Mateus 15.21-28

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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O autor contrapõe o orgulho farisaico com uma demonstração de fé humilde, tornando clara a noção de que a salvação não era algo que pertencia à um grupo que arvorava para si propriedade para receber a dádiva da redenção, mas direcionada àqueles que, pelo poder do Espírito, veem em Cristo e sua graça a única razão para serem salvos.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
A continuação da narrativa do Evangelho, reserva nesta seção um contraponto à perícope anterior, apresentando uma noção mais expandida de uma temática já exposta pelo evangelista. Em Mateus 9.1-13, o redator havia exibido o alcance do Evangelho, contemplando pessoas de todas as posições sociais, e até mesmo aquelas que, pelos fariseus, eram estigmatizadas como "indignas de Deus" (cf. Mt 9.10-13). Entretanto, essa implicação ainda não havia sido aplicada à um contexto completamente exterior à nação de Israel.
Em face da temática do reconhecimento ou não da identidade messiânica de Cristo, Mateus narra um episódio que fornece uma compreensão mais aprofundada com relação ao alcance da mensagem do Reino. Tendo em vista que o Messias havia sido enviado "senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15.24), a ida do Senhor novamente às cidades e circunvizinhanças de Tiro e Sidom, depõe um preocupação especial em evidenciar que, embora sejam localidades povoadas majoritariamente por gentios (i.e. não-judeus), isso não apresentava qualquer obstáculo à ação salvadora do Deus Triuno, e a inclusão da narrativa da mulher cananeia (ou siro-fenícia (cf. Mc 7.26) atesta que as portas da graça foram abertas aos dalém dos muros israelitas.
Para surpresa dos fariseus, uma gentia é usada como exemplo do poder salvífico do Messias e de grandeza de fé. Homens letrados e conhecedores da letra da Lei, não foram tocados pelo poder do Espírito para que recebessem a Cristo como Salvador, enquanto que uma mulher de outra terra, ao ter ouvido a fama do Senhor Jesus, entendeu perfeitamente ser ele o Filho de Davi: o Rei enviado para liderar seu povo à redenção.
Em face dessas observações, o texto de Mateus 15.21-28 enfatiza a demonstração do poder e alcance do Evangelho: salvação aos humildes.
Elucidação
O tráfego do Messias ao longo da terra de Israel, expõe seu ímpeto em anunciar o Evangelho e o Reino, contudo, esse anúncio, na pessoa do Senhor, mantém-se de certa forma restrito àquela nação.
Antes de ver este fato como um impedimento ou bloqueio, na verdade, o percurso de Cristo é protópitico e didático: o que ele faz, percorrendo Israel, os discípulos deverão fazer até aos confins do mundo (At 1.8). Assim, a referência a deslocamento de Cristo "para os lados de Tiro e Sidom" (Mt 15.21), prepara o cenário para a narrativa por vir.
A caracterização de certo personagem ganha contornos específicos: "E eis que uma mulher cananeia, que viera daquelas regiões..." (v. 22). Embora Mateus não tenha enfatizado tanto a nacionalidade da mulher, à luz do texto de Marcos, sabe-se que se tratava de uma mulher "grega, de origem siro-fenícia" (Mc 7.26). Essa observação, cria na cena uma tensão que, aliada ao contexto anterior, em que os fariseus aparecem mais uma vez expondo seu zelo legalista pela tradição dos anciãos (v. 2), posiciona os personagens em polos extremos: uma mulher grega, jamais poderia ser bem-recebida por um judeu, sem que antes não manifestasse aquiescência e submissão às exigências das tradições.
Porém, diferentemente do que fez antes, ao ter ignorado a opinião dos mestres da lei, agora Cristo parece endossar a compreensão de que aquela mulher não deveria receber a mesma atenção a ser direcionada aos próprios judeus: "Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (v. 24)". Entretanto, antes de recuar em seu propósito de ser atendida pelo Senhor, o autor descreve um diálogo entre a mulher e Cristo, que elucida seu propósito ao redigir esse episódio.
