição de um tipo ou do outro), e as instabilidades suportadas por uma econo­mia política volátil (com implicações globais comensuradas com a economia global e com processos de globalização, como nossa atual dependência do petróleo continuamente nos lem­bra). Entretanto, podemos aprender uma lição bastante im­portante dos crentes messiânicos primitivos, que permanece aplicável a nossa época: que liderança e ministério eficazes de­vem representar e respeitar as perspectivas e línguas do povo que precisa ser servido. Isto não é mais do que uma extensão do princípio de Pentecoste, em que o evangelho foi anunciado à multidão em suas próprias línguas, pelo poder do Espíri­to Santo. Os líderes apostólicos reconheceram a importância deste princípio, ao envolverem helenistas de fala grega em sua “equipe de liderança”, e, assim, “a palavra de Deus se espalha­va” (At. 67). Isso parece ter sido transferido ao ministério inicial de Antioquia, onde “grande número creu e se converteu ao Senhor” (11:21). Os ministérios de Barnabé e Saulo acrescen­taram ao sucesso do estabelecimento da igreja em Antioquia. Na análise final, o princípio de Pentecoste permitiu aos líde­res apostólicos afirmar a iniciativa, a agência, e os ministérios distintos da igreja antioquina em seus próprios termos, e pa­receu bom ao Espírito Santo que isto, por sua vez, produzisse uma “missão reversa” de abençoar, partindo de Antioquia às igrejas na Judeia. É precisamente isto o que o Espírito Santo continua a fazer, hoje, em meio a um mundo marcado pelas desigualdades entre o Ocidente e os demais, e pela pobreza especialmente nas nações em desenvolvimento do Sul Glo­bal. Africanos e asiáticos, que uma vez foram recipientes de missionários do mundo ocidental estão, agora, vindo como missionários à Europa e à América do Norte, trazendo o evan­gelho com eles a terras secularizadas. O Espírito permanece operando em lugares multiculturais, reconciliando e, contu­do, preservando as muitas línguas e idiomas dos povos.
Pobreza e Posses: Uma Vida Cheia do Espírito e a Economia Global Lucas 12:13-34; 16:10-31; 18:18-30; 20:45-21:4 Os primeiros seguidores de Jesus que se arrependeram e receberam o Espírito Santo viviam como uma comunida­de de iguais, que tinha todas as coisas em comum. Aqueles que eram mais abastados vendiam o que tinham e compar­tilhavam o lucro, de maneira que não havia pessoa alguma em necessidade. Conforme a igreja se expandiu de Jerusalém para Samaria e além, as congregações separadas por região, geografia, língua, cultura e etnicidade eram solidárias umas com as outras, fornecendo alivio uma à outra, conforme ne­cessário. Um novo povo de Deus estava surgindo, que trans­cendia as divisões comuns do primeiro século; irmãos e irmãs que reconheciam o mesmo Pai, assim como reconheceu Jesus, conforme inspirados pelo Espírito Santo. Eles representavam um estilo de vida contracultural, não adotando as convenções políticas, sociais e econômicas aceitas e estabelecidas pelo Im­pério Romano. De muitas maneiras, contudo, estes primeiros crentes tinham simplesmente abraçado a vida e os ensinamentos de seu Messias, conforme ensinado através dos apóstolos. Como veremos em Lucas — e eu insto o(a) leitor(a) a ter o Novo Tes­tamento perto e de fácil acesso —, as visões de Jesus acerca de riqueza, posses e pobreza eram claramente adotadas nas co­munidades messiânicas primitivas. Mais importante, em duas ocasiões distintas, Jesus encorajou seus seguidores a venderem o que eles tinham e darem esmolas aos pobres (Lc. 12:33; Diferentemente de outros, que acumulavam para si mesmos, os discípulos são encorajados a se dedicarem, em vez disso, ao reino de Deus (12:30-31). De fato, de um ponto de vista huma­no, os mais ricos consideravam este um ensinamento duro, e os discípulos concordavam que, nestes termos, ninguém pode­ría ser salvo (18:23- 26). Contudo, Jesus insistia que “as coisas
que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus” (18:27), e, ao receberem o Espírito Santo, crentes simples, como Barnabé, lideraram o caminho na demonstração da possibilidade de viver a generosidade e a hospitalidade abundante de Deus. O problema, naturalmente, era que a maioria dos seres humanos e, como os fariseus que Lucas denunciava, “amante de dinheiro” (16:14). Ananias e Safira fracassaram em ouvir as advertências de Jesus acerca da ganância; sobre as necessida­des básicas de vida; e sobre tentar servir a Deus e a Mamom. Claro, a maioria dos ouvintes de Jesus presumia que fortuna, riqueza e posses eram sinal da benção divina resultante de sua obediência à aliança (cf. Dt. 28:1-14). Contudo, Jesus esta­va lembrando-os que as promessas da aliança de Deus foram feitas com um povo não merecedor, que eram, no geral, os pobres, os oprimidos e os marginalizados. Na verdade, estes eram aqueles a quem as boas novas do reino estavam sendo proclamadas (Lc. 4:18; 7:22), e era precisamente os pobres, os doentes e os endemoninhados (At. 5:16) que estavam respon­dendo à proclamação do reino. Que o novo povo de Deus incluía estas pessoas mar­ginalizadas, lideradas por homens indoutos (4:13), foi aludido no início no Evangelho de Lucas. Maria (no Magnificat) havia previsto as inversões do reino: a exaltação dos mansos, dos humildes e dos pobres, e o rebaixamento dos poderosos, dos orgulhosos e dos ricos (Lc. 1:51-53). As parábolas e os ensi­namentos de Jesus reafirmam esta característica central do reino. Os ricos são chamados tolos em razão de seus cálculos para sucesso terreno serem equivocados, ao passo que os dis­cípulos que confiam em Deus para lhes fornecer suas necessi­dades diárias são aqueles que são cheios do Espírito. Um ho­mem rico não nomeado que recebe um sepultamento decente (pensando ser um verdadeiro filho de Abraão), na verdade, se encontra atormentado no Hades, ao passo que o homem com nome (Lázaro), pobre (sem casa), sujo (com feridas), impuro (contaminado pelas lambidas dos cachorros) e provavelmente deficiente físico (que é “jogado” à porta do homem rico; 16:20), do qual não se diz ter recebido um sepultamento adequado, se ve no seio de Abraão. Mesmo os escribas que “amam as saudações nas praças, e as principais cadeiras nas sinagogas, e os primeiros lugares nos banquetes”, na verdade, oprimem as próprias viúvas, de quem eles deveríam cuidar, como alguém que esta vivendo os valores do remo (21:2-4). lais inversões nos ensinos de Jesus são exemplificadas na comunidade mes­siânica, que não vivia de acordo com os padrões do mundo, mas de acordo com o poder do Espírito Santo. Infelizmente, os ricos e abastados são por demais cen­trados em si mesmos. Eles acabam presos na economia da ga­nância e do lucro, que ocorre comumente aos custos das mas­sas nas classes mais baixas. Aqueles que receberam uma visão do reino, contudo, são capazes de ver os outros, para além de si mesmos. Eles não são autoconsumidos, mas têm o espírito dos grandes mandamentos, que é amar a Deus e ao próximo plenamente. Observe que, em resposta à pergunta do homem acerca de como alcançar a vida eterna, Jesus identificou os cinco mandamentos que lidam acerca de como tratamos as demais pessoas (18:20). No final, o amor de Deus e a busca do reino resultarão em um amor que reconstitui a nós e a nos­sos próximos como uma nova família e como povo de Deus (18:29-30; cf 8:19-21). O derramamento do Espírito sobre toda carne era o próximo passo no plano de Deus para restaurar e renovar Is­rael — precisamente, através do estabelecimento de uma fa­mília estendida de irmãos e irmãs que amariam uns aos outros como o Pai amou o Filho e o Filho amou o Pai. Pessoas de posses forneciam para os outros, nada esperando em troca. A mutualidade e a partilha reconciliavam o rico e o pobre, e uniam aqueles que outrora estaviveram divididos pela língua, pela cultura, pela etnicidade e pela classe. Aqueles que eram chamados cristãos — seguidores do Messias — serviam uns aos outros e comiam juntos, sem se preocuparem com os pro­tocolos do mundo. Tamanha era a imitação da vida de Jesus, as obras do Espírito Santo, o caminho do reino.
PARTE QUATRO Deixando a Judeia? Um Excurso Teológico
16 Um Registra Helenista da História de Israel: A Obra do Espírito e os “Confins da Terra” Atos 6:8-8:1 Os ensinos de Jesus acerca de posses, pobreza e rique­za iluminam a dimensão econômica do plano de Deus para restaurar e redimir Israel. Mas o registro de Lucas do ministé­rio e martírio de Estevam mostra que existem outros aspectos da redenção de Israel. Na verdade, as circunstâncias ao redor da vida e da morte nos reconectam com o maior enredo de Atos: a expansão do evangelho, de Jerusalém e Judéia para Samaria e até os confins da terra (At. i:S). Da perspectiva de vinte séculos mais tarde, às vezes fica difícil para os leitores contemporâneos entenderem que transportar e traduzir o evangelho de um movimento predominantemente localizado na Judéia para um público gentílico foi, por muito tempo, seriamente contestado. Em uma reconsideração cuidadosa da história de Estevam, o que aconteceu como resultado dela é crucialmente importante para entendermos como esta transi­ção foi resistida e então realizada. Como ficará claro, o Deus de Israel sempre teve em mente tanto aqueles do lado inferior da história quanto os confins da terra, em vez de estar focado apenas em um único povo “merecedor”, ou na terra prometida a seus antepassados. Sugiro não ser coincidência o fato de a história de Is­rael ter um aspecto mais “universal”, quando contada por Es­tevam. Afinal, sabemos que Estevam era um judeu helenista, talvez um que tenha retornado da diáspora para residir entre a comunidade messiânica em Jerusalém, e experimentou de primeira mão a possibilidade de florescimento local em meio a desenvolvimentos imperiais no mundo de fala grega. Sua apologia, em resposta a seus companheiros judeus helenistas de ao redor do Mediterrâneo (6:9), começa ao chamar a atenção às origens do “pai fundador” de Israel, Abraão, um peregrino por toda a vida da Mesopotâmia, Harã, e a terra dos caldeus (7:2, 4). Ele mesmo jamais recebeu a terra que lhe fora prometida, e inclusive é sepultado em Siquem (7:16) na divisa da Judeia e de Samaria (talvez antecipando a chegada do evangelho em Samaria, em Atos 8). Posteriormente, os patriarcas de Israel (José, seus ir­mãos e seus descendentes) foram formativamente moldados como “peregrinos” (7:6) por mais de quatrocentos anos na ter­ra do Egito. O próprio Moisés foi “instruído em toda a ciên­cia dos egípcios” (7:22), mesmo quando, mais tarde, gastou quarenta anos como refugiado em Midiã (7:23, 29-30), que é hoje conhecida como a Península do Sinai. Foi Moisés, na­turalmente, quem Deus usou para liderar Israel para fora de seu cativeiro egípcio e de volta à terra de Canaã (prometida a Abraão), apesar de as pessoas resistirem a sua liderança de vá­rias maneiras (7:27-28, 39-40). Em tudo isso, vemos que Deus chamou para si um povo que não era originalmente um povo. Em vez disso, antecipando o derramar do Espírito sobre toda carne em Pentecoste (2:17), Israel havia sido formada a partir das línguas, culturas e nações, as quais nós hoje chamamos de Antigo Oriente Próximo. O que não deve ser ignorado, no recontar desta histó­ria por Estevam, é o papel do Espírito Santo. Aqui, estou me referindo não apenas ao fato de que Estevam era um homem cheio do Espírito Santo (6:3, 5) e de que sua rendição foi ins­pirada pelo Espírito Santo (7:55); mas ao fato de que Este­vam também claramente declarou que, em um sentido, toda a história de Israel envolvia a oposição do povo judeu à obra do Espírito (7:51). Enquanto o Espírito de Deus havia chama­do um povo peculiar a partir do mundo do Antigo Oriente Próximo, eles tinham continuamente resistido ao chamado, desobedecido a Deus e até mesmo trocado a adoração a Deus pela adoração a ídolos. O resultado, naturalmente, Foi o exílio babilônico (7:4^), que no curso dos próximos poucos séculos moldou a existência diaspórica dos judeus sob a Roma impe­rial. Naturalmente, os judeus helenistas na diáspora comu- mente encontravam o seu caminho de volta para a Judéia, mo­tivados pelas promessas de Deus feitas a Abraão. Na verdade, os oponentes de Estevam eram eles próprios judeus “libertos” (.6:9), ex-escravos que serviam em varios centros por todo o Império Romano, mas, sob a libertação, haviam retornado à Judeia. Eles também estavam indubitavelmente ansiosos pela redenção de Israel do governo imperial, sendo zelosos defen­sores da lei de Moisés, da terra de Israel e do templo de Javé, entendido como a morada do próprio Deus (7:46). De fato, Estevam foi acusado precisamente por falar contra os símbo­los centrais judaicos (6:11,13-14). Como os anciãos, os escribas, o sumo sacerdotes e o concilio religioso, o Sinédrio (6:12; 7:1), os libertos helenistas também se sentiram ameaçados pela nascente, mas crescente comunidade messiânica. Não apenas havia agora uma alterna­tiva para as viúvas, entre os seguidores de Jesus (6:1-6), mas havia também a crescente percepção de que as práticas destes crentes ameaçavam minimizar o papel do templo na vida reli­giosa e cultural de Israel. Se Jesus e seus discípulos estivessem certos, não havia mais necessidade para sacrifícios pelos pe­cados (Deus aparentemente escolheu dispensar o perdão em nome de Jesus), não havia necessidade de um sacerdócio (os Doze não eram da tribo de Levi), e talvez necessidade alguma para o templo. (Veremos no capítulo seguinte que Jesus real­mente predisse a destruição do templo). Os doze apóstolos podem, também, ainda ter espera­do certo tipo de redenção de Israel e do templo sob a super­visão romana. (Até agora, ouvimos apenas que os apóstolos continuaram a se reunir diariamente nos recintos do templo). Mas é o helenista e cosmopolita Estevam que, de alguma for­ma, veio com apercepção de que o Deus de Israel também era, em certo sentido, o Deus de todas as nações — dos mesopotâ- mios, caldeus, egípcios, midianitas, e assim sucessivamente — e que a “habitação” de Deus não estava limitada a uma região especifica ou local (quer na judeia, em Jerusalém ou mesmo no templo). Em vez disto, todo o céu e toda a terra pertenciam ao Senhor (7:49). Sendo assim, então, a redenção e a renovação de Israel sugeriam também a salvação de todos os povos, não apenas dos judeus. E, neste caso, os filhos daqueles que haviam perseguido os profetas e assassinado Jesus estavam sendo ex­cessivamente paroquiais e erroneamente exclusivistas. Estes judeus zelosos ficaram furiosos (7:54) pelo que ouviram, assim como o mesmo concilio de líderes religiosos havia ficado anteriormente, a ponto de desejar matar os após­tolos (5:33). Enquanto previamente havia um Gamaliel para impedi-los, neste caso havia apenas outro importante judeu helenista, ele mesmo siciliano (21:39; 22:3! 23:34), que indubi­tavelmente ressoou as condenações de seus companheiros li­bertos sicilianos (6:9) e aprovou a defesa destes da antiga fé. A visão de Estevam de ver “os céus abertos e o filho do homem de pé à destra de Deus” (7:56) provavelmente provocou recor­dações da própria reivindicação de Jesus neste sentido (Lc. 22:69), e resultou em sua execução. De aqui em diante, as Boas Novas se expandiram da Judéia (entre judeus e prosélitos locais, helenistas e da diáspora) para Samaria, para os gentios, e para a própria Roma. Mas, antes de analisarmos o desenrolar da obra do Espírito aos confins da terra, devemos pausar para examinar detalha­damente o próprio entendimento de Jesus do lugar de Israel, de Jerusalém e do templo no plano salvador de Deus.
7 Julgamento sobre Jerusalém: 0 Espírito e a Redenção de Israel Lucas 13:1-5, 31-35; 19:41-44; 20:9-19; 21:5-38 Estevam foi apedrejado por judeus libertos, helenistas e membros do sinédrio. Ao passo que as acusações contra Es­tevam foram fabricadas por seus oponentes, as reivindicações de que ele falara contra Moisés, a lei e o templo estavam, no mínimo, embasadas nas próprias palavras de Jesus. O próprio Jesus disse do templo: “dias virão em que não ficara pedra sobre pedra” (Lc. 21:6). Parece que parte do testemunho de Estevam (At. 6:9-10) diante de sua fatal defesa tinha a ver com uma elaboração desta profecia de Jesus; certamente, suas últimas palavras tinham, e incluíam a declaração de que “o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens” (7:48), menos ainda no templo, que, enquanto ordenado para ser reconstruído por Herodes, o Grande, em 20/19 AEC, ainda estava em construção (cf Jo. 2:20) na época da vida de Jesus. Então, ainda que Estevam jamais tenha rejeitado a lei mosaica — na verdade, ele acusa seus ouvintes de não ouvirem a Moi­sés e aos profetas —, suas palavras, como as de Jesus, estavam abertas a maus entendimentos por parte daqueles já excessi­vamente zelosos pelas tradições de seus ancestrais. Contudo, é importante estabelecer apredição de Jesus acerca do templo contra o pano de fundo de suas advertên­cias concernentes à destruição de Jerusalém, como um todo. Como a cidade era símbolo de poder nacional, Jesus manifes­ta o propósito de viajar para Jerusalém (Lc. 9:51). Mas, seus habitantes, ainda que resistentes, não reconheciam “a paz a quem pertencem”, e nem “o tempo de sua visitação”; conse­quentemente, Jesus predisse: “Porque dias virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de todos os lados; E te derrubarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra ” (19:43-44). Desta forma, virá um tempo
de guerras e insurreições (21:5), quando Jerusalém será rodea­da por exércitos (21:20) e “será pisada pelos gentios” (21:24; cf. 23:28-31). Esta devastação, na verdade, se deu por volta de quarenta anos mais tarde, pelas mãos dos romanos, na guerra e 66-70 EC, com o templo sendo demolido no processo. Os pronunciamentos de Jesus acerca de Jerusalém e do templo são complicados por um número de fatores. Ao passo que existe certo consenso acadêmico de que o Evangelho foi escrito em algum tempo após 70 EC, não existe explicação satisfatória em relação ao motivo pelo qual Lucas não enfati­za claramente o cumprimento destas palavras. Consequente­mente, existem ao menos três grandes escolas de pensamento acerca de como entender as profecias de Jesus: (1) que elas foram literalmente cumpridas na guerra judaico-romana; (2) que elas admitem múltiplos cumprimentos desde a época de Jesus, e talvez no futuro; e (3) que, enquanto certas partes da profecia foram cumpridas por volta de 70 EC, o cumprimento último de muito do que foi dito permanece a ser cumprido no futuro. A ambiguidade acerca de sua declaração que “não pas­sará esta geração até que tudo aconteça” (21:32) é indicativo das dificuldades: “esta geração” se refere aos ouvintes de Jesus (ca. 30 EC), a qual experimentou a ira de Roma (66-70 EC), ou aquela que vê o “Filho do Homem numa nuvem” (21:27)? Não vejo motivo para negar a existência de certa ver­dade em cada escola de pensamento, ainda que eu seja caute­loso acerca de traçar correlações específicas entre as palavras de Jesus e os eventos mundiais contemporâneos. Mais importante, penso, é que Jesus claramente as­sociava seu destino ao de Jerusalém. Ele implorou a seus ha­bitantes que se arrependessem de seus caminhos (13:3, 5), de sua idolatria, de sua desobediência à aliança com Deus, de seus pecados pessoais e sociais e de seu nacionalismo e violên­cia. Ele também discernia que sua mensagem de paz (19:42), perdão e justiça seria rejeitada pelos escribas e sumos-sacerdotes (20:14-15), e que o confronto subsequente com os líde­res judaicos (20:14-15) resultaria em sua morte em Jerusalém (13:32-33). Mas, pior era sua antecipação de que esta rejeição e sua violência concomitante apenas perpetuariam as aspira­ções nacionalistas do povo judeu e precipitaria uma sequên­cia de acontecimentos que culminariam em uma conflagração nacional. Foi exatamente isto o que aconteceu por volta de 70 EC. A violência exercida pelos líderes judaicos para manter o status quo —no caso de Jesus, primeiro, e, posteriormente, contra Estevam e Tiago — não era outra coisa, senão um re­flexo da agitação, do fermento e da desordem subjacentes que permeavam a nação. Insurreição após insurreição, por fim, causaram uma violenta resposta militar de Roma. Retrocedamos por um momento, para recapitularmos o quadro geral do que o Espírito Santo havia procurado fazer através das vidas de Jesus e de seus seguidores. Jesus viera para restaurar Israel e estabelecer o reino de Deus pelo poder do Espírito. Israel (juntamente com os discípulos, ao menos no inicio) havia presumido que tal redenção significava a desti­tuição do governo romano e o reestabelecimento da nação e de seu templo sob os auspícios judaicos. Qualquer revolução política estaria em desacordo com os valores do reino. Em vez disto, Jesus convidava ao arrependimento dos caminhos do mundo e livremente oferecia o perdão de pecados. Ele enten­dia sua própria vida como sendo um cumprimento da lei e uma substituição dos sacrifícios do templo. A aceitação de sua liderança messiânica levaria à formação de um novo Is­rael, um novo povo de Deus que viveria não de acordo com as convenções políticas, econômicas ou militares deste mundo, mas de acordo com as do reino. Mesmo após Jesus ter sido morto por suas atividades revolucionárias, porém, não violentas, o Espírito de Deus, que capacitou sua mensagem aos pobres, veio sobre seus discípu­los e estabeleceu aquela nova comunidade de iguais e de bens comuns. Os apóstolos, incluindo os judeus helenistas, como Estevam e seus colegas diáconos, continuaram a pregar o arre­pendimento, o perdão, a cura e a salvação em nome de Jesus; para exaltar a vida de Jesus como o cumprimento da lei; e para que os seguidores do Messias fossem vistos como sendo o novo local da presença de Deus (em vez do templo). Eles foram, consequentemente, perseguidos pelos líderes judaicos porque sua mensagem e seu estilo de vida ameaçavam o status quo. Por toda a história, e ao redor do mundo hoje, aqueles que, pelo poder do Espírito, incorporaram os ensinos de Je­sus e viveram as boas novas revolucionárias do reino têm sido opostos por rejeitarem os sistemas dessa era. Ao passo que Jesus havia admoestado os líderes reli­giosos que sua falta de arrependimento resultaria na liderança de Israel sendo entregue a outros (20:16), ele também advertiu o povo judeu que seus corações sem arrependimento causa­riam não apenas a destruição de Jerusalém, mas também a oportunidade para os gentios participarem no reino vindouro (13:25). De fato, conforme vemos no discurso de Estevam, a própria nação de Israel fora constituída por aqueles oriundos de muitas tribos, línguas e nações, inclusive quando o novo povo de Deus foi, de maneira semelhante, estabelecido, no Dia de Pentecoste, a partir de uma pluralidade de línguas e culturas. Os cristãos hoje, que são predominantemente gen­tios, não pensam muito acerca disso, mas na época de Este­vam, tal era uma proposta verdadeiramente escandalosa. Ain­da, mesmo os seguidores messiânicos mais progressistas mal poderiam ter imaginado o derramamento do Espírito sobre toda carne se estendendo até mesmo aos desprezados samaritanos.
