Mateus 16.1-12

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 4 views

O autor divino/humano adverte seu público quanto ao perigo da incredulidade como ameaça à compreensão da identidade de Cristo como o Messias.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Observando a dinâmica apresentada pelo autor do texto, ao longo desta quinta seção do Evangelho, é perceptível que além de uma ênfase no reconhecimento da identidade messiânica, mediante a fé, que anexa o indivíduo ao Reino, o redator constrói uma relação dual entre crentes e incrédulos em relação a Cristo Jesus, aplicando princípios que nortearão a igreja frente à incumbência de testemunhar do Evangelho.
Por exemplo, o capítulo 14 é aberto com uma menção a falsa compreensão de Herodes quanto a quem é o Messias (cf. 14.1-12), confundindo-o com João Batista, embora tal confusão tenha ocorrido através de Herodias, sua esposa, exposta por Mateus como sendo instrumento da operação do erro e engano no coração do monarca, exemplificando o que ocorre com aqueles que não são chamados à graça.
Na sequência, o redator exibe o princípio de que essa fé somente é gerada no coração do eleito, mediante a compreensão deste quanto a Cristo ser o alimento espiritual que nutre o povo de Deus com tal fé; isso é exibido através da primeira multiplicação dos pães e peixes, que está diretamente ligada também, ao episódio em que o Senhor caminha por sobre as águas, impressionando seus discípulos, que, embora tenham tido uma dificuldade inicial de reconhecê-lo como poderoso para realizar ambos os milagres (multiplicar pães e peixes referenciando o que ele é (cf. Mt 14.15 - 15.33) e andar sobre o mar, como prova de seu controle sobre a criação (cf. Mt 14.31)), ao final creram nEle (cf. Mt 14.33).
No capítulo 15, as narrativas exibiram um forte contraste entre a resistência arrogante dos fariseus e a humilde fé da mulher siro-fenícia (cf. Mt 15.1-27), que já exibe aquele princípio antes comentado, que fomenta o ambiente distintivo para apresentação da dificuldade natural do coração humano em (não tendo sido iluminado pela fé) não crer no Messias: Cristo Jesus.
Novamente, tal enredo é entremeado por um milagre que demonstra a instrumentalidade de Cristo como aio para a fé, sendo ele o sustentador da mesma, mediante a obra do Espírito Santo.
Finalmente, com esse arcabouço conceitual em mente, Mateus apresenta o capítulo 16 como preparação para o ponto alto dessa seção (i.e. o momento da transfiguração (cf.. Mt 17.1-13)), notando a antítese credal da postura dos fariseus que, apesar de pedirem um sinal, demonstram eles mesmo que não possuem fé para compreender que a maior evidência da chegada do Reino estava diante deles (i.e. o próprio Cristo), em relação a confissão de Pedro, que clarifica assertivamente quem é Cristo: o Filho do Deus vivo (cf. Mateus 16.13-20).
Em face dessas considerações, a ideia central da seção de Mateus 16.1-12 evidencia a advertência contra a incredulidade.
Elucidação
A apresentação de um partido distinto que compõe a comitiva farisaica - especialmente tendo em vista que à luz das narrativas anteriores, foram os escribas que protagonizaram a richa contra Cristo ao lado dos fariseus -, traz consigo contornos que especificam a situação retratada.
A seita dos saduceus, por não crer na ressurreição e por rejeitarem o uso das tradições orais como sendo interpretações fidedignas das Escrituras do Antigo Testamento, ao aparecem ao lado dos fariseus (que acreditavam no oposto, sobre tudo em relação a tradição oral (cf. Mt 15.2)), geram uma enorme surpresa tanto para os presentes na ocasião, quanto para os leitores/ouvintes do texto afeitos à cultura judaica daquele tempo.
Naturalmente, ao pedirem um sinal vindo do céu a Cristo, este seria interpretado de maneiras completamente diferentes, se ambos os partidos fossem fiéis à seus próprios costumes e doutrinas. Porém, o realce do texto não gira tanto em torno da teologia crida por esses grupos, mas concentra-se no intento compartilhado por ambos de tentarem (cf. Mt 16.1) a Cristo.
A expressão usada por Mateus para retratar as intenções dos fariseus e saduceus é "πειράζω" (trans. gr. pêirazô), que significa "provar", seja com boa ou má intenção (MOUNCE, 2013, p.476). Evidentemente, observando-se o contexto da narrativa como um todo, a conclusão é de que o anelo do coração daqueles homens era expor Cristo como algum tipo de fraude ou embuste, no tocante ao que pregava e, principalmente, quanto a quem reclamava ser, e o caráter público de tal provocação só remete ao fato de que o ato de desmascará-lo buscava ter impacto sobre os demais espectadores.