Endereçando seu texto à uma igreja de público misto (i.e. judeus e gentios), Mateus reforça a tese de que a compreensão quanto a Cristo e sua obra redentiva, não dependem de um apego bairrista ou nacionalista. A salvação não é uma mera titulação elitista que contempla com um algum tipo de sentimento de pertencimento particular os que aderem à suas exigências, como pensavam os fariseus. Ao contrário, a graça soberana do Deus Triuno manifesta-se ainda mais poderosa, ao evidenciar aquilo que todo o Antigo Testamento havia predito: a salvação é um dom de Deus, concedido àqueles que, mediante a eleição, foram chamados para serem seus filhos, não importando de que nacionalidade sejam.
No ponto alto do diálogo, Cristo responde o apelo da mulher com uma fala ainda mais dura:
Mateus 15.25–26 RA
Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me! Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos.
Naturalmente, Cristo não tinha a intenção de menosprezá-la, apenas torna evidente a fé daquela mulher, tendo em vista que cria nEle como o Rei prometido. Certamente, de alguma forma, a história messiânica revelada por meio do pacto davídico era de conhecimento daquela mulher, e diante das evidências que se espalhavam por meio da fama do Senhor Jesus, para ela, não restavam dúvidas: o Messias havia chegado, e era o único que poderia livrar sua filha da opressão demoníaca que vinha sofrendo.
Transição
O propósito do Senhor Jesus havia sido atingido: a mulher revelara sua fé, e a "surpresa" do próprio Salvador ao notar o tamanho da convicção dela, é um recurso utilizado pelo autor a fim de surpreender os próprios leitores: a prova cabal de que o Reino não sofria restrições étnicas estava diante de todos eles, e essa compreensão acalenta o público-alvo para quem Mateus se dirige com a certeza de que reconhecendo Cristo como Senhor e Rei, estavam cumprindo o único requisito que a graça determina, adentrando as portas do império do Deus Triuno publicado na pessoa de Jesus Cristo.
Diante dessa perspectiva, o autor divino/humano enfatiza os princípios a serem observados pela igreja de Cristo, a partir do seguinte ponto:
Aplicação
Ao contrário de um moralismo arrogante (e.g. Mt 15.1-20), a verdadeira fé nos conduz à inexorável noção de que somos todos indignos da salvação.
A mulher sico-fenícia é destacada no texto como um demonstração de como funciona a ação redentiva: à margem das expectativas, pecadores são trazidos ao Reino, não por qualquer operosidade de tradições ou preceitos de homens, mas pelo reconhecimento, mediante a fé, no Messias: Cristo Jesus.
O Evangelho humilha o coração dos homens, fazendo-os ver que não possuem nada para que possam ser alcançados com a graça.
Contemplando o poder da graça divina em demonstrar a salvação da mulher, Ryle comenta:
[...] É a graça de Deus, e não o local, que faz uma pessoa tornar-se crente. Podemos viver na família de um profeta, como sucedeu com Geazi, servo de Eliseu, e ainda continuar incrédulos e enamorados do mundo. Podemos residir em meio à superstição e à obscura idolatria, como a menina escrava na casa de Naamã, e ainda ser testemunhas fiéis de Deus e de seu Cristo. Não nos desesperemos em relação à alma de alguém somente porque se encontra em uma situação desfavorável. É possível viver na costa de Tiro e Sidom e, ainda assim, ter um lugar no reino de Deus (RYLE, 2018, p.171).
Todos nós já vivíamos num lugar suficientemente reprovável, que nos impedia de ter acesso a Deus: o pecado, e qualquer outra circunstância para além dessa, só servia de evidência de nossa condição de perdição. A reversão dessa situação foi operada por Cristo, mediante o poder do Espírito, e o início dessa obra nos fez em primeiro lugar, nos humilhar diante do Altíssimo, reconhecendo que éramos totalmente incapazes de receber seu favor redentivo.
Desse ponto em diante de nossa história, fomos testemunhas da gloriosa mudança realizadas em nós: a libertação que nos garante o Reino, foi operada pelo Messias enviado da parte do Pai e do Espírito.
Conclusão
Julgando que poderia usufruir de migalhas, surpreende-nos Cristo, demonstrando tanto àquela mulher quanto à nós, que o Reino de Deus consiste na concessão abundante de graça, à todos quanto foram destinados à vida, reconhecendo humildemente a dádiva da redenção.
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