Fome espiritual

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A fome espiritual é parte de toda a experiência cristã verdadeira.

Bem-Aventurados os que Têm Fome e Sede de Justiça (5.6)
Os verbos no grego são muito fortes. Peinao significa estar necessitado, sofrer de fome profunda. A palavra dipsao traz em si a ideia de sede de verdade. Jesus coloca os estímulos físicos mais fortes em uma ação contínua – os que têm fome, os que têm sede. Só os que têm fome e sede é que serão saciados. Os que têm fome e sede de justiça são saciados e também muito felizes.
Ter fome e sede é o mesmo que “perseguir a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14). Satisfação e refrigério por meio de Jesus há somente quando temos fome e sede, quando desejamos ardentemente agir em tudo como agrada ao Senhor, em pensamentos, palavras e ações. Por conseguinte, a justiça é dádiva, que não se conquista com esforço, e sim se recebe de presente. Justiça não é produzida, mas recebida. Novamente, que contraste com a “justiça dos fariseus” (Cf. sobre v. 20)!
Porém, se você não tem fome e sede de justiça, deve se questionar se já está no reino.É importante ressaltar que a felicidade não precede a justiça, mas esta precede aquela. Martyn Lloyd-Jones afirma corretamente que, sempre que alguém põe a felicidade acima da justiça, quanto à ordem de prioridade, tal esforço está condenado ao fracasso mais miserável. Só são felizes as pessoas que buscam primeiramente a justiça. Ponha-se a felicidade no lugar que pertence à justiça, e a felicidade nunca será obtida. John Charles Ryle está coberto de razão quando diz que felizes são aqueles que preferem ser santos a ricos ou sábios.55A felicidade também não está ao alcance daqueles que têm fome e sede de felicidade ou de experiências ou mesmo de bênçãos. Se quisermos ser verdadeiramente felizes e abençoados, então precisamos ter fome e sede de justiça. Felicidade e bênçãos são resultado da justiça.A fome espiritual é uma das características do povo de Deus. A ambição suprema do povo de Deus não é material, mas espiritual. Os cristãos aspiram às coisas mais excelentes. Eles buscam em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33).Thomas Watson, puritano inglês do século 17, disse que Jesus está falando aqui da justiça imputada e da justiça implantada. John Stott, um dos maiores expositores bíblicos do século 20, diz que a justiça bíblica tem três aspectos: legal, moral e social. A justiça legal trata da nossa justificação, um relacionamento certo com Deus. A justiça moral trata da conduta que agrada a Deus, a justiça interior, de coração, de mente e de motivações. A justiça social refere-se à busca pela libertação do homem de toda opressão, junto com a promoção dos direitos civis, de justiça nos tribunais, da integridade nos negócios e da honra no lar e nos relacionamentos familiares.57De que tipo de alimento devemos ter apetite?Em primeiro lugar, devemos ter apetite pela justiça imputada, ou seja, pela justiça diante de Deus. O homem é pecador, pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23). Todos terão de comparecer perante o justo tribunal de Cristo (2Co 5.10). Naquele dia, os livros serão abertos e seremos julgados segundo as nossas obras (Ap 20.11–15). Pelas obras, ninguém poderá ser justificado diante de Deus, pois o padrão para entrar no céu é a perfeição (Mt 5.48). Só pessoas perfeitas podem entrar no céu. Nada contaminado entrará no céu (Ap 21.27). A Bíblia diz que, se guardarmos toda a lei e tropeçarmos num único ponto, seremos culpados de toda a lei (Tg 2.10). Maldito é aquele que não perseverar em toda a obra da lei para cumpri-la (Gl 3.13). Nenhum homem pode alcançar o padrão da perfeição exigido pela lei, pois não há homem que não peque. Pecamos por palavras, obras, omissão e pensamentos. Dessa maneira, não temos a mínima chance de sermos justificados diante do tribunal de Deus pelos nossos próprios méritos.Como, então, um homem pode ser justo diante de Deus? Aquilo que o homem não pode fazer, Deus fez por ele. Deus enviou o seu filho ao mundo como o nosso representante e fiador. Quando Cristo foi à cruz, ele o foi em nosso lugar. Quando ele estava suspenso no madeiro, Deus fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi moído pelos nossos pecados e traspassado pelas nossas transgressões. Naquele momento, ele foi feito pecado por nós. Ele foi feito maldição por nós. O sol escondeu o rosto dele, e o próprio Deus não pôde ampará-lo. Antes de expirar, porém, Jesus deu um grande brado: Está consumado! (Jo 19.30). Está pago! Jesus pegou o escrito de dívida que era contra nós, quitou-o, rasgou-o e encravou-o na cruz (Cl 2.14). Agora estamos quites com a lei de Deus. Agora não temos mais nenhum débito pendente com a justiça de Deus. Agora não há mais nenhuma condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Nós fomos justificados! Cristo morreu em nosso lugar, em nosso favor, levando sobre o seu corpo os nossos pecados, encravando na cruz a nossa dívida e comprando na cruz a nossa eterna redenção. Cristo é a nossa justiça (1Co 1.30). Thomas