Embora todo esse plano revoltoso seja exposto pelo redator, , sua concentração mais específica não é no debate em si, mas na apresentação da incredulidade dos fariseus, mediante a solicitação incoerente de pedir a Cristo que lhes conceda um sinal. Como seria possível pedir um sinal mais evidente da chegada do Reino e da redenção do povo de Deus, àquele que é a própria manifestação da graça do Pai em resgatar para si seus eleitos? Os fariseus e saduceus estavam pedindo um sinal ao próprio sinal, e para tornar essa incongruência ainda mais evidente, Cristo interpreta aquela situação à luz do texto de Jonas 3.4-5.
Jonas havia sido designado como mensageiro das Palavra do SENHOR aos habitantes de Nínive (cf. Jn1.2). Porém, sabendo que haveriam de se arrepender, e agindo com ciúmes e sentimento de vingança daquele povo, por ser cruel e ter se voltado contra Israel no passado, o profeta ingressa numa fuga da presença de Deus, trilhando um caminho estranho ao ordenado (cf. Jn 1.3).
Porém, mediante intervenção divina, Jonas é engolido por um grande peixe, e levado até seu destino, tendo ficado três dias e três noites no ventre do peixe (cf. Jn 1.17), e ao chegar, emite oráculo profético endereçado. A reação do povo surpreende o profeta:
Jonas 3.5–9 RA
Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum, e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor. Chegou esta notícia ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais, cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza. E fez-se proclamar e divulgar em Nínive: Por mandado do rei e seus grandes, nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem os levem ao pasto, nem bebam água; mas sejam cobertos de pano de saco, tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?
É exatamente esse o ponto de interseção entre o texto de Jonas e a narrativa do Evangelho: o profeta, tendo sido enviado da parte de Deus, esteve três dias e noites dentro do peixe, após isso, tendo testemunhado o Evangelho da salvação àquela cidade, o povo creu em Jonas, e se arrependeram, sendo salvos pelo SENHOR.
Os fariseus e saduceus, por outro lado, sabiam interpretar corretamente as estações variações no clima, predizendo até mesmo quando choveria. Entretanto, mesmo estando diante daquele que era maior do que Jonas, sendo o próprio Messias, que ficaria no “ventre da terra” por três dias e noites, testificando do plano redentivo arquitetado pela Trindade, sendo essa evidência seja tão grandiosa, muito mais do que Jonas e os ninivitas contemplaram, aquela geração não creria, pois seus corações estavam fechados ao Evangelho.
A tônica de Cristo é revelar a todos o quanto aqueles homens, dizendo-se sábios e versados nas Escrituras do Antigo Testamento, eram ignorantes ao ponto de rejeitarem o cumprimento do plano redentivo, pedindo que Cristo lhes concedesse um sinal de que as Escrituras estavam realmente sendo cumpridas.
Após ter exposto esse diálogo, Mateus anexa a essa narrativa um apêndice, em que clarifica o ponto, mediante o princípio oposto. Agora, Cristo dirige-se aos discípulos advertindo-os contra sua preocupação em relação à falta de pão:
Mateus 16.5–6 RA
Ora, tendo os discípulos passado para o outro lado, esqueceram-se de levar pão. E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus.
A fala de Cristo, não é compreendida pelos discípulo, que a interpretaram literalmente. Contudo, através da própria correção feita pelo Senhor, a ideia da advertência era de que os agentes do Reino não deveriam preocupar-se com o alimento físico, já que estavam diante daquele que poderia resolver o problema da alma. Por duas vezes, Jesus havia demonstrado que ele era o Pão da Vida (cf. Mt 14.13-21; 15.32-39): aquele que supre a maior necessidade do homem.
Assim, o aviso de Cristo direcionava a atenção dos discípulos a não duvidarem de que dispunham do que era realmente necessário ao homem, rejeitando ou não crendo em quem o Senhor Jesus de fato era; se isso lhes passasse despercebido, teriam sido contaminados com o “fermento dos fariseus” (cf. .v 11).
Transição
A incredulidade daqueles homens os impediam de ver o óbvio, e assim, andavam errantes, distantes da graça do Criador, que fornece vida eterna e abundante através de seu Filho Bendito.
