Gênesis 44
Série expositiva no Livro de Gênesis • Sermon • Submitted
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· 9 viewsO autor exibe a representação messiânica que aponta para a substituição penal como meio para a consumação dos planos salvíficos do Criador em favor de seu povo/criação.
Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 44
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
A continuação da apresentação do ente que, instrumentalizado por Deus, servirá como intercessor e substituto na trama redentiva, prossegue ao longo do capítulo 44. A intercessão de Judá no capítulo anterior, o situa ao lado (como tem sido ao longo de toda a saga) de José na iniciativa divina de salvar seu povo (i.e. Jacó e os seus), e é expandida na presente seção, ao se posicionar agora como substituto, recebendo a pena no lugar de seu irmão, salvando os demais e seu pai da escravidão/morte.
Essa figuração enleva o texto com a carga exortativa-prenunciadora necessária para que o povo de Israel/igreja (público-alvo do texto) possa compreender a culminância do enredo sagrado. Como já explicitado, a história da redenção deverá ser compreendida não apenas à lume dos fatos miraculoso como eventos pontuais, mas como indicativos de uma obra muito maior e mais profunda que foi iniciada em Gênesis 3.15.
Servindo a esse propósito, as cenas seguintes concentram-se em expor o modo através do qual o Messias executará a salvação do povo de Deus: substituição expiatória: o Messias sofrerá o dano merecido ao povo transgressor, dando-lhes a liberdade e absolvição.
Assim, a temática central dessa seção do livro de Gênesis é: a narrativa providencial redentiva (pt 6): substituição penal.
Elucidação
O capítulo é iniciado com uma descrição que remonta à uma cena anterior: em 42.25-28, José arquiteta um meio de fazer com que seus irmãos regressassem à terra do Egito, devolvendo o dinheiro dado por eles como pagamento pelo cereal, colocando-o na boca dos sacos que iam carregar. Esse estratagema provoca a tensão que proporcionará o reencontro de José com seus irmãos, sob os auspícios de uma acusação que os força a reconhecer o pecado cometido anteriormente.
Como dito, na presente seção, o mesmo esquema é montado, comprometendo porém uma figura-chave: Benjamim. O filho mais moço de Jacó e seu bem-estar representam uma ameaça à subsistência do herdeiro da aliança, tal como visto à luz da análise de Gênesis 42. Se algo ocorresse de mal ao filho da velhice de Israel, a vida deste estaria comprometida, e assim, um perigo ronda o jovem: agora, o vice-rei de faraó o ameaça, tendo arquitetado um plano com o fim de pô-lo sob custódia.
Toda essa tensão é provocada por José a fim de que seus irmãos tragam seu pai para encontrar-se com ele. Logo, o objetivo do governador do Egito não é fazer mal a nenhum deles, mas reunir sua família.
Esse foco do texto também possui contornos teológicos pertinentes ao público-alvo do texto: a reunião familiar aponta para o fim último da trama redentiva: que o povo eleito do SENHOR, habite e esteja para sempre com seu Deus, e por sua vez, essa temática é progredida ao longo do desenvolvimento da história da salvação, sendo exposta como centro do trato pactual do Criador ao longo do percurso revelacional. A cada nova cena ou episódio do enredo de Jacó, nesta parte final do livro de Gênesis, a história salvífica vai deixando de concentrar-se apenas no livramento da fome que está assolando as terras em volta do Egito (incluindo Canaã), sendo aos poucos anexados outros princípios que fazem dessa saga, uma perfeita referência ao ato salvador divino, de redimir sua criação e seus eleitos do pecado para sua glória.
Todavia, para que esse fim seja plenamente atingido, além da necessidade de que haja uma figura que trilhe o caminho de sofrimento e humilhação que proporcionará a salvação através de exaltação e glorificação (como é representado por José), faz-se necessário que essa entidade messiânica também assuma o prejuízo da alienação do povo em relação a Deus, demonstrada na narrativa pelo distanciamento de José de seu pai e seus irmãos, figurando por sua vez a distância causada pelo pecado entre o homem e o Criador.
Esse aspecto prefigurativo da obra salvadora é referenciado por meio de Judá; sua ascensão à representação da realeza messiânica (Gn 38.27-30) o coloca ao lado de José, e como percebido à luz das referências anteriores (cf. Gênesis 37-38), ambos são centralizados como figuras complementares da identidade do Messias.