PARTE CINCO Espirito Opera em Samaria e nas Estradas da Antiga Palestina
18 Samaria: 0 Espírito Encontra a “Alteridade Religiosa” Atos 8:1-25; cf. Lucas 9:51-56; 10:25-37; Não devemos subestimar a extensão pela qual as hos­tilidades entre judeus e samaritanos levou o primeiro grupo a excluir o segundo grupo de ser considerado como pertencente ao povo de Deus e de participar na redenção e na renova­ção de Israel. As origens dos samaritanos — durante o oitavo século AEC, quando os samaritanos foram dominados pelos assírios (2 Rs. 17:24-41) — eram vistas pelos judeus como en­volvendo um sincretismo com crenças e práticas estrangeiras. Não ajudou o fato de que, durante a perseguição dos judeus do segundo século pelos romanos, os samaritanos negaram qualquer afiliação com os judeus e até mesmo, por um tempo, permitiram seu templo no Monte Gerizim (em Samaria) ser conhecido como o templo de Zeus Helênio. Na época de Jesus, os judeus e samaritanos tinham um relacionamento ambíguo. Os samaritanos aceitavam a Torá (os primeiros cinco livros de Moisés), mas nada mais no câ- non hebraico; eles rejeitavam a significância de Jerusalém, an­tes, insistindo na verdadeira adoração como acontecendo no Monte Gerizim (Jo. 4:20); e sim, eles aguardavam um Messias (Jo. 4:25), mas um na tradição de Moisés (Dt. 18:15-18). O re­sultado era que os samaritanos eram vistos pelos judeus, na melhor das hipóteses, como corrompidos, e como uma forma apóstata do verdadeiro judaísmo (cf. Jo. 4:9) — como alguns cristãos contemporâneos enxergam grupos de seitas e sectá­rios — e, na pior das hipóteses, como uma religião comple­tamente falsa. Os sentimentos eram mútuos: os samaritanos eram antagonistas em relação a Jerusalém e a tudo o que ela representava (vide Lc. 9:52-53); e os judeus, por vezes, enten­diam os samaritanos como estando endemoninhados (vide Jo. 8:48). Não pode ser coincidência, então, que foi Filipe, um judeu helenista, quem primeiro levou o evangelho aos samaritanos, cm vez dos apóstolos, que, apesar da perseguição, per­maneceram em Jerusalém (Atos 8:1). Ao passo que os apósto­los ainda estavam por demais focados na redenção de Israel em um sentido exclusivo, Filipe pode ter simplesmente se­guido a visão judaico-helenista de Estevam de que a verdadei­ra adoração de Deus não está limitada a qualquer templo ou local sagrado (7:48-50), e concluído que a presença de Deus estava também disponível aos samaritanos, que se reuniam em outro local sagrado. Portanto, enquanto os samaritanos haviam previamente rejeitado a Jesus, eles agora receberam Filipe, que simplesmente estendeu, sob o poder do Espirito, o ministério de Jesus a pobres, enfermos e oprimidos (8:6-12). Não nos é dito que Filipe rejeitou quaisquer das práti­cas e crenças samaritanas, em sua interação com os habitantes de Samaria. O que foi definitivamente rejeitado, em especial pelos apóstolos Pedro e João, que vieram para fornecer supor­te adicional a Filipe, foi o desejo ganancioso pela autoridade e as intenções pecaminosas de Simão, o mágico, que buscou “alcançar o dom através do dinheiro!” (At. 8:20). A genero­sidade de Deus, conforme temos visto, não opera de acordo com a economia do mundo de troca e pagamento; antes, Deus livremente concede o Espírito, ainda que, no caso dos sama­ritanos, o dom tenha vindo através das mãos dos apóstolos. O resultado, Lucas nos conta, é que “as igrejas em toda a Judéia, e Galileia e Samaria tinham paz, e eram edificadas; e se multiplicavam, andando no temor do Senhor e consolação do Espírito Santo” (9:31). Desta forma, a missão em Samaria foi um passo in­termediário entre o caminhar do evangelho da Judeia e suas redondezas e os confins da terra, e isso já estava assinalado na narrativa do Evangelho. Enquanto no Evangelho de Mateus Jesus proibiu os Doze de evangelizar os samaritanos (Mt. 10:5), este embargo não é encontrado no registro de Lucas. Em vez disto, Jesus “mandou mensageiros adiante de si; e, indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos, para lhe prepararem pousada” (Lc. 9:52). Posteriormente, em seu caminho para Jerusalém, en­quanto deixava Samaria do outro lado da região (17:11), ele encontrou e curou dez leprosos, um dos quais era samaritano. Enquanto Jesus claramente reconheceu este samaritano como um “estrangeiro” (17:18) — allomenos, significando alguém que não é filho de Abraão, conforme os judeus entendiam ser —, ele também afirmou, claramente: “Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou” (17:19). Então, apesar dos outros nove leprosos (ju­deus) terem sido fisicamente curados e socialmente reabilita­dos (a cura da lepra permitia que a pessoa fosse reintegrada à comunidade), somente este samaritano foi declarado salvo e plenamente curado. Ao menos em um sentido, o samaritano se mostrou com mais discernimento acerca da missão de Jesus do que seus compatriotas judeus. Enquanto a possibilidade de salvação dos samaritanos teria chocado a muitos judeus, os próprios ensinos de Jesus os preparava a questionar suas suposições e autoconfiança re­ligiosas. Observe que Jesus disse a famosa parábola do bom samaritano (10:29-37) em resposta à tentativa do advogado judeu de justificar a si mesmo ao perguntar: “Quem é o meu próximo?”. Esta própria pergunta foi motivada por sua per­gunta original acerca de como herdar a vida eterna, e a famosa resposta de Jesus foi que se exigia amar a Deus plenamente e amar nossos próximos como a nós mesmos (10:25-28). Todo este episódio é tão sugestivo hoje, para os cris­tãos que pensam acerca do pluralismo religioso, como era há dois mil anos, para os judeus, pensando nos samaritanos, nos outros religiosos e naqueles que eles acreditavam estar endemoninhados. Isto sugere (1) que pode haver aqueles em ou­tras “fés”, como o samaritano, que realmente amam a Deus e a seus próximos mais do que aqueles do nosso meio, que pensam que temos acesso à graça salvadora de Deus e que as outras pessoas, portanto, podem estar mais próximas da vida eterna do que nós estamos; (2) que nós podemos, na verdade, ser capazes de aprender algo importante com aqueles perten­centes a outras fés, a quem pensávamos, previamente, estarem desprovidos de verdade, assim como este advogado judeu es­tava sendo ensinado pelo bom samaritano; (3) que aqueles de outras fés possam, na verdade, ser instrumentos usados por Deus para nossa própria salvação (saúde e cura), assim como o homem que caiu entre os salteadores recebeu sua salvação a partir desse próximo samaritano. A parábola de Jesus acerca do bom samaritano, portanto, não apenas destruiu as suposi­ções dos judeus do primeiro século acerca deles mesmos e dos samaritanos, como também antecipou que o modelo que o evangelho iria por fim chegaria a Samaria, e que os samarita­nos estariam entre os membros do novo povo de Deus. A derrubada destas suposições não estava alinhada ao radical mundo novo que o Espírito de Deus traria e causaria através de Jesus e daqueles que seguissem seus passos? Ainda que os próprios apóstolos não tenham liderado o caminho a Samaria, eles seguiram Filipe, que foi capacitado pelo Espírito Santo para realizar exorcismos, curar os enfermos e pregar as boas novas do reino do Messias. Então, Deus confirmou este ministério ao não negar seu próprio ser, o Espírito Santo, in­clusive aos desprezados samaritanos!
O Espírito Encontra o Eunuco Etíope: Redimindo a Deficiência Atos 8:26-40; c£ Lucas 14:1-24 Se a inclusão dos desprezados samaritanos no reino vindouro era um alargamento para muitos judeus do primeiro século, o mesmo era a inclusão do etíope eunuco, apesar de 0 ser por outros motivos. Este homem, conhecido por nós como o etíope eunuco, tinha três situações que lhe eram contrárias: (1) ele era dos arredores do império, que na época se pensava estar localizado na extremidade sul da civilização humana; (2) ele era provavelmente de pele mais escura, como aqueles de Cuxe, Nubia e Etiópia (sul do Egito) e, portanto, visto por al­guns como racialmente suspeito ou marginal; e (3) ele era um eunuco, portanto, provavelmente castrado, e como tal, con­siderado afeminado, e não um macho plenamente capaz. De certas maneiras, as situações um e dois não eram tão danosas, em especial dadas certas profecias concernentes à inclusão dos cuxitas e etíopes, por fim, na redenção e restauração de Israel (Sl. 68:31; Isa. 45:14; Sf. 3:5-10), e o inclusivo derrama­mento do Espírito sobre toda carne no dia de Pentecoste. Ser um eunuco pode ter sido muito mais problemáti­co para os judeus do primeiro século, em especial uma vez que a lei excluía os eunucos e aqueles com testículos esmagados de participarem do culto litúrgico e da adoração do Israel an­tigo (Dt. 23:1). Naturalmente, machos castrados não estavam sendo selecionados de maneira especial; antes, estes estavam sendo categorizados entre aqueles com deficiências físicas, sensoriais e funcionais: os cegos, coxos, mutilados, corcundas, anões, e assim sucessivamente (Lv. 21:17-23). A Torá, então, mais tarde, claramente associa estas “deficiências” à punição divina pelo pecado e pela desobediência (Dt. 28:15-68). O re­sultado era tal que, ainda que em um caso Jesus tenha negado a relação entre o homem nascido cego e seus pecados ou os de seus pais (Jo. 9:2-3), sua resposta, em outro caso, ao paralíti­co — “Não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior” (Jo. 5:14) —, como também com sua doença, cegueira, surdez e mudez associadas a espíritos maus e a cura destes problemas através de exorcismos se encaixam nas suposições judaicas do primeiro século acerca da deficiência. Contudo, a visão inclusiva de Lucas da redenção de Israel e do reino de Deus se revela mesmo no caso de pessoas há muito marginalizadas em razão de suas várias deficiências. Assim como Jesus havia aceitado os socialmente desprezados e o homem de pequena estatura, Zaqueu (vide nossa discussão acima, no capítulo 5), Filipe aceita o eunuco, questionado por questões raciais e por questões de deficiência física. Sim, em muitos outros casos, Jesus e os apóstolos curaram os enfermos e os “deficientes” pelo poder do Espírito. Contudo, nestes dois casos, Jesus pronunciou a chegada da salvação à casa de Za­queu (Lc. 19:9) e Filipe batizou o eunuco (At. 8:38) sem qual­quer revogação de suas condições físicas. A aceitação do eunuco começou a cumprir a promessa de Javé de incluir os eunucos na redenção final de Israel (Is. 56:3-5). Talvez não coincidentemente, o eunuco estava lendo acerca desta restauração final, quando Filipe se aproximou ao lado de sua charrete. Como alguém sem o prospecto de ter filhos, o eunuco talvez imaginasse o destino e o legado desta figura sobre a qual ele estava lendo e que também morreu sem descendentes (At. 8:32-33). A tradição etíope traça as origens da igreja naquela região ao testemunho deste eunuco. Com sua conversão, Lucas não apenas antecipa a levada do evan­gelho aos confins do mundo conhecido, mas também clara­mente afirma que a diversidade de línguas, culturas e raças no reino vindouro inclui diferenças representadas pelos corpos humanos. Os próprios ensinos de Jesus prefiguravam a inclusão de pessoas como o eunuco. Em Lucas 14, Jesus ceia na casa de um fariseu. Esta é uma das muitas cenas de refeição no Evan­gelho de Lucas, com refeições sendo socialmente ocasiões de­finidoras acerca de quem era considerado como estando “den­tro” ou “fora” da comunidade de alguém. Por um lado, Jesus cura o homem com hidropisia, uma deficiência causada pelo excesso de fluidos corpóreos e inflamação (edema) causada por sede insaciável. Por outro lado, a intenção de Jesus era
desafiar o entendimento dos fariseus do propósito do sábado (14:3-5) e, então, contrastar suas convenções e valores sociais com aqueles do reino vindouro. O protocolo para as relações do primeiro século entre clientes e patronos claramente defi­nia as regras de quem convida quem, onde cada um se senta, o que se espera em troca por tais convites, e assim por diante. As duas parábolas de Jesus, a da festa de casamento e a do banquete escatológico, intencionavam ensinar humildade em vez de promover o status social, destruir as regras de recipro­cidade de “eu te convido e você me convida”, e advertir seus ouvintes que o reino incluiria aqueles no fundo em vez daque­les no topo da hierarquia social, política e religiosa. Os pontos principais dos ensinos de Jesus são confir­mados poderosamente por sua inclusão dos pobres, aleijados, mancos e cegos ao redor daquela grande mesa do banquete (14:13, 21). Estes eram os párias que não tinham statuse que eram incapazes de reciprocar a “generosidade” do anfitrião. Por essa mesma razão, as convenções sociais teriam ditado, para início de conversa, que eles educadamente recusassem o convite, de sorte que Jesus insiste que eles precisam ser com­pelidos a participar do banquete e carregados, se necessário (14:23). O que é verdadeiramente impressionante acerca desta parábola é a presença de pessoas com deficiências claramente reconhecidas em um banquete escatológicodo reino. Então, ao passo que a cura realizada por Jesus de pessoas com deficiên­cias teria confirmado certos pronunciamentos proféticos de que cegos, aleijados e surdos seriam curados no vindouro Dia do Senhor, neste caso, a inclusão de Jesus de tais pessoas da maneira como elas são no grande banquete retoma outros temas proféticos acerca do reino futuro, envolvendo o florescimento de todas as pessoas não por serem fisicamente curados, mas precisamente porque o estigma social de nossas deficiências não mais nos divide (cf Jr. 31:8-9; Mq. 4:6-7; Sf 3:19). Em suma, a restauração e a redenção de Israel incluiriam pessoas como o eunuco e Zaqueu, não “curados” para que eles pudes­sem se conformar a nossos padrões sociais de beleza e dese- jabilidade, mas precisamente como um testemunho ao poder de Deus de salvar todos nós, pessoas “normais”, de nossas pró­prias atitudes discriminatórias, de nossas ações inospitaleiras e de nossas formas de vida social e política excludentes. O Espírito Santo ainda deseja realizar hoje que o que foi realizado há dois mil anos com o eunuco etíope? Aqui, te­mos a redenção e a restauração de alguém excluído geografica­mente, racialmente e fisicamente. Há um enorme avivamento acontecendo hoje no continente africano, e, em muitos senti­dos, os números crescentes dos cristãos africanos hoje podem se contar entre a posteridade deste oficial etíope! Mas, em um sentido bastante real, ainda estamos esperando o dia em que a hospitalidade do Espírito Santo será plenamente manifesta na igreja de sorte que as pessoas com deficiências — aquelas com diferenças físicas, sensoriais e intelectuais — serão capazes de contar a si mesmas como descendentes deste eunuco deficien­te. Existem alguns indícios de que isto está acontecendo, por exemplo, nas comunidades L’Arche, onde membros principais (que são pessoas com deficiências) e assistentes auxiliam uns aos outros de formas mutualmente transformadoras. Nossa oração deve ser que mais de nós sejamos inspirados pelo Espí­rito de Deus para intencionalmente formarmos comunidades plenamente inclusivas que serão redentoras com as boas novas para todas as pessoas, tanto as pessoas com quanto as pessoas sem deficiências.
20 O Espírito e a Política da Conversão (de Paulo) Atos 9:1-31 Se Paulo tivesse conhecido o eunuco deficiente, ele certamente teria empatia por ele. Enquanto não está claro que tipo de enfermidade física, debilidade ou deficiência Paulo sofria, ele indicou que havia aprendido a viver com sua condi­ção, inclusive até o ponto de reconhecer que era precisamen­te em sua fraqueza corpórea que Cristo era forte (vide 2 Co. 12:5-10; Gl. 4:13-14). Entretanto, nesta descrição da conversão de Paulo, Lucas nem está interessado na cura física — alguns pensam que a cegueira resultante da luz do céu pode ter dei­xado Paulo com algum tipo de deficiência visual permanente (c£ Gl. 6:11) —, nem em transformação psicológica de alguém “respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor” (Atos 9:1). Em vez disto, 0 foco está em como o per­seguidor dos santos de Jerusalém a Damasco se tornou um instrumento que levaria o evangelho aos confins da terra. Em suas próprias palavras, Paulo disse: “Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Secundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irre­preensível” (Fp. 3:5-6). Apesar de educado por Gamaliel (At. 22:3), seu zelo pela lei motivou seu sentido de urgência em res­posta à seita de Jesus, em vez de adotar uma atitude de “espere e veja de seu professor”. Paulo se posicionou com seus colegas judeus helenistas contra Estevam e outros crentes em Jesus, os quais eram tidos como traidores do caminho dos anciãos, e, talvez, como membro do sinédrio: “e quando eles eram conde­nados à morte eu dava o meu voto contra eles” (26:10). No Caminho de Damasco, contudo, Paulo foi con­frontado com o Cristo ressurreto e foi cheio do Espírito (9:17) que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Apesar da narrativa de Atos sugerir que a sequência de acontecimentos entre sua conversão e seu ministério, inicialmente em Damasco e, en­tão, em Jerusalém ocorreu em um curto período, ao menos três anos podem ter passado até sua visita a Jerusalém (vide Gl. 1:17-18). Durante este tempo, Paulo reconsiderou toda sua cosmovisão e teologia à luz de seu encontro com Jesus. Ele tor­nou-se convencido de que a mensagem e o ministério de Jesus acerca da renovação de Israel fora vindicada por Deus através da Ressurreição, que confirmava o Galileu crucificado como o Messias. No processo, como Estevam, Paulo veio a enxergar que a messianidade de Jesus era relevante não apenas para a redenção de Israel, mas para o restante do mundo também. Foi esta questão que separou o ministério de Paulo, pelo menos no início, do ministério dos apóstolos. Os Doze estavam focados em evangelizar seus compatriotas judeus, e quando a perseguição dispersou a comunidade crista primiti­va para o interior da Judeia e de Samaria, eles permaneceram em Jerusalém. Eles designaram judeus helenistas para cuida­rem das viúvas helenistas, e foram estes diáconos que primei­ramente começaram a ver a possibilidade da renovação de Israel não ser exclusivista, mas também inclusiva dos samaritanos, dos etíopes e de outros gentios. Sim, Pedro e João real­mente participaram na missão em Samaria, mas, mesmo após isso, Pedro não pensava que o batismo para arrependimento de pecados e o dom do Espírito Santo fosse para os gentios. A lembrança de Paulo era de que, mesmo após quatorze anos ou mais, o ministério de Pedro, Tiago e João permaneceu focado nos judeus, ao ponto de eles continuarem a não estender aos gentios a plena mesa da comunhão (Gl. 2:1, 7-14). Paulo, o judeu helenista, contudo, veio a enxergar que a mensagem do Cristo ressurreto era para os judeus primeiro, mas também para os gentios (Km. 1:17). Mais enfaticamente, a salvação de Israel estava intimamente ligada à salvação dos gentios. E se tudo isso deveria acontecer no Dia Final do Se­nhor, a ressurreição de Jesus anunciou que aquele dia, em cer­to sentido, havia chegado! De fato, se os galileus eram salvos através de Israel e de seu Messias, também era o caso de que Israel irá, por fim, ser salvo através dos gentios (Rm. 11:25-36). A ressurreição de Jesus dentre os mortos, portanto, não levou à destituição revolucionária do poder imperial romano; antes, inaugurou o cumprimento das promessas feitas a Abraão de que, através de seus descendentes, os gentios seriam abençoa­dos. Então, a restaurada comunidade messiânica de Israel não perpetuaria a violência característica da “política de costu­me , mas, por sua vez, incorporaria a pacifiicidade e o perdão de pecados característicos do corpo escatológico político reu­nido ao redor do Messias ressurreto. O Senhor comissionou Paulo como “um vaso esco­lhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel” (At. 9:15). Paulo entendeu que trazer o nome de Jesus aos gentios envolvia estabelecer assembleias (congregações) naquele nome. Os apóstolos haviam começado a fazer isso em Jerusalém, e a comunidade messiânica primi­tiva testemunhou fortemente do Cristo ressurreto através da mutualidade, reciprocidade e amabilidade da comunidade. A dispersão dos crentes messiânicos, contudo, levou à plantação de novas comunidades na Judéia, em Samaria e para os con­fins da terra. Ironicamente, aquele que havia feito sua parte na perseguição dos seguidores de Jesus tornou-se um daque­les que seriam mais eficazes na multiplicação de congregações messiânicas ao redor do império romano. Conforme espe­rado, os líderes apostólicos insistiram que, em seus esforços evangelísticos, Paulo não deveria negligenciar os ministérios econômicos que caracterizam a missão dos primeiros cristãos, e que ele deveria “se lembrar dos pobres” (o que Paulo disse que “se esforçou em fazer”; Gl. 2:10). Talvez tenham sido as implicações universais da mes- sianidade de Jesus que provocaram a reação ao ministério de Paulo, assim como foram as mesmas razões, precisamente, para que Paulo (e outros judeus) rejeitasse a mensagem de Estevam. Tanto em Damasco quanto, posteriormente, em Je­rusalém, seus ex-colegas judeus helenistas tentaram matá-lo (At. 9:29), assim como ele havia previamente buscado pren­der e matar os crentes messiânicos. Entretanto, a ferrenha oposição a Paulo deve ser bastante compreensível. Ele mesmo perseguiu os seguidores de Jesus, porque via esse movimento sectário como uma ameaça à aliança de Javé com os judeus. Com Paulo agora pregando Jesus como o Messias (At. 9:22), que não havia, na verdade, libertado os judeus do domínio imperial, a questão era: o que esse homem fez para a redenção de Israel? Ademais, se todos os gentios, mesmo os opressores romanos, poderíam ser salvos através do nome do Messias,
isto descartava as promessas pactuais de Deus, e isso signifi­cava cjue os judeus seriam assimilados em uma comunidade messiânica gentílica muito maior? Caso afirmativo, isto não apontava o fim de Israel como um povo singularmente esco­lhido de Deus? Estas são perguntas difíceis e importantes que precisaremos ter em mente ao passo que continuamos a inda­gar acerca do que o Espírito Santo estava fazendo no mundo naquela época e o que está fazendo agora.
21 Conversão e Chamado do Espírito Lucas 5:1-11, 27-32; 9:21-27, 57-62; 12:49-53; 14:25-35 Lucas narra cuidadosamente a conversão e o chamado de Paulo, uma vez que Paulo se torna a principal personagem de Atos, do capítulo 13 em diante. Ao mesmo tempo, a con­versão de Paulo reflete os principais elementos revelados no chamado de Jesus ao discipulado, no Evangelho de Lucas. De que maneiras Paulo se torna o modelo de convertido e segui­dor de Jesus? Em primeiro lugar, Deus chama ao arrependimento e comissiona para a obra do reino, em especial, pecadores (Lc. 5:32). Há a conversão de Simão Pedro, que é importante em razão do papel central que ele exerce em Atos 1-12; e o tra­balho de Levi como cobrador de impostos era suficiente para classificá-lo na categoria de pecadores (Lc. 5:30). Sabemos, a partir das cartas de Paulo, que ele considerava a si mesmo o principal dos pecadores (1 Tm. 1:15). O Espírito Santo chama e capacita pecadores. Nós podemos agora desprezar “aqueles pecadores”, mas somente se nos tornarmos presunçosos acer­ca de nossa retidão — o que, neste caso, não nos torna melho­res do que os demais (Lc. 18:9-14). Em segundo, a conversão a Cristo exige devoção de­terminada em segui-lo. Simão Pedro e Levi quase literalmente deixaram tudo a fim de seguir Jesus (Lc. 5:11, 28). No caso de Pedro — e presumidamente seus companheiros Tiago e João —, o convite de Jesus significava deixar para trás sua vocação como pescador. (Em Atos, nós os encontramos posicionados em Jerusalém, em vez de continuarem trabalhando na região do Lago Genes aré). O texto também sugere que Levi deixou de trabalhar como cobrador de impostos, apesar de não haver evidência posterior para tal. O que Lucas enfatiza é que, ao passo que antes do discipulado cristão nós buscamos nosso bem-estar econômico ao tentar “ganhar o mundo inteiro”, se­guir a Jesus significa que “ganhamos”, ao adotarmos este estilo de vida, e “perdemos” os ganhos do mundo. (Estes são os ter­mos econômicos de Lucas 9:25). Sabemos que Paulo continuou a trabalhar como fa­bricante de tendas, o que ajudava seus empreendimentos mis­sionários (At. 18:3). Mas mesmo se a conversão de Paulo não tenha significado deixar para trás a fabricação de tendas, ela significava considerar “por perda todas as coisas, pela exce­lência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” (Fp. 3:8). Sem dúvi­da, Ananias (não a mesma pessoa que mencionamos anterior­mente e que é citada em Atos 5) também advertiu a Paulo que o chamado de Deus exigiria não apenas romper seus laços com o mundo, mas também estar preparado para sofrer pelo amor do evangelho (At. 9:16). Em suma, ao passo que a conversão a Cristo pode ou não envolver o abandono da vocação de al­guém, a advertência de Jesus permanece oportuna em relação ao custo do discipulado: “Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” (Lc. 14:33). , O terceiro elemento é uma radicalização do segundo: a conversão exige abandonar tudo o que alguém tem mes­mo sua própria família. Se o trabalho de alguém sustentava as necessidades materiais de alguém, então a família e paren­tes eram a rede de suporte mais ampla, quando as provisões eram insuficientes. Estar pronto a abandonar a família, além da vocação e de posses, seria suicida, em uma economia de camponeses. Contudo, era isso que a conversão exigia. Isso vai muito além de simplesmente não dizer adeus (9:61); antes, significa estar preparado para ser colocado contra seu paren­te mais próximo, caso ele esteja indisposto a seguir a Jesus (12:52-53; 14:26). Não sabemos muito acerca da família imediata de Paulo, exceto que ele parece ter tido uma irmã (e família) em Jerusalém (At. 23:16). Contudo, nós também sabemos que ele havia se comprometido com a causa de manter a fé judaica, e isto estava expresso em seu trabalhar intimamente com ou­tros judeus helenistas zelosos e que pensavam como ele, para preservar a aliança. Mas a conversão a Cristo o colocou contra estes grupos judaicos com quem havia previamente se alinha­do (9:29). Seguir a Jesus de fato causou divisão e separação a suas antigas alianças (Lc. 12:51-52). Entretanto, a conversão para o caminho de Jesus não o deixou sozinho. Em vez disto, ele trouxe uma nova família, um novo povo de Deus, unido em lealdade ao Messias. Aqui estava uma nova parentela, manifesta incialmente na comuni­dade de iguais reunidas ao redor do ensino dos apóstolos, do partir diário do pão, a fim de que nada faltasse a ninguém (At. 2:42-47; 4:32-35). Conforme vemos, Paulo simplesmente car­regou a mensagem apostólica para fora de Jerusalém e Judéia e, no processo, estabeleceu muitas congregações e assembleias ao redor do império romano. Assim sendo, abandonar tudo, até mesmo a família, pelo amor de Cristo, de fato resultou no ganho de muito mais, inclusive de uma família estendida que consistia de excluídos e estrangeiros. Por fim, a conversão não significava apenas renunciar o mundo para uma nova identidade e comunidade, mas tam­bém trazia e causava um novo propósito: o da proclamação do reino (Lc. 9:26, 60, 62). O discipulado radical se exige em ra­zão do compromisso radical preciso para sustentar a obra do reino. Em vez de buscar a aprovação do mundo (14:7-14) ou ser consumido pelas exigências do mundo (14:18-20), a obra do reino nos convida a abrir mão de nossos próprios objeti­vos, a fim de restaurar, renovar e redimir Israel e estabelecer o reino de Javé. Paulo sabia, desde o início de seu encontro com Jesus, que havia sido recomissionado pelo Deus de Israel para levar as Boas Novas “diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel” (At. ^15). A proclamação do reino, então, inevita­velmente incluía esta dimensão política. A noção de conversão de Lucas envolve não mera­mente a salvação de almas, mas também discipulado e com­promisso radical. A cruz não é entendida meramente como uma expiação substitutiva penal pelos pecados da humanida­de. Em vez da morte de Jesus exemplificar o triunfo de Deus sobre o problema do pecado e da culpa humanos, a cruz sim­boliza o caminho do Messias, sua disposição de confrontar os sistemas enganadores e injustos deste mundo, inclusive a ponto de morrer. Mais precisamente, a cruz é o caminho da vida ao qual se convida a conversão do cristão: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (Lc. 9:23). O que o Espírito Santo está fazendo hoje? Nada dife­rente do que ele fez com as vidas de Pedro, Levi e Paulo: ele está chamando pecadores, capacitando a renúncia de todos os laços que nos emaranham com os sistemas do mundo, capaci­tando à proclamação do evangelho e sustentando a fidelida­de no caminho de Jesus, inclusive até a morte, se necessário. A conversão de Paulo sinalizava a morte de alguém devoto a uma visão paroquial das promessas pactuais de Deus e a res­surreição de alguém agora inspirava trabalhar pela redenção dos judeus e gentios em Cristo, através do poder do Espírito Santo.
