Nos Passos de Jesus - 1 Pe 1.14-19
Introdução
O mundo tem seu próprio estilo de vida, pelo qual os crentes sentem-se muitas vezes atraídos, mas Pedro os adverte para não se amoldarem aos desejos perversos, que são proeminentes no mundo. Os autores do Novo Testamento, em suas epístolas, advertem repetidamente os cristãos a rejeitarem os costumes do mundo e a viverem em obediência à Palavra de Deus.
evidencia positivamente a norma para a nova vida: … porém em concordância com o Santo que vos convocou tornai-vos também vós santos em toda a conduta. Aqui Deus é chamado de aquele que convocou. Deus é reconhecido em seu agir. A palavra “convocar” designa aquele chamado poderoso e criador de Deus (Gn 1:3; Sl 33:9) que torna o nada em ser, os mortos em vivos, os perdidos em salvos. Quando o Deus santo emite seu chamado, pessoas pecadoras se tornam santas. Por isso a séria conclamação: em concordância com o Santo que vos convocou, tornai-vos também vós santos em toda a conduta. Nossa vida cotidiana concreta não deve continuar sendo tão egoisticamente pecadora como foi antes de nossa vocação, mas deve tornar-se santa. Santo em toda a conduta significa que nenhuma área está excluída disso. Reluzem aqui duas características básicas da ética do NT. A primeira: parâmetro da nova vida é o Santo de quem veio o chamado. Não se admite nenhum outro além desse parâmetro radical. Nem a decência burguesa, nem o nobre humanismo podem ser parâmetros para a nova vida, nem mesmo a justiça a partir da lei (Fp 3:6), mas o próprio Deus santo! Por essa razão os apóstolos nunca dispuseram diante de suas igrejas outro alvo senão uma vida santa consoante o Deus santo. Nesse ponto sem dúvida tinham diante de si sempre a palavra de seu Senhor: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5:48)
“Sede feitos santos!” – nova indicação de que o decisivo já aconteceu no passado pelo arrependimento mediante o renascimento e que, conseqüentemente, apenas precisa ser realizado na atualidade, e isso não apenas ocasionalmente, mas: em toda a conduta. Notemos bem: “em”, não “por meio de”! Santos eles são pela vocação e santificação de Deus. E agora devem de fato também se tornar santos em toda a conduta, verdadeiramente em toda ela!
O imperativo negativo não se amoldem (v. 14) é uma proibição, enquanto o preceito afirmativo sejam santos (v. 15) é uma exortação. Pedro sabe que a tentação de voltar à sua antiga conduta é algo real para os leitores e que alguns deles podem ter fraquejado. Assim, ele ordena que parem de ceder aos seus desejos pecaminosos e que, ao invés disso, entreguem sua vida a Deus em obediência e santidade.
A conjunção adversativa mas introduz o aspecto positivo dessa passagem. Pedro informa seus leitores de que Deus os chamou “da escuridão para a sua maravilhosa luz” (2.9). Eles agora são aqueles que foram chamados do mundo; são os eleitos (1.1,2; 2.9). Nesse amor eletivo, Deus chama seu povo para formar uma nação santa (2.9). Em resumo, chamado e santidade são causa e efeito.
O adjetivo descritivo santo revela a pureza absoluta de Deus. Esse adjetivo descreve o estado ou ação do ser de Deus. Deus é sem pecado, não pode ser influenciado por ele e sua santidade destrói o pecado.
Pedro toma o conceito de santo e aplica-o aos seus leitores: “Como aquele que chamou vocês é santo, sejam vocês também santos”. Deus chama o seu povo do mundo de pecado para uma vida de santidade; ele espera que tudo o que fizermos, dissermos ou pensarmos seja santo. A confissão diária do cristão deve ser:
Quando Pedro diz: “Assim como aquele que chamou vocês é santo, sejam vocês também santos em tudo o que fizerem”, ele espera que os leitores sejam imitadores de Deus no que diz respeito à santidade
Quando Jesus foi tentado por Satanás, ele desarmou o diabo ao usar a frase está escrito e citações apropriadas das Escrituras (ver Mt 4.4,7,10). Satanás reconheceu a autoridade da Palavra de Deus a ponto de usá-la (mal) para seus propósitos. Essa autoridade fez com que Satanás não fosse capaz de tentar Jesus. A palavra escrita, portanto, exige respeito e obediência.
