Mateus 17.1-13
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
0 ratings
· 31 viewsO autor usa o relato da transfiguração de Cristo como base para sua exortação e encorajamento para que a igreja mantenha-se firme em sua jornada, sabendo que tal como o Senhor Jesus, será glorificada.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Considerando que a temática abordada nesta seção do evangelho exibe a fé como instrumento para compreensão e recepção do Reino através do Messias, e que a cada subseção Mateus detalha as realidades e princípios concernentes a essa fé, o redator atinge o ponto alto da seção, em que a identidade de Cristo é (momentaneamente) revelada em sua totalidade.
A visão da transfiguração, acompanhada por sinais que atestam que Cristo é verdadeiramente o Filho do Homem, isto é, o cumprimento do Antigo Testamento e auge da obra redentora, antecipa a realidade inevitável a ser contemplada por todos.
Essa grandiosa visão comprova e ratifica a fé dos discípulos: após ter mencionado que era necessário sofrer nas mãos dos fariseus e principais sacerdotes (cf. 16.21), embora tenha adiantado que ressuscitaria, o Senhor concede a seus agentes a prova de que precisavam para saber que a humilhação e martírio do Messias não seria a conclusão da história, mas apenas um caminho que o conduzia à sua glória, e da mesma forma que aos agentes do Reino é necessário tomar sua cruz e seguir o Messias pelo caminho doloroso, a glorificação seria o ponto final da trajetória da igreja, posta ao lado do Rei para governar no Reino do céu.
A glória final do Senhor Jesus observada no monte em que se transfigura, tanto depõe sobre sua divindade e majestade, quanto assegura aos discípulos que o percurso que estão fazendo não os levará à ruína e a derrota, como julgavam aqueles que os perseguiam, mas, ao exibir sua glória como quem de fato é (i.e. o Filho de Deus (cf. v. 5)), está levando seus agentes a verem também como serão.
Assim, a passagem em questão alude à tese do autor sob a seguinte ênfase: a transfiguração messiânica como demonstrativo da realidade final do Reino dos céus.
Elucidação
A passagem foi cuidadosamente estruturada a fim de expor aos leitores/ouvintes do texto, alguns elementos fundamentais na composição da identidade messiânica. Embora as seções anteriores tenham registrado afirmações e assertivas diretas e claras sobre quem é Cristo, a transfiguração reúne aqueles sinais e provas, estruturando uma imagem do Messias. O interesse do autor em narrar esse episódio é fazer com que seus leitores tenham uma sensação semelhante a que Pedro, Tiago e João tiveram ao verem o Senhor Jesus transfigurado.
A narrativa dos detalhes que descrevem a forma do Cristo glorificado reforça essa perspectiva. Após ter subido ao monte levando consigo apenas três de seus discípulos, o autor narra que o Senhor: "foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" ( Mt 17.2). Essa transformação não deve ser compreendida como uma transmutação, isto é, Cristo não estava transformando-se em algo ou alguém que não era, mas revelando seu estado permanente de glorificação.
Como dito, essa imagem reforça o caráter evangélico (no sentido de ser uma promessa que contém boas novas de salvação) da jornada cristã. A particularidade da visão, seguida pela exortação de que a ninguém revelassem o que viram (v. 9), aponta para a intenção do Senhor de que somente seus discípulos tivessem acesso a essa esperança.
Outra peça no mosaico conceitual montado por Mateus é a presença de dois personagens do Antigo Testamento: Moisés e Elias. Se levarmos em consideração outros usos e alusões a esses personagens nos evangelhos, encontraremos por exemplo o próprio Senhor Jesus projetando o arcabouço teológico que explica a representatividade de ambos. Na parábola do rico e do mendigo proposta por Cristo, ao ter o rico solicitado que Abraão enviasse mensageiros à casa de seu pai, a fim de que seus familiares fossem salvos, a resposta do patriarca foi: "Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos" (Lc 16.29). O binômio "Moisés e os Profetas" faria referência a Lei promulgada através de Moisés, e aos escritos deixados pelos emissários de Deus, que deveriam guiar o povo à obediência e fé no SENHOR e em sua salvação. No Evangelho de João, o nome de Moisés é usado como uma referência direta à Lei: "Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em mim, porquanto ele escreveu a meu respeito" (Jo 5.46).
Quanto a Elias, em contextos anteriores, o próprio Mateus registrou o uso desse personagem como uma possível representação da escola profética do Antigo Testamento: "E eles responderam: uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias "ou algum dos profetas"” (Mt 16.14), e o mesmo padrão aparece novamente em Lucas 1.17, numa citação da profecia sobre o Messias e seus papel profético:
E irá adiante do Senhor no espírito e poder de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado.
Essas observações sintetizam a compreensão de que a aparição de Elias e Moisés diante do Cristo glorificado, enfatizam o cumprimento das Escrituras do Antigo Testamento que narravam a vinda do Enviado do SENHOR.
Outro elemento visual que atesta essa realidade é a nuvem que envolve os expectadores:
Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi.
A nuvem (ou fumaça, em algumas passagens) no Antigo Testamento enfatizava a presença de Deus (Êx 20.21; 33.9; Nm 9.16; 10.34; 1Rs 8.11), e agora, essa mesma ideia é exposta pelo evento em que Cristo é transfigurado: a aparência gloriosa, a presença do representante da Lei e dos profetas (i.e. Moisés e Elias), e a nuvem do SENHOR que ecoa sua voz de destaque e confirmação da identidade messiânica, declaram aos presentes a prova cabal de que Aquele que estava diante deles era verdadeiramente o Cristo prometido por Deus nas Escrituras.