22 A Ressurreição e o Poder do Espírito Atos 9:32-43; 20:7-12; Lucas 7:11-17 Nós podemos, agora, ver como o discipulado radical do caminho de Jesus simplesmente prenunciava a salvação ainda mais radical de Deus na ressurreição. Assim sendo, a partir do início de seus ministérios, capacitados pelo Espírito, os apóstolos deram testemunha não apenas da ressurreição (Atos 2:31; 4:33), mas também da esperança de que “em Jesus há ressurreição dos mortos” (4:2). Eles vieram a perceber que a ressurreição de Jesus confirmava sua mensagem acerca da renovação de Israel, e que sua redenção envolvia não apenas a proclamação do evangelho aos pobres e a cura dos enfermos, mas também a ressurreição dos mortos (vide Lc. 7:22) —, tudo isso antecipando a ressurreição geral por vir. Contudo, assim como a esperança de Israel promulgada pelos apóstolos, a res­surreição através do poder do Espírito jamais foi entendida apenas como um caso individual, mas preocupada com o povo corporativo de Deus (vide Ez. 37:1- 14). Tal entendimento de orientação social e comunal do poder de ressurreição do Espí­rito pode ser discernido em três narrativas bíblicas: a ressur­reição do filho da viúva de Naim, realizada por Jesus, em Lu­cas 7; a ressurreição de Tabita, realizada por Pedro, em Atos 9; e a ressurreição de Êutico, realizada por Paulo, em Atos 20. O encontro de Jesus com a viúva de Naim, em Lu­cas 7, está estabelecido dentro de um contexto público: uma grande multidão o seguindo até Naim se encontra com uma grande multidão de pranteadores em uma procissão fúnebre nos portões da cidade. A primeira multidão está exuberante, seguindo a cura da filha do centurião (7:1-10), ao passo que a segunda multidão está sofrendo com e pela viúva que, com o falecimento de seu único filho, está agora verdadeiramente sozinha no mundo. Ela não mais possui uma condição social (a reputação social sendo determinada em parte pela posteri­dade de alguém), está desprovida da subsistência econômica (pais idosos dependiam de seus filhos crescidos), e carece de representação política (eram os homens que governavam, a partir dos portões da cidade). Jesus parece ter reconhecido seu dilema e “se compa­deceu dela” (7:13). Transgredindo a pureza que impedia tocar no caixão (7:14), Jesus profere vida ao jovem e lhe devolve a sua mãe. A grande surpresa deste encontro é apenas parcialmente aquela da ressuscitação corpórea (um termo mais apropriado do que ressurreição, que tecnicamente continua a se aplicar somente a Jesus, uma vez que todas as demais ressuscitações foram, por fim, seguidas pela morte). A outra parte tem a ver com a “ressurreição” da vida para a mãe — a restauração de sua condição social, a renovação de sua subsistência econômi­ca e 0 restabelecimento de sua representação política nos por­tões da cidade. Além disto, a ressuscitação do jovem também devolve outro corpo saudável, desesperadamente necessário para a economia campesina de Naim. Em suma, o poder do Espírito opera não apenas um milagre biológico, mas também um milagre social, ao revigorar uma família e uma comunida­de inteira. Mesmo que a ação de Jesus de trazer o filho da viúva de Naim dentre os mortos o tenha identificado como o pro­feta antecipado por Israel (^7:16) na tradição de Elias e Eliseu (vide suas próprias características de ressuscitar os mortos em 1 Rs. 17:20-24; 2 Rs. 4:32~-37), este acontecimento serviu como o paradigma para as “ressurreições” realizadas através de Pe­dro e Paulo em Atos. A narrativa de Pedro (At. 9:32-12:15) é um interlúdio entre a conversão de Paulo (At. 5:1-31) e o apa­recimento de Paulo à proeminéncia, mais tarde, na missão aos gentios (At. 13 e a seguir). Entrementes, relembre que Estevam e Filipe já tinham aberto o caminho na transmissão do evan­gelho a Samaria (At. ô). Aqui, o próprio Pedro, por fim, segue a liderança do Espírito a partir de Jerusalém para as regiões circunvizinhas dajudéia. A ironia da narrativa de Tabita (At. 5:32-43) revela como o Espírito realiza os propósitos de Deus independente­mente dos planos dos seres humanos. Recorde-se que, ainda que previamente os apóstolos tivessem reservado para si as prerrogativas do ministério da palavra e comissionado os sete diáconos para servirem as mesas das viúvas (6:3-6), ao menos dois dos sete acabaram por liderar ministérios evangelísticos mais eficazes do que os apóstolos, ao menos em relação aos judeus helenistas e samaritanos. Agora, Pedro se vê chamado a ministrar a um grupo de viúvas em luto — que provavelmente envolvia judeus helenistas, com a própria Tabita, conhecida em grego como Dorcas — e parece que elas estão esperando dele mais do que apenas o ministério da pregação. Acontece que Tabita havia sido benfeitora para uma comunidade de viúvas em Jope (9:36, 39). Uma crente com certas posses, ela perece ter moldado sua vida ao modelo de Barnabé e da comunidade cristã primitiva de iguais (4:32-37), dando aos outros a partir de sua própria abundancia e cuidan­do e provendo especialmente para viúvas na vila. Sua morte prejudicava a estabilidade de outras vidas e as levava a buscar o poder doador de vida de Deus, talvez não apenas por amor a ela, mas também por toda a comunidade (9:38). Assim como a ressuscitação do filho da viúva resultou na renovação da ci­dade de Naim, a ressuscitação de Tabita restaura a esperança dos marginalizados e desprovidos de Jope. Avancemos para Troas (At. 20:5-6). Encontramos que a ressuscitação de Êutico por Paulo se dá em um contexto co­munal, onde os crentes se reuniam no primeiro dia da semana para partir o pão (20:7). Diferente de Tabita, que tinha certas posses, neste caso, a reunião adentrou a noite e o longo discur­so de Paulo nada contribuiu para que Êutico ficasse acordado. Infelizmente para ele, ele caiu do assento da janela e morreu. Felizmente para Paulo, o poder do Espírito para ressuscitar os mortos estava disponível naquela noite, e a comunidade, com Êutico, foi capaz de celebrar alegremente a Ceia do Senhor, todos juntos, antes de partirem ao amanhecer (20:11). As “ressurreições” de Tabita e Êutico legitimaram, respectivamente, os ministérios de Pedro (aos judeus) e Pau­lo (aos gentios) como sendo autorizados e capacitados pelo mesmo Espírito que levantou os mortos através de Jesus. Por­tanto, ao passo que ressurreições corpóreas não são eventos insignificantes, na narrativa de Lucas elas servem para marcar as atividades messiânicas de Jesus e de seus servos designados. Ademais, conforme tenho tentado demonstrar, apesar das ressurreições (e ressuscitações) terem envolvidos corpos par­ticulares — a do jovem de Naim ou Tabita ou Êutico —, sua relevância será mal-entendida, se vista apenas como milagres biológicos. Antes, em cada caso, o Espírito trazendo os mor­tos à vida tem implicações sociais e comunais e reverberações. Isto nos convida a considerar como algumas de nossas buscas por milagres, como corpos ressuscitados, podem ser equivocadas. O que é mais importante é o nível no qual esta­mos respondendo à obra capacitadora do Espírito para agir de maneira transformacional no mundo, de sorte que os pro­cessos de morte e destruição sejam revertidos, ao passo que tanto proclamamos quanto vivemos as boas novas da mensa­gem de Jesus. Se comunidades inteiras estão sendo afetadas de maneiras que estimulam a vida, a saúde, e a paz (shalom), então, nestes casos, podemos reconhecer que o poder de res­surreição do Espírito tem operado, mesmo através de nossas vidas e corpos mortais.
PARTE SEIS Os Gentios e o Espirito Santo
23 “Deus Não Mostra Parcialidade!”: Judeus, Gentios e o Espírito Atos 10:1-11:15 A narrativa de Cornélio, em Atos, é a porta que abre as “enchentes” do evangelho para fluir ao mundo gentio. Em um sentido, a inteireza da história de Lucas até aqui, retor­nando ao início da vida de Jesus, tem antecipado esse mo­mento. Na apresentação de Jesus, logo após seu nascimento, Simeão regozijou que Deus lhe permitiu ver a salvação “que preparaste à vista de todos os povos: luz para revelação aos gentios c para a glória de Israel, teu povo” (Lc. 2:31-32), e o lançamento do ministério público de Jesus foi anunciado pela proclamação de João Batista de que “toda a humanidade verá a salvação de Deus” (3:6). Até agora, a liderança apostólica tem permanecido primariamente em Jerusalém (At. 8:2), e parece estar relutan­te em proclamar o evangelho aos gentios. Sim, eles estavam cônscios de que as promessas da aliança a Abraão traziam consigo bênçãos para “todas as famílias da terra” (3:25), mas coube aos judeus helenistas, como Estevam e Filipe, enfatizar que a habitação de Deus não estava limitada ao templo (7:46- 50) e ativamente evangelizar além das fronteiras de Jerusa­lém. Sendo este o caso, Deus agiria novamente para realizar a promessa do dom do Espírito, a fim de que seus seguidores pudessem ser capacitados a testemunhar “em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e aos confins da terra” (1:8). Se no Dia de Pentecostes 0 Espírito foi derramado sobre judeus, prosélitos c outros ao redor do Mediterrâneo, então, no dia do encontro de Cornélio com Pedro, o Espírito seria derramado sobre os gentios, desta vez em antecipação dos contínuos der­ramamentos do Espírito sobre todos que estivessem dispostos a recebê-lo. Contudo, a história da conversa de Cornélio é impor­tante em razão de sua função na narrativa lucana mais ampla, e pelo fato de que ela revela um Deus que “não trata as pessoas com parcialidade” (10:34), e um Espírito que não faz distinção (11:12). Aqui estava um homem cuja vida manifestava todas as características da piedade judaica: “Ele e toda a sua famí­lia eram piedosos e tementes a Deus; dava muitas esmolas ao povo e orava continuamente a Deus” (10:2); mais especifica­mente, também se diz que ele era “honesto [do grego dikaios, significando “reto” ou “justo”] e temente a Deus, que tem boa reputação em toda a nação judaica” (10:22). A resposta de Pe­dro a Cornélio foi que “Deus ouviu sua oração e lembrou-se de suas esmolas” (10:31). Como é que um gentio pode ser uma pessoa de oração separado da revelação especifica dada aos judeus ou através de Cristo? É possível que Cornélio tenha sido uma pessoa ho­nesta ou reta mesmo antes de ouvir o evangelho? Deus escuta as orações de todas as pessoas, mesmo se elas forem feitas sem o conhecimento do nome ou da pessoa de Jesus? A resposta tradicional é que Deus ouviu a oração de Cornélio e, conse­quentemente, enviou Pedro para proclamar o evangelho para ele e sua casa. Mas isto significa que a única maneira que Deus responde as orações daqueles que lhe invocam é enviando um missionário e que, portanto, todas as pessoas não evangeliza- das jamais buscaram a Deus? Ainda que respondamos afir­mativamente às duas perguntas, isto não explica como Cor­nélio poderia ter sido um homem honesto ou reto que amava a Deus (conforme manifesto em suas orações constantes) e, para todos os efeitos, amava seu próximo como a si mesmo (conforme testificado pelo povo judeu; cf Lc. 10:27). Uma resposta mais plausível seria ver que o Deus que não mostra parcialidade é o Deus que também julga impar­cialmente, condenando pecadores não arrependidos, “mas de todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o que é justo” (At. 10:34-35). Temer a Deus e fazer o que é justo não é uma realização meramente humana; antes, estas são obras do Espirito Santo, que pairava sobre o abismo no início da criação (Gn. 1:2), que. é o sopro de vida de toda criatura e ser humano (Jó 34:14-15; Sl. 104:29-30; Gn. 2:7), e de cuja presença ninguém pode jamais escapar com sucesso (Sl. 139:7-10). O Espirito que Lucas diz ter sido derramado sobre toda carne é o mesmo Espírito de quem Paulo escreve, que continua a gemer com a criação e conosco em antecipação da redenção e da reconciliação de todas as coisas no amor de Deus em Cristo (Rm. 8:22-23, 26-27, 3^-39). Desta forma, e possível que os não evangelizados não estejam além das operações do Espírito de Deus? E possível que as orações dos não evangelizados também subam como um memorial diante de Deus e que Deus tenha suas próprias maneiras de lidar e aceitar aqueles que constantemente o bus­cam, mesmo em separado dos missionários? Isso não significa que devemos cessar e desistir da grande comissão. Antes, de­vemos responder aos estímulos do Espírito para avançarmos simplesmente porque tal pode ser um dos meios escolhidos por Deus para responder às orações daqueles que invocam o seu nome para a salvação. A obediência de Pedro lhe deu a oportunidade de declarar o perdão de pecados a Cornélio (10:43), o que lhe assegurou de que suas orações tinham de fato sido respondidas. No caso de Cornélio, Pedro não foi o único instru­mento de evangelismo; em vez disto, Cornélio também foi um instrumento para a conversão de Pedro. Este líder dos após­tolos tinha seguido o chamado de Filipe a Samaria e então ministrou em Lida e Jope, e seu ministério itinerante o levou a ficar na casa de Simão, um curtidor (At. 9:43). Esta pro­gressão mostra que ele agora estava aberto ao menos para se associar com aqueles previamente considerados impuros (cur­tidores, por profissão, viviam em violação das leis judaicas de pureza). Entretanto, foi necessária uma visão — repetida três vezes — do Espírito de Deus, que, Lucas diz, continua a falar através de visões (2:17) — para convencer Pedro de que as leis proibindo associações com os gentios tinham sido superadas em Cristo (10:28). Além disso, também foi necessário o derra­mamento do Espírito sobre Cornélio e sua casa, para revelar que tais associações eram, agora, não apenas com conhecidos e vizinhos, mas também com aqueles a quem “Deus concedeu arrependimento para a vida [...]” (11:18). Pedro se converteu de ser meramente um pregador de paz em Jesus (10:36) para ser um que incorporava e vivia a paz de Jesus para todas as pessoas — mesmo para aqueles a quem ele previamente consi­derava impuros — pelo poder do Espírito Santo.
Por fim, observe que Cornélio era um centurião, um oficial romano militar e público de alto escalão. Contudo, Pe­dro veio a ele “pregando as boas novas por meio de Jesus Cris­to” (10:36). Estas eram as boas novas que reconciliavam não apenas judeus e gentios, mas também inimigos. O testemunho de Pedro convenceu outros crentes judeus céticos (11:2-3), ao menos naquele momento, de que a comunhão judaico-cristã era de fato possível. O momento divisor de águas levaria, pos­teriormente, à declaração do apostolo Paulo de que judeus e gentios: “tem acesso ao Pai, por um só Espírito. Portanto, vo­cês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Ef. 2:18-19). Entre­tanto, a pergunta ainda permanece: era isso que Jesus antevia em sua pregação do evangelho do reino e renovação de Israel?
24 Trabalho do Reino: Restaurando Israel — Chamando as Nações! Lucas 6:12-19; 9:1-6; 10:1-24 Com Jesus, a restauração e a renovação de Israel e a pregação do reino estavam ligadas. Nós já vimos como se espe­rava que os doze apóstolos exercessem um papel chave na in­trodução do reino. Jesus encarregou os Doze com uma tarefa tríplice: (1) proclamar a vinda do reino, (2) curar os enfermos e (3) expulsar demônios (Lc. 9:1-2). A missão dos Doze envolvia nada menos que uma participação na missão do Messias, capacitados pelo Espíri­to para pregar as boas novas aos pobres, libertar os cativos e oprimidos e proclamar o reino vindouro (4:18-19). Desta forma, as curas e os exorcismos estavam associados não ape­nas em termos das intenções de Jesus em banir toda opressão - opressão física e espiritual geralmente estão entrelaçadas do reino vindouro de Deus, mas também como sinais con­cretos e manifestações de que o governo de Deus estava apa­recendo em seu ministério e no de seus “enviados” (apóstolos). Entendido de maneira positiva, a chegada seria caracterizada pela comunhão de uma comunidade reconciliada, pelo com­partilhar mútuo que supria as necessidades da comunidade, e pela experiência do perdão de pecados em separado dos sacri­fícios do templo e da mediação do sacerdócio. Contudo, desde o início, Lucas fornece claras indica­ções de que a renovação de Israel também envolve a salva­ção das nações além de Israel. Ao passo que Mateus registra a proibição de Jesus: “Não se dirijam aos gentios, nem entrem em cidade alguma dos samaritanos” (10:5), Lucas, que escre­ve em retrospecto da missão de Filipe aos samaritanos e das conversões do etíope eunuco e a casa de Cornélio, deixa estes registros totalmente de fora. Ademais, ao passo que Mateus simplesmente apresenta Jesus instruindo os apóstolos a per­mitirem que sua paz repouse sobre os lares dos que os rece­bem (10:13), Lucas apresenta Jesus ordenando seus enviados a proclamarem a paz (Lc. 10:5). A paz, conforme já vimos em várias ocasiões (1:79; 2:14; 7:50; 8:48; 19:38, 42), jamais pode estar apenas parcialmente presente; se a paz deve acompanhar a renovação de Israel, então, a retidão e a justiça também te­rão de ser conferidas a todas as nações — caso contrário, se houver discordância, ausência de retidão e injustiça em algum lugar, também não pode haver paz (shalom) para Israel. Assim sendo, o que Jesus intencionava para seus apóstolos era que governassem e reinassem com ele de acordo com os valores do reino, em vez dos estilos autoritários dos gentios (22:25-27). Mais indicativo da inclusão de Jesus das nações gentias com a restauração de Israel, contudo, é o envio dos setenta/setenta e dois apenas no Evangelho de Lucas (10:1).7 Em síntese, o que é singular ao horizonte universal de Lucas, quando comparado aos demais evangelhos sinóticos, é que Jesus autorizou os apóstolos a irem, sem limitá-los a evangelizar apenas seus compatriotas judeus, e posteriormen­te designa setenta/setenta e dois para a tarefa de proclamar e realizar as obras do reino mesmo enquanto instava todos eles a orarem de sorte que “peçam ao Senhor da colheita que man­de trabalhadores para a sua colheita” (Lc. 10:2). Neste contex­to, não há necessidade de presumir que o evangelho estaria limitado apenas aos judeus. Além disso, mesmo dentre os ou­vintes judeus, aqueles que rejeitassem os apóstolos de Jesus estariam excluídos do reino (10:10-16); eles não podiam con­tar com seu status da aliança para assegurar seu lugar no Israel renovado. Afinal, aqueles que rejeitavam os apóstolos estavam rejeitando a mensagem de Jesus e, juntamente com ela, a oferta do Pai de Jesus, o “Senhor do céu e da terra” (10:21), a quem o próprio Filho representava. Portanto, enquanto Jesus via a relação entre a renovação de Israel e a vinda do reino, é justo dizer que essa renovação não excluía a salvação dos gentios. No curso de dois mil anos mais tarde, leitores gentios de Lucas e deste livro podem imaginar qual a grande impor­tância disto. Não devemos menosprezar, contudo, quão drás­tica era para os judeus originais a ideia de que a restauração de Israel envolvia aqueles que não eram de Israel. Semelhan­temente, eu imagino se alguns de nós, que agora consideramos nossa membresia entre o povo de Deus como segura, podemos ser desafiados a indagar se existem outros, aqueles fora dos limites de quem pensamos estar entre os eleitos, a quem Deus pode, contudo, contar como seus. Já mencionamos algumas classes de pessoas sobre as quais o Espírito foi, está sendo e será derramado — os pobres, os oprimidos, as pessoas com deficiências e outros que não são “dos nossos”. Os primeiros apóstolos estavam, de maneira bastante relutante, fora de suas áreas de conforto. Cristãos contemporâneos também não cos­tumam se aventurar para se enturmar com os “outros”. Mas se o Espírito verdadeiramente está chamando todasas nações, então deveriamos estar prontos tanto a ir até “eles” quanto a receber outros em nosso meio, de sorte que também possa­mos ser transformados no processo.