“Sejam santos, porque eu sou santo”. Para o crente, a santidade não termina com o perdão e a purificação dos pecados, mas começa com uma vida de oposição ativa ao pecado. O crente deve lutar para viver em obediência diante de Deus e, assim, demonstrar o significado da palavra santo.
Na seqüência continua sendo descrita a obrigatoriedade de uma vida santa: E se invocais como Pai aquele que julga sem acepção de pessoas segundo a obra de cada um, andai com temor durante o tempo de vossa condição de forasteiros. O se… não expressa dúvida, mas uma argumentação, da seguinte forma: como pessoas que invocam a Deus como Pai estais particularmente próximos dele; nesse caso, no entanto, é preciso que vos conscientizeis de quem estais próximos (daquele que julga corretamente) e quais são as conseqüências que isso acarreta (andar com temor). A carta não se dirige a pessoas especialmente eleitas, mas a todos os membros das igrejas. Certo é que todos invocam o Pai, a quem eles oram. Afinal, foram designados como aqueles “que invocam o nome do Senhor” (At 9:14,23; 22:16). Agora é dito: “se o invocais como Pai…”. Jesus havia ensinado os discípulos a invocar a Deus como “Pai” (Mt 6:9). Na verdade isso somente é possível “em nome de nosso Senhor Jesus”, somente com base em seu sacrifício, pelo qual “temos o acesso, a adução até o Pai” (Ef 2:18). Por meio dele, o Filho, seus discípulos se tornam filhos de Deus e recebem o Espírito da filiação, por meio do qual podem exclamar: “Abba, Pai!” (Rm 8:14s; Gl 4:6).
Pedro acrescenta: que profere sua sentença sem acepção de pessoas segundo a obra de cada um. Essa afirmação está prefigurada no AT (Sl 89:27; Ml 1:6; Jr 3:19; Sl 62:12; Pv 24:12 – com especial nitidez na LXX). No AT, como também aqui a palavra visa alertar contra a auto-segurança e leviandade com vistas ao pecado. Diversas pessoas podem pensar que estão particularmente próximas de Deus, que sobre elas governa tão somente a bondade do Pai e não mais a severidade do Juiz. Os seus pecados não poderiam mais suscitar a ira de Deus, já que estariam sob a graça. Quem pensa dessa forma infelizmente compreendeu a Deus de maneira equivocada. Deus é aquele que julga sem acepção de pessoas. Deus sem dúvida tem filhos, mas não favoritos. Ele não é condescendente com o pecado nem mesmo em seus filhos, mas os julga. Deus julga segundo a obra de cada um. O cristão tampouco pode argumentar com sua filiação divina quando Deus analisa a vivência. Demanda-se a obra de cada um. Primeiramente isso diz respeito aos não-crentes, que são indesculpáveis, porque “conheciam a Deus e não o honraram como Deus nem lhe agradeceram” (Rm 1:21). Mas igualmente incide sobre os crentes, cuja obra de vida ainda precisa ser manifesta perante a face do Cristo (2 Co 5:10): por isso o singular: “a obra de cada um”. O crente na realidade não entra no juízo (Jo 5:24) – afinal, já está salvo pela fé em Jesus (1 Co 3:15; Jo 3:18) – não obstante seu trabalho ainda tem de passar pelo fogo examinador (1 Co 3:12-15).
Considerações doutrinárias em 1.14–16
No mundo, a palavra santo é ouvida mais como uma imprecação do que um termo que inspira reverência e temor. Nos meios cristãos, porém, chamamos Jerusalém de cidade santa, as Escrituras de Bíblia Sagrada e os sacramentos de santo batismo e santa ceia. Quando descrevemos algo ou alguém com o adjetivo santo, reconhecemos que há uma relação direta com Deus nessa pessoa ou coisa.
