Mateus 16.21-28

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Segundo visto, a confissão de Pedro e dos demais discípulos foi usada por Mateus com o intuito de explicitar a convicção que está presente na mente de todo aquele que crê no Senhor Jesus Cristo, como o Messias enviado da parte do Pai para redimir os pecados de seu povo, e conduzi-lo à salvação. Essa expressão de fé também circunscreve o credo da igreja, que liga todos os crentes à uma mesma mentalidade, e esta é a evidência de seu vínculo ao Reino dos céus e o sustentáculo da igreja ao longo dos séculos.
Após essas considerações o apóstolo clarifica por meio da própria narrativa, as implicações oriundas dessa fé e confissão de que Cristo é o Filho do Deus vivo. A introdução da seção registra um ponto de virada presente na maioria dos evangelhos: o anúncio de Cristo de que lhe era necessário sofrer, ser morto e ressuscitado após três dias. A apresentação da obra redentiva, mais especificamente por meio do sacrifício e glorificação do Filho de Deus, é uma temática que faz a convergência das narrativas evangélicas para o ponto crítico da expiação mediante sacrifício do Redentor, embora cada um dos quatro evangelistas tenha dado ênfases diferentes, e portanto, selecionado trechos específicos dos acontecimentos gerais, a fim de exortar seus leitores de acordo com suas intenções e demandas próprias.
No caso de Mateus, o estabelecimento do Reino é o foco geral do Evangelho, e assim, tal temática é trazida sempre à baila do discurso como base para a estrutura de seu texto, como já foi destacado, e esse tópico, nesta seção, é apresentado mediante dois pontos: 1) a contradição de Pedro (vs. 21-23); e 2) a "via crucis" como paradigma para demonstração da fé verdadeira.
Diante dessas informações, o texto de Mateus 16.21-28 nos apresenta como ideia central a jornada messiânica como evidencia da fé genuína e do discipulado cristão.
Elucidação
O conectivo feito pelo autor entre as seções, junge as implicações de ambas as passagens sob um mesmo prisma perspectivo: se antes a confissão de Pedro e dos demais discípulos demonstrou a convicção de uma fé genuína depositada em Cristo Jesus, o Filho do Deus vivo, sendo esta síntese a pedra que sustentará a igreja, fazendo-a prevalecer contra o inferno e as perseguições do mundo caído, agora o autor demonstra as implicações da possessão de tal fé, isto é, ser, pela fé, alicerçado no Messias, direciona o discípulo/agente do Reino não somente à uma compreensão acurada sobre a obra redentiva, mas o capacita a testificar dessa fé através da carreira proposta para todo crente.
Num primeiro momento, tal como exposto, um diálogo é iniciado por Cristo com seus discípulos, em que é revelado que lhe importava que ser encaminhado à sua saga expiatória por meio de sofrimento, morte e ressurreição (cf. v.21). Entretanto, mediante a divulgação de tal informação, ironicamente, o mesmo apóstolo que havia encabeçado a reação de resposta à pergunta do Senhor Jesus quanto a quem eles diziam ser o Cristo, se coloca como opositor ao plano salvador:
Mateus 16.22 RA
E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá.
O mesmo apóstolo que recebera da parte do Pai a revelação quanto a quem era seu Filho (cf. v.17), tendo declarado a confissão de fé que era a pedra sobre a qual Cristo edificaria sua igreja, agora se coloca ele mesmo como uma pedra, porém não de edificação, mas de tropeço:
Mateus 16.23 RA
Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.
Nitidamente, Cristo usa a palavra "pedra" como um trocadilho, levando em consideração o contexto anterior. Embora Pedro tenha recebido a grande revelação que vinculava ele e os demais discípulos ao corpo da fé que está ligado ao próprio Cristo, seu cabeça, parece que ele não havia entendido que, para que esse alicerce fosse devidamente lançado e estabelecido, a obra messiânica deveria ser completada, o que significaria que o sacrifício contra o qual ele se opunha, era parte fundamental do processo salvífico.
Além de repreender o discípulo, mostrando-lhe que a necessidade da qual falara era urgente ao programa redentor, Cristo ensina aos discípulos que possuir a fé salvadora os encaminhará ao testemunho que deverão prestar perante o mundo, seguindo o Mestre ao longo da "via crucis" que reserva sofrimento temporário, eclipsado por glória eterna: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome sua cruz e siga-me" (v.24), e reforçando essa tese, o Senhor usa uma metáfora, seguida por uma promessa:
Mateus 16.25–27 RA
Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.