25 “Expulsem o Maligno!”: A Feitiçaria e o(s) Espírito(s) Atos 13:1-12; 19:8-20 Nós vimos, previamente, o poder do Espírito manifes­to sobre as artes maciças, quando Filipe foi a Samaria e con­frontou Simão, o mágico (At. 8). Conforme, agora, caminha­mos para áreas mais distantes no império romano, vemos as artes mágicas manifestas como um fenômeno sincrético com­binando tradições judaicas, religiões greco-romanas e práticas locais. Em Éfeso (At. 19), nos deparamos com um viveiro de atividade religiosa — exorcistas judeus, praticantes judeus e gentios de artes mágicas, e a adoração à deusa Artemis — e em Chipre (At. 13), encontramos um mágico judeu, Barjesus, servindo como conselheiro a um procônsul gentio. Apesar de os judeus serem proibidos de lidar com mágica, a presença cm Chipre de alguém como Barjesus, também conhecido como o “sábio” (etimologicamente associado ao nome “Elimas”), não era de se surpreender, dada a longa tradição de tais magoi no mundo gentio (ex. os magos e Faraó em Ex. 7-9, Balaão em Nm. 22-24, e os astrólogos persas que seguiram a estrela de Jesus em Mt. 2). O caso de Barjesus, mais adiante, ilustra as inter-relações ininterruptas entre mágica, religião, política e eco­nomia no Antigo Oriente Próximo. Diferente da separação entre igreja e estado de religião e política, o que se tornou constitucionalmente padrão ao menos na América, o mundo greco-romano e helenista do primeiro século via a mágica e a religião como chaves ao poder (no domínio político) e riqueza (na vida econômica). Barjesus claramente sentiu que se Sérgio Paulo se convertesse para se tornar um seguidor do Caminho de Jesus, ele perderia seu procônsul como patrono. Em Éfeso, a queima de livros sobre artes mágicas no valor de cinquenta mil moedas de prata — cada denário sendo o salário de um dia todo de trabalho! — sugere que muitos tinham acumulado uma elevada quantia de riqueza utilizando estas práticas. En­quanto os motivos dos sete filhos de Ceva não são claramente especificados, paralelos com o episódio samaritano indicam que eles podem ter sido, de maneira semelhante, motivados, conforme foi Simão Mago, para obter poder sobre a dimensão espiritual pelo amor ao lucro. Existem vários níveis nos quais podemos e devemos entender os dois “encontros de poder” descritos nos textos em consideração. No nível interpessoal, a competição entre Pau­lo com Barjesus, o “filho do diabo” e “inimigo de toda a jus­tiça” (At. 13:10), confirma suas credenciais apostólicas como equivalentes às manifestas por Pedro em seu encontro com o casal cheios de Satanás, Ananias e Safira (5:3). Mais tarde, a declaração dos espíritos malignos aos filhos de Ceva — de que “Jesus eu conheço, e Paulo eu sei quem é; mas vocês, quem são?” (19:15) — legitima a autoridade de Paulo em conexão com Jesus. Assim como Jesus expulsou demônios pelo poder do Espírito (10:38), Paulo também vence as artimanhas do diabo, pelo mesmo Espírito (13:9-11). No nível da narrativa de Atos, contudo, estas duas passagens revelam como a fé cristã é estabelecida em regiões pagãs (gentias) previamente sob o domínio de outras forças espirituais. A cegueira de Barjesus levou à conversão do pro- cônsul (13:12), e as notícias acerca dos filhos de Ceva se espa­lharam rapidamente: “todos eles foram tomados de temor; e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Dessa maneira, a pa­lavra do Senhor muito se difundia e se fortalecia” (19:17, 20). A disseminação da fé em Jesus a partir de Antioquia, onde Paulo iniciou seus empreendimentos missionários na instalação do Espírito Santo (13:2), para Chipre e, então, mais tarde, para Éfeso, é digna de nota, dada a localização central da ilha na rota comercial mediterrânea e a importância de Éfeso como uma cidade imperial. Com relação a Éfeso, Lucas sugere que o evangelho não parece ter feito muitos avanços, mesmo após dois anos de ministério persistente de Paulo (19:9-10), mas o grande sucesso ocorreu com o incidente dos filhos de Ceva. Qualquer sucesso depende, naturalmente, da obra do Espí­rito, que designou o empreendimento missionário de Paulo, assim como fez com Pedro (no dia de Pentecostes) e Jesus (em seu batismo). Capacitado pelo Espírito, Paulo encontra e pre­valece sobre os espíritos de Chipre e Éfeso. Em um esquema mais amplo de Lucas-Atos, o con­flito com espíritos malignos é um subtema do enredo maior. Diz-se especificamente que Paulo proclamou o reino de Deus no início de sua missão em Éfeso (19:8). A experiência dos filhos de Ceva mostra que, enquanto eles estavam interessa­dos em expandir seu repertório de fórmulas de exorcismos, a vinda do reino tinha a ver com a pessoa do próprio Jesus. A expulsão dos demônios não depende de repetição de fórmu­las em nome de Jesus, mas da adequada representação de sua autoridade pessoal. E assim como Jesus indicou — “Mas se [...] eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus” (Lc. 11:20) —, também foi nos casos dos discípulos — Pedro, Filipe e Paulo (respectivamente, At. 5:15-16; 8:7; 19:11-12) —, e a expulsão dos demônios anunciava a presença do Espírito de Jesus e a incursão do reino, também. Estes episódios reve­lam as dimensões políticas da “guerra espiritual”, mostrando claramente o que acontece quando a vinda do reino invade as estruturas de poder do mundo presente. Contudo, uma linha tênue permanece entre a encul- turação autêntica do evangelho e seu sincretismo com tradi­ções locais. Na cultura religiosa do primeiro século, as reli­giões greco-romanas estavam fundidas com práticas religiosas e culturais indígenas, geralmente resultando em amálgamas sincréticas das artes mágicas. Na esfera popular, a busca por cura miraculosa, alívio econômico e poder político era geral­mente suprida através de líderes religiosos e políticos (como Barjesus) ou do xamã do vilarejo (observe que se diz que Ceva era um sacerdote judeu; 19:14). O cristianismo prendeu a aten­ção popular, parece, ao menos em parte, porque os apóstolos foram capazes de alcançar as expectativas dos gentios e su­perar os artistas mágicos pagãos. Desta forma, os poderes de cura de Paulo foram mediados através de lenços e aventais (19:12), assim como os de Pedro foram efetivados através de sua sombra (5:15), e o de Jesus, através da orla de suas vestes (Lc. 6:19; 8:44). Contudo, mesmo os crentes no Messias (tal­vez muitos sendo novos convertidos) continuaram a praticar mágica (At. 19:19), até que o incidente com os filhos de Ceva registrou a verdade do evangelho de que o poder de Jesus re­sidia não na mera pronúncia de seu nome, mas na adequada e
delegada representação de sua autoridade do reino. Desafios semelhantes permanecem ainda hoje, em es­pecial na expansão do cristianismo no Sul Global (Ásia, África e América Latina). De um lado, existem conversões em massa à fé cristã quando as pessoas encontram o poder de Deus de curar, de expulsar espíritos malignos e de libertar da opressão. Por outro lado, mesmo após a conversão, continuam a con­sultar o xamã local ou inapropriadamente misturar sua nova fé a práticas prévias religiosas e culturais. Quando a enculturação ou contextualização se transforma em sincretismo? As muitas línguas do Espírito capacitam à tradução do evangelho em muitas línguas e culturas do mundo, e ao mesmo tempo, entretanto, ameaçam dissolver a singularidade do evangelho em um mundo plural? A expulsão de espíritos malignos pode ser comprometida na mistura não intencionada das práticas religiosas? De um ponto de vista político, contudo, o desafio é le­var a sério as forças e principados sem ser inocente na demonização dos governos, organizações ou sistemas sociopolíticos e econômicos atuais. Com muita frequência, nós associamos a pobreza econômica, a corrupção política ou o subdesenvol­vimento e a agitação social a religiões pagãs ou à atividade demoníaca. Tal análise, contudo, menospreza o fato de que todas estas realidades existem mesmo dentro de contextos supostamente “cristãos”, mesmo quando eles estimulam uma mentalidade que enxerga demônios em tudo e que não assume a responsabilidade por aquilo que pode ser mudado. A chave é orar contra as forças, mas, ao mesmo tempo, testemunhar a Cristo no poder do Espírito, de maneiras que façam a diferen­ça política ou pública no mundo. Satanás, o Demoníaco e o Império Lucas 4:1-14, 31-37; 8:26-39; 9:37-42, 49—50; 11:14-26 Quando os discípulos reclamaram acerca de alguém fora do círculo dos seguidores de Jesus estar expulsando de­mônios em seu nome, Jesus respondeu: “Não o impeçam, pois quem não é contra vocês é a favor de vocês” (Lc. 9:50). Entretanto, quando seus oponentes o acusaram de expulsar demônios pelo poder de Belzebu (sinônimo de Satanas), ele respondeu: “Todo reino dividido contra si mesmo será ar­ruinado, e uma casa dividida entre si mesma cairá. Se Sata­nás está dividido contra si mesmo, como o seu reino pode subsistir? Digo isso porque vocês estão dizendo que expulso demônios por Belzebu. Se eu expulso demônios por Belzebu, por quem os expulsam os filhos de vocês? Por isso, eles mes­mos estarão como juízes sobre vocês” (11:17-19). Parece que os filhos de Ceva estavam procurando seus próprios ganhos pessoais, de sorte que a tentativa de exorcismo por parte deles foi malsucedida porque não estava acompanhada da presença e autoridade de Jesus, o representante de Deus enviado para estabelecer o reino. O primeiro encontro registrado de Jesus com o diabo revela como sua missão para redimir e introduzir o reino con­frontava o reino das trevas. Ao passo que Israel passou qua­renta anos no deserto em rebelião contra Deus, Jesus passou quarenta dias no deserto buscando a vontade de Deus. Ao passo que Israel não confiou na provisão de Deus do maná, foi desobediente aos mandamentos de Deus e testou Deus repeti­damente, Jesus resistiu a cada uma destas tentações, portanto, estabelecendo os fundamentos para a restauração da nação. Enquanto Israel se rebelou contra Deus e “entristeceu seu Es­pírito Santo” (Is. 63:10), Jesus foi conduzido pelo Espírito a um deserto, e “[...] no poder do Espírito, e por toda aquela região se espalhou a sua fama” (Lc. 4:14), para continuar sua missão. Ainda que Satanás tenha prometido todos os reinos
do mundo (4:5-6), Jesus rejeitou a proposta e confiou nas pro­messas de Javé de lhe conceder as nações (vide Sl. 2:8). Ele estava se preparando para um ataque frontal contra as forças do diabo, uma batalha para neutralizar a armadura e armas do diabo e saquear o reino das trevas (Lc. 11:22). Tão logo venceu as tentações do diabo, Jesus se enca­minhou, pelo poder do Espírito, a soltar os cativos, libertar os oprimidos e proclamar o ano aceitável do Senhor (4:18-19). E os asseclas do diabo perceberam que sua aparição antecipava o tormento e a destruição deles (4:34; 8:36). Jesus primeiro ex­pulsou demônios em Cafarnaum e, então, nas regiões circunvizinhas da Galileia (4:41; 6:18), antes de atravessar o lago para a região gentia de Gerasa (8:22, 26). O endemoninhado que ele encontrou estava possesso por milhares — Legião (8:30) — de espíritos malignos. Talvez ele fosse o bode expiatório expulso da comunidade (para os túmulos e o ermo) cuja vida representava a desordem (expressa em sua escuridão) experi­mentada pelo povo geraseno em razão da opressão que eles sofriam sob o governo romano, os impostos e a exploração (simbolizados pelos guardas, correntes e algemas com as quais ele estava preso; 8:29). Neste caso, a expulsão da Legião para o abismo denotava a derrota do domínio e da tirania imperial, e estabelecia a autoridade e o poder universais de Jesus para além dos limites de Israel. Mais especificamente, a libertação do demoníaco anunciava a chegada do reino. Conforme Jesus disse poste­riormente: “Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demô­nios, então chegou a vocês o Reino de Deus” (Lc. 11:20). En­quanto Belzebu domina sobre seu reino de demônios (11:15), Jesus ameaça transformá-lo em um deserto pelo anúncio da chegada do rei Javé sobre a nação restaurada de Israel e o mundo renovado dos gentios; e enquanto o diabo busca man­ter seu controle opressivo sobre o mundo (seu castelo, 11:21), Jesus chega pelo poder do Espírito a fim de redimir e restau­rar o mundo e seus habitantes a seu devido dono. Então, por um lado, o diabo e seus asseclas afligem o mundo fisicamente (conforme refletido em sua responsa­bilidade por casos específicos de ataques epiléticos e mudez; 9:38-39; 11:14). Por outro lado, as obras do diabo debilitavam famílias e comunidades inteiras. Dentro do horizonte do rei­no em Lucas, era o caso do reino das trevas versus o reino da luz (cf. At. 26:18), com as batalhas sendo lutadas em todos os níveis, alcançando desde o nível da Roma imperial, a lideran­ça judaica, as autoridades regionais (como aquelas em Gera- sa), e as comunidades locais (como aquela da ilha de Chipre, sob a liderança do procônsul Sérgio Paulo e seu conselheiro Barjesus, At. 13:6) ao nível de cada família e cada pessoa. Jesus veio pelo poder do Espírito, para declarar e estabelecer o rei­no; cabia aos que eram libertos em cada nível, contudo, abra­çar os representantes do reino ou arriscar serem reinvadidos pelos principados e poderes sete vezes mais malignos do que os de outrora (Lc. 11:26). Semelhantemente, hoje cabe a nós discernirmos, se­guindo a orientação do Espírito Santo, quando encontrarmos um problema de epilepsia (ou doença mental ou esquizofre­nia), ou surdez, ou mudez, ou depressão econômica, ou opres­são política, ou, talvez, simultaneamente com quaisquer das acima ou mais, se espíritos malignos estão envolvidos. Inde­pendente da situação, devemos sempre estar alertas à presen­ça e atividade do demoníaco, quando existe oposição ao reino de Cristo, sua retidão, paz, e shalom. Desta forma, o apóstolo Paulo escreveu: “pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas re­giões celestiais” (Ef. 6:12). Às vezes, a batalha é perdida por- ?[ue aqueles que entram nela não o fazem pelos motivos certos ex., os filhos de Ceva) e não estão, portanto, com Cristo, mas contra Cristo (Lc. 11:23). Outras vezes, os seguidores de Jesus como o Messias podem simplesmente carecer de fé (5:40-41; Lucas omite a menção de que os discípulos negligenciaram a oração ou o jejum, conforme indicado em Mc. 5:25). Contudo, quando designado adequadamente por Cristo e capacitado por seu Espírito, o reino avança em meio a registros de que: “Senhor, até os demônios se submetem a nós, em teu nome!” (Lc. 10:17). Isto significa que nós também podemos ser agentes da renovação de Israel e da chegada do reino, libertando os oprimidos, nos opondo aos poderes das trevas em controle dos portões dos castelos, e mesmo resistindo às formas opres­sivas e destrutivas do império. Não é de se surpreender que
“mesmo os demônios creem — e tremem” (Tg. 2:19). Por que eles não creriam e tremeríam? As vidas de muitos, sem men­cionar os reinos deste mundo, atualmente sob a influência do maligno (1 Jo. 5:19), estão em jogo. E o mesmo Espírito que ungiu Jesus para ir “por toda parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele” (At. 10:38), continua a capacitar as obras dos seguidores de Jesus hoje, de sorte que, através delas, Jesus, que foi estar com o Pai, possa fazer coisas ainda maiores do que ele fez em carne (Jo. 14:12).
27 A Obra Universal do Espírito Atos 13:13-15:35 No deserto e, então, em sua vida e ministério, Jesus derrotou o diabo, viveu uma vida reta em obediência a Deus, pronunciou o perdão de pecados — todos os atos relacionados a salvação de Israel. Contudo, o problema foi que a maioria das pessoas de sua época, incluindo a liderança judaica, não entendeu que a renovação de Israel trazia com ela o gover­no e reino do Senhor sobre o mundo, incluindo a extensão da aliança salvadora de Deus aos gentios, também. Conforme a comunidade messiânica se expandia de Jerusalém à Judéia, e Samaria, e além, os discípulos lutaram com as implicações deste crescimento, mesmo quando encontraram resistência, em especial dos líderes judeus, que percebiam tais desenvol­vimentos como ameaça à fragilidade da existência diaspórica judaica. No relato de Lucas da pregação de Paulo em Antioquia da Psidia, vemos como estes primeiros seguidores de Jesus começaram a entender o relacionamento entre Israel e a salvação dos gentios. Dirigindo-se tanto aos judeus quanto aos gentios tementes a Deus, na sinagoga (At. 13:16, 26), Paulo começa, primeiro, com a seleção divina de Israel. A liberta­ção do Egito, a conquista de Canaã e o desígnio de juízes e, então, reis são todos atos de Javé, culminando na aliança davídica e na promessa do Salvador messiânico de sua linhagem (13:17-23). Apesar de ele ter sido executado como um homem inocente, sua ressurreição dentre os mortos cumpria as pro­messas feitas a Davi (13:27-37) e vindicava sua vida e seu mi­nistério, em especial o perdão de pecados disponibilizados em seu nome (13:38). Mas, o mais inacreditável (13:41) e, para os judeus, escandaloso, era que “Por meio dele, todo aquele que crê [não apenas judeus!] é justificado de todas as coisas das quais não podiam ser justificados pela lei de Moisés” (13:39, ênfase acrescentada). Os gentios que ouviram esta oferta de perdão “alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor” (13:48) e, conforme prometido por Pedro no Dia de Pentecoste (2:38), “foram cheios de alegria e do Espírito Santo” (13^52). O perdão de pecados, a retidão, a paz, e a alegria, manifestos na vida de Cristo, e a superação do reino das trevas em seu nome, estavam todos disponíveis a qualquer um que acreditasse e estivesse disposto a receber — judeus e gentios. Mais precisa­mente, é a reconstrução da casa de Davi, a restauração de Is­rael, que é o meio através do qual os demais do mundo podem ser salvos (15:16-17). Mas, assim como os líderes judeus resistiram ao minis­tério de Jesus e dos apóstolos em Jerusalém, e assim como os judeus helenistas, que eram zelosos pelo ministério do tem­plo, rejeitaram o ministério de Estevam, também os líderes judeus e gentios em Antioquia na Psídia e Icônio se opuseram a mensagem de Paulo (13:45, 50; 14:2, 5, 19). A liderança gentílica pode ter ficado preocupada com a perda de patronagem em seus templos locais ou em transtornar o culto a César. Os judeus, por outro lado, podem ter sido alertados pela facção da Judéia que veio a Antioquia, dizendo: “Se vocês não forem circuncidados conforme o costume ensinado por Moisés, não poderão ser salvos” (15:1). Talvez eles estivessem enciumados (13:45) de que as promessas da aliança de Moisés e Davi esti­vessem sendo estendidas aos gentios sem qualquer exigência de guardar a lei mosaica ou passar pela circuncisão, o sinal da aliança (15:5, 24). Mais adiante, se de fato a renovação de Is­rael agora incluía a salvação dos gentios, então, já não poderia mais haver punição aos opressores de Israel, e, sem tal julga­mento, não haveria vindicação de Israel conforme o povo es­pecialmente selecionado por Deus. Tal aceitação incondicio­nal e mesmo eleição dos gentios como parte do povo de Deus (13:48; 15:7) não ameaçava desfazer a própria aliança? Paulo se via sendo amadurecido em duas frentes. Deus, que o havia chamado ‘(para ser uma luz aos gentios [...] [e a] trazer salvação aos confins da terra” (13:47, fazendo alu­são a Is. 49:6), tinha lhe capacitado pelo Espírito a pregar as boas novas àqueles que estavam sem a lei. Então, por exem­plo, quando pregando aos camponeses dos vilarejos em Lis­tra, Paulo falou acerca do Criador do mundo, que também provia para suas criaturas (14:15-17). Era este Deus que, agora,
intencionava derramar sobre eles, de maneira extravagante, o perdão incondicional de pecados e a vida eterna em seu rei­no (14:15-17). Contudo, esta mensagem parecia, aos líderes e puristas Judeus, por demais descontinuada das promessas da aliança feitas a Moisés e Davi. Não havia mais necessidade do sacerdócio e de sacrifícios no templo, e as próprias bases da lei agora pareciam ser minimizadas. Acontece que as coisas estavam, de fato, tão “ruins” conforme eles pensavam que estavam. Não apenas Deus escolheu os gentios (13:48; 15:14), mas Deus também consi­derou adequado conceder aos gentios o Espírito Santo, para limpar seus corações pela fé e não mais fazer distinção entre judeu e gentio (15:8-9). Ainda mais, Pedro insistia que, em vez de os gentios participarem na salvação prometida aos judeus, era o contrário — que a salvação dos gentios era a norma, e que mesmo os judeus serão “salvos pela graça de nosso Senhor Jesus, assim como eles [gentios] cambem” (15:11, ênfase acrescen­tada). E em vez discernir estes desenvolvimentos como estan­do em consonância com as Escrituras, os profetas agora são lidos (retrospectivamente, parece) como concordância com a ação de Deus de salvar os gentios (15:15). Apesar de os judeus estarem somente agora entenden­do a generosidade de Deus, ela sempre fora parte do plano de Deus, desde o início (15:18, 21). Entretanto, através de tudo isso, os líderes apostólicos vieram a perceber, através do Es­pírito Santo (15:28), que, enquanto os gentios poderiam ser salvos conforme eram (sem plenamente se converter para se tornarem judeus e sem serem circuncidados), o estilo de vidas dos gentios também não deveria quebrar a lei mosaica — isto é, não deveríam cometer imoralidade sexual, mas manterem a si mesmos afastados das impurezas proibidas a todos aque­les que viviam em meio ao povo de Deus (15:20-21; cf. Lev. 17:8). Contudo, estas eram diretivas motivadas socialmente, uma vez que, do contrário, os convertidos judeus não serão capazes de interagir com os crentes judeus. A conclusão teo­lógica mais importante era que seguir o Messias não resultava em desconsideração pela lei, mas em experimentar o poder salvador da lei na vida de Jesus. Não é de se surpreender que houvesse tanta oposição a Jesus e aos líderes apostólicos em Jerusalém, no início, e ago­ra com Paulo e outros que estavam levando o evangelho aos gentios. A decisão tomada pelos apóstolos neste concilio em Jerusalém foi tão radical que, para todos os efeitos, legitima­va a forma não judaica de discipulado messiânico. Os judeus que estavam comprometidos com as promessas da aliança não podiam facilmente encontrar uma forma de permanecer fiéis a suas tradições enquanto, ao mesmo tempo, adotavam a vida e os ensinos de Jesus em sua comunidade. De fato, parecia que Deus sabia que isto aconteceria, e que esta própria rejeição seria a ocasião para a obra salvadora do Espírito entre os gen­tios (13:46).
28 Parábolas da Obra do Espírito no Mundo Lucas 13:18-30; 15:1-32 À luz do desenrolar da história da restauração de Is­rael como incluindo os gentios em Atos, a história do filho pródigo pode ser entendida como antecipando a luta do ir­mão mais velho, representando os seguidores de Jesus que eram judeus cumpridores da lei, em aceitar e receber o irmão mais novo e esbanjador, representando os tementes a Deus e gentios que estavam respondendo ao evangelho. Observe que o irmão mais novo vai para uma “região distante” (15:13), cla­ramente indicativa de território gentio (cf. At. 22:21). Após desperdiçar sua fortuna, ele vai trabalhar com porcos (Lc. 15:15), que é anátema e impura aos judeus (cf Lev. 11:7), e era uma profissão executada somente por gentios. Por fim, ele, de maneira blasfema, desperdiça sua herança “com prostitu­tas” (Lc. 15:30), frequentemente entendida como se referindo à idolatria gentílica, e vem a se dar conta de que não mais é participante da aliança que Deus fez com Israel. O irmão mais velho, contudo, havia servido fielmente a seu pai e havia guardado os mandamentos (15:29). De ma­neiras análogas aos crentes judeus em Atos 15, ele não conse­guia entender como adotar este filho pródigo não seguidor da lei (gentios). O pai, que se regozijou com o retorno do filho perdido — assim como o pastor o icz ao encontrar a ovelha perdida, e a mulher, ao encontrar a dracma perdida —, agora instrui o irmão mais velho a se reconciliar com o mais novo (15:32). Se o irmão mais velho na parábola estava bravo (15:28) e considerava difícil aceitar o transgressor como um membro igual da família, assim também os lideres judeus se incendia­ram — ao ponto de perseguirem e mesmo matarem Estevam e Tiago, e, assim eles pensavam, Paulo — com a ideia de que seguidores gentios podiam ter o direito às promessas da alian­ça. Eles não podiam entender como pecadores não circuncidados poderiam simplesmente, por seu arrependimento, ser igualmente escolhidos como eleitos de Deus e recipientes das bênçãos trazidas pela renovação de Israel. O retrato de Lucas dos judeus não é, por vezes, fácil de engolir. Ainda que os judeus parecessem ter rejeitado o evangelho e, através disto, aberto a porta para os gentios, isso significa que a aliança de Deus com os judeus fora revogada? A resposta, extraída do mesmo texto de Lucas, deve ser um enfático não. Acitação de Tiago do profeta Amós, no concilio em Jerusalém, foi: (...) reconstruirei a tenda caída de Davi. Reedificarei as suas ruínas, e a restaurarei, para que o restante dos homens busque o Senhor (At. 15:16- 17) Os gentios não substituem os judeus; antes, os gentios são capacitados a usufruir do arrependimento precisamente em razão da construção da casa de Davi — a restauração e a renovação de Israel. A parábola do filho pródigo, desta for­ma, nos mostra a grande paciência, persistência e o amor de Deus pelo perdido, marginalizado e, mais importante, pelo rejeitado e estrangeiro. O tempo havia chegado, com o envio de Jesus como o Cristo, para renovar a aliança com os judeus e, ao mesmo tempo, estender seus benefícios aos gentios. Esta era a obra inacreditável do Espírito naqueles últimos dias — aproximar os gentios que não apenas estavam longe, mas tam­bém cortados das promessas de Deus, e reconciliar judeus e gentios de sorte que fossem um único e novo povo de Deus. Contudo, havia um perigo para os judeus. Conforme Paulo havia advertido os judeus em Antioquia na Psídia: “Era ne­cessário anunciar primeiro a vocês a palavra de Deus; uma vez que a rejeitam e não se julgam dignos da vida eterna, agora nos voltamos para os gentios” (At. 13:46). Na verdade, a pala­vra do reino e da vida eterna era, precisamente, que a restau­ração de Israel incluía a renovação do mundo, então, aqueles judeus que rejeitavam essa mensagem gradualmente se viram sendo “deixados para trás” enquanto os gentios estavam alcan­çando 0 reino vindouro. As próprias admoestações de Jesus acerca destas ques­tões não pareciam ter sido ouvidas. Em um momento, lhe fi­zeram uma pergunta que era debatida entre os judeus de sua época: se seriam muitos ou poucos os que herdariam o reino e as promessas da aliança de Deus (Lc. 13:23). Sua resposta en­fatizou que seus ouvintes deveriam se empenhar em receber a salvação, uma vez que ela não estaria acessível para sempre (13:24-25). O fracasso em se arrepender, agora, pode levar à exclusão do grande banquete posteriormente, e seus lugares tomados pelos muitos que virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e ocuparão os seus lugares à mesa no Reino de Deus” (13:25). Portanto, apesar de os profetas terem prometi­do que o dia da restauração de Israel também traria bênçãos para todos os povos da terra, Jesus estava preocupado que seus ouvintes iriam, por fim, perder o reino. A pergunta importan­te não era quantos seriam salvos, mas como alguém poderia ser salvo. Podemos ver como a advertência de Paulo a seus ou­vintes judeus e cristãos judeus era consistente com a própria mensagem e com o ministério de Jesus. Mas, mesmo em meio a advertências urgentes, nós encontramos razões para sermos otimistas. Ao falar na sinagoga no sábado (Lc. 13:10), Jesus contou duas parábolas, da semente de mostarda e da massa fermentada, que indicavam a vinda do reino todo-inclusivo (de judeus e gentios), que fora lançada por acontecimentos aparentemente insignificantes, como a cura de uma mulher deficiente (13:18-21). Assim como a pequena semente de mostarda se tornou uma grande árvore para todos os pássaros, e assim como o fermento se espalha por toda a refeição, com a vinda de Jesus e, então, do dom do Espírito Santo, o poder invisível de Deus, mas não menos ativo, estava crescendo e cultivando o reino. A conclusão é que, por mais que as coisas pareçam desoladoras, o reino está inexoravelmente em operação, realizando as intenções salva­doras de Deus. Então, enquanto não devemos descartar as advertên­cias acerca de sermos excluídos do reino vindouro, também não devemos nos preocupar ou ficarmos ansiosos acerca dele. Se Deus advertiu os judeus e também espera pacientemente por eles, assim Deus também admoesta todas as pessoas a se voltarem a ele, mesmo enquanto esperando pacientemente por eles. De fato, Deus ama o mundo de tal maneira que ele é visto se regozijando, juntamente com os anjos no céu, por um pecador que se arrepende (157, 10). E alguma surpresa, por­tanto, que o Deus que sequer negou a si mesmo, seu próprio Espírito, tenha derramado seu Espírito sobre toda a carne?
