Obedecer é melhor que sacrificar
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Introdução
Introdução
Hoje, no Brasil, existem cerca de 60 milhões de evangélicos professos. Quando refletimos sobre esse número, começamos a ter noção do número expressivo de pessoas que têm se direcionado às mais diversas igrejas para “cultuar” a Deus, no mesmo dia e no mesmo horário. Para os olhos humanos e imaturos, pensar nisso chega a ser animador, entretanto, para os olhos divinos, isso não é tão “preto no branco” quanto parece. O que tem levado esse número tão expressivo de pessoas a se direcionarem para as igrejas?
No caso da nossa igreja, você tem se deslocado de sua casa para ela todas as quartas-feiras, sábados e domingos. Você pode ter 5, 10, 15, 20 anos ou mais de vida em igreja, seguindo a mesma programação e a mesma liturgia. O que tem trazido você para cá todos esses anos? O que te trouxe para cá hoje?
O fato é que, geralmente, tendemos a transformar o momento de culto da assembleia de santos em um evento de nossas agendas, no qual estamos comprometidos em cumprir de forma exaustiva com o objetivo de nos engrandecer ou mesmo ter o senso de pertencimento a uma comunidade.
Contexto geral do texto
Contexto geral do texto
O contexto da nossa passagem não é muito diferente. Porém, primeiramente, para fins de melhor compreensão do texto, precisamos entender o contexto em que ele foi escrito.
Isaías, o autor do livro, era, segundo a tradição judaica, em algum grau ligado à nobreza de Judá, sendo cogitado até que fosse primo do rei Uzias de Judá, nos tempos do qual também profetizou, o que além das revelações obtidas, lhe proporcionava uma percepção mais apurada da realidade vivida pelas esferas de suas sociedade. Ele era contemporâneo de Oseias (reino do Norte) e Miqueias (reino do sul), sendo que enquanto este último teve seu ministério voltado para os mais humildes, Isaías teve o seu ministério profético voltado para a classe mais nobre.
Dois temas principais permeiam o livro de Isaías: juízo inevitável e restauração futura. Os capítulos de 1 a 5 do livro, apesar de não sabermos ao certo em que momento cronológico da vida de Isaías estão localizados, fazem uma introdução ao contexto de juízo inevitável em que Isaías identifica a situação espiritual do povo, que abandonou a Deus, associada às profecias de juízo da parte de Santo de Israel.
Contexto imediato do texto
Contexto imediato do texto
Nesse sentido de juízo, Isaías inicia o livro em um ambiente de tribunal onde os céus e a terra, as testemunhas tomadas por Moisés em Deuteronômio 30.19-20, são convocados para testemunhas contra o povo com quem Deus havia firmado sua Aliança.
Deuteronômio 30.19-20 (RA)
Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência,
Depois de levantar suas testemunhas/juri, Deus inicia as acusações contra o povo:
Se tornaram um povo cheio de pecado, maldade, corrupção e opressão;
Abandonaram o seu Senhor, de modo a serem piores do que animais irracionais que conhecem aquele a quem pertencem e dependem;
Blasfemaram do Santo de Israel e regrediram em sua vida de amor e obediência ao seu Senhor.
Em suma, o povo de Deus escolheu o caminho de apostasia e morte. A consequência, é o juízo inevitável profetizado nos versículos de Is 1.5-9 e que nos desenha uma terra enferma, assolada e sitiada por seus inimigos, de modo que, se não fosse a misericórdia do Senhor dos Exércitos, seriam como Sodoma e Gomorra.
Divisão do texto
Divisão do texto
Isaías 1.10 - Um chamado que ofende e confronta
Isaías 1.11-12 - A religião desnecesária e sem valor
Isaías 1.13-15 - A religião impura e maculada
Isaías 1.16-17 - A religião pura e imaculada
Um chamado que ofende e confronta (Is 1.10)
Um chamado que ofende e confronta (Is 1.10)
É, então, nesse contexto que iniciamos o nosso texto. Se até então, o chamado a “ouvir” havia sido direcionado aos céus e terra como testemunhas, agora o chamado é direcionado ao povo de Judá e seus líderes. Isaías inicia seu vocativo referindo-se a eles como “príncipes de Sodoma” e “povo de Gomorra”. A pergunta que podemos fazer ao texto é a segunite:
“Isaías acabara de dizer que eles não eram como Sodoma e Gomorra devido à misericórdia de Deus.” Por que, então, diz agora que eles são Sodoma e Gomorra?”