Dedicamos a Deus aquilo que consideramos santo, pois julgamos que é puro e, em alguns casos, perfeito, mas hesitamos em chamar um homem de santo, pois o pecado destruiu sua perfeição e ser humano jamais chegará a ser perfeito durante sua vida aqui na terra. Ainda assim, a Bíblia nos chama de santos, ou seja, fomos feitos santos por meio de Jesus Cristo (ver, por exemplo, At 20.32; 26.18; 1Co 6.11; Hb 10.10). Como santos, recebemos o chamado de Deus a um viver de santidade (Ef 4.22–24; Cl 3.9–10; 1Ts 5.23,24; 1Jo 3.3). Assim, como filhos santificados de Deus, oramos pedindo: “Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome” (Mt 6.9).
O sentido é a “reverência” na verdadeira acepção da palavra, ou seja, uma atitude que honra e teme a Deus como Pai e Juiz. Não é tanto o temor diante do castigo (1 Jo 4:18), mas o temor diante do Pai, o receio absoluto de suscitar sua ira. Andai com temor significa: Sede meticulosos com vossa vida como um viver perante Deus! Da mesma forma fica claro em Paulo que o “temor do Senhor” é premissa básica da vida santa. Por que essa seriedade? Porque a situação é séria: … durante o tempo de vossa condição de forasteiros. Para tempo consta o termo chronos, porque se trata do tempo que transcorre, que passa. Quem se conscientiza de que é forasteiro cuida cautelosamente para alcançar a pátria, vencendo todos os perigos da terra estranha.
18 Sabendo que não fostes redimidos com coisas transitórias, prata ou ouro, de vossa conduta vã, transmitida pelos pais. Vale notar que não se diz: podeis ter esperança de um dia vos tornardes bem-aventurados, mas “sabeis que fostes redimidos”. Da experiência da redenção forma-se a certeza. Contudo, a certeza de redenção, de salvação, não é farisaísmo autoconfiante, mas dádiva alegradora de Deus para aquele que experimentou a libertação real por intermédio de Jesus. E uma conduta correta se torna viável quando há consciência de quanto custou a redenção. Por que não a recaída na vida antiga, por que andar com temor? Porque a redenção da conduta antiga custou um prêmio de resgate infinitamente elevado. É palpável aqui a comparação com o antigo comércio escravista. Um escravo era liberto do domínio de um proprietário por um prêmio elevado, para viver para o novo senhor. Desse modo Jesus nos redimiu na cruz da conduta vã, transmitida pelos pais. Na Bíblia latina, a Vulgata, consta: redimidos… da tradição paterna.
Por natureza todas as pessoas encontram-se na tradição dos pais. Enquanto, pois, a geração mais velha em geral está convicta de que transmite à juventude bons valores básicos, de que com razão se pode esperar uma vida sensata e disciplinada, a Bíblia diz algo bem diferente: os pais de qualquer modo apenas transmitem à juventude o que já receberam, a saber, uma conduta vã. O ser humano separado de Deus em geral não se conscientiza do que significa conduta vã. Sim, ele só consegue suportar a vida presente porque e enquanto não se conscientizar disso até as mais extremas
Qual foi o preço desse resgate para Deus? Não coisas transitórias, prata ou ouro. São esses os meios usuais de pagamento. Com eles se podia comprar a liberdade de escravos. Porém o resgate de que a humanidade escravizada precisava é incomparavelmente mais pesado! Prata e ouro, os mais importantes meios de pagamento na terra, são insignificantes demais para libertar da velha conduta e possibilitar a nova. Embora de alto valor, não deixam de ser passageiros como a terra.
