Porém, se você não tem fome e sede de justiça, deve se questionar se já está no reino.É importante ressaltar que a felicidade não precede a justiça, mas esta precede aquela. Martyn Lloyd-Jones afirma corretamente que, sempre que alguém põe a felicidade acima da justiça, quanto à ordem de prioridade, tal esforço está condenado ao fracasso mais miserável. Só são felizes as pessoas que buscam primeiramente a justiça. Ponha-se a felicidade no lugar que pertence à justiça, e a felicidade nunca será obtida. John Charles Ryle está coberto de razão quando diz que felizes são aqueles que preferem ser santos a ricos ou sábios.55A felicidade também não está ao alcance daqueles que têm fome e sede de felicidade ou de experiências ou mesmo de bênçãos. Se quisermos ser verdadeiramente felizes e abençoados, então precisamos ter fome e sede de justiça. Felicidade e bênçãos são resultado da justiça.A fome espiritual é uma das características do povo de Deus. A ambição suprema do povo de Deus não é material, mas espiritual. Os cristãos aspiram às coisas mais excelentes. Eles buscam em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33).Thomas Watson, puritano inglês do século 17, disse que Jesus está falando aqui da justiça imputada e da justiça implantada. John Stott, um dos maiores expositores bíblicos do século 20, diz que a justiça bíblica tem três aspectos: legal, moral e social. A justiça legal trata da nossa justificação, um relacionamento certo com Deus. A justiça moral trata da conduta que agrada a Deus, a justiça interior, de coração, de mente e de motivações. A justiça social refere-se à busca pela libertação do homem de toda opressão, junto com a promoção dos direitos civis, de justiça nos tribunais, da integridade nos negócios e da honra no lar e nos relacionamentos familiares.57De que tipo de alimento devemos ter apetite?Em primeiro lugar, devemos ter apetite pela justiça imputada, ou seja, pela justiça diante de Deus. O homem é pecador, pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23). Todos terão de comparecer perante o justo tribunal de Cristo (2Co 5.10). Naquele dia, os livros serão abertos e seremos julgados segundo as nossas obras (Ap 20.11–15). Pelas obras, ninguém poderá ser justificado diante de Deus, pois o padrão para entrar no céu é a perfeição (Mt 5.48). Só pessoas perfeitas podem entrar no céu. Nada contaminado entrará no céu (Ap 21.27). A Bíblia diz que, se guardarmos toda a lei e tropeçarmos num único ponto, seremos culpados de toda a lei (Tg 2.10). Maldito é aquele que não perseverar em toda a obra da lei para cumpri-la (Gl 3.13). Nenhum homem pode alcançar o padrão da perfeição exigido pela lei, pois não há homem que não peque. Pecamos por palavras, obras, omissão e pensamentos. Dessa maneira, não temos a mínima chance de sermos justificados diante do tribunal de Deus pelos nossos próprios méritos.Como, então, um homem pode ser justo diante de Deus? Aquilo que o homem não pode fazer, Deus fez por ele. Deus enviou o seu filho ao mundo como o nosso representante e fiador. Quando Cristo foi à cruz, ele o foi em nosso lugar. Quando ele estava suspenso no madeiro, Deus fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi moído pelos nossos pecados e traspassado pelas nossas transgressões. Naquele momento, ele foi feito pecado por nós. Ele foi feito maldição por nós. O sol escondeu o rosto dele, e o próprio Deus não pôde ampará-lo. Antes de expirar, porém, Jesus deu um grande brado: Está consumado! (Jo 19.30). Está pago! Jesus pegou o escrito de dívida que era contra nós, quitou-o, rasgou-o e encravou-o na cruz (Cl 2.14). Agora estamos quites com a lei de Deus. Agora não temos mais nenhum débito pendente com a justiça de Deus. Agora não há mais nenhuma condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Nós fomos justificados! Cristo morreu em nosso lugar, em nosso favor, levando sobre o seu corpo os nossos pecados, encravando na cruz a nossa dívida e comprando na cruz a nossa eterna redenção. Cristo é a nossa justiça (1Co 1.30). Thomas Watson está correto quando diz que o mais fraco dos crentes que crê em Cristo tem tanto da justiça de Cristo quanto o mais forte dos santos.Em segundo lugar, devemos ter apetite pela justiça implantada, ou seja, uma nova vida com Deus. O fato de crermos em Cristo e sermos salvos não significa que a nossa natureza pecaminosa foi arrancada de nós. Recebemos uma nova natureza, um novo coração, uma nova vida, mas a velha natureza não foi extirpada. Existe dentro de nós a luta entre a carne e o espírito. Quem tem fome e sede de