A resposta simples é que eles não eram como Sodoma e Gomorra no que diz respeito à sua rápida destruição, mas que eram exatamente a eles no que diz respeito a pecado. Não fosse a misericórdia de Deus, já teriam sido subitamente destrídos.
Talvez não houvesse ofensa maior do que essa, principalmente, quando direcionada aos nobres de Judá (governantes, sacerdotes, comerciantes, etc.), mas Isaías diz que é exatamente o que eles são! É um chamado altamente ofensivo, mas também confrontador quanto ao que o povo de Deus havia se tornado. Isaías despe Judá de sua pompa de santidade e mostra que eles não eram muito mais que Sodoma e Gomorra. Entretanto, a segunda pergunta que podemos fazer ao texto é:
“Afinal, quais os pecados de Sodoma e Gomorra? E qual a relação do povo de Deus com esses pecados?”
É fácil lembrar da imoralidade sexual associada a Sodoma e Gomorra, principalmente, quando relembramos do episódio exatamente anterior à sua destruição em Gn 19 (quanto à tentativa de estupro dos dois anjos que visitavam Ló). Porém, o profeta Ezequiel, vai mais a fundo e nos ajuda a entender o pecado desse povo:
Ezequiel 16.49–50 (RA)
Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado. Foram arrogantes e fizeram abominações diante de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali.
É exatamente o contexto pecaminoso em que o povo de Deus se encontrava! Os líderes civis e religiosos haviam se associado às classes mais ricas para explorar a população rural que se dirigia a Jerusalém em busca de oportunidades. Nessa trama, exploravam e oprimiam os pobres, roubavam suas terras e heranças, savam sentenças por suborno, ensinavam por interesse e advinhavam por dinheiro (Isaías 5.8, Miqueias 2.1-2 e Miqueias 3.11). Eram hipócritas que trilharam o caminho de Sodoma e Gomorra, culminando em suas perversidades e imoralidades sexuais.
O povo de Deus não era “como” Sodoma e Gomorra, eles haviam se tornado exatamente Sodoma e Gormorra! Agora, são chamados a ourvir, da mesma forma que outrora Moisés chamou o povo a ouvir os mandamentos de Deus (Shemá), a palavra, ou instrução (debar, do hebraico) e a lei (torá, do hebraico), num sentido mais amplo de instrução do Senhor, mas também remetendo a lei mosaica, que poderia ser resumida em amar a Deus, sobre todas as coisas, e ao próximo, como a si mesmo, exatamente o que o povo não estava obedecendo.
A religião desnecessária e sem valor (Is 1.11-12)
A religião desnecessária e sem valor (Is 1.11-12)
Não bastasse a apostasia e perversidade que viviam, faziam isso mantendo toda a pompa religiosa. É então que Deus inicia suas acusações com um questionamento interessante:
“Afinal, para que eu quero a multidão dos seus sacrifícios?”
O termo “multidão” (rob, do hebraico) remete tanto a abundância, quanto a riqueza, o que nos é confirmado na sequência do v.11. Existiam alguns animais previstos em Lv 1 para utilização nos sacrifícios: bois, carneiros, bodes, cordeiros e, por fim, para aqueles que eram mais pobres e não tinham como oferecer esses animais em sacrifício, poderiam ser sacrificadas aves como rolas e pombinhos. É exatamente o fato de Isaías ocultar esse último tipo de sacrifício, previsto para os mais pobres, que confirma a ideia de que os sacrifícios realizados eram ricos e em gande quantidade.
O povo vivia em apostasia e perversidade, sendo que, em conjunto com isso, se sentiam seguros e protegidos por Deus pelo fato de oferecerem muitos sacrifícios de alto valor, como quem entrega algo de alto valor a alguém e recebe algo em troca. O que o povo não havia compreendido, ou havia esquecido, é que os sacrifícios, por mais valiosos que fossem aos olhos humanos, de nada valiam para Deus. Os sacrifícios eram uma forma que Deus havia prescrito para guiar seu povo ao arrependimento, santificando-o e aproximando-o dEle. Não havia benefício nenhum para Deus nos sacrifícios; os benefícios eram exclusivamente para seu povo! É justamente pelo fato de o povo achar que poderia continuar vivendo em impiedade, desde que oferecessem muitos sacrifícios de alto valor humano, que Deus declara que já está farto disso, como alguém que já está prestes a vomitar, alguém que já não aguenta mais.