19 Contudo “o que Deus investiu em nós” é incomparavelmente mais precioso. Por isso consta aqui: redimido… com o precioso sangue de Cristo como um cordeiro sem defeito e sem mácula. Nem prata nem ouro são capazes de libertar uma pessoa do cativeiro da conduta vã. De fato, porém, é o precioso sangue do Cristo que tem o poder de libertar e transformar pessoas de tal maneira que toda a sua vida seja renovada. Aqui como em outros textos o grego christós de forma alguma consta somente como nome, mas com a conotação plena do título de majestade do AT e do elevado predicado para o Ungido de Javé, há muito previsto por Deus e anunciado de forma correspondente pelos profetas. Isso decorre com toda a clareza tanto da metáfora inserida a respeito do “Cordeiro”, que na realidade, como ainda veremos na seqüência, evoca a profecia messiânica de Is 53 e a profecia sobre o Messias contida no serviço sacrifical do AT, como também da frase relativa subseqüente (v. 20). E por isso o sangue dele é tão precioso, por ser o Messias Filho unigênito, a coisa mais preciosa que o Pai no céu possui. Está sendo definido como Cordeiro sem defeito e sem mácula. No NT isso não constitui apenas uma comparação, mas ele realmente “é” o Cordeiro de Deus. Em Jo 1:29 é chamado de Cordeiro de Deus que leva embora o pecado do mundo, acabando com ele, eliminando-o para sempre. Sim, até na eternidade Jesus, nosso Senhor, será exaltado e adorado também no céu como “o Cordeiro”. Pois consta expressamente no louvor de miríades de anjos: “Digno é o Cordeiro que se deixou imolar…” (Ap 5:12). Os intérpretes na realidade não concordam na questão se, além de Is 53:7, Pedro também pensava no cordeiro pascal (Êx 12:3) e nas prescrições sacrificais do AT (p. ex., em Êx 29:1; Lv 22:17-25), mas com certeza é esse o caso. No Crucificado contemplamos o Cordeiro de Deus, no qual não apenas se realizou a profecia messiânica de Is 53, mas também se cumpriu o significado profético do cordeiro pascal, bem como de todos os sacrifícios que foram oferecidos no templo em Jerusalém. O fato de que temos de recordar Is 52s já é evidenciado por Is 52:3: “Sereis resgatados não com prata.” Em contraposição, a formulação do Cordeiro sem defeito e sem mácula vai além de Is 53, apontando sem dúvida para as determinações gerais de oferendas no AT, segundo as quais somente se podiam sacrificar animais sem defeitos. Aliás, a primeira igreja de forma alguma se fixou em passagens bíblicas específicas, mas via o serviço sacrifical de sangue do AT de forma bem genérica como um tipo, como prefiguração de Jesus Cristo. “Sem derramamento de sangue não acontece remissão”, como se pode sintetizar o sentido do serviço sacrifical (Hb 9:22). Por que, no entanto, sacrifícios tão terríveis e esse derramamento de sangue? Porque o ser humano desperdiçou sua vida perante Deus através do pecado. A conseqüência disso foi que ele de fato perdeu sua verdadeira “vida” (Gn 2:17). Porque o ser humano pode ter a verdadeira vida somente na comunhão com seu Criador, a fonte da vida. Separada do Criador, a criatura somente encontrará a morte (Rm 5:12; 6:21b,23a). Nessa situação os sacrifícios de animais no AT tinham a finalidade de ser para o ser humano uma permanente recordação de sua carência maior, do pecado como separação de Deus – e ao mesmo tempo de uma profecia messiânica: indicativo e preparação para o Prometido, que um dia levaria o pecado dos humanos definitivamente embora. Assim Jesus como Cordeiro de Deus é a revelação da santa ira de Deus sobre o pecado e ao mesmo tempo a revelação do maravilhoso amor de Deus, que não consegue suportar a morte do pecador. Essa mensagem constitui o centro da Bíblia. Por isso Paulo declara: “Decidi nada conhecer entre vós senão unicamente a Jesus Cristo, e a ele como Crucificado” (1 Co 2:2).
Quem é capaz de produzir redenção de pecados para outros? Que qualidades o cordeiro precisa ter? Pedro complementa a exigência do AT sem defeito (Êx 29:1; Lv 22:17-25; Ez 43:22) com uma segunda: sem mácula. Pois, enquanto no AT era necessária uma perfeição meramente física do animal sacrificado, o Cordeiro da nova aliança tinha de ser livre de todas as manchas. No NT “mancha” (em grego spilos, também mancha de sujeira ou vergonha) tem conotação espiritual e moral, não física, como mostra Ef 5:3s. Cordeiro sem mácula significa, portanto: o Cordeiro de Deus não podia ter nem uma mancha sequer, nenhum pecado, ao pretender colocar-se no lugar das pessoas, sacrificar-se por elas e redimi-las. Unicamente Jesus atende a essa condição. Unicamente ele podia redimir a humanidade, o único puro e sem pecados. Ele entregou por nós seu precioso sangue. Fez tudo isso para nos resgatar para a nova vida! Isso fundamenta a exortação: levem a sério sua vida, andem com temor! Saibam que foi paga com alto preço. Lidamos com cautela com aquilo que teve um alto custo!