justiça, deseja ardentemente ser transformado progressivamente. Quem tem fome e sede de justiça, aspira às coisas do céu, ama a santidade, tem prazer nas coisas de Deus, deleita-se em Deus e ama a sua lei. Sua aspiração mais elevada não é ajuntar tesouros na terra, mas no céu. Seu prazer não está nos banquetes do mundo, mas nos manjares do céu. Quem tem fome e sede de justiça, deseja ardentemente ter mente pura, coração puro, vida pura. Quem tem fome e sede de justiça, quer sempre mais. Está satisfeito, mas nunca saciado. Ama, mas quer amar mais. Ora, mas quer orar mais. Estuda a Palavra, mas quer estudar mais. Obedece, mas quer obedecer mais.Em terceiro lugar, devemos ter apetite pela justiça promovida, ou seja, a justiça social. Se a justiça imputada se refere à justiça legal e a implantada, à justiça moral, a justiça promovida diz respeito à justiça social. De acordo com John Stott, quem tem fome e sede de justiça abomina o mal, ataca a corrupção e declara guerra a todo esquema de opressão. Luta pela justiça social, exige justiça nos tribunais, defende o direito do fraco e pleiteia a causa dos oprimidos.Quem tem fome e sede de justiça, luta por uma sociedade na qual não haja fraude, falso testemunho, perjúrio, roubo e desonestidade nos negócios pessoais, nacionais e internacionais. Quem tem fome e sede de justiça, luta para que leis justas sejam estabelecidas, os justos governem e os magistrados julguem com equidade. Quem tem fome e sede de justiça, denuncia o pecado e promove o bem; ama a verdade e abomina a mentira. Sua oração contínua é: Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mt 6.10). Deseja justiça diante de Deus, para si mesmo e entre os homens. Martyn Lloyd-Jones diz que, se cada homem e mulher neste mundo soubesse o que significa “ter fome e sede de justiça”, não haveria perigo de explodirem conflitos armados. Esse é o caminho para a verdadeira paz.Os filhos de Deus sempre lutaram pelas grandes causas sociais. O cristianismo sempre levantou a bandeira das grandes transformações sociais. Jesus Cristo restaurou a dignidade das mulheres e das crianças. Os apóstolos cuidaram dos pobres. A Reforma do século 16 devolveu às nações a visão bíblica do trabalho, da vocação, da economia, da ciência e, sobretudo, da verdadeira fé. As nações que nasceram sob a luz da Reforma cresceram e prosperaram, rompendo as peias do obscurantismo medieval. John Wesley lutou bravamente pela causa da abolição da escravatura.Em 1789, William Wilberforce posicionou-se perante o parlamento britânico e veementemente clamou pelo dia em que homens, mulheres e crianças não fossem mais comprados e vendidos como animais de carga. A cada ano, nos dezoito anos seguintes, seu projeto de lei foi derrotado, mas ele não esmoreceu em sua luta contra a escravidão. Até que, finalmente, em 1833, quatro dias antes da sua morte, o parlamento aprovou um projeto de lei abolindo completamente a escravidão na Inglaterra. Em 1963, Martin Luther King Jr., em pé nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington, D.C., descreveu um mundo sem preconceito, ódio ou racismo. Ele disse: “Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos vão um dia viver em uma nação na qual eles não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo teor do seu caráter”. Ele lutou com desassombro contra o famigerado preconceito racial na América e, mesmo tombando como mártir dessa causa, deixou um legado vitorioso que ainda inspira aqueles que têm fome e sede de justiça a continuarem nessa peleja. Martin Luther King Jr. morreu, mas o seu sonho permanece vivo!Duas bênçãos são destinadas aos que têm fome e sede de justiça: Eles são saciados e felizes. A palavra que Jesus usou para bem-aventurados é novamente makarios. Refere-se ao mais elevado bem-estar possível para o ser humano. Era o texto que os gregos usavam para exprimir o tipo de existência feliz dos deuses. A felicidade que Jesus dá é verdadeira. Só ela nos satisfaz. Aquele que tem fome e sede de justiça é saciado, embora jamais deixe de continuar ansiando por Deus. Lenski afirma: “Esta fome e esta sede continuam e, na verdade, aumentam no simples ato de saciá-las”.62 John MacArthur Jr. vê esse fato como um grande paradoxo: satisfeito, mas nunca saciado.Jesus está ensinando que os famintos de Deus não serão despedidos vazios nem serão decepcionados. Ele promete felicidade e saciedade. Ele promete alegria e satisfação. Ele promete plenitude e a dá a todos quantos têm fome e sede de justiça. Entretanto, ninguém jamais será satisfeito sem que antes esteja faminto e sedento.