PARTE SETE Espírito Santo Vira o Mundo de Cabeça para Baixo
29 Suas Filhas Profetizarão! Atos 16:1-15; 21:7-11 Retomamos a história apostólica após o grande conci­lio de Jerusalém. A missão aos gentios havia sido afirmada, e Paulo e seus companheiros estavam de partida para cumprir a tarefa. Aqui, em Atos 16, nós vemos o Espírito operando em Paulo de maneiras que exibem alguns dos temas que Lucas ha­via especificamente associado ao derramamento do Espírito sobre toda carne: Nos últimos dias, diz Deus, derrama­rei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos (At. 2:17). As narrativas acerca de Timóteo (16:1-5), da visão de Paulo (16:6-10) e de Lídia (16:11-5) ilustram o trabalho contí­nuo do Espírito, dado em prol de transformar o mundo. Timóteo era filho de um pai grego e de uma judia que cria no Messias (16:1). Em outro lugar, ouvimos da fé sincera de sua avó e de sua mãe, Lóide e Eunice (2 Tm. 1:5), e como elas o tinham ensinado, desde a infância, os escritos sagrados (2 Tm. 3:15). Na época da segunda viagem a Derbe, Listra e Icónio, os “irmãos já davam bom testemunho” de Timóteo (At. 16:2) naquela região. Tendo perdido Barnabé e Marcos (15:38-40), Paulo convidou Timóteo para continuar com ele na missão através da Ásia Menor. A vida de Timóteo é exemplar da obra do Espírito em vários aspectos. Primeiro, sua conversão e amadurecimento como um seguidor de Jesus em tão curto período de tempo é incrível, considerando que apenas há alguns anos os judeus nas redondezas da cidade de Timóteo haviam expulsado Pau­lo de Icônio e, então, o apedrejaram e o deixaram como mor­to em Listra (14:5-6, 15-20). Posteriormente, ele incorporou, biológica e culturalmente, a unidade do judeu e do gentio, tornada possível pelo dom do Espírito. Por fim, sua circun­cisão como judeu quando adulto foi confirmação de que a redenção dos gentios não ab-rogava a aliança de Deus com os judeus. Paulo percebeu que seu chamado aos gentios não significava o fim de sua missão aos judeus, e que a recepção de Timóteo nos círculos judaicos dependia da adoção por parte dele do sinal da aliança (que provavelmente lhe fora negada quando criança por seu pai grego, que, agora, não mais vivia). A circuncisão de Timóteo não minimizava a decisão do con­cilio de Jerusalém, uma vez que tratou dos gentios, e isto foi confirmado conforme Paulo continuou com ele, de cidade em cidade, entregando a carta do concilio às igrejas (16:4-5). Enquanto avançava pela Galácia, Lucas nos conta que o Espírito Santo direcionou a equipe apostólica, ao proibir seu ministério na Ásia e Bitinia (16:6-7). Como isso aconte­ceu, não está claro. Antes, em Atos, nós vemos como o Espí­rito Santo lançou o ministério a Samaria (através de Filipe e de outros diáconos judeus helenistas), em parte pela severa perseguição que eclodiu (ô:i), mesmo mais tarde, o Espírito direcionou a primeira viagem missionária de Paulo de uma maneira mais convencional, através de adoração congregacional, jejum e oração (13:1-3). Os meios da liderança do Espírito durante esta segunda jornada missionária são menos claros, embora em certo momento uma visão seja dada, o que Paulo e seus colegas discernem como os levando à Macedônia (16:9- 10). Conforme fora prometido pelo profeta Joel, os cristãos primitivos continuaram a seguir a liderança do Espírito atra­vés de visões: anteriormente, quando Paulo estava no caminho de Damasco (9:10), e, posteriormente, quando ele foi cercado de dúvidas em Corinto (18:9); e então, também, quando Pedro foi conduzido até a casa de Cornélio (10:3). O Espírito Santo ainda fala à igreja através de sonhos e visões, hoje? Muitas pessoas estão preocupadas que a confian­ça em tais veículos abra espaço a um subjetivismo irrestrito, e que as pessoas se deixarem levar, acreditando que ouviram isto ou aquilo da parte de Deus. Em alguns casos, talvez mes­mo muitos, as pessoas ficam desiludidas. Mas nossos temores e sonhos e visões resultaram em muitos de nós ignorando tais meios por completo. E, quando assim o fazemos, nós fecha­mos a um dos modos através dos quais Deus pessoalmente tem falado. Naturalmente, devemos sempre julgar e discernir todos os sonhos e visões, e tal discernimento acontece melhor em uma comunidade da fé. A narrativa de Atos 16 também retoma o tema acer­ca do derramamento do Espírito sobre mulheres (incluindo mulheres mais jovens) para a renovação de Israel e a redenção do mundo. Aqui, Lucas ressalta a conversão de Lídia e sua liderança na evangelização de Filipos. Não parece ter havido uma sinagoga plenamente formada nesta “principal cidade” (16:12) da Macedônia, mas havia pessoas tementes a Deus, a quem Paulo foi capaz de reunir a partir das regiões circunvi- zinhas para buscarem a Deus no sábado. Lídia pode ter sido abastada, uma vez que ela parece ter tido uma casa grande o bastante para hospedar Paulo e sua equipe (que agora incluía ao menos Timóteo e provavelmente o próprio Lucas, como o “nós” sugere em 16:12). Tabita (vide capítulo 22) e Lídia for­neceram liderança matriarcal em Jope e na área de Filipos, respectivamente (cf 16:40), e isto durante um período em que o domínio patriarcal era normativo. Lídia e Tabita são representantes da capacitação de mulheres na igreja primitiva pelo Espírito. Outras mulheres que já conhecemos em Atos incluem Maria, a mãe de Jesus, e outras no cenáculo (1:14), Maria, a mãe de João Marcos, e Roda, sua serva (12:12-13). Mulheres às quais precisamos, ainda, incluir Priscila, a esposa de Àquila e co-mentora de Apoio (18:2, 26); Dãmaris, uma convertida em Éfeso (1:34); outras “mulheres de alta posição” convertidas em Tessalônica e Beréia (17:4, 12); a irmã de Paulo (23:16); e a rainha Berenice (25:13). , Mais tarde, quando Paulo chega a Cesárea para ficar na casa de Filipe, o evangelista, vemos, ironicamente, que o evangelismo de Filipe em Samaria fora previamente iniciado, quando Paulo “devastava a igreja. Indo de casa em casa, arras­tava homens e mulheres e os lançava na prisão” (8:3)! Ouvimos de suas “quatro filhas virgens que profetizavam” (21:9). Estas e muitas outras mulheres não nomeadas foram portadoras do dom do Espírito e se tornaram servas profetisas de Deus, algumas literalmente (como as filhas de Filipe), mas outras simplesmente ao viverem o caráter misericordiosamente in­clusive do Israel renovado e o reino vindouro. Contudo, está claro que, apesar dos inegáveis papéis de liderança desempenhados por Tabita, Lídia, pelas filhas de Filipe, e por outras, as mulheres permanecem, em gran­de parte, subordinadas aos homens. Atos o fato de termos. Apesar de as filhas de Filipe terem o dom de profecia, elas sequer são mencionadas, e as palavras proféticas naquela pas­sagem vêm, em vez disto, de Agabo (21:10-11). Diz-se que Lí­dia “convenceu” Paulo e seus colegas de trabalho, mas suas únicas palavras registradas são explicitamente obedientes à autoridade e julgamento de Paulo (16:15). Em síntese, a profe­cia de Joel, conforme reiterada por Pedro no dia de Pentecoste — que “seus filhos e suas filhas profetizarão” — parece ter sido apenas parcialmente cumprido. Mesmo no século vinte e um, nós ainda estamos esperando em muitos círculos um derramamento pentecostal mais evidente que capacitará as mulheres a cumprirem seu chamado como filhas que profeti­zam pelo Espírito.
Jesus, o Protofeminista!: A Unção de Mulheres Lucas 8:1-3; 10:38-42; 24:1-12 Há evidência na vida, no ministério e mesmo nos en­sinos de Jesus de que ele pretendia iniciar um entendimento radical e revolucionário das mulheres e de seus papéis, no rei­no vindouro. Não apenas Lucas nos conta acerca de um bom número de mulheres no evangelho,[8] [9] mas também, em muitos casos, as palavras e seus feitos desafiam as convenções sociais para as mulheres palestinas do primeiro século. O ministério de proclamação do reino de Deus feito por Jesus estava acom­panhado de homens e mulheres, e comumente sustentado pe­las mulheres. Três mulheres são proeminentes em Lucas 8:1-3: Maria Madalena, Joana e Susana, embora também houvesse “muitas outras”. Elas eram oriundas de contextos diversos — Maria havia sido possuída por demônios no passado, ao passo que Joana era uma mulher de recursos, sendo a espo­sa de Cuza, administrador de Herodes Antipas. O texto diz que estas mulheres “ajudavam a sustentá-los com os seus bens” (8:3). Ao assim agirem, elas não apenas estavam contrapondo o patriarcado das relações entre patrono e clientes do primei­ro século, mas também antecipando a comunidade de iguais e de reciprocidade formada a partir do evento do Pentecoste (At. 2:44-47; 4:32-37). , A visita de Jesus à casa de Maria e Marta mostrou que as mulheres não estavam confinadas a papéis tradicionais fe­mininos.5 Neste caso, Marta reclamou a Jesus que Maria não estava lhe ajudando a realizar as tarefas em recebê-lo, sem mencionar seus seguidores, que estavam lhe acompanhando (Lc. 10:38). Enquanto Maria “ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo-lhe a palavra” (10:39), Jesus lhe afirmou um lugar en­tre os discípulos e repreendeu Marta: “Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (10:42). A atenção que Maria e Marta dão a Jesus é mantida pelas mulheres seguidoras de Jesus na e após a crucificação, ainda que de maneiras diferentes. Ao passo que ha toda uma indicação de que os discípulos homens abandonaram a Jesus durante sua hora de maior necessidade (vide Mt. 26:56; Mc. 14:50), as mulheres o seguiram — todo o caminho, desde a Galileia, se nota — até sua morte (Lc. 23:49), observando onde ele fora enterrado e fazendo planos de retornar e ungir seu corpo (23:55-56). Elas supriram as necessidades materiais de Jesus não apenas em sua vida, mas também após a sua morte. No primeiro dia da semana, Maria Madalena, Joana, Maria, a mãe de Tiago, e outras mulheres, chegaram para em­balsamar o corpo de Jesus, mas, em vez disto, encontraram dois homens que lhes disseram que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Naquele momento, elas “se lembraram de suas palavras” (24:8), mostrando que, diferente dos homens (mas como Maria), elas não apenas tinham ouvido os ensina­mentos de Jesus, como também guardaram suas palavras em seus corações. Estas mulheres se tornaram as primeiras evangelistas — as primeiras a testificar do Cristo ressurreto — aos homens, que não apenas estavam desesperançados acerca dos aconte­cimentos da semana anterior (cf 24:17), mas também descar­taram o testemunho das mulheres como “loucura” (23:11). Ao proclamar o Cristo ressurreto, estas mulheres, a maioria das quais permanecem não nomeadas, foram precursoras das ser­vas profetizas do Espírito prometido em Atos. A atitude de Jesus para com as mulheres indica tanto que a redenção de Israel colocaria o mundo de cabeça para baixo quanto que isto incluía o domínio do patriarcado. As­sim sendo, há um escândalo, por exemplo, acerca da parábola de Jesus da mulher que perdeu sua dracma, mas que tudo faz para encontrá-la, uma vez que a mulher é análoga ao pastor e Deus, o Pai, nas parábolas ao redor vistas como um conjunto (15:8-10). A ideia de que Deus poderia ser imaginado em ima­gens e termos femininos teria sido impensável de acordo com as convenções patriarcais daquela época. Através da derriba- da do patriarcado, o que surge é uma nova visão de homens e mulheres entendidos como iguais em Cristo (cf. Gl. 3:28). Os(as) primeiros(as) messianistas(as) parecem ter en­tendido isto ao menos em termos de sua expectativa de que o Espírito por vir capacitaria não apenas homens, mas também mulheres (At. 2:17-18). Entretanto, conforme vimos, as mu­lheres ainda exercem um papel relativamente menor em Atos, em lugar algum chegando perto de suas importantes contribuições a vida e ministério de Jesus nos evangelhos. Então, enquanto o derramar do Espírito deveria ter completado a revolução radical para mulheres iniciada por Jesus, a inércia e as forças do patriarcado parecem ter reganhado a vantagem, após a morte de Jesus, mesmo entre os discípulos, e ter sido amplamente bem-sucedida em manter a divisão hierárquica entre homens e mulheres desde então. O que precisamos hoje é de um “novo Pentecoste”, um revigorado derramamento do Espírito sobre toda carne, homens e mulheres, jovens e velhos. Os homens continuam a precisar de libertação de suas práticas e de sua mentalidade patriarcais, ao passo que as mulheres devem discernir a coisa nova que Deus busca fazer em e através de suas vidas ao res­taurar Israel e estabelecer o reino. A capacitação das mulheres iniciada pelo Espírito em Jesus, na igreja primitiva, continua aguardando seu término e cumprimento.
31 Lucro, Poder, Política e Louvor Atos 16:16-40 O encontro de Paulo com a garota escrava em Filipos tem todos os elementos adequados para um tabloide. Aqui estava uma jovem cujos poderes de adivinhação eram oriun­dos das artes ocultas (diz-se que ela estava possuída por um espírito pitonista —pneumapythona-, At. 16:16 —, que se refere a uma serpente ou dragão mítico que falava através de um templo, em Delfos), cuja predição do futuro era fonte de gran­de riqueza a seus donos, e que seguiu a Paulo e seus associa­dos por dias, anunciando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo e lhes anunciam um caminho da salvação” (16:17). O anúncio dela continha ao menos duas meias-verdades: a referência ao “Deus Altíssimo” não teria sido entendida de maneira monoteísta, mas de maneira politeísta, em Filrpos, e a salvação a que a pitonisa se referia era uma dentre varias outras. (Observe a ausência do artigo definido antes de “ca­minho da salvação”). Por fim, mas aparentemente só depois ser excessivamente inflamado, Paulo expulsou o espirito pito­nista da jovem, e aquilo não apenas a silenciou como também eliminou seus poderes de adivinhação. Enquanto somos deixados a imaginar se a jovem es­crava se juntou à comunidade messiânica, seus donos ficaram furiosos que suas práticas exploradoras tivessem chegado ao rim. Então, cies arrastaram Paulo e Silas para diante dos ma­gistrados, dizendo: “Estes homens são judeus e estão pertur­bando a nossa cidade, propagando costumes que a nós, ro­manos, não é permitido aceitar nem praticar” (16:20-21). Não apenas estas acusações refletem a xenofobia dos acusadores, mas a resposta da multidão, que quase leva a uma rebelião, também revela o etos antijudeu da cidade. (Talvez seja por isto que o texto não indica que Timóteo, que se sabia ser filho de pai gentio, tenha sido detido, e isto também esclarece por­que não havia sinagoga em Filipos). Os magistrados da cidade,
portanto, os açoitou e prendeu, e os prenderam de maneira mui segura. Confinados, sangrando e temerosos acerca do que o futuro lhes reservava, Paulo e Silas, contudo, resistiram, não de acordo com as convenções de prisioneiros imperiais falsamente acusados, mas de acordo com a política do reino vindouro: com oração, adoração e canto! E de maneira seme­lhante a quando Deus enviou um anjo para libertar Pedro da prisão, enquanto a igreja estava intercedendo por ele (12:5-11), assim, Deus agora envia, em resposta à oração e aos louvores de seus servos, um terremoto que solta as amarras de todos os prisioneiros. Percebendo nitidamente a iminente ruína do carcereiro — que, se não se matasse, provavelmente teria que pagar com sua própria vida por permitir que os prisioneiros escapassem — Paulo, de alguma Forma, convenceu os demais prisioneiros a ficarem no local e garantiu ao carcereiro: “Esta­mos todos aqui” (16:28). O carcereiro, talvez tendo ouvido o testemunho da pi- tonisa sobre a salvação do Deus Altíssimo disponível através de Paulo e seus companheiros, indagou: “O que devo fazer para ser salvo?” (16:30). A resposta foi: “Creia no Senhor Je­sus, e serão salvos, você e os de sua casa” (16:31). Ele e sua casa acreditaram e foram salvos — assim como foram os parentes de Lídia (16:15), Cornélio (11:14), e, posteriormente, Crispo de Corinto(iô:8) — com as primícias de seu arrependimen­to, sendo que ele os levou para sua casa e lavou suas feridas (16:33). Naquela mesma noite, o carcereiro e sua casa foram todos batizados, como era a prática desde o dia de Pentecoste (2:37-41), e o carcereiro pode ter se juntado a Lídia para se tornar um dos membros fundadores da igreja em Filipos. No dia seguinte, os indiferentes magistrados ordena­ram à polícia que soltasse Paulo e os outros. Contudo, Paulo insistiu que a ilegalidade de se açoitar publicamente um ci­dadão romano (ele mesmo) não deveria ser coberta com uma soltura privada. (Não existe indicação se a tentativa de Paulo de comunicar sua condição de cidadão no dia anterior foi aba­fada pela multidão). Tendo garantido uma desculpa pública, Paulo, por sua vez, não prestou contra-acusações — será que ele perdoou seus opressores? —, mas prosseguiu em direção à região da Tessalônica. Em um nível, podemos ler esta passagem e concluir que o Espírito Santo é mais poderoso que do o espírito pitonista; que o Espírito Santo inspira a oração e o louvor como respostas adequadas em nossas mais escuras e difíceis horas de necessidade; que o Espírito Santo sempre está em operação, mesmo através das mais inesperadas circunstâncias de nossas vidas, para trazer salvação ao perdido. Tudo isto é correto e é verdade. Ademais, contudo, podemos observar os seguintes pontos sobre a presença e a atividade do Espírito em meio às pressões da vida imperial: • O Espírito Santo não tolera a exploração dos pobres (mes­mo aqueles em servidão via uso das artes da adivinhação), especialmente pelos ricos; • As práticas do reino, incluindo a oração e o canto, não sãoapenas expressões de piedade pessoal, mas também demons­trações públicas da capacitação do Espírito dos seguidores de Jesus que estão no mundo, mas que não são do mundo; • O Espírito está interessado não apenas em salvar almas para a eternidade, mas em formar novas comunidades de cura e reconciliação a partir de todas as casas que adotarem as boas novas de Jesus e o reino. Além disto, devemos observar que a cidadania im­perial fornece outro local para a obra do Espírito Santo de redimir Israel e restaurar o reino. Note que Paulo, o cidadão romano, respondeu de uma maneira que resultou não apenas na salvação literal do carcereiro da morte, mas também em vida eterna para ele e toda a sua casa; e Paulo foi, então, capaz de confrontar os magistrados acerca de sua falta de supervisão e talvez até mesmo acerca do etnocentrismo e de sentimentos antijudaicos que marcavam a comunidade filipense. Em suma, a cidadania terrestre traz consigo não apenas direitos, mas também responsabilidades, e estas, não menos que a oração e o louvor, são veículos da obra do Espírito.
32 Orando pelo Reino — Em meio ao Império Lucas 11:1-13;18:1-8 Paulo e Silas foram capazes de orar e louvar mesmo quando estavam na prisão, em parte, e indubitavelmente, porque estavam simplesmente seguindo os passos de Jesus e tentando viver seus ensinos. Os cristãos primitivos aprende­ram a ver a oração tanto como uma atividade privada quanto pública da vida e dos ensinos do próprio Jesus. Sabemos que Jesus foi um homem de oração, se retirando com frequência para o deserto, quer para permanecer ali toda a noite, quer saindo cedo antes do amanhecer, para buscar a vontade do Pai (Lc. ^5:16; 6:12; 9:18, 2ô). Entretanto, ele também ensinou seus discípulos a orarem assim: Pai! Santificado seja o teu nome. Ve­nha o teu Reino. Dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano. Perdoa-nos os nossos pecados, pois também per­doamos a todos os que nos devem. E não nos deixes cair em tentação (11:2-4). Apesar de a maioria dos cristãos terem memoriza­do a versão de Mateus da oração (Mt. 6:9-13), cada uma das quatro partes da interpretação de Lucas é consistente com as boas novas gerais do anúncio de Jesus da redenção de Israel e do reino vindouro. Primeiro, a oração deve ser endereçada a nosso Pai celestial, e refletir nosso descontentamento com os impérios deste mundo e nosso anseio pelo vindouro Dia do Senhor. Este é o “ano aceitável do Senhor” (Lc. 4:19), como também o “grande e glorioso dia” do Senhor, quando “todos [judeus e gentios] os que invocarem o nome do Senhor serão salvos ” (At. 2:20-21). Segundo, a oração surge a partir de necessidades con­cretas de nossas vidas encarnadas e comunais, que precisam de sustento diário. Assim sendo, nós pedimos pelo pão de cada dia, e isto Deus fornece, seja de maneira miraculosa, através da multiplicação dos pães e peixes (ex. Lc. 9:13-17), ou através da mutualidade, generosidade e reciprocidade da comunida­de apostólica (At. 2:44-47; 4:32_3?)- Aqui, clamamos pela eco­nomia da graça divina, em vez de um “conserto” temporário de nosso mercado econômico de câmbio. Terceiro, a oração tem a ver com o perdão de peca­dos e de dívidas tanto nossas, quanto dos outros. A partir de Deus, vemos o perdão de pecados; com relação aos outros, nós perdoamos as dívidas que eles nos devem. Isto é consistente com a mensagem do perdão divino de pecados, proclamada por Jesus e pelos apóstolos, como também com o ministério capacitado pelo Espírito de Jesus para estabelecer o Ano do Jubileu, apresentando a soltura dos cativos e daqueles oprimi­dos, e a proclamação do Dia do Senhor ao pobre (Lc. 4:18-19). Os primeiros seguidores de Jesus não apenas oravam acerca do perdão de pecados e dívidas, mas também encarnavam sua mensagem através da venda de propriedades privadas para a provisão das necessidades da comunidade. Por fim, a oração nos mantém afastados das provas e tentações e nos preserva em meio à perseguição (prevista por Jesus em 12:12-19, eexperimentada por seus seguidores, tal como Paulo e Silas em Filipos). Isto reflete a interconectividade da dimensão vertical (nossa orarão endereçada ao Pai ce­lestial) e da dimensão horizontal (publica e política) de nossas vidas. Em cada um destes casos, a Oração do Pai Nosso não é meramente pessoal e individualizada, mas também tem a ver com a esfera do reino e, portanto, interage com os aspectos políticos, econômicos e sociais da vida no aqui e agora. Jesus dá continuidade a seu exemplo de como ou o que orar com um ensino acerca do Pai, a quem devemos orar. Duas lições são enfatizadas: primeiro, se amigos compartilharem o que têm em tempos de necessidade, então o Pai no céu estará muito mais disposto a abrir a porta quando nela batermos (Lc. 11:5-10); segundo, se os pais humanos sabem como dar bons presentes aos seus filhos — peixes em vez de cobras, ovos em vez de escorpiões —, “quanto mais o pai que está no céu dará o Espírito Santo a quem o pedir!” (11:13). O dom do Es­pírito a toda a carne não apenas reflete outro bom dom de Deus, mas é o próprio Deus, dado para a renovação de Israel e para a salvação do mundo. Jesus também nos diz, através da parábola da viúva e do juiz iníquo (18:1-8), quando orar: sempre! O contexto mais amplo desta parábola diz respeito á vinda do reino (17:20-37). Talvez na época da escrita de Lucas houvesse dúvidas acerca do retorno iminente de Jesus e da chegada do reino (cf. 2 Pe. 3:3-13), e ele, portanto, inseriu esta parábola neste momento, apresentando o convite de Jesus “parar orar sempre e nunca desanimar” (18:1). Esta história, de uma viúva injustamente oprimida, pode ter estado nas mentes de Paulo e Silas, quan­do estiveram presos em suas celas em Filipos, também injusta­mente espancados e presos. A resposta de Deus a Paulo e Silas foi imediata, assim como Jesus indicou que a justiça de Deus não se atrasaria (18:7-8). Mais importante, as orações dos justos e oprimidos são por justiça — mencionada três vezes na parábola (18:3, 5, 7). A justiça é prometida por Deus na restauração de Israel (contra seus inimigos), como boas novas para os pobres e os marginalizados (contra a aristocracia rica), e como liberação dos cativos (de seus opressores). Para os eleitos ansiando pela eleição de Israel, pela liberação do cativeiro, e das algemas da pobreza, Jesus responde: “Acaso Deus não fará justiça a seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite?” (18:7). Se as cortes humanas fazem cumprir o pagamento de débitos (incluindo aqueles devidos por viúvas a seus credores), então, o Dia do Senhor trará a justiça para todos, de acordo com o cálculo misericordioso de um Deus gracioso e doador de dons. Então, como devemos orar? Talvez, no fim, o Espírito interceda por nós, dentro de nós, e através de nós, em ante­cipação de toda a criação (Rm. 8:19-27). Nós, que ansiamos que a justiça de Deus seja revelada, apenas o ansiamos porque o Espirito já foi derramado em nossos corações como um pa­gamento inicial do reino divino por vir. Nossas orações pela paz e pela justiça, então, constituem parte da obra do Espirito Santo para estabelecer a shalom no mundo hoje. 33 O Espírito Vira o Mundo de Cabeça para Baixo Atos 17:1-18:21 Vimos que o tema principal da obra de dois volumes de Lucas, a redenção e a renovarão de Israel, está conectado aos inícios da chegada do reino e a gradual renovação do mun­do dos gentios. E vimos que o modo principal do Espírito de realizar estes objetivos é trabalhar de maneiras contrárias às expectativas religiosas e sociais: os pobres são privilegiados, os ricos rebaixados; as classes dominantes são desafiadas a liderar pela serventia, enquanto os oprimidos — mulheres, minorias étnicas e pessoas com deficiências — são centrais à narrativa do evangelho; e os líderes religiosos estão, de algu­ma forma, marginalizados, enquanto cobradores de impostos, pecadores e samaritanos estão inclusos no reino, assim como eles estão. Em síntese, o tumulto pagão em Tessalônica estava certo, quando disseram de Paulo e cie seus cooperadores mis­sionários: “Esses homens que têm causado alvoroço por todo o mundo, agora chegaram aqui” (At. 17:6). Certamente, a missão messiânica tinha de fato “alte­rado o s tatus quo”e causado uma confusão no mundo medi­terrâneo. Contudo, outra perspectiva diria, em vez disto, que o Espírito Santo havia virado o mundo de cabeça para baixo. As boas novas do reino tanto exigiam uma completa inversão dos valores do mundo quanto chegava como cum­primento de aspirações e anseios judeus e gentios. Tanto a descontinuidade quanto a continuidade podem ser vistas por todo o empreendimento missionário de Paulo em Tessalônica (17:1-9), Beréia (17:10-14), Atenas (17:15-34) e Corinto (18:1- 18). Começando com os judeus, observe novamente como o evangelho incitou respostas hostis e blasfemas ao ponto de que, em protesto, Paulo “sacudiu a roupa e lhes disse: ‘Caia sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da minha responsabilidade. De agora em diante irei para os gen­tios’” (18:6; que ecoa as instruções de Jesus de sacudir a poeira do pé diante daqueles que rejeitam o evangelho — cf. Lc. 5:5; 10:11). Os equívocos judeus continuaram, acerca do Messias, conforme os judeus de Corinto persistiram: “Este homem está persuadindo o povo a adorar a Deus de maneira contrária à lei” (At. 18:13). Quando viram que o caso deles contra Paulo havia sido sumariamente dispensado, eles, por sua vez, se vol­taram contra o líder da sinagoga, Sóstenes (18:17), talvez um convertido como o líder prévio, Crispo (18:8), ou talvez al­guém que não havia saído em pleno apoio aos judeus em suas acusações contra Paulo. Existem, também, inconfundíveis continuidades en­tre o evangelho e as crenças e práticas judaicas tradicionais. Paulo arrazoou com os judeus a partir das Escrituras (17:2; 18:5), persuadindo alguns mesmo enquanto levando outros a confirmar o que fora dito através dos textos sagrados judaicos (17:11). Em Cencreia, Paulo cumpriu um voto (provavelmen­te de nazireu) e cortou seu cabelo (18:18),1010 mesmo quando buscava participar da festa (Páscoa) em Jerusalém (18:21). A decisão de Gálio, o procônsul de Acaia, de não presidir sobre disputas intramurais judaicas (18:14-15), esclarece que, mes­mo neste estágio, o caminho de Jesus ainda era considerado mais uma ramificação do que uma fé distinta do judaísmo. Na verdade, o entendimento de Gálio do cristianismo como outra ramificação judaica é confirmado pelo decreto do Im­perador Cláudio, por volta de 40 EC, exigindo que todos os judeus deixassem Roma (18:2), em razão dos distúrbios civis relacionados às disputas intramuros judaicas acerca de Cris­to. Em suma, a conversão a Jesus não necessariamente exige rejeição ao judaísmo. Era este também o caso para os gentios? De um lado, a proclamação de Paulo no Areópago — que pode ter sido a ca­pital cultural e filosófica do mundo antigo — sugere não ape­nas que os atenienses adoravam o Criador dos céus e da terra, ainda que de maneira desconhecida (17:23-24), mas também que os poetas pagãos deram testemunho a este Deus desconhecido (17:28). Ademais, o ato divino de dispersar os gentios ao redor da face da terra era “para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós” (17:26). Nós já tínhamos visto, pre­viamente, Paulo se aproximar dos pagãos, ao enfatizar Deus como o Criador do mundo (em Listra; 14:15-17), o que está em consonância com a declaração de Pedro de que “Deus não tra­ta as pessoas com parcialidade, mas de todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o que é justo” (10:34-35). Resumindo, deve-se ver a cultura gentílica e mesmo a religiosidade como antecipando o cumprimento pelo Deus revelado como o Pai de Jesus Cristo. Paulo também disse: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (17:30-31). Lucas, então, observa que a menção da ressurrei­ção — que permanece central à mensagem do evangelho, quer para judeus ou gentios (17:3,18) — não foi bem recebida pelos filósofos atenienses racionalistas e céticos (17:32). Por último, havia a reivindicação subjacente acerca da majestade de Jesus (17:7), que, apesar de não agir de maneiras politicamente re­volucionárias por seus seguidores, era claramente subversiva tanto em simbolismo religioso quanto em autoridade impe­rial de César. Em síntese, deve-se também ver a cultura gentílica e a religiosidade não como sendo cumpridas por Cristo, mas como sendo ab-rogadas pelo evangelho. Os empreendimentos missionários de Paulo nestes dois capítulos confirmam que o evangelho de Jesus Cristo mantém tanto continuidades quanto descontinuidades com as culturas e as religiosidades judaica e gentia. A redenção da cultura pelo Espírito exige uma preservação do antigo, em certos aspectos, mas também um repúdio a antigas crenças e práticas, em outros aspectos. Se a obra do Espírito trouxe e causou renovação, restauração e reapropriação de tudo o que era bom e verdadeiro nas esferas sociais, culturais e religiosas da vida humana, ela também pode ser vista a partir de ou­tra perspectiva, em que a vinda do Espírito virou o mundo de cabeça para baixo em cada um dos domínios do esforço
humano. Continuidade ou descontinuidade, quando e como? Estas são as indagações que exigem contínuo discernimento da presença e da atividade do Espírito.