Em Gênesis 44.14, Judá encabeça o retorno dos irmãos de José ao Egito, após terem sido apanhados pelo servo de José com o copo deste. O destaque do autor não é leviano, mas já introduz seu protagonismo na cena. Ao serem questionados pelo grão-vizir de faraó, Judá toma a fala e conta o acordo feito entre ele e seu pai, quando havia intercedido em favor de toda sua família, colocando-se por fiador de Benjamim, a fim de comprar mantimentos e salvá-los da fome (cf. Gn 44.18-30).
O clímax de sua fala no entanto, evolui da intercessão mediadora para a substituição penal: Judá coloca-se em lugar de Benjamim a fim de salvar seu pai da tristeza e amargura que o faria morrer: "Agora, pois, fique teu servo em lugar do moço por servo de meu senhor" (v.34). Essa atitude, de se por em lugar de seu irmão, novamente encontra guarida na perspectiva do autor em expor o quadro redentivo: a salvação virá por meio da trilha dolorida do Messias (figurada por José), colocando-se no lugar do povo alienado de Deus, recebendo a penalidade cabida (exemplificado por Judá). A partir desse ponto, toda representação messiânica-redentiva está estabelecida, e a contemplação do resultado será inevitavelmente apresentada: a comunhão da família da Aliança será efetivada pelos personagens usados para o logro de tal objetivo.
Transição
A primeira ocorrência de oferecimento voluntário de sacrifício substitutivo, expande os olhos do povo de Deus ao longo da história, a fim de que o modus operandi da redenção fique claro: Cristo Jesus, o leão da tribo de Judá é o nosso substituto, aquele que voluntariamente se ofereceu para pagar o preço por nosso pecados, extinguindo a distância que havia entre nós e Deus.
Com isso em vista, os princípios a serem aplicados à nossa vida, segundo Gênesis 44, podem ser sintetizados no seguinte ponto:
Aplicação
Gênesis 44 nos apresenta a necessidade de Cristo Jesus e de sua substituição penal para execução plena da obra redentora.
Sem que houvesse um substituto, arcaríamos nós mesmos com as consequências de nossos pecados, assim como ocorreria com os irmãos de José. Diante da justiça divina, os dez filhos de Jacó seriam sumariamente condenados, pois pecaram contra seu irmãos, traindo-o e abandonando-o.
O terror do julgamento lhes rondava, e sozinhos não poderiam fugir da condenação. Entretanto, a intervenção de Judá exibe a lógica usada pelo próprio Criador a fim de que sua justiça fosse vindicada e a graça fosse derramada.
Deus não pode simplesmente ignorar pecados, pois isso iria contra sua natureza: se a lei foi quebrada, a maldição anexa deve ser ativada. Porém, da própria casa de Jacó surge o instrumento de redenção: o posicionamento substitutivo de Judá, concede aos irmãos o salvo conduto para comparecem à presença do Juiz, sem que sejam sentenciados.
Em Cristo o mesmo processo é executado, com um diferencial: ao invés de termos corrido o risco de nos tornar escravos de um homem, estávamos escravizados ao pecado, e condenados a, por causa de nossa filiação à ele, sofrermos a morte eterna, isto é, o distanciamento eterno da presença graciosa de Deus.
Somente a benevolência de Cristo em sua oferta voluntária de si mesmo, pôde satisfazer com perfeição a justiça do Deus Triuno, e garantir nossa recondução à sua presença.
Em relação a essa ação substitutiva de Judá, prefigurando Cristo, Waltke comenta:
Judá é a primeira pessoa na Escritura que se dispõe a oferecer sua própria vida por outro. Seu amor que se auto-sacrifica por seu irmão, por amor a seu pai, prefigura a expiação vicária de Cristo, que por seus sofrimentos voluntários fecha a brecha entre Deus e os seres humanos (WALTKE, 2010, p.707).
O autor divino/humano nos presenteia com a contemplação daquilo que Cristo fez por nós: pobres condenados podem sorrir e descansar seus corações, pois a justiça que lhes feriria, agora lhes concede livre acesso à Deus, pois todo sofrimento que cairia sobre nós, recaiu sobre o Messias.
Conclusão
Em Gênesis 22, Abraão viu um cordeiro preso entre os arbustos, como fruto da providência divina que garantiu o resgate de Isaque da morte. Agora, em Gênesis 44, os irmãos de José contemplam o mesmo princípio ampliado: aquele cordeiro não morrerá apenas para nos livrar da morte, mas para que todo aquele que nele crê, veja a face graciosa do Deus Todo-poderoso, e lhe chame de Pai.