Watson está correto quando diz que o mais fraco dos crentes que crê em Cristo tem tanto da justiça de Cristo quanto o mais forte dos santos.Em segundo lugar, devemos ter apetite pela justiça implantada, ou seja, uma nova vida com Deus. O fato de crermos em Cristo e sermos salvos não significa que a nossa natureza pecaminosa foi arrancada de nós. Recebemos uma nova natureza, um novo coração, uma nova vida, mas a velha natureza não foi extirpada. Existe dentro de nós a luta entre a carne e o espírito. Quem tem fome e sede de justiça, deseja ardentemente ser transformado progressivamente. Quem tem fome e sede de justiça, aspira às coisas do céu, ama a santidade, tem prazer nas coisas de Deus, deleita-se em Deus e ama a sua lei. Sua aspiração mais elevada não é ajuntar tesouros na terra, mas no céu. Seu prazer não está nos banquetes do mundo, mas nos manjares do céu. Quem tem fome e sede de justiça, deseja ardentemente ter mente pura, coração puro, vida pura. Quem tem fome e sede de justiça, quer sempre mais. Está satisfeito, mas nunca saciado. Ama, mas quer amar mais. Ora, mas quer orar mais. Estuda a Palavra, mas quer estudar mais. Obedece, mas quer obedecer mais.Em terceiro lugar, devemos ter apetite pela justiça promovida, ou seja, a justiça social. Se a justiça imputada se refere à justiça legal e a implantada, à justiça moral, a justiça promovida diz respeito à justiça social. De acordo com John Stott, quem tem fome e sede de justiça abomina o mal, ataca a corrupção e declara guerra a todo esquema de opressão. Luta pela justiça social, exige justiça nos tribunais, defende o direito do fraco e pleiteia a causa dos oprimidos.Quem tem fome e sede de justiça, luta por uma sociedade na qual não haja fraude, falso testemunho, perjúrio, roubo e desonestidade nos negócios pessoais, nacionais e internacionais. Quem tem fome e sede de justiça, luta para que leis justas sejam estabelecidas, os justos governem e os magistrados julguem com equidade. Quem tem fome e sede de justiça, denuncia o pecado e promove o bem; ama a verdade e abomina a mentira. Sua oração contínua é: Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mt 6.10). Deseja justiça diante de Deus, para si mesmo e entre os homens. Martyn Lloyd-Jones diz que, se cada homem e mulher neste mundo soubesse o que significa “ter fome e sede de justiça”, não haveria perigo de explodirem conflitos armados. Esse é o caminho para a verdadeira paz.Os filhos de Deus sempre lutaram pelas grandes causas sociais. O cristianismo sempre levantou a bandeira das grandes transformações sociais. Jesus Cristo restaurou a dignidade das mulheres e das crianças. Os apóstolos cuidaram dos pobres. A Reforma do século 16 devolveu às nações a visão bíblica do trabalho, da vocação, da economia, da ciência e, sobretudo, da verdadeira fé. As nações que nasceram sob a luz da Reforma cresceram e prosperaram, rompendo as peias do obscurantismo medieval. John Wesley lutou bravamente pela causa da abolição da escravatura.Em 1789, William Wilberforce posicionou-se perante o parlamento britânico e veementemente clamou pelo dia em que homens, mulheres e crianças não fossem mais comprados e vendidos como animais de carga. A cada ano, nos dezoito anos seguintes, seu projeto de lei foi derrotado, mas ele não esmoreceu em sua luta contra a escravidão. Até que, finalmente, em 1833, quatro dias antes da sua morte, o parlamento aprovou um projeto de lei abolindo completamente a escravidão na Inglaterra. Em 1963, Martin Luther King Jr., em pé nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington, D.C., descreveu um mundo sem preconceito, ódio ou racismo. Ele disse: “Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos vão um dia viver em uma nação na qual eles não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo teor do seu caráter”. Ele lutou com desassombro contra o famigerado preconceito racial na América e, mesmo tombando como mártir dessa causa, deixou um legado vitorioso que ainda inspira aqueles que têm fome e sede de justiça a continuarem nessa peleja. Martin Luther King Jr. morreu, mas o seu sonho permanece vivo!Duas bênçãos são destinadas aos que têm fome e sede de justiça: Eles são saciados e felizes. A palavra que Jesus usou para bem-aventurados é novamente makarios. Refere-se ao mais elevado bem-estar possível para o ser humano. Era o texto que os gregos usavam para exprimir o tipo de existência feliz dos deuses. A felicidade que Jesus dá é verdadeira. Só ela nos satisfaz. Aquele que tem fome e sede de justiça é saciado, embora jamais deixe de continuar ansiando por Deus. Lenski afirma: “Esta fome e esta sede continuam e, na verdade, aumentam no simples ato de saciá-las”.62 John MacArthur Jr. vê esse fato como um grande paradoxo: satisfeito, mas nunca saciado.Jesus está ensinando que os famintos de Deus não serão despedidos vazios nem serão decepcionados. Ele promete felicidade e saciedade. Ele promete alegria e satisfação. Ele promete plenitude e a dá a todos quantos têm fome e sede de justiça. Entretanto, ninguém jamais será satisfeito sem que antes esteja faminto e sedento.