34 O Espírito e a Nova (Des)Ordem Mundial Lucas 6:17-49 Desde a época em que eles primeiramente começaram a seguir Jesus, os discípulos lutaram com o mundo confuso e desordenado que Jesus havia apresentado a eles. Logo após tê-los escolhido (Lc. 6:12-16), Jesus os fez assentar, juntamen­te com uma grande multidão — a maioria sendo pessoas co­muns do interior da Judeia e de regiões adjacentes (6:17) — e lhes ensinou acerca dos valores do reino. Estas bênçãos (dos pobres, dos famintos, daqueles que choram agora, e daqueles que são odiados pelos outros por amor a Jesus) e ais (dos ri­cos, dos cheios, daqueles que riem agora, e daqueles que são elogiados) refletem as inversões antecipadas na restauração de Israel (1:46-55). O que o mundo valoriza será rebaixado, e o oposto será exaltado. Esta inversão de valores não é apenas algo que ocorre­rá no futuro, no fim do mundo; mas, com a vinda de Jesus e, em especial, sua ressurreição e ascensão, os “últimos dias” já haviam se iniciado (At. 2:17). Portanto, estes ideais do reino já estavam, começando com Jesus, em operação. Assim sendo, da perspectiva de Lucas, as Boas Novas pertenciam aos pobres, cativos, cegos e oprimidos agora (4:18), e não apenas poste­riormente. Então, ao passo que a versão de Mateus das beatitudes é espiritualizada — “Bem-aventurados são os pobres em espirito" e “Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça" (Mt. 5:3, 6, ênfase minha) —, o foco lucano estava nos econo­micamente pobres, nos socialmente oprimidos, nos física e materialmente desfavorecidos, e nos politicamente margina­lizados. Estes eram os excluídos pela presente ordem mundial, e que, portanto, estariam mais ávidos a depender não de for­mas convencionais de poder, mas do poder surpreendente e imprevisível de Deus. ' O que, então, seria a manifestação central do poder divino que viraria o mundo de cabeça para baixo e traria o reino vindouro? Enquanto posteriormente Jesus resumiria os mandamentos mais importantes em amar a Deus e a seu pró­ximo (Lc10.27), aqui, ele segue as bênçãos e maldições ao di­zer: “Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam. Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe tam­bém a outra. Se alguém lhe tirar a capa, não o impeça de tirar-lhe a túnica. Dê a todo o que lhe pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva” (6:27-30). Jesus, mais adiante, esclarece que tais práticas do reino represen­tam contrastes adicionais à maneira como o mundo funciona. Mesmo os pecadores (leia-se: pagãos e gentios) amam aqueles? que os amam, emprestam e esperam receber algo em troca, e azem o bem àqueles que, por sua vez, fazem o bem a eles. Em suma, o mundo opera de acordo com uma economia de troca (igual): as pessoas fazem aos outros o que esperam que os ou­tros façam a elas. Portanto, se os seguidores de Jesus como o Messias fizeram aos outros esperando a mesma coisa em troca, tais não estão agindo de maneira diferente do mundo. Contudo, a economia divina da graça funciona de maneira diferente. Assim sendo, Jesus disse: “Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta” (6:35). Os primeiros seguido­res de Jesus não apenas registraram suas palavras acerca de amar seus inimigos (como na parábola do bom samaritano), mas também observaram sua resposta amorosa àqueles que o colocaram à morte. Eles imitaram a vida e os ensinos de Jesus — como quando Paulo não cessou de pregar o evangelho aos judeus, apesar de ser apedrejado, encarcerado e perseguido por seus inimigos. Tão importante quanto, os crentes messiânicos tam­bém adotaram os valores do reino de Jesus. Os discípulos mais abastados venderam o que tinham e deram àqueles das classes camponesas que tinham necessidade (At. 2:44-45 e4:34-37)- Em resposta aqueles que os perseguiam, tal como os judeus helenistas (em Atos 6-7), os discípulos levaram as boas novas do perdão de pecados por Jesus a uma diáspora judaica mais ampla. Então, os discípulos também se viram reconciliados com os samaritanos, os desprezados inimigos dos judeus. Mes­mo o muro entre judeus e (pecadores) gentios roí derrubado pelo evangelho do reino. Se o mundo e seus mecanismos en­fatizavam uma economia do “toma lá, dá cá”, na qual somen­te se fazia negócios com amigos, patronos, clientes e aqueles que podiam pagar de volta seus esforços, os valores do reino proclamavam, ao invés disto, uma economia de graça, na qual mesmo inimigos são transformados em familiares através das invertidas políticas, estruturas e relacionamentos da obra do Espírito. E Jesus reconheceu que, assim como ele mesmo foi capacitado pelo Espírito, a obra transformadora do Espírito seria necessária a seus seguidores. De que outra maneira eles seriam capazes de se abster de julgar as outras pessoas ou se­rem capazes de perdoá-las (Lc. 6:37-38)? Afinal, não apenas os cegos são incapazes de conduzir os cegos; se deixados a si mesmos como criaturas caídas, pecaminosas e hipócritas, nós somos incapazes de ver através de nossos olhos cheios de tra­vas de modo que possamos tirar os ciscos dos olhos de nossos próximos (6:39-42). Nossa natureza humana precisa ser trans­formada e purificada, uma vez que somente então podemos produzir bons tesouros, a partir de nossos corações, e boas palavras, a partir de nossas bocas (6:43-45). E precisamente isto que o dom do próprio Deus, na pessoa do Espírito Santo, realizou, no Dia de Pentecoste. Os valores invertidos do reino permaneceriam ensinos abstratos, em separado da transformação dos corações, das vidas e das atividades dos seguidores de Jesus; as práticas do reino perma­neceriam ideais virtuosos separados da formação do Espírito de uma comunidade alternativa e estilo de vida; e a economia do reino da graça permaneceria apenas como uma esperança futurista, separada da possibilidade feita pelo Espírito de for­mar um novo povo de Deus que tinha “tudo em comum” (At. 2:44). Os pagãos tessalonicenses estavam realmente certos — os seguidores de Jesus haviam, de fato, “virado o mundo de cabeça para baixo” (17:6)! 35 O Espírito e a Intersecção do Dinheiro com a Religião Atos 15:18-41; 20:17-38; Lucas 15:45-48; 20:20-26 Se no Areópago o Espírito mudou as convenções do mundo através do uso subversivo de Paulo da tradição filosó­fica, em Éfeso, o Espírito virou o mundo de cabeça para baixo ao subverter a economia política e religioso-pagã. O tumulto descrito em Atos 19 se dá em um importante centro econô­mico e cultural, onde os apóstolos estavam engajados com de­votos fervorosos da deusa Ártemis (em vez de se envolverem com intelectuais atenienses meramente no nível das ideias). O registro de Lucas indica a grandeza de Ártemis (nome grego da deusa latina Diana) — que sua majestade “era adorada em toda a província da Ásia e em todo o mundo” (19:27), que “a cidade de Éfeso é a guardiã do templo da grande Ártemis e da sua imagem que caiu do céu? ” (19:35), e que <lestesfatos são inegáveis” (19:36). A adoração de Ártemis acontecia em Éfeso por ao menos oitocentos anos, nesta época (com alguns erudi­tos sugerindo uma origem do culto na cidade ainda mais pre­coce, no século décimo primeiro AEC), o que persistiria até o quarto século EC. O culto a Ártemis era tão grande nesta região que o templo devotado à deusa era considerado como uma das sete maravilhas do mundo antigo (juntamente com outras realizações monumentais como a grande pirâmide de Giza, no Egito, e os jardins suspensos da Babilônia). Curiosamente, Paulo permanece nos bastidores da narrativa, ao invés de assumir papel de proeminência. É-nos dito que entre os amigos que o impediram de tentar respon­der à multidão estavam “autoridades [literalmente “asiarcas,” administradores romanos de elevada posição] da província da Ásia” (19:31), o que sugere que Paulo havia, de maneira bem­-sucedida, conseguido ser ouvido pela elite de Éfeso, durante seus dois anos de discussões na escola de Tirano (19:9). Além da abordagem dialógica com os pagãos efésios, existem tam­bém outros aspectos notáveis do ministério de Paulo neste renomado centro do mundo antigo. O mais importante é a testemunha do escrivão que foi bem sucedido em acalmar a multidão, em parte por lembrá-los que, em relação a Paulo e seus compatriotas, Gaio e Aristarco (que haviam sido de­tidos pela multidão), “vocês trouxeram estes homens aqui, embora eles não tenham roubado templos nem blasfemado contra nossa deusa” (19:37). Então, enquanto Paulo realmente contrastava o Deus vivo com os ídolos inanimados feitos por mãos de artífices (19:26), a ênfase aqui parece estar mais na incapacidade da arte humana de portar a majestade da deidade do que em ser rudemente desdenhoso. O que deve ser enfatizado é que a abordagem cristã não era desrespeitosa da religião dos efésios e que o evangelismo se dava menos por destruir a fé dos outros do que testemunhar a Jesus Cristo (19:17). Isto parece ser confirmado pelas próprias lembranças de Paulo de que sua atitude e suas práticas ministeriais eram marcadas pela humildade, transparência (acontecendo não apenas em público, mas também de casa em casa), e um foco em Deus e no reino vindouro (20:19, 20, 25, 27). Não se deve subestimar que o alvoroço que eclodiu em Éfeso foi precipitado em grande parte pelo impacto do evangelismo cristão sobre a economia religiosa da área. Re­corde-se que as conversões em massa após o incidente com os sete filhos de Ceva (vide cap. 25 acima) havia resultado na queima de pergaminhos e outras parafernálias relacionadas ao oculto, totalizando “cinquenta mil dracmas" (19:19). Isto levou Demétrio e outros dos principais prateiros, cujos ne­gócios eram a produção de templos de Artemis, a observar que o crescimento do Caminho (do Messias) ameaçava suas próprias subsistências econômicas (19:27). Claro, não era apenas o culto de Ártemis que mescla­va questões religiosas a econômicas. Quando Jesus entrou no templo de Jerusalém, ele “começou a expulsar os que estavam vendendo” (Lc. 19:45). Como a casa de oração tinha se tornado um “covil de ladrões” (19:46)? Duas considerações merecem ser registradas. Em primeiro lugar, porque o templo havia se tornado um centro internacional para a diáspora judaica do primeiro século, ele fornecia sistema de câmbio de maneira que muitos visitantes pudessem comprar os animais sacrificiais necessários para observar os ritos religiosos judaicos e as celebrações festivas. Em segundo, a liderança religiosa e cul­tural judaica na Palestina conseguia manter o templo aberto e em funcionamento em parte por concordar em coletar e pa­gar um imposto do templo às autoridades romanas. Isto era justificado como uma concessão legítima a fim de ou evitar o fechamento do templo ou ceder o controle local do templo à hierarquia romana. A limpeza do templo feita por Jesus indicava o fato de que as exigências práticas desenvolvidas com o passar do tempo se transformaram em corrupção dos ritos religiosos em razão da ganância econômica. Talvez sua expulsão daqueles compradores e vendedores, assim como também dos cambis­tas e mercadores (mencionados em Mc. 11:15-16), equivalesse a um exorcismo que buscava possibilitar novamente o tipo de oração religiosa autêntica que capacitaria discernimento da época da visitação divina sobre a cidade e as pessoas (Lc. 19:44). Contudo, nenhum dos registros paralelos deste inci­dente nos outros evangelhos diz algo acerca daqueles que co­letavam o imposto do templo. Quando indagado acerca do pagamento de impostos, na esperança de enganar Jesus como um insurrecionista, Jesus observou que a moeda trazia a ima­gem do imperador — para ser mais específico, estava escrito o seguinte, no denário romano: “Tibério César, filho do divino Augusto” —, e então respondeu: “Deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (20:25). Para estes ouvin­tes judeus, o mandato era inequívoco: a autoridade política cuja imagem estava estampada na moeda deveria ser honrada através do pagamento de impostos. (Observe que, em 2:1-5, Lucas não repreende José e Maria por irem se registrar em sua cidade natal, um processo político diretamente relacionado às políticas de taxação de Roma). Mas a autoridade divina cuja imagem estava estampada em suas vidas (criadas à ima­gem de Deus) deveria ser honrada através da apresentação de seus próprios corpos “como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, este é o culto racional de vocês” (Rm. 12:1). Os acontecimentos em Éfeso nos convidam a pensar mais acerca tanto do encontro contemporâneo cristão com outras religiões quanto do complexo inter-relacionamento entre religião e economia. Vale observar que, às vezes, o zelo evangelístico exibido por Paulo, que queria dirigir-se à multidão e defender seus colegas de trabalho contra os arruaceiros efésios, deveria por vezes ser moderado por uma postura pa­ciente, não provocativa e respeitosa. Quando somos convida­dos por pessoas de outras fés, certos protocolos apropriados devem ditar cursos de ação que sejam reverentes e corteses, ao invés de vez de agressivos ou confrontacionais. A recomenda­ção do escrivão é tão importante que quaisquer tensões inter-religiosas deveriam ser resolvidas através dos canais judiciais corretos. As interconexões entre religião e economia não são menos palpáveis hoje do que eram em Éfeso e Jerusalém, há dois mil anos. A maioria das instituições religiosas é isenta de impostos, o que suscita todos os tipos de indagações complexas acerca do relacionamento entre igreja e estado, mesmo quando existe uma mentalidade consumista para produtos religiosos tais como música cristã, filmes e assim su­cessivamente, que são “grandes negócios” no mercado global. Em suma, a nossa fé hoje pode ser ou estar ainda mais com­prometida pelo sistema capitalista do que o culto a Artemis ou a economia do templo judaico do primeiro século? Neste contexto, as palavras do apóstolo Paulo são dig­nas de serem relembradas — “Não cobicei a prata nem o ouro nem as roupas de ninguém” (Atos 20:33) mesmo quando a citação de Paulo das palavras de Jesus devam ser abraça­das e emuladas: “Há maior felicidade em dar do que receber” (20:35). Ambas estas palavras apontam um caminho para fren­te, acerca de como devemos manter nossa fé religiosa livre de contaminação econômica. Mais importante, ambas pala­vras viveram a partir da hospitalidade graciosa, abundante e transbordante de Deus, que derramou seu Espírito sobre toda carne a fim de que seja possível a nós participarmos e esten­dermos o dom de Deus de Si mesmo, a salvação interminável, sempre perpetuadora e continuamente multiplicadora inten­cionada para a redenção de Israel e a renovação do mundo. Na verdade, os estilos cristãos de vida que refletem estes valores seriam subversivos em nossa época das economias religiosas e políticas, e nossas persistentes práticas da ética de Jesus real­mente colocam as convenções das práticas econômicas con­temporâneas de cabeça para baixo. PARTE OITO Direção aos Confins da Terra
O Espírito como Testemunha da Ressurreição Atos 21:1-26:32; Lucas 12:1-12 Paulo persistiu em visitar Jerusalém apesar das adver­tências que recebeu, ao longo do caminho, acerca da persegui­ção que sofreria ali. O Espírito Santo havia advertido a Paulo sobre encarceramentos e adversidades (Atos 20:22-23; 21:4), e o profeta Ágabo até encenou a prisão e entrega de Paulo à custódia gentia (21:10-11). Entretanto, Paulo retornou a Jeru­salém, e quando ele chegou, ele foi informado que milhares de judeus crentes, em seu zelo pela lei (21:20), estavam preocupa­dos com o que tinham ouvido — que Paulo havia levado mui­tos à apostasia. Paulo concordou em se juntar a quatro irmãos em seu rito de purificação no templo e pagar suas despesas, a fim de demonstrar seus compromissos judaicos com a lei. Contudo, judeus da Ásia (21:27 cf 24:19) vieram ao templo, presumindo que os acompanhantes gentios de Pau­lo haviam adentrado no espaço sagrado com ele (portanto, profanando o templo), e lideraram uma multidão para que prendessem Paulo. Em sua defesa diante daquela multidão (22:2-21), Paulo enfatiza suas credenciais judaicas: fluência em aramaico, a língua cotidiana dos judeus; treinado sob Gamaliel, o principal fariseu; zeloso pela lei; um seguidor de um nazareno judeu; assistido por Ananias, “piedoso segundo a lei e muito respeitado por todos que ali viviam” (22:12); desig­nado pelo Deus dos ancestrais judeus”; e devoto em piedade do templo. Mas, quando a multidão ouve que Paulo entende seu chamado como testemunha aos gentios, eles rejeitam seu testemunho e buscam matá-lo. O comandante romano, Cláudio Lísias, que era res­ponsável por manter a paz na cidade, assume a custódia de Paulo rapidamente. Atos 23-26 registra a autodefesa na pre­sença de Cláudio Lísias (juntamente com o sinédrio, que havia se reunido), Félix, o governador da Judéia, seu sucessor, Festo, e o rei Agripa II. Enquanto o comandante estava preocupado
com a intensificação dos sentimentos pró-judaicos e anti-ro­manos na região (lembre-se, isto se deu provavelmente não mais que uma década antes da rebelião em 66 EC), Félix esta­va esperando uma propina de Paulo em troca de sua liberda­de, e tanto Félix quanto Festo buscavam eles mesmos cair nas graças dos judeus (24:26-27). Entretanto, nenhum conseguia encontrar falha em Paulo, e ele foi declarado inocente quatro vezes: por Cláudio, Festo e Agripa (23:29; 25:18; 26:31-32), sem mencionar pelos fariseus também (23:9), uma sequência de acontecimentos talvez intencionada por Lucas como um pa­ralelo dos repetidos pronunciamentos da inocência de Jesus. Naturalmente, os líderes judaicos acusam Paulo não apenas de profanar o templo, mas também de ser “perturba­dor, que promove tumultos entre judeus pelo mundo todo. Ele é o principal cabeça da seita dos nazarenos” (24:5). Cer­tamente, a mensagem de Paulo havia provocado multidões de judeus por todo o mundo mediterrâneo. Mas por quê? “Estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos” (23:6), Paulo declara, em certo ponto, diante do sinédrio, que era composto por saduceus conservadores (legalistas da Torá que não acreditavam na res­surreição porque ela não estava nos cinco primeiros livros da Bíblia; cf. Lc. 20:27) e pelos fariseus mais progressistas (que aceitavam a ressurreição a partir de outras passagens bíblicas). Paulo reiteraria esta alegação, enfatizando que a esperança da ressurreição era antecipada pela maioria dos judeus, embasada nas promessas da aliança feita a seus ancestrais, e que essa esperança havia sido cumprida em Jesus. Mas, por que a declaração de Paulo de que a esperança de Israel culminou em Jesus de Nazaré causou tanta conster­nação entre seus compatriotas judeus? A questão era que se Jesus havia ressuscitado dentre os mortos, então ele não ape­nas era o Messias prometido, mas o fim da era também havia chegado (ver 2:17). Um Messias ressurreto também significa­va que a renovação de Israel estava próxima e que, conforme prometido a Abraão (Gn. 12:3) e reiterado pelos profetas, tal restauração incluía Israel como sendo uma bênção aos gen­tios. Se a ressurreição de Jesus havia acontecido, então tal se deu pelo poder do Espírito Santo, e o mesmo poder do Espí­rito estava presente para trazer cumprimento às promessas
da aliança, mesmo aos confins da terra. Assim sendo, Paulo continuou a associar a esperança de Israel e a ressurreição a seu envio para proclamar o evangelho aos gentios.11 A ressur­reição significava boas novas não apenas para indivíduos e corpos mortos/enterrados, mas também para a comunidade humana: os pecados seriam perdoados e as pessoas seriam re­conciliadas umas com as outras. Conforme Paulo esclareceu em outro lugar, a morte e a ressurreição de Jesus significavam a criação de um novo povo de Deus, consistindo de judeus e gentios (Efésios 2:11-22). Paulo foi perseguido por seus compa­triotas judeus porque ele não apenas acreditava na esperança de Israel, mas também buscava concretizar o pleno escopo das promessas da aliança entre os gentios. O próprio Jesus havia prometido a seus seguidores que eles seriam perseguidos e que alguns deles até mesmo teriam a oportunidade de testemu­nhar o evangelho diante de reis e governadores (Lucas 21:12). Mas ele também os havia encorajado a serem corajosos em seus testemunhos: “Quando vocês forem levados às sinagogas e diante dos governantes e das autoridades, não se preocupem com a forma pela qual se defenderão, ou com o que dirão, pois naquela hora o Espírito Santo lhes ensinará o que devem dizer”” (12:11-12). O relato de Lucas do testemunhar de Paulo mesmo enquanto em prisões reflete a contínua capacitação do Espí­rito Santo nas circunstâncias mais calamitosas. Isto era um cumprimento do que o Espírito derramado sobre toda a carne realizaria (Atos 2:17-18): a capacitação de servos e servas — li­teralmente escravos e aqueles aprisionados — para profetizar em nome do Senhor. O dom do Espírito era para capacitar a levada do evangelho além da Judéia e Samaria “para os [gen­tios nos] confins da terra” (1:8). O aprisionamento de Paulo não o impediria de sua eventual chegada em Roma, o centro simbólico do mundo dos gentios; na verdade, era precisamen­te o desdobramento dos acontecimentos de sua prisão que levaram seu apelo a César e sua jornada a Roma. Desta forma, a prontidão de Paulo para testemunhar acerca de Jesus, mesmo ao ponto de morte (25:11), e seu sucesso em fazê-lo, permanece o tema central deste última quarta parte do livro de Atos.[12] Mesmo hoje, a própria experiência da “paixão” de Pau­lo pode ser um modelo para nós. O que é impossível em nossa própria força pode ser realizado pelo poder do Espírito San­to. Quando formos perseguidos por nossa fé, o Espírito irá, contudo, capacitar nosso testemunhar; então, mesmo se nossa testemunha for rejeitada, estamos plantando as sementes do evangelho que germinarão na redenção de Israel e na salvação do mundo. No fim, então, nossa história não é somente nossa; antes, é nossa participação, através do Espírito, na história da vinda de Jesus para salvar o mundo, conforme profetizada a Abraão e proclamada aos profetas antigos. 