Essa mesma incredulidade, poderia se tornar uma ameaça à fé dos discípulos: ainda que jamais perderão a salvação, a relutância em reconhecer o Salvador é uma condição natural ao ser humano caído; e os resquícios dessa queda ainda se mantém nos corações dos eleitos, e assim, expostos ao contato com tais homens, sua fé em Cristo poderia ser substancialmente abalada, ao ponto de terem sua visão do Messias deturpada ou enfraquecida, gerando prejuízos à saúde espiritual dos agentes do Reino.
Tal advertência, enfatizada e intensificada por Mateus, é endereçada à igreja, a fim de que cada discípulo de Cristo mantenha-se vigilante, para que não contamine-se com o fermento da incredulidade, que na ocasião foi representada pelo legalismo dos fariseus e saduceus, mas que para os leitores/ouvintes do texto (do passado, presente e futuro), pode aparecer através de qualquer modo de pensamento que perverta a compreensão do crente quanto a quem é o SENHOR e o que ele requer de nós enquanto agentes de seu Reino.
Mediante as conclusões dos princípios extraídos do texto, as aplicações endereçadas as igreja podem ser sintetizadas a partir dos seguintes pontos:
Aplicações
1. A incredulidade é uma poderosa ferramenta divina na manutenção dos réprobos no erro.
Já vimos o exemplo de Herodes, que teve sua compreensão do Messias obstruída, a partir da atuação rebelde de Herodias contra o emissário do Reino: João, o batista. É mister que notemos que isso não indica que não havia maldade suficiente no coração de Herodes ao ponto de o impedir de chegar à fé e a Cristo, e sim que, naquela situação, o meio usado para demonstrar a distância daquele homem do Reino foi a confusão quanto a identidade do Messias.
Agora, vemos os fariseus e saduceus presos às armadilhas do coração enganoso dos homens, que não pode ver o óbvio: o grande sinal enviado do céu que demonstrava o clímax da história da redenção, estava bem diante deles, mas não podiam ver, porque preferiam destilar sua maldade e rebeldia contra Deus e seu Ungido.
A dinâmica do Reino não coloca os incrédulos numa posição neutra em relação à fé: ou se crê em Cristo mediante a fé concedida pelo Espírito, ou já se vive num estado de incredulidade e perdição. A descrença é uma publicação de condenação, pois nada mais resta, senão que o incrédulo caia no abismo onde permanecerá por toda a eternidade.
Assim, Mateus demonstra que a incredulidade é tanto uma ferramenta divina na execução de seus propósitos, quanto um ardil melindre da natureza caída dos homens, em sua birra contra o Criador.
O que nos leva ao segundo ponto.
2. Embora nossa salvação seja algo irremovível, a incredulidade dos que nos cercam pode enfraquecer nossa fé, ao ponto de não contemplarmos a Cristo como deveríamos.
O ponto central da passagem é o aviso que Cristo deixa aos seus agentes: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus” (v.12). Isso demonstra que a fé, apesar de transformar irreversivelmente o homem, dando-lhe o Reino dos céus, pode ser afetada drasticamente por uma influência incrédula.
Não somos incentivados a nutrir qualquer tipo de preconceito ou sentimento elitista contra os ímpios, pensando que somos muito superiores a eles; deve haver misericórdia em nossos corações, aliado ao dever de testemunhar de Cristo aos perdidos, para que os eleitos sejam trazidos a Deus.
A questão é que para além dessa nossa incumbência de pregar o Evangelho, a relação com os ímpios deve ser cautelosa: ao nos aproximarmos daqueles que não creem em Cristo, precisamos entender que seu modo de vida e cosmovisão não devem ser copiados, e isso é algo muito difícil de resistir, pois o pensamento mundano expressa a condição de queda à qual estávamos todos nivelados.
A incredulidade dos fariseus e saduceus poderia enredar os discípulos, assim como o modo de vida mundano dos ímpios em Roma poderia levar os crentes ao erro, da mesma forma que a sociedade corrupta e depravada do nosso tempo, nos pode influenciar para o mal. Ou seja, o crente vive num contexto em que precisa evitar que os incrédulos o contamine com seus modos de pensar reprováveis.
Se não nos precavermos contra essa influência, nossa fé será abalada, e a gloriosa visão que temos de Cristo Jesus como nosso Redentor e Rei poderá ser comprometida, nos fazendo viver “subnutridos” espiritualmente.
Conclusão
Se colocarmos um fruto podre próximo dos que estão bons, os demais apodrecerão. Ocorre com o crente algo semelhante: já vivemos num mundo apodrecido pela incredulidade e pelo pecado; cabe-nos resistir à degeneração que vemos se alastrar por toda parte, cultivando nossa fé em Cristo, que nos libertou, concedendo-nos a fé para a salvação.
Related Media
See more
Related Sermons
See more