Justiça verdadeira

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos (v. 6). Os comentaristas afirmam que, aqui, Jesus tinha em mente os crentes que buscam de todo o coração a imputação da justiça de Cristo, por meio da qual recebem sua posição diante de Deus. Segundo eles, não temos justiça suficiente para entrar no céu, e somente aqueles que estão vestidos com a justiça de Cristo entrarão em seu reino. Sem dúvida, isso é verdade. Porém, duvido que isso era o que Jesus tinha em mente aqui; afinal, apesar de sermos justificados pela fé, e não por obras, somos justificados para as obras. Fomos eleitos por Deus e recebemos sua graça para a justiça. Muito embora nossa justiça jamais possa nos justificar, o fruto da justificação é o crescimento na verdadeira retidão. Conforme Martinho Lutero afirmou, nós estávamos mortos em nossos pecados, mas Deus nos ressuscitou dentre os mortos e nos declarou justos quando ainda estávamos em pecado. É isso o que significa justificação pela fé. Ele não somente fez essa declaração, como também nos deu o remédio para sermos realmente conformados à imagem de Jesus, e todo cristão é chamado a crescer a fim de alcançar maturidade e justiça.

Em outra parte do Evangelho de Mateus, estudaremos a busca pela justiça. Nós temos uma espécie de alergia a ela, pois costumamos associá-la à justiça própria, aquela demonstrada pelos fariseus em lugar da justiça verdadeira. A retidão genuína resume-se a fazer o que é certo. Isso deve ser uma preocupação para nós, e não apenas uma preocupação passageira. As imagens empregadas no texto bíblico são de fome e sede. A mensagem foi transmitida a pessoas que, em sua maioria, viviam no deserto e sabiam o que significa ter a boca tão seca e uma sede tão intensa, a ponto de um único copo de água fresca ser capaz de melhorar dramaticamente esta condição. Elas também sabiam o que significa sofrer inanição ou passar fome por longos períodos. Para um indivíduo que está em tal estado, como quem cruza o deserto e, ao ficar sem água, ora a cada segundo pedindo um oásis, a busca por este oásis é a única coisa que o faz prosseguir. A intensidade desse tipo de fome e sede é o que deve marcar nossa vida, segundo Jesus.

Em sua juventude, Jonathan Edwards escreveu resoluções para as virtudes que buscava alcançar em vida, e com a graça de Deus, esse homem tornou-se um modelo de justiça. Mais ou menos na mesma época, houve um homem nos Estados Unidos colonial que também buscou obter justiça, mas sem a ajuda de Deus. Seu nome era Benjamin Franklin. Franklin fez uma lista de virtudes que desejava ter e, todos os dias, realizava uma autoanálise para ver se tinha realizado determinada justiça durante as últimas vinte e quatro horas. Ele confessou que, após anotar humildemente seu sucesso em vários dias consecutivos, começou a ficar orgulhoso de sua humildade. Até mesmo os não regenerados entendem, em certa medida, seu fracasso quando procuram alcançar a verdadeira justiça.

Seria maravilhoso se, em nossa lápide, escrevessem que fomos justos durante a vida. Não devemos desprezar a justiça como se ela fosse algo exclusivo daqueles que a buscam com as próprias mãos. Devemos amar a retidão o suficiente para buscá-la com a mesma intensidade dos que têm fome e sede, pois Deus promete que, se tivermos fome de justiça, não ficaremos de mãos vazias. Nós receberemos o pão da vida que nos alimentará por toda a eternidade. Se tivermos sede de justiça, o Filho da justiça fará com que águas vivas brotem em nossa alma por toda a vida eterna. Ficaremos saciados e satisfeitos com essa busca.

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