37 A Natureza e o Espírito Cósmico Atos 27:1-44; Lucas 8:22-26 Relembre a explicação de Pedro, no Dia de Pentecostes, quando ele utiliza o profeta Joel como fonte a fim de men­cionar como o derramamento do Espírito estaria conectado aos incidentes nos céus e na terra: Mostrarei maravilhas em cima no céu e sinais em baixo, na terra, san­gue, fogo e nuvens de fumaça. O sol se tornará em trevas e a lua em san­gue, antes que venha o grande e glo­rioso dia do Senhor (Atos 2:15-20). Esta linguagem apocalíptica acentua a transformação cósmica associada a passagem de uma era à chegada do Es­pírito. Se na antiga dispensação o sol, a lua e os mares eram as vezes pensados como estando desastrosamente alinhados com poderes astronômicos hostis, então, a nova era do Dia do Senhor apresentaria a redenção destas criações uma vez chamadas “boas”. O sol emanará a luz do próprio Deus, o es­plendor da lua refletirá a luz divina, e as águas do mar ali­mentarão novamente a vida terrena. Na antiga época, as “leis da natureza” impediam uma pesca de peixe bem-sucedida por toda a noite; o Dia do Senhor causaria uma transfiguração dos ritmos da natureza, de maneira que, na manhã seguinte, o mesmo pescador “pegou tamanha quantidade de peixes que as redes começaram a rasgar-se” (Lc. 5:6). Semelhantemente, se na época prévia terremotos eram temidos como atos vingati­vos dos deuses, após o derramamento do Espírito, terremotos causariam, em vez disto, uma libertação de crentes na prisão (Atos 16:26). Em suma, a destruição da natureza terá sido ven­cida e mesmo redimida de sorte que a salvação de Deus possa ser manifesta nos e através dos movimentos da natureza. Agora, considere o apóstolo Paulo em Atos 27. O ape­lo de Paulo a César, por fim, o coloca, juntamente com seus compatriotas, em uma nova jornada marítima a caminho de Roma, sob a custódia de Júlio, “um centurião da coorte au­gusta” (27:1). Esta narrativa marítima corresponde bem com os épicos de naufrágio na tradição da literatura greco-romana. Contudo, em toda ela, Paulo, o santo homem, permanece a personagem principal. Por volta do meio da jornada, ela é perfurada pela ameaçadora admoestação — que não foi ouvi­da — acerca da perda da carga, do próprio navio e até mesmo de muitas vidas (27:10). Então, após dias balançando de um lado para o outro, sendo castigados pela tempestade predita, e após sofrerem perda de carga e da armação do navio, Paulo reaparece com uma palavra de exortação e consolo, efetiva­mente dizendo que, apesar dos marinheiros terem ignorado sua advertência, Deus tem negócios inacabados com Paulo e, por conseguinte, nenhuma pessoa perderia sua vida. Este encorajamento roí mediado por um anjo, cuja autoridade os marinheiros pagãos teriam reconhecido mesmo se não enten­dessem as referencias a Javé ou ao Deus de Jesus Cristo. Se Paulo é a personagem principal, o poder salvador de Deus (sõtêría,que é palavra raiz para a palavra soteriologia — a doutrina da salvação) é o tema principal desta sequência de acontecimentos. Dentro do contexto mais amplo de Lucas, a salvação de Deus era exigida a fim de garantir a chegada segura de Paulo em Roma, para testemunhar a César (27:24; cf 15:21; 23:11). Entretanto, a caminho de Roma, a salvação de Deus é expressa através de Paulo aos pagãos. Lucas observa, em meio aos golpes da tempestade no navio, que eles “tinham passado muito tempo sem comer” (27:21), e, por fim, “fora per­dida toda a esperança de salvamento” (27:20). Foi durante esta época de completa desolarão que a promessa de Deus veio: “nenhum de vocês perdera a vida; apenas o navio será des­truído” (27:22). Posteriormente, após não mais do que duas semanas no mar e sentindo que a terra estava muito distante, alguns dos marinheiros pensaram em abandonar o navio fa­zendo uso do barco salva-vidas; contudo, Paulo advertiu: “Se estes homens não ficarem no navio vocês não poderão sal­var-se” (27:31). Naquela mesma manhã, ele encorajou: “Agora eu os aconselho a comerem algo, pois só assim poderão so­breviver [sõtéría]; nenhum de vocês perderá um fio de cabe­lo sequer” (27:34). No fim, Lucas registra Deus como sendo
verdadeiro em sua promessa: “Dessa forma, todos chegaram a salvo [diasõthênai] em terra” (27:44). Parte da mensagem teológica comunicada por meio deste conto trata do poder divino sobre os elementos do cos­mo. No mundo antigo, pensava-se que as forças controlando os mares pertenciam aos deuses (no melhor cenário) ou a seres espirituais hostis (no pior cenário). Portanto, quando Jesus e as vidas dos discípulos estavam ameaçados pela tempestade enquanto atravessavam o lago, Jesus “levantou e repreendeu o vento e a violência das águas" (Lucas 8:24). A palavra que descreve a autoridade de Jesus sobre a tempestade e ventania, epetimêsen (“repreender”), é a mesma palavra utilizada ante­riormente no Evangelho para descrever como Jesus confron­tou o endemoninhado na sinagoga em Cafarnaum (4:35). O demônio foi exorcizado na sinagoga, enquanto, no lago, Jesus venceu o poder do caos, conforme os ventos e as ondas, “tudo se acalmou e ficou tranquilo” ao seu comando (8:24). Desta forma, Jesus Cristo, o ungido pelo Espírito Santo, revela o poder de Deus para domar até mesmo as forças destrutivas da natureza. Apesar de nenhuma imediata calmaria da tempes­tade ter acontecido para Paulo, o poder salvador de Deus não estava menos presente a todos naquela trágica viagem. Desta forma, vemos a cura e o poder doador de vida dos dons da natureza registrados mesmo em meio ao naufrá­gio. Após duas semanas se desesperando contra os ventos e as ondas, Paulo encorajou os 276 a bordo a comerem: “Todos se reanimaram e também comeram algo” (27:36). O Deus que sal­vou toda a tripulação e os passageiros (prisioneiros também) da tempestade mostrou-se como “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há” (17:24), incluindo a comida que nutre aque­les que estavam desesperados por suas próprias vidas. Paulo não estava realizando uma celebração da eucaristia, ainda que muitos dos elementos do rito sacramental estivessem presen­tes. Contudo, o ato de comer envolve consumir a bondade da criação e receber, através dos dotes da natureza, o poder salvador do Espírito de Deus. O Espírito e a Eucaristia Lucas 9:10-17; 22:14-23; 24:13-35 Na manhã do dia de seu naufrágio, Paulo “tomou o pão e deu graças a Deus diante de todos. Então o partiu e começou a comer” (Atos 27:35). Este era um rito de oração razoavelmente tradicional realizado antes das refeições por todos os judeus piedosos. Ao mesmo tempo, o ritual aqui re­lembra as ações de Jesus na hora da refeição, nos Evangelhos. Em três ocasiões — na alimentação dos cinco mil, na última Ceia, e no caminho a Emaús — nos é dito que Jesus também partiu o pão, abençoou-o ou deu graças por ele, e o deu a ou­tros (Lc. 9:16; 22:19; 24:30). O pão, no navio, era um sinal de es­perança e salvação, assim como nos Evangelhos era ele mesmo um símbolo de esperança e vida disponíveis através de Jesus. Para entender a significância do pão como uma reali­dade doadora de vida no caminho a Emaus, precisamos acom­panhar as experiências dos discípulos naquela jornada. Os dois discípulos a caminho de Emaús estavam claramente de­sesperançados, à luz da morte de Jesus (24:17-21). E enquanto Jesus lhes instruiu a partir das Escrituras em sua caminhada, eles não perceberam sua presença, até que ele se assentou e comeu com eles. Apesar de um convidado no meio deles, Jesus fez o papel do anfitrião ao conduzi-los em oração de bênção sobre a refeição. Eles disseram aos outros discípulos acerca de como Jesus “fora reconhecido por eles quando partia o pão” (24:35). A presença viva de Jesus os havia energizado e anima­do com esperança. À mesa da Páscoa, Jesus já havia afirmado que sua vida e corpo seriam representados pelo cálice e pelo pão, os ele­mentos centrais da refeição. Após ele ter pegado um pão, ter dado graças, o ter partido e distribuído, ele disse: “Isto é o meu corpo dado em favor de vocês, façam isto em memória de mim” (22:19). Existem numerosos aspectos acerca de como a celebração cristã desta refeição capacita uma lembrança de Jesus. Primeiro, o pão partido e o cálice servido são símbolos do corpo ferido e do sangue derramado de Jesus, e servem como um lembrete dele ter doado sua vida como selo da nova aliança e pagamento inicial em antecipação do reino de Deus (22:18, 20). Segundo, “lembrar” também sugere que a celebra­ção da refeição pelos seguidores de Jesus iria, de fato, recons­tituir os membros de seu corpo partido. O resultado seria que Jesus, que é lembrado, também é o Jesus que está presente no meio daqueles que celebram o derramar de sua vida pelos outros. Contudo, a alimentação dos cinco mil homens, além e mulheres e crianças, antecipa que a doação de Jesus de si mesmo a outros é senão um modelo para seus seguidores. Ao passo que a natureza miraculosa da alimentação não deve ser subestimada, a bênção, o partir e o doar do pão e do peixe por Jesus são senão parte da sequência maior de acontecimentos na qual seus discípulos estão envolvidos em servir a multidão. Os discípulos tinham inicialmente sugerido a Jesus que dis­pensasse a multidão, talvez de volta para a cidade de Betsaida (9:10), para encontrar repouso e alimento. Mas, como Jesus havia especificamente dito a eles para não levarem comida ou dinheiro em sua missão (9:3), agora ele retratava a provisão de Deus, em que envolveu os discípulos. Eles receberam ordens de organizar a multidão, então foram liberados para servi-los, e, por fim, juntaram aquilo que sobejara (9:14-17). A alimentação deste enorme número de pessoas reve­la a mesa toda inclusive que Jesus colocou diante da multidão. Ao passo que as leis judaicas de pureza estavam preocupadas com o comer com os impuros (por qualquer razão que seja), não há preocupação alguma transmitida no texto, de Jesus ou seus discípulos, por comerem com impuros e com mulheres (que geralmente comiam separadamente, em refeições em eventos públicos). Isto reflete os hábitos de Jesus ao se ali­mentar, conforme transmitidos no restante da narrativa do Evangelho. Jesus comia não apenas com os seus discípulos e os fariseus, mas também com coletores de impostos e pecadores. Mais importante, a mesa aberta de Jesus antecipava o gran­de e final banquete do reino, que ele esperava celebrar tanto com seus discípulos (22:15) quanto com os pobres, aleijados, cegos e mancos (14:13,21). Em outras palavras, enquanto Jesus comeu a última Páscoa somente com os doze apóstolos (que incluía entre eles Judas, seu traidor), ele também desenvolveu um modelo inclusivo de práticas alimentares que abraçavam aqueles que, do contrário, poderiam não ter sido convidados para a refeição. Podemos ver que os primeiros seguidores de Jesus continuaram suas práticas de comunhão aberta. Eles conti­nuaram a partir o pão juntos, lembrando-se de Jesus no pro­cesso (Atos 2:42, 46; 20:7). Que a mesa do Senhor deveria ser aberta até mesmo aos gentios foi confirmada em uma visão a Pedro, que o levou a entrar na casa de Cornélio e comer com ele (10:48). Desta forma, era o próprio Paulo, um apóstolo aos gentios, confortável com o partir o pão e em comer com os pagãos daquela desastrosa viagem. Entretanto, o poder redentor simbolizado no comer juntos é adicionalmente intensificado quando consideramos o cálice e o pão celebrando o corpo partido e doador de vida de Jesus, derramado por amor do mundo. Consequentemente, a mesa aberta é uma ocasião não apenas para lembrar-se da morte de Jesus, mas também para reencenar uma vida vivida pelos outros. A refeição é possível em razão do serviço que possibilita o comer junto. Conforme os discípulos serviam a multidão do interior, eles também serviam aqueles da diáspora reunidos em Jerusalém após o Dia de Pentecostes, assim como serviam os líderes como os diáconos helenistas judeus (6:3-6) à enorme população de viúvas e outros que eram mais vulneráveis dentro da comunidade inexperiente. O partir do pão juntos era um ponto alto possível pelos atos de serviço anteriores e posteriores à refeição, rea­lizados por aqueles que estavam compromissados em seguir os passos de Jesus, que deu a si mesmo plenamente a outros no poder do Espírito. E o mesmo Espírito continua presente e ativo entre crentes em Jesus, tornando-o presente e capa­citando o reconhecimento dele em cada ocasião em que sua ceia é celebrada, capacitando o serviço doador de vida e a renovação do mundo e fornecendo esperança de sua vida de ressurreição a todos que estão desesperadamente necessitados de salvação. Isto aconteceu em e através de Paulo, em uma embarcação lotada de pagãos, e continuará a acontecer até os confins da terra, caso estejamos abertos a sermos conduítes do Espírito, que foi derramado sobre toda a carne.
39 Bárbaros, Crentes e o Espírito da Hospitalidade Atos 28:1-31 O naufrágio deixou os navegantes ilhados em Malta. Os ilhéus — literalmente barbaroi, transliterado como “bár­baros” (Atos 28:2, 4), termo utilizado em referência àqueles que não conheciam nem a cultura grega nem sua língua — não apenas os receberam, mas, no curso dos próximos três meses, também lhes mostraram bondade, lhes concederam hospitali­dade e lhes deram a provisões para a próxima etapa da jorna­da. Parte disto foi motivado por sua percepção de que havia um santo homem no meio deles, alguém que resistiu a uma picada de cobra (cuja proteção foi prometida por Jesus — cf Lc. 10:19; Mc- e então que curou, através da oração, o pai doente de Públio, o principal oficial da ilha, e outros que estavam doentes. Contudo, estranhamente, não há menção nem da pre­gação de Paulo aos nativos, nem de quaisquer conversas entre eles. Talvez em razão das barreiras de linguagem (apesar de ser possível que os malteses fossem fluentes no dialeto púnico, que pode ter sido relacionado ao fenício e, através dele, ao aramaico, que Paulo falava), os seguidores de Jesus podem ter sido malsucedidos na comunicação do evangelho. Entretanto, conforme Jesus já havia dito: “Aquele que lhes dá ouvidos, está me dando ouvidos; aquele que os rejeita, está me rejeitando; mas aquele que me rejeita está rejeitando aquele que me en­viou” (Lc. 10:16), então parecia claro que estes bárbaros pagãos tinham, ao mostrar generosidade e hospitalidade a Paulo e seus compatriotas, também recebido seu Senhor e Salvador como deles próprios (cf Mt. 25:35-40). E possível que possamos aprender algumas importantes lições a partir das interações de Paulo com os bárbaros ilhéus malteses? Cristãos, em especial aqueles que têm um coração missionário para a evangelização, geralmente pensam em si mesmos como os portadores das Boas Novas e, desta forma, como anfitriões de um mundo carente. Neste caso, contudo, é Paulo quem é o carente e é o convidado de descrentes. Ao pas­so que é importante desenvolver uma teologia de hospitalida­de que subscreva como os seguidores de Jesus devem ser recep­tivos aos descrentes, também é essencial que reflitamos mais, a fim de desenvolvermos uma teologia de convidados que nos capacite a receber a hospitalidade de estranhos e pessoas de outras fés. Isto nos capacitará a sermos doadores, como tam­bém recebedores. Durante o percurso, podemos aprender a apreciar que nosso testemunhar através do poder do Espírito envolve não apenas falar acerca das coisas do evangelho, mas também receber a hospitalidade de outros. Em suma, nosso testemunho nasce não somente no que dizemos, mas também, talvez de maneira mais importante, em como vivemos, como interagimos com os outros e também em como somos capazes de receber os dons de outros. Durante o curso da história, Lucas conta, na verdade, sobre a restauração de Jesus do reino de Israel, exceto que isso tinha começado a acontecer de uma maneira que era comple­tamente inesperada para a maioria dos judeus. Ao passo que os judeus tinham a esperança que o Messias os livraria das mãos dos romanos e restauraria a terra e o templo para eles, para Paulo, a “esperança de Israel” (28:20) tinha a ver com a ressurreição de Jesus, o nascimento do reino, e o início da nova era, na qual a renovação de Israel incluiria também a sal­vação dos gentios. Na medida em que os judeus resistiam à ex­tensão das misericórdias salvadoras de Deus aos gentios, neste mesmo nível, eles também rejeitavam os mensageiros — os apóstolos, incluindo Paulo —, que tentavam persuadi-los do contrário. Então, enquanto Paulo mantinha esta testemunha com firmeza, persistindo mesmo após ter chegado a Roma, onde ele continuou receber convidados durante sua prisão domiciliar, os resultados foram mistos. Por um lado, alguns creram (28:14), mas, por outro, a obstinação dos judeus levara Paulo a proclamar “que esta salvação é destinada aos gentios; eles ouvirão” (Atos 28:28). Entrementes, as vidas daqueles que seguem a Jesus como Messias continuarão a provocar discussão, conforme os judeus em Roma disseram: “que por todo lugar há gente falan­do contra esta seita” (Atos 28:22). Contudo, tal balbúrdia não será porque os cristãos estão quebrando a lei, conforme Pau­lo repetidamente havia provado a inocência dos cristãos de quaisquer transgressões. Ao invés disto, a consternação conti­nuará uma vez que qualquer fala acerca de um reino vindouro de Deus e quaisquer tentativas de viver da maneira do reino irão inevitavelmente conflitar com os objetivos imperiais de reinos mundanos — e quando isso acontece, a violência que marca a humanidade caída irá mais uma vez surgir e trazer problemas. Mesmo quando isto acontece, o Espírito, que foi der­ramado sobre toda a carne, continuará a inspirar e capacitar às obras pacíficas, curadoras e reconciliadoras de Jesus, a fim de encerrar o reino de Deus nos corações e nas vidas dos seres humanos. A ressurreição de Jesus dentre os mortos pelo Espi­rito foi o primeiro ato da vindicação de Deus dos justos e a inicialização do que se materializaria no reino, e isto tem sido seguido por Jesus derramando deste mesmo Espírito sobre todos — judeus e gentios — em prol da salvação do mundo. Lucas não nos conta o que aconteceu com Paulo, mas clara­mente nos informa que ele jamais cessou de “pregar o reino de Deus e ensinar a respeito de Jesus Cristo, abertamente e sem impedimento algum” (28:31). Ele simplesmente continuava a viver pelo poder do Espírito como uma testemunha ao Cristo vivo. Os próximos capítulos do livro de Atos, se tivessem de ser escritos, contariam mais a respeito de homens e mulheres, talvez até mesmo entre nós, hoje, que também são capacita­dos pelo Espírito de Deus a proclamar e representar o reino de Deus até os confins da terra. EPÍLOGO O livro de Atos termina sem fornecer qualquer des­fecho acerca da prisão de Paulo. Alguns especulam que Lucas completou seu livro enquanto Paulo ainda estava preso, ao passo que outros acreditam que Lucas concluiu seu registro com a chegada do evangelho em Roma e, desta forma, não sentiu a necessidade de fornecer quaisquer detalhes acerca do julgamento de Paulo diante de César. Ainda outros estão di­vididos entre aqueles que pensam que Paulo foi martirizado pelo imperador Nero, ou que ele foi liberto e levou a cabo sua tão antecipada missão à Espanha. Para nossos propósitos, o final em aberto de Atos 28 sugere que a obra do Espírito Santo começou na vida de Jesus e entre a igreja primitiva, e continua até o presente. A ênfase, por todo o livro, contudo, tem sido explorar não apenas os as­pectos privados da obra do Espírito nos corações dos crentes em Jesus, mas também as dimensões públicas das atividades do Espírito nos domínios políticos, econômicos e sociais do império romano durante o primeiro século EC. Vimos que a redenção de Israel e a salvação do mundo estavam sendo rea­lizados em meio às forças imperiais concretas da Pax Romana, e que o poder de Deus era manifesto em, através de e contra os principados e poderes destas esferas. Não existe razão para acreditar que as operações do Espírito Santo no primeiro século cessaram ou assumiram qualquer forma diferente desde então. O poder do Espírito em operação na esfera pública, então, não tem estado menos disponível aos seguidores de Jesus de Nazaré durante os dois mil anos intermediários, e está certamente presente a todos hoje. Viver as maneiras do reino em nossa época é tão desafia­dor quanto era para os primeiros discípulos, em especial a luz de nossos regimes políticos de corrupção, anarquia, tirania e negligência ambiental, entre outros desafios; nossos siste­mas econômicos de globalização, consumismo e capitalismo explorador, entre outras práticas injustas; e nossas conven­ções sociais que perpetuam o racismo, sexismo e capacitismo, entre outros regimes discriminatórios. Entretanto, devemos ser inspirados a saber como o mesmo Espírito que capacitou Jesus e os primeiros cristãos a confrontarem os principados e poderes de sua época é o mesmo Espírito que permanece o dom de Deus para capacitar toda a carne hoje. Isto não quer dizer que embarcamos em qualquer cau­sa popular política, econômica ou social a fim de nos “com­prometer com essas questões”. Isto significa que devemos vi­ver fielmente com outros que estão buscando seguir a Jesus, de maneira que possamos ser nutridos nas práticas virtuosas que o Espírito utilizará em nossos relacionamentos com o mundo. Isto quer dizer que precisamos continuar a discernir como o Espírito pode inspirar a igreja para uma fidelidade contínua em um mundo pluralista e complexo. O pior cenário é que o nosso testemunhar de Cristo acabará em martírio, mas, mesmo assim, isto será capacitado pelo poder do Espírito. Quando menos, continuaremos a ser perseguidos, se nenhuma outra razão além do nosso testemu­nhar apresentar um contraste total ao mundo, semelhante aos primeiros seguidores do Messias, que foram acusados de ser “sectários” (ou “hereges”, a partir de haireseos — Atos 24:5; 24:14; 26:5; 28:22). Estas são manifestações do poder do Espí­rito que nos capacitam a questionar o status quo e as conven­ções das sociedades em que vivemos, a resistir às políticas de conformidade que nos são impostas, e a desenvolver formas alternativas de conversa que exponham a violência subjacente às economias deste mundo. No mínimo, conforme nosso caminhar com os após­tolos durante 0 livro de Atos, com olhares regulares de volta ao Terceiro Evangelho, tem mostrado, continuaremos a nos surpreender acerca de como o Espírito opera em nossos cora­ções para mudar o mundo. Durante o caminho, teremos a me­mória de Jesus para nos guiar, e sua presença, no poder do Es­pírito Santo, para nos inspirar. E o Espírito, que realmente foi derramado sobre toda a carne, continuará a fazer através de nós o que foi feito através dos apóstolos — virar o mundo de cabeça para baixo — se, de fato, estivermos abertos e formos obedientes aos seus encorajamentos. E é somente enquanto seguirmos os ventos do Espírito nestes atos de testemunha que continuaremos a participar na obra de Jesus para renovar Israel e, através disto, redimir e salvar o mundo. Voltado para este fim, nossa oração somente pode ser: “Ora vem, Senhor Jesus”, enquanto continuamente esperamos e discernimos os renovados ventos de seu Espírito no mundo.