20 Cristo, o Cordeiro de Deus, na verdade foi previsto antes da fundação do mundo, mas revelado na última parte dos tempos por vossa causa. O por vossa causa perpassa todo o trecho. Aconteceu por vossa causa que ele foi revelado na última parte dos tempos. Deus escolheu o Messias previamente, literalmente o “reconheceu antes” da fundação do mundo. Embora previsto antes, foi somente agora revelado – nisso reside a tensão desse versículo. As palavras mostram nitidamente que existe um plano de salvação de Deus. Tudo nesse plano de salvação aponta para a revelação do Cristo. Já antes da criação do mundo Deus olhou para Cristo, que haveria de se tornar o Cordeiro, e somente porque o Filho estava disposto a se tornar o Cordeiro de Deus o mundo continuou a ter sentido e durabilidade após a queda no pecado. Não há nenhuma base bíblica para dizer (e isto até mesmo representa uma blasfêmia) que a morte de Jesus na cruz seria a catástrofe de sua nobre vida. Não, sua vida e morte foram previstas bem antes, são sentido e alvo de toda a história da salvação. Por isso tudo esperava para que essa pessoa prevista finalmente aparecesse, que fosse manifesta. Algo é manifesto quando na realidade está presente, mas ainda oculto. Portanto a afirmação de Cristo foi revelada “na última parte dos tempos por vossa causa” explicita isto: agora é a grande hora para a qual tudo aponta. Agora, em Jesus, Deus saiu da ocultação e cuidou dos humanos, trazendo-lhes a salvação. Por isso essa palavra também consta de outras importantes passagens do NT, que tratam do agir de Deus referente à humanidade. Rm 1:17: no evangelho revela-se a justiça de Deus; Rm 1:18: revela-se a ira de Deus; Rm 3:21: agora, porém, foi revelada a justiça de Deus. A era atual é chamada de última parte dos tempos ou também “o último dos tempos, o fim dos tempos”.
21 Em seguida é detalhado o “por vossa causa”: “… que por meio dele tendes fé em Deus, que o despertou dentre (os) mortos e lhe deu glória, de modo que vossa confiança também é esperança em Deus (ou: de modo que vossa confiança e vossa esperança se dirigem a Deus)”. Com essas palavras são claramente definidos e simultaneamente delimitados os destinatários da salvação. Naquele que tem fé cumpre-se a intenção salvadora de Deus, nos demais não. Assim os apóstolos fizeram distinção entre aqueles que vivem na obediência de fé e aqueles que se recusam. Essa é a diferenciação bíblica e necessária dos seres humanos. Quem dissimula e deixa de lado essa diferença fundamental não age por amor, mas por cegueira ou com a intensão de agradar a pessoas. A fé surge por meio dele. A fé vem de Jesus. Incendeia-se na pessoa dele, em seu sacrifício por nós. Sim, é ele que suscita em nós a fé por meio do Espírito Santo. Uma vez que o Filho e o Pai são um, a fé originada de Jesus e dirigida para ele é ao mesmo tempo fé em Deus. Jo 12:44: “Quem crê em mim não crê em mim, mas naquele que me enviou.” Ainda em sentido mais amplo ter aceitado a fé mediante Jesus é ter fé em Deus: no fato de ressuscitar o Filho pode-se reconhecer que Deus é um com Jesus e, ao mesmo tempo, que possui poder. Por isso, quem abraça a fé por meio de Jesus, crê naquele que o despertou dentre (os) mortos. O ponto em que se decide tudo é a ressurreição de Jesus. De forma alguma ela é apenas um entre vários episódios da salvação, mas o fundamental. Ao ressuscitá-lo, Deus confirma a vitoriosa exclamação do Crucificado: “Está consumado!