O encorajamento anterior, de que "as portas do inferno não prevaleceriam contra a igreja" (v.18) reforça a indestrutibilidade da igreja, não sua própria força, mas por causa de seu alicerce seguro e inabalável: Cristo crido por meio da fé. Essa promessa é retomada e enfatizada por meio de uma "apólice" concedida a todo agente do Reino: sob o fogo da perseguição, muitos poderiam supor que o preço a ser pago pela vida eterna era alto demais, afinal, estavam de fato perdendo tudo: bens, família, riqueza, até mesmo suas vidas em prol do testemunho do Evangelho. Porém, enquanto o mundo poderia enxergar nisso perda ou prejuízo, Cristo assegura a seus discípulos que não pode haver maior lucro do que entregar sua vida em favor do Reino, e assim a metáfora antitética proporciona um vislumbre da dinâmica abençoadora do Reino de Deus: entregar a vida por Jesus, como testemunho de fé, sofrendo e padecendo perseguições, era um sacrifício que seria recompensado com vida eterna e abundante.
Ligado a esse argumento, o julgamento referido na continuação da fala do Senhor, não proporciona a compreensão de que a salvação será obtida mediante boas obras, o que inclusive iria contra os ensinos expostos anteriormente, que declaram exatamente o contrário: que as obras humanas não podem fazer com que alguém desfrute da salvação.
Transição
Assim, a palavra do Senhor não é uma advertência, mas uma promessa: os que aqui sofrem para sustentar a confissão de fé que aponta Cristo como o Filho de Deus, comparecerão diante do julgamento, não como reús, mas como testemunhas fiéis que foram instrumentos da expansão do Evangelho e da glória do Deus Triuno no mundo, recebendo a retribuição de seu esforço, com as dádivas do Reino, e a prova disso é de que alguns dos próprios discípulos que estavam ouvindo aquelas palavras, não morreriam sem ver um vislumbre do que ocorrerá no retorno glorioso do Filho do Homem (v. 28).
Essa menção é uma referência dupla, que aponta tanto para o momento da ressurreição, testemunhado pelos discípulos, quanto para aqueles que de fato não morrerão e verão a glória da segunda vinda do Rei (2Ts 4.17).
Considerando todas essas observações, as aplicações feitas pelo autor divino/humano, direcionada ao seu público (a igreja ao longo de todos os tempos), podem ser observadas a partir do seguinte ponto:
Aplicação
Uma genuína confissão de fé, nos impulsionará a tomar nossa cruz e seguir a Cristo, ou seja, testemunhar com nossas vidas o Evangelho.
A conexão da passagem com o contexto anterior, em que uma confissão de fé é exposta como marca dos que verdadeiramente receberam a Cristo como Senhor, implica na evidência de tal confissão por meio de um testemunho franco e claro que, em primeiro lugar, ao invés de se opor ao Reino por algum tipo de "extinto de preservação" (e.g. "tem compaixão de ti mesmo, Senhor; isso de modo algum te acontecerá"(v.22)), o recebe e divulga, e em segundo, através da aceitação de que a fé nos leva ter, a aceita as agruras messiânicas como marca da nova vida que recebemos (receberemos) em Cristo.
Como comenta James M. Hamilton:
O sofrimento do Messias e do povo do Messias é, às vezes, referido como as angústias messiânicas. Se você é crente em Jesus, você é a noiva e corpo de Cristo, faz parte da família de Deus, é templo do Espírito Santo, e - por mais surpreendente que lhe pareça - a sua vida será difícil, e não fácil, você não evitará as angústias messiânicas. Se foi necessário, primeiro, que o Messias sofresse para, então, entrar em sua glória (Lucas 24.26), é necessário que a igreja passe por muitas tribulações para, então, entrar no Reino de Deus (Atos 14.22) (HAMILTON, 2016, p. 112).
Assim como já mostrando ao longo de seções anteriores (e.g. Mt 8.18-22), o testemunho cristão consiste em sofrimento, seguido por glória. Essa confissão com a própria vida, é usada por Mateus, não como um aviso pessimista aos cristãos do primeiro século (e a nós) de que padeceriam muito, e sim, que as dores e agonias que passamos nessa vida por causa do Evangelho, fazem parte da fé que professamos.
Isso nos leva à uma abnegação que reconhece o centro do Reino não somos nós, mas Cristo; Aquele que primeiro não olhou para si mesmo, abrindo mão sua glória, para que o Reino fosse estabelecido através de si. Esse é o caminho que somos convidados e atraídos pelo Espírito à trilhar: uma jornada de testemunho e abnegação, que faz brilhar a glória do Deus Triuno, e não a nossa.
Conclusão
Nossa fé deve nos levar à uma profunda convicção quanto a quem é Cristo, mas também à uma intensa vontade de suportar as dores do conflito de termos confessado o senhorio do Deus Triuno sobre toda criação, sabendo que a recompensa estará nos aguardando no Reino vindouro… reino que durará para sempre.
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