O que Deus está declarando é que o povo estava vivendo uma religião desnecessária e sem valor algum, ao ponto de que, no v.12, Ele declara que o que eles estavam fazendo não era mais do que transformar os seus átrios em um mero curral, onde seus animais “pisavam” os seus átrios. Essa é a ideia do verbo “pisar” nessa passagem: patas que pisoteavam os átrios do Templo de Deus. Estavam transformando o lugar onde deveriam comparecer diante da autoridade de Deus, em arrependimento e reverência, em um mero curral pisoteado por seus animais.
A religião impura e maculada (Is 1.13-15)
A religião impura e maculada (Is 1.13-15)
Eles deveriam parar com esses sacrifícios, pois estavam ofertando algo inútil, sem valor algum, justamente pelo fato de que, aquilo que encontraria seu valor em purificá-los e limpá-los diante de Deus, estava tornando eles mais impuros e manchados pelo pecado!
É exatamente isso que Deus declara na sequência (v.13). Ele diz que todas as solenidades do seu povo haviam se tornado “abominação” para Ele. Isso era algo terrível! A palavra usada aqui, no original hebraico, é toebah, a mesma palavra utilizada em Lv 18.22 quanto às práticas homossexuais, algo que causa horror e repulsa aos olhos de Deus.
Aquilo que deveria cultuar a Deus, que deveria chegar a Ele com aroma agradável, havia se tornado algo abominável, horroroso e repulsivo, ao ponto de declarar não suportar mais as injustiças e maus comportamentos (“iniquidade”) associadas ao culto.
Deus chega ao ápice, no v.14, quando declara que não suporta mais o culto de seu povo, ao ponto de aborrece-lo, ou melhor traduzindo, ao ponto de odiá-lo do fundo de sua alma! São motivo de tristeza para Ele (“me são pesadas”), ao ponto de desistir de continuar se entristecendo (“estou cansado”).
No versículo 15, Deus mostra como desistiu de sofrer as tristeza associadas a iniquidade do seu povo: deixaria de lado o relacionamento com ele. Quando se direcionavam a Ele em oração, jogavam suas orações ao vento, porque Ele “escondia os olhos” deles e de suas súplicas. Quando multiplicavam diante dEle as suas orações e clamores, Ele não as ouvia por que o sangue em suas mãos, o sangue daqueles que eles oprimiam ou que se abstinham de socorrer, clamava mais alto. Ao levantarem suas mãos em clamor, o sangue dos oprimidos que estava nelas e clamava mais alto aos ouvidos de Deus.
A religião pura e imaculada (Is 1.16-17)
A religião pura e imaculada (Is 1.16-17)
É então que Deus inicia uma série de mandamentos com o objetivo de reverter esse quadro terrível. Primeiramente, deveriam cessar de fazer o mal (v.16), ou seja, deveriam pôr um fim absoluto (“sem volta”) a todas as suas práticas inúteis e pecaminosas ao:
“Lavar-se”: O termo aqui é rahasu, mesmo termo utilizado em Êxodo 30.17-21, quanto às ordenanças feitas por Deus a Arão e seus filhos para que lavassem as mão e pés antes de entrarem na presença de Deus e antes de ministrar os sacrifícios, para que não morressem. Antes de tudo, deveriam lavar os seus corpos, arrependendo-se e livrando-se de qualquer influência mundana e pecaminosa, olhando menos para o mundo e mais para Deus. Só assim, poderiam seguir nas próximas ordenanças.
“Purificar-se”: O termo aqui é hizzakku, que denota uma purificação moral. Após deixarem de lado toda e qualquer influência mundana e pecaminosa, deveriam livrar-se da culpa de todos os males que haviam cometido, em pureza de consciência.
“Tirar a maldade dos atos”: Para isso, deveriam remover a maldade de seus atos, deixando para trás todas suas práticas pecaminosas, no que diz respeito aos seus relacionamentos com Deus e com os homens.