Porém, a sequência da narrativa complementa a exortação do autor ao registrar o evento. Um diálogo é iniciado entre Jesus e seus discípulos. Após a advertência solene de que guardassem para si a visão, nutrindo a esperança e certeza de um dia serem glorificados e se tornarem tais como o Senhor, os discípulos interrogam o mestre: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? (v.10). O questionamento dos discípulos expõe uma compreensão não totalmente cristalizada a respeito dos sinais precursores da vinda do Reino e do Salvador. No capítulo 11.7-19, a menção a João, o batista, como emissário do Messias, foi usada como base argumentativa para justificar a incredulidade dos que não tinham fé em Jesus, devido o legalismo daqueles:
Mas a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por suas obras.
Em 3.1-12, quando o próprio João Batista aparece, pregando a chegada do Reino, os discípulos ainda não haviam sido chamados para seguir o Senhor Jesus. Essa contextualização demonstra que aqueles homens ainda não tinha recebido um esclarecimento suficientemente claro, ao ponto de compreenderem a grandeza do que estavam testemunhando. Agora porém, lhes é concedido uma ideia ainda mais perene sobre a iminência do Reino e a glorificação do Messias (e consequentemente, da igreja): Segundo o texto de Malaquias, Elias (o representante dos profetas) deveria vir novamente como um precursor do Salvador:
Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor;
Para que a completude dos tempos chegasse, e o Dia do SENHOR ocorresse, um sinal inequívoco do envio do Messias deveria ser dado, e este sinal era a incontestável pregação do arrependimento e do Reino por meio de um emissário prévio. A resposta de Cristo aos discípulos enfatiza que, Malaquias não se referia a algum tipo de reencarnação do Elias que apareceu em tempos idos, mas sim, de que um profeta separado por Deus (no caso, o último, antes que viesse o maior de todos eles) deveria aparecer, padecendo nas mãos dos homens, como uma espécie de prévia da trajetória messiânica. Isso é compreendido a partir da própria comparação feita pelo Senhor Jesus entre si e o profeta (no caso, João Batista):
Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram; antes, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem há de padecer nas mãos deles. Então, os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista.
Transição
O princípio direcionado por Mateus a seus leitores/ouvintes, segundo já abordado, baseia-se na contemplação do Cristo glorificado como fonte de encorajamento para a igreja: vendo o Messias, em seu trajeto de sofrimento e glorificação, sendo ambas as fases, partes do plano grandioso estabelecido pelo Deus Triuno para salvação de seu povo, a igreja não deve recuar ou temer seus algozes e perseguidores, pois não poderão apagar o brilho da majestade refulgente do Senhor Jesus, quando retornar como o grande Rei de toda a terra.
Em face disso, algumas aplicações podem ser analisadas a partir do texto de Mateus 17.1-13. Quais sejam:
Aplicação
Complementando o que foi iniciado em 16.24-28, a caminhada proposta para cada crente, começará com sofrimento, mas terminará com a glorificação.
O cenário representativo estabelecido pelo precursor do Messias e por este, traçam a imagem da caminhada cristã, que cada crente deverá trilhar. João Batista, como emissário do Senhor, sofreu. O próprio Cristo, para cumprir com perfeição seu ministério, foi submetido à dor e entregou-se a morte de cruz. Nenhum crente debaixo do sol deve esperar passar incólume por essa vida, antes, deverá dar as mesmas passadas que seu Salvador deu, ao ter vindo a esse mundo.
Porém, essa não é toda a imagem. O coração dos discípulos foi tranquilizado, quando contemplaram a majestade do Deus-Homem. A visão da transfiguração foi concedida a fim de que Pedro, Tiago, João, a igreja do primeiro século e nós, vissem o futuro da igreja: Cristo revelou sua forma glorificada, a fim de que nós pudéssemos entender que aquele será o final da nossa jornada.
A glória de Deus está perfeitamente estampada na face de Cristo (Hb 1.3), e essa glória será refletida em nós, quando naquele dia, recebermos um corpo semelhante ao de Jesus quando se transfigurou diante de seus discípulos.
As palavras de Cristo após a glorificação são emblemáticas tanto para os discípulos, quanto para o público primeiro (para quem fora endereçado o texto) e nós hoje: “Erguei-vos e não temais!” (v.7): a voz de Deus que ecoou na nuvem encoraja os agentes do Reino até hoje: Este é Cristo, o Filho amado do Pai, a quem fora dada a honra, a glória e o domínio pelos séculos dos séculos, amém. Não há o que temer, não há motivos para recuar ou retroceder: a igreja continuará sua marcha, pois almeja o momento em que receberá do SENHOR a graça de ser transfigurada pela glória do Cordeiro.
Conclusão
As palavras proféticas registradas no Antigo Testamento apontam para a verdade grandiosa descortinada no Novo: A glória de Cristo Jesus é o amparo da igreja; o consolo e certeza de que o que nos aguarda é muito maior do que nosso ouvidos já ouviram, olhos viram, ou foi cogitado em nosso coração: Aguardamos a glória de Cristo brilhar através da igreja.