GUIA DE ESTUDO DO LÍDER E PERGUNTAS PARA DISCUSSÕES EM PEQUENOS GRUPOS Recomendações: Garanta que os membros do grupo leiam o capítulo com antecedência e tragam suas Bíblias para a dis­cussão. Por todo o estudo, lembre-se de que as referências ao “público” ou à “política” envolvem todos os aspectos de nossas vidas, incluindo as nossas dimensões econômicas, sociais, cí­vicas, políticas e decisões e ações. INTRODUÇÃO A que destaques dos livros de Lucas e Atos você está familiarizado, e por que estes destaques chamam a atenção em nossa mente? O que mais você está esperando ao ler e es­tudar estes livros, desta vez? Você concorda com a sugestão do autor de que a obra do Espírito Santo não apenas pertence aos corações e às vidas individuais, mas também tem significância mais pública e po­lítica? Por que, ou por que não? Lucas-Atos se desenrola durante a “Paz de Roma”, nos dias de César. Você pode antecipar o que Lucas irá dizer, ou o que você espera ler em relação às implicações públicas ou políticas da vida de Cristo e das experiências dos primeiros seguidores de Jesus? CAPÍTULO 1 Como é ler Lucas-Atos “de trás para frente” (come­çando em Atos e retornando a Lucas, conforme apropriado)? Discuta os motivos para esta estratégia de leitura dada pelo autor (vide p. 23) e como ela funciona para iluminar a seção sobre a eleição de Matias. O que os discípulos estão esperando em relação à res­tauração do reino de Israel (Atos 1:6)? Se você fosse um se­guidor judeu de Jesus, naqueles dias, você estaria esperando qualquer coisa diferente do que os discípulos esperavam ou do que de fato aconteceu? Os discípulos viviam sob a sombra da Roma imperial durante o primeiro século. Vivemos em meio um imperialis­mo ou em outra espécie de império ocidental moderno nos dias de hoje? Quais os prospectos para um cristianismo cheio do Espírito sob estas condições? CAPÍTULO 2 Revise a canção de Maria — historicamente conhe­cida como Magnificat —, em Lucas 1:46-55, e discuta como a canção interage com o público ou com a leitura pública de Lucas-Atos que estamos empreendendo. O que “a consolação de Israel” (Simeão, em Lucas 2:25) c “a redenção de Jerusalém” (Ana, em Lucas 2:38) significa para os judeus do primeiro século? O que estes termos signi­ficam para nós hoje? Como Jesus desafiou o senhorio de César naquela épo­ca? Como o senhorio de Jesus é um desafio mesmo para os cristãos cheios do Espírito hoje? CAPÍTULO 3 Por que as referências geográficas na narrativa do Pen- tecostes são importantes? As filhas que profetizam e os jovens tendo visões são importantes para a vida da igreja hoje? Por que ou por que não? A expressão “sobre meus escravos” também pode ser traduzida “sobre meus servos” — qual a significância desta di­ferença na tradução na história de dois mil anos do cristianis­mo e hoje? CAPÍTULO 4 Quais os aspectos públicos da figura davídica ou mes­siânica, e como o sermão de Pedro acentua o cumprimento de Jesus destes desígnios carismáticos? De que pecado específico a multidão percebeu que precisava se arrepender, pecado este que Pedro prometeu ser perdoado (dica: veja Atos 2:23 e 36)? Como você pensa que a mensagem de Pedro te atingiria, caso você fizesse parte da multidão naquele Dia de Pentecoste? Existem dimensões públicas do perdão de pecados hoje? Por que, ou por que não? CAPÍTULO 5 Quais eram as consequências do arrependimento na mensagem de João Batista? Como tal pregação e seus efeitos dão certo (ou errado) no mundo atual? Quais as consequências do arrependimento para Zaqueu? Quais seriam os efeitos posteriores de tais ações no mundo de hoje? Por que nós temos, no geral, espiritualizado e individualizado a mensagem de arrependimento e perdão? Que tendências, se houver alguma, mesmo os cristãos cheios do Espírito precisam mudar? CAPÍTULO 6 Atos 2:41-47 tem sempre sido apresentado como um ideal que tem motivado várias formas de experimentos com a vida comunal na história do cristianismo. A passagem pode funcionar como tal ideal para nós hoje? Por que, ou por que não? Quero chamar esta mensagem de comunhão do Es­pírito, enquanto outros querem chama-la de comunismo, utilizando a terminologia de Marx. Quais as semelhanças e diferenças entre Lucas e Marx? O compartilhar e a distribuição mútua de mercado­rias a todos os que necessitam é uma prática de vida viável para os dias de hoje? Por que, ou por que não? CAPÍTULO 7 Descreva os aspectos espirituais e políticos do minis­tério ungido pelo Espirito de Jesus. Como o ano do jubileu do Antigo Testamento e o “ano aceitável (do favor) do Senhor” que Jesus proclamou vie­ram a ser representados na comunidade cristã primitiva? Por que estes conceitos são tão difíceis para nossos ouvidos con­temporâneos? O que significa dizer que o Espírito que operou atra­vés de Jesus também foi derramado e dado a seus seguidores? CAPÍTULO 8 Como a história de Lucas sobre o homem curado no portão do templo (Atos 3) continua seu tema da restauração de Israel? Que papel as Escrituras veterotestamentárias exer­cem, em outro lugar no desenrolar desta tese lucana? Por que os líderes do templo estavam interessados em preservar o status quo? Como a cura deste homem no portão do templo ameaça os interesses dos líderes? Quais as implicações econômicas e políticas da men­sagem lucana para o cristianismo carismático de nossa época? CAPÍTULO 9 Por que ou como estamos condicionados a enfatizar os aspectos médicos destas curas milagrosas de Jesus, e não suas dimensões públicas? Quão legítimas são as dimensões públicas apresentadas neste capítulo? A sociedade palestina do primeiro século estava es­truturada de acordo com as relações entre patrono e cliente, assim como entre os patronos centuriões e as pessoas (seus clientes) que eles protegiam. Como o ministério de Jesus anu­la ou ao menos ameaça desmantelar tais estruturas hierárqui­cas? As curas modernas nos círculos cristãos são sinais da vinda do reino de Deus? Se este for o caso, como estes sinais podem mudar nossa perspectiva sobre ou mesmo nossas prá­ticas acerca do ministério da cura? CAPÍTULO 10 Aqui vemos uma segunda representação da comunhão do Espírito (Atos 4:32-35); compare e contraste com o primei­ro relato (Atos 2:42-47). Compare e contraste Barnabé com Ananias e Safira. A punição para o casal foi desnecessariamente injusta, à luz da tese sendo argumentada neste capítulo e neste livro? Barnabé não é apenas uma figura incomumente gene­rosa, e não é apenas um detalhe na história de Lucas (somente dois versículos são devotados a ele)? Ou Lucas está tentando apresentar um ponto teológico normativo e ético? Por que tendemos a acreditar na primeira afirmação acerca de Barna­bé, ao invés da segunda? CAPÍTULO 11 Existe muita fala acerca de Jesus se relacionando com coletores de impostos, prostitutas e outros párias sociais. Quais pessoas ou classes seriam equivalentes a estes, em nosso mundo? Nós somos mais suscetíveis a ter empatia com Simão, o fariseu, ou com a mulher pecadora? Com os líderes da sina­goga, ou com a mulher encurvada e aleijada? Por que e quais são as implicações de nossas proclividades? E possível que, no mundo de hoje, os discípulos liderados pelo Espírito de Jesus pratiquem sua visão de um mundo sem hierarquias ou classes sociais? CAPÍTULO 12 A maioria de nós tem tempo para fazer estudos bí­blicos tais como este e não está sendo perseguida por nossa fé. Nós podemos permanecer em solidariedade e oração com nossos irmãos e irmãs ao redor do mundo que estão atual­mente experimentando o tipo de perseguição que a leitura deste capitulo nos diz que aconteceu aos discípulos? Fale sobre Herodes como um representante de senhor e Salvador César, e como a narrativa de Lucas reflete o que significa entender o senhorio e a salvação de Cristo. Como entendemos a resistência não violenta dos dis­cípulos em nossa época? Quais são as implicações políticas de tal postura para o discipulado cristão vital? CAPÍTULO 13 A paixão de Jesus não é única dele? Nós podemos real­mente seguir os passos de Cristo em seu sofrimento? Em que nível a não violência cristã é uma imitação do fundador do Caminho? Por que o perdão é central a uma ética carismática de não violência, ou uma forma de pacifismo? Como tal perdão é possível no mundo real? CAPÍTULO 14 Como as experiências de imigrantes nos Estados Uni­dos, em especial desde 1965, iluminam o que aconteceu em Atos 6 entre as congregações de fala grega e as de fala hebrai­ca? Por que é importante tratar qualquer vácuo de lide­rança para que líderes carismáticos, que representem os inte­resses das pessoas às quais estão liderando, sejam designados? Quais as implicações deste princípio em nosso mundo con­temporâneo multicultural, multiétnico e globalizado? Antioquia era originalmente um “campo missionário”, para missionários de Jerusalém, mas a igreja de Antioquia veio ao resgate de sua igreja-mãe em época de necessidade da igre­ja de Jerusalém; nos, do Ocidente Anglo-americano estamos prontos para receber a assistência ministerial de igrejas do sul global, que nos antigamente considerávamos nossos campos missionários? Quais as implicações deste empreendimento missionário “reverso”? CAPITULO 15 Por que os ensinos de Jesus sobre riqueza e pobreza são tão desconfortáveis para muitos de nós? Considere a história do homem rico e de Lázaro: o único ponto desta história é que muitos de nós, que somos mais abastados, deveríamos compartilhar com os mais neces­sitados? E com relação ao princípio do jubileu, no pano de fundo da visão de Lucas da renovação de Israel? Existem algu­mas dimensões econômicas estruturais para a restauração de Israel e o reino vindouro? CAPÍTULO 16 Estevam conta a história do Israel antigo a partir de uma perspectiva judaica helenista. Quais as implicações polí­ticas de tal registro (pense acerca de como a história dos EUA pode ser contada a partir da perspectiva de um expatriado estadunidense)? Por que outros judeus helenistas — “homens livres”, Lucas os chama (Atos 6:9) — são tão opostos à mensagem de Estevam (pense acerca de como os refugiados de um pais sob ocuparão podem ter um interesse pessoal na restauração de seu pais)? Como este incidente envolvendo Estevam estabele­ce as tensões que veremos no restante do livro de Atos? Por que a teologia, o ministério e a vida de Estevam são tão importantes para a expansão, capacitada pelo Espíri­to, do evangelho aos gentios? Podemos apreciar seu sacrifício hoje, dois mil anos após seu martírio?
CAPÍTULO 17 Como Estevam entendeu o papel do templo, e como este entendimento era ameaçador para os líderes do templo? Qual foi a atitude de Jesus para com Jerusalém, e quais as im­plicações de sua “teologia de Jerusalém” para nós, hoje? O autor de Quem é 0 Espírito Santo?segue eruditos, tais como N. T. Wright, em ver o legado do ministério de Jesus como relacionado a redirecionar o nacionalismo judaico: a ênfase em um caminho de paz evita a destruição, ao passo que o nacionalismo excessivamente zeloso culmina na ira de Roma — testemunha a destruição que se desenrolou dentro de uma geração após a morte de Jesus. Fale acerca das im­plicações desta mensagem para entender 0 registro de Lucas (acreditado pela maioria como tendo sido escrito não muito depois da destruição e Jerusalém, em 70 EC) e o que isto sig­nifica para nós hoje. CAPÍTULO 18 Como a expansão do evangelho para Samaria e a re­cepção do evangelho pelos samaritanos chateiam a cosmovisão judaica dos primeiros seguidores de Jesus? Revise toda a passagem devotada ao bom samaritano (Lucas 10:25-37): quais as implicações desta narrativa para as pessoas que nós não consideramos serem cristãos legítimos? E legítimo ver os samaritanos como os “outros religiosos” aos judeus? Quais as implicações de nossa resposta a esta pergunta para o entendimento inspirado pelo Espírito e a interação com pessoas de fés não cristãs hoje? CAPÍTULO 19 Por que é legítimo, a partir de uma perspectiva bíbli­ca, classificar o eunuco sob a categoria de “deficiência”, e quais as implicações desta classificação? Como o eunuco, Zaqueu, o anão, também é aceito como discípulo de Jesus como ele é, sem qualquer cura mila­grosa ou ajuste. Você fica confortável com pessoas portadoras de deficiências representando o evangelho? Existem pessoas com deficiências presentes no ban­quete escatológico de Jesus (Lucas 14:15—24). Quais as implica­ções de tais imagens para nossa teologia de deficiência? Nossa teologia da salvação? Nossa teologia do pós-vida? CAPÍTULO 20 O apóstolo Paulo possuía algum tipo de deficiência? Como poderíamos entender sua vida, ministério carismático, e teologia centrada no Espírito se ele tivesse? Como Estevam, Paulo também foi um judeu helenisti- camente informado. Por que isto foi importante para alguém a quem Deus levantou para ser apóstolo aos gentios? Com a introdução ao ministério de Paulo, a ideia de que a restauração de Israel incluía os gentios entra em foco. Por que isto era uma noção estranha para os judeus do pri­meiro século? CAPÍTULO 21 Temos comumente entendido a conversão em termos espirituais e individuais. Mas quais os aspectos públicos ou políticos de conversão nos relatos do evangelho discutidos nesse capítulo? Um dos aspectos mais desafiadores da conversão é a substituição na (ou “entre os membros da”) família de Deus. Quais as implicações disto para as relações familiares bioló­gicas? A conversão não é sobre garantir um lugar no céu no pós-vida? Por que Jesus fala, ao invés disto, acerca de orientar nossas perspectivas cheias do Espírito para o reino vindouro de Deus? CAPÍTULO 22 Há muito temos nos maravilhado com o milagre bio­lógico envolvido na ressurreição dos mortos do filho da viúva de Naim. Agora, quais os aspectos públicos desta ressurreição que temos ignorado? Como a ressurreição de Tabita também foi a revitalização de toda uma comunidade? Vimos, neste capítulo, que os relatos de ressurreição também são, como as curas, sinais do reino. Quais as implica­ções destes relatos para a vida e o ministério contemporâneos cheios do Espírito? CAPÍTULO 23 No que Lucas parece estar mais interessado: contar sobre a salvação de Cornélio ou. sobre a percepção de Pedro da inclusão dos gentios no plano redentor de Deus? Quais dicas textuais você pode fornecer para sua resposta? Deus “não trata as pessoas com parcialidade” (Atos 10:34): quais as implicações desta afirmação para a tese deste livro acerca da obra do Espírito no mundo mais amplo? Podemos falar de Cornélio como sendo instrumental na conversão de Pedro? Por que, ou por que não? CAPÍTULO 24 Se a restauração de Israel era divinamente intencio­nada desde sempre para incluir os gentios, temos indicarão o bastante disto no evangelho de Lucas da vida, do ministério e dos ensinos de Jesus? Por que a proclamação de Jesus sobre a paz é tão im­portante para um livro sobre as dimensões políticas do disci- pulado liderado pelo Espírito? Em nossas vidas e nosso ministério, hoje, dizer que o evangelho é para os gentios não parece dar muita força ou ter muito efeito, provavelmente porque a maioria, se não todos nós, somos gentios. Como podemos traduzir, nos dias de hoje, este impulso central, a fim de que ele se engaje de maneira significante com nosso mundo, nosso tempo e nossa situação? CAPÍTULO 25 Como a história de Bar-Jesus ilumina as dimensões políticas do mundo espiritual? Alguns diriam que há um peri­go em espiritualizar o domínio político de demonizar nossos oponentes políticos; se assim for, como devemos proceder? Exorcismos também são sinais do reino vindouro? Você acredita que existam outros sinais físicos do reino (im- pending) de Deus? Alguns dizem que um dos maiores motivos por que o evangelho se espalhou rapidamente por todo o sul global é que a maioria das tradições religiosas indígenas e culturais possuem cosmologias e cosmovisões que são bastante seme­lhantes às do Novo Testamento (por exemplo, envolvendo espíritos maus em relacionamento com a cura). Você enxerga perigos no excesso de ênfase deste ponto? O que pode ser im­portante, ao invés disto, ao enfatizar os aspectos públicos de ministérios de libertação? CAPITULO 26 Quais os aspectos públicos das tentações e do encon­tro de Jesus com Satanás no deserto? Um número de eruditos bíblicos sugere que o ende- moninhado geraseno havia internalizado o opressivo governo da Roma imperial. Discuta o mérito desta tese. Quais as implicações políticas, se houver alguma, da substituição do reino do diabo pelo reino de Deus na vida e no ministério de Jesus, cheio do Espírito? CAPÍTULO 27 Disseram aos judeus que eles “serão salvos pela graça do Senhor Jesus, assim como eles [os gentios] também” (Atos 15:11). Isto pode ser análogo a cristãos ouvindo que “serão sal­vos através da graça do Senhor Jesus, assim como eles [insira qualquer grupo considerado opressor do cristãos aqui] tam­bém”. Quão absurdo, ou não, é este paralelo? Os seguidores judeus de Jesus queriam que os gentios se tornassem assim como os judeus (isto é, serem circunci- dados) a fim de serem “salvos”. Quais as nossas suposições e expectativas hoje para que os não cristãos sejam salvos? Qual é o perigo de enfatizar em demasia a universali­dade da obra do Espirito? Como a ênfase na particularidade da obra do Espírito pode auxiliar para resolver esta tensão, e o que isto significa para a missão cristã hoje? CAPÍTULO 28 Temos comumente espiritualizado e internalizado a história do filho pródigo. Quais as vantagens de ler a história em termos da renovação de Israel como incluindo os gentios? Existem muitos ou poucos que serão salvos? Quais as implicações de nossas respostas para esta pergunta? O que aconteceu com os judeus que não adotaram o programa de Deus de renovação de Israel e redenção do mun­do? O que pode acontecer conosco hoje se não aceitarmos e recebermos o programa de redenção capacitado pelo Espírito de Deus? CAPÍTULO 29 Entre os escritores do evangelho, o papel das mulheres é mais proeminente nos escritos de Lucas. Quais as implicações do que ele diz em Atos para nossas visões acerca das mulheres no ministério hoje? O que mais pode restar a ser feito sobre esta questão? O Espírito Santo ainda fala através de visões e sonhos hoje? Quais os desafios e as possibilidades inerentes à nossa resposta? Timóteo era de etnia mista (mãe judia e pai grego). Como a vida dele pode fornecer discernimento em nossas ex­tensas experiências de hibridismo e interracialidade hoje? CAPÍTULO 30 Você fica confortável em identificar Jesus como um “protofeminista”? Por que, ou por que não? Certifique-se de interagir com a testemunha lucana em detalhes, em sua res­posta. O que significa seguir o Cristo inspirado pelo Espírito em relação a nossas atitudes e ações acerca das mulheres em um mundo dominado pelos homens? Existe diferença entre o ministério de mulheres e seu papel em contextos não ministeriais, tal como o lar? Como podemos responder a esta pergunta à luz de Lucas e Atos? CAPÍTULO 31 Como a história da pitonista quebra todos os tipos de crenças cristãs estereotipadas acerca da adivinhação? Elabore o que o autor chama de “políticas de oração e louvor”, conforme exemplificadas na prisão de Filijpos. Quais as implicações do engajamento político, hoje, para um cristianismo renovado pelo Espírito? Quais as “polí­ticas de cidadania”, à luz das experiências do apóstolo Paulo em Filipos? CAPÍTULO 32 Como você se sentiria pronunciando a oração do Pai Nosso (conforme Lucas a registra) como um modo de engaja­mento político? Discuta cada linha neste sentido. A versão de Lucas da oração do Pai Nosso conclui com a promessa de que Deus honrará toda oração autêntica ao dar seu Espírito; pense mais, agora, sobre as dimensões públicas e políticas do derramamento do Espírito sobre toda carne. Nós comumente pensamos na justiça e na justificação em termos individuais; como a parábola da viúva e do juiz expande estes horizontes? Esta e uma expansão legítima da doutrina tradicional da justificação? CAPÍTULO No Areópago, Paulo citou poetas e filósofos pagãos. Quais as implicações disto para nosso engajamento com a cul­tura e as tradições filosóficas? Há algumas décadas, H. Richard Neibuhr apresentou um paradigma quíntuplo de Cristo em relação à cultura: • Cristo contra a Cultura. A história é a estória de uma igreja ou cultura cristã nascente e uma civilização pagã morrendo. • Cristo da Cultura. A história é a estória do encontro do Espí­rito com a natureza e a cultura humana. • Cristo acima da Cultura. A história é um período de prepara­ção sob a lei, a razão, o evangelho e a igreja para uma comu­nhão última da alma com Deus. • Cristo e Cultura em Paradoxo. A história é o tempo da batalha entre a fé e a descrença, um período entre a doação da pro­messa da vida e seu cumprimento. • Cristo Transformando a Cultura. A história é a estória dos grandes feitos de Deus e da resposta humana a eles. Cristãos que adotam esta visão vivem de alguma forma menos “entre os tempos” e de certa forma mais no “agora” divino do que os seguidores listados cima. Eles estão mais preocupados com a possibilidade divina de uma renovação presente do que com conservar o que foi dado na criação ou se preparar para o que será dado na redenção final. Discuta as visões à luz de nosso capítulo. A obra redentora do Espírito inclui tradições cultu­rais, filosóficas e mesmo religiosas do mundo? Por que, ou por que não? Se sua resposta for afirmativa de alguma forma, como? CAPÍTULO 34 Ame seus inimigos”. Isto é fácil? Isto é mais fácil em um nível interpessoal ou em um nível político' Isto e possível, politicamente? “Perdoe nossas dívidas assim como perdoamos as dí­vidas dos outros”. Isto é fácil? Isto é mais fácil em um nível interpessoal ou em um nível político? Isto é possível, politi­camente? Temos tradicionalmente pensado acerca da metáfora lucana de “virar o mundo de cabeça para baixo” (Atos 17:6) em termos de sua cristianização; e se agora pensarmos acerca disto em termos da obra do Espírito nos domínios de valores sociais, arranjos econômicos e estruturas políticas? Esta e uma conclusão válida desta metáfora? CAPÍTULO 35 O que podemos aprender, a partir do encontro entre o cristianismo e a religião de Artemis, para as relações inter- religiosas em nossa época? Como a economia de Éfeso tem implicações religio­sas? Quais as implicações econômicas para a missão capacita­da pelo Espírito nos dias de hoje? Como a economia e a religião estão unidas em nosso mundo? No cristianismo? Isso é bom, mal ou inevitável? CAPÍTULO 36 Para Paulo, qual era a relação entre a ressurreição de Jesus e a restauração de Israel? Existem quaisquer relações públicas ou políticas para a nossa crença atual na ressurreição como a obra do Espírito? Deveria haver relações? Paulo estava disposto a ser martirizado por sua cren­ça na ressurreição de Jesus (e restauração de Israel); pelo que estamos dispostos a ser martirizados hoje? Deveríamos estar dispostos a sermos martirizados por alguma coisa? CAPÍTULO 37 E apropriado pensar que existem dimensões cósmicas no derramamento do Espírito, conforme sugerido neste capí­tulo? Por que, ou por que não? A “salvação” e tão óbvia quanto a segurança física, conforme sugerido pelos vários usos da pa­lavra grega soteria em Atos 27? Quais as implicações disto para a missão, se há alguma? A repreensão de Jesus aos ventos e ondas (Lucas 8:24) sugere que ele está operando sob autoridade semelhante quando ele repreende os espíritos maus. Quais os prós e contras de vermos as forças naturais como paralelas a principados e poderes? CAPÍTULO 38 Como a mesa da comunhão também era um empreen­dimento sociopolítico e econômico na cultura palestina do primeiro século? O que podemos aprender acerca dos com­promissos teológicos e visão dos seguidores do movimento de Jesus a partir de suas maneiras de comer? Por que e como nossa prática da Ceia do Senhor ou Eucaristia também tem ramificações públicas e políticas hoje? Quais as implicações missionais dos períodos da re­feição no mundo de hoje? Descreva os contornos de uma ma­neira liderada e cheia do Espírito de comer em um mundo pluralista. CAPÍTULO 39 Como as interações de Paulo com os “bárbaros” mal- teses desafiam nossos paradigmas missionários hoje? Como podemos ser melhores anfitriões na esfera pú­blica de nosso mundo multiétnico, multicultural e multir-religioso? E como podemos ser melhores convidados nestes mesmos ambientes? O que significa, para nós, acrescentar um capítulo vinte e nove ao livro de Atos e continuar a história do Espíri­to sendo derramado sobre toda carne?
AGRADECIMENTOS Este livro foi originalmente concebido em resposta a um pedido de Lil Copan, previamente um dos editores de aquisições na Paraclete Press, que havia lido o resumo de Roger Olson de minha obra na revista Christianity Today, intitulado: A Wind That Swirls Everywhere: Pentecostal Scholar Amos Yong Thinks He Sees the Holy Spirit Working in Other Religions, Too (em março de 2006). Lil entrou em contato comigo para eu contribuir com uma série de livros sobre o Espírito e a espi­ritualidade para a Paraclete Press.Aproximadamente um ano mais tarde, eu sugeri a ideia de tal assunto focado no Espírito Santo a Anita Killebrew, pastora associada executiva na Great Bridge Presbyterian Church em Chesapeake, Virgínia, onde nos­sa família estava frequentando uma das classes de adultos da escola dominical. A ideia foi recebida com entusiasmo, e um grupo de aproximadamente quinze de nós (com mais ou me­nos doze pessoas de média nos domingos), leram Lucas e Atos e discutiram os livros pela maior parte do ano de 2008. Muito obrigado a Anita, que forneceu fundos sufi­cientes, a partir dos fundos de educação cristã da igreja, para comprar um número de comentários para este projeto (alguns dos quais listados na bibliografia). Os meus agradecimentos também aos seguintes membros da classe Comerstone, alguns dos quais estiveram presentes por grandes segmentos da dis­cussão, alguns poucos dos quais foram fieis por quase todas as semanas, de todo o período de estudo de onze meses, mas todos contribuíram de alguma maneira com este livro, através das perguntas que fizeram ou dos comentários que compar­tilharam durante o nosso tempo juntos: Hank Bedell, Laura e Mike Boron, Carolyn e Bob Creekmore, Verônica DeSmit, Beth Doriani, Jim Downey, Sara Green, Sonya Hall, Joyce e Mike Holden, Rob Holroyd, John Lynch, Shar Yeo and Timo- thy Lim Teck Ngern, Eliza e Andrew Marks, Melody e Chris Mendoza, Marian e John Neefus, Brooke Nielson, Wayne Pi- ttman, Trudi e Doug Rauch, Sandy Sayre, Judy e Bob Stein- metz, Gail Trzcinski, e Alma Yong. Também tive alunos, em meu seminário Renewal and Policies, durante o semestre de verão de 2009 na Regent Univer- sity School of Dwinicy,que leram e interagiram com a versão manuscrita deste livro. Aprecio especialmente os seguintes alunos por suas observações criteriosas que melhoraram o li­vro: Mary Fast, Timothy Lim Teck Ngern, Hunter Hanger, Nicholas Daniels, e Theresa Demby. Sou grato também aos seguintes amigos e colegas, cada um dos quais especialistas no campo de estudos do Novo Testamento, em geral, e em Lucas-Atos, em particular, por seus comentários em um rascunho anterior deste manuscrito: Michelle Lee-Barnewall, Thomas E. Phillips, James B. Shelton, e Martin W. Mittelstadt. Como esta é minha primeira tenta­tiva de escrever na área de interpretação bíblica, a opinião e a crítica de tais foram muito úteis para me impedir, de outra maneira, de cometer erros ofensivos ao me aventurar fora de meu campo de treinamento (teologia e estudos religiosos) e tentar uma interpretação responsável destes textos lucanos. Obviamente, nenhuma das pessoas supracitadas deve ser responsabilizada pelas visões expressas neste livro, e quais­quer infelicidades que permanecem são resultado de minha própria obstinação. Agradeço mais uma vez a Lil Copan, da Paraclece, por me auxiliar a conceber o livro e esclarecer o es­copo geral e a abordagem. Eu também recebi muita ajuda dos editores da Press,em especial de Jon Sweeney e Jefr Reimer. Cada um deles foi inestimável em me ensinar a escrever me­lhor para um público não acadêmico. Por último, embora não menos importante, Sr. Mercy Minor, Sr. Madeleine Cleverly, Karen Minster, e outros na Press que trabalharam diligente­mente na produção e publicidade deste projeto, eu sou grato por seu profissionalismo. Como sempre, Patty Hughson e sua equipe de em­préstimo entre bibliotecas na Regenc University foram indis­pensáveis em me ajudar a conseguir os livros e artigos de que precisei para este estudo, uma lista bem mais longa do que aparece na bibliografia selecionada que segue. As palavras não podem expressar o débito que tenho com minha esposa, Alma, pelo que ela faz no cotidiano para me deixar livre para ler e escrever. Neste caso, ela foi um membro fiel da escola dominical e suportou pacientemente as muitas horas de fins de semana (especialmente domingos a tarde) — meu “tempo livre” devotado a compromissos eclesiásticos — durante o ca­lendário de 2008, quando eu rascunhei a primeira versão do manuscrito do livro. Uma esposa mais maravilhosa nenhum homem tem, e eu certamente não sou merecedor. Por fim, este livro é dedicado a Alyssa, minha filha mais velha, que na época em que o livro sair da gráfica estará concluindo seu primeiro ano na faculdade, um ano antes do esperado. Minha garotinha está em transição, ao sair de casa, mas o mundo que em breve a receberá também pertence ao Espírito Santo — portanto, eu a envio para fazer a diferença neste mundo com orações, dedicando-lhe a graça e o poder do Espírito, e com todo meu amor!
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Eu consultei muitos excelentes comentários para esta obra. As mais importantes e úteis para mim foram as seguin­tes:
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As obras a seguir são apenas alguns dos estudos mais acessíveis entre os muitos que eu consultei para esta obra: Arlandson, James Malcolm. Women, Class and Society in Early Christianity:Models from Luke-Acts. Peabody, MA: Hendrick- son, 1997.
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[8] Lucas inclui referências no Evangelho a Isabel, a prima de Maria (1:5), Ana, a profetisa (2:36), a sogra de Simão (4:38), a viúva de Naim (7:11), a mulher pecadora (7:37), a mulher com hemorragia (8:43), e a mulher encurvada (13:11), entre outras. [9] Há pelo menos seis Marias no Novo Testamento: a mãe de Jesus; Maria Madalena; a mãe de Tiago e João (24:1); a esposa de Clopas (João 19:25); a mãe de João Marcos (Atos 12:12); e a irmã de Marta e Láza- [12] Atos 21-26 cobre a chegada de Paulo em Jerusalém, sua subse­quente prisão ali e em Cesaréia, e sua autodefesa nestes locais — todas as quais ocorreram sobre um período de dois a três anos.
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