O que Deus ordena a eles no versículo 16 é que deveriam despir-se do velho homem, da velha natureza. Entretanto, não deviam parar por aí, agora, deveriam vestir-se do novo homem aprendendo a fazer o bem (v.17) ao:
“Atender à justiça”: Após haverem se lavado, se livrando da influência do mundo, deveriam “atender à justiça”. O termo “atender” tem aqui o sentido de “buscar cuidadosamente”, enquanto o termo “justiça” tem o seguinte sentido:
“a qualidade de ser livre de favoritismo, egoísmo, preconceito ou engano; especialmente em conformidade com padrões estabelecidos ou regras.”
A ordenança de Deus aqui trata da busca diligente por viver em conformidade com seus caminhos e preceitos.
“Repreender o opressor”: Após purificarem suas consciências da culpa, estariam prontos para repreender aqueles que vivem nas práticas em que outrora viviam.
“Defender o direito…, pleitear a causa...”: Por fim, não bastava deixarem de praticar o mal contra aqueles mais vulneráveis, Deus não os exorta a viverem em passividade em meio a um mundo caído, pelo contrário, deveriam agora advogar em prol daqueles que outrora oprimiam. Não basta apenas deixar de oprimir, mas é necessário lutar pelos vulneráveis e oprimidos, até mesmo revertendo o mal que outrora fora feito.
Em suma, o que Deus ordena nos v. 16 e 17 é que o povo viva a religião pura e sem mácula referida na epístola de Tiago:
Tiago 1.27 (RA)
A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.
Trata-se de um breve resumo daquilo que vimos até então: visitar, ou cuidar (prestar socorro) às necessidade daqueles mais vulneráveis em suas tribulações e guardar-se limpo e puro de toda a influência do mundo rebelde contra Deus. É nisso que qualquer culto que pretemos a Deus se torna agradável a Ele.
Conclusão e Aplicações
Conclusão e Aplicações
O relacionamento “vertical” do povo com Deus deveria ser limpo e puro da influência do mundo e isso deveria ser refletir em um relacionamento “horizontal” de amor ao próximo. O povo de Israel estava falhando em ambos e vivendo um mero ativismo, uma religião desnecessária (Deus não havia requisitado nada do que estavam vivendo) e sem valor (inútil), um religião impura e cheia das manchas do mundanismo.
O questionamento que faço nessa noite é: como está seu relacionamento com Deus e com o próximo? Para os que julguem estar vivendo a religião pura e sem mácula, digo que persevere; além disso, jamais caia na tentação de julgar ser por seus próprios méritos, pois no dia em que esses pensamentos vierem ao seu coração, será a prova contrária ao seu julgamento. Toda e qualquer vida de santidade que tenhamos é graças a Deus, que através da obra de nosso Senhor Jesus, nos salvou, nos limpou do mundanismo e purificou nossas consciências, nos entregando o Espírito Santo para que vivamos em boas obras.
Para os demais, aqueles que há muito tempo:
Têm vindo à igreja como um evento em sua agenda, onde encontra amigos e se diverte;
O louvor se tornou mero canto;
As elevadas ofertas se tornaram motivo orgulho e autocompensação;
O ensino, formal ou informal, se tornou uma ferramenta de soberba e alimentação do ego;
As mentes vagam pelos mais diversos anseios do mundo, enquanto a palavra de Deus é aqui ministrada;
Têm vivido alheios às necessidade do próximo.
Saiba, você não é muito menos abominável, aos olhos de Deus, do que Sodoma e Gomorra, na verdade, você tem vivido como Sodoma e Gomorra. Pode até não viver nas práticas imorais, mas é questão de tempo até você se render a elas. Saiba que você tem vivido algo sem sentido e inútil, algo que Deus abomina e odeia do fundo de Sua Alma. Hoje, não amanhã, hoje é o dia de você se limpar através do arrependimiento; confiar no perdão que encontra através da obra de Cristo e purificar sua consciência; de modo que, daqui por diante, o relacionamento limpo e puro para com Deus traga frutos de boas obras para com o seu próximo, a começar, pelos seus irmãos! Só assim, você viverá uma religião pura e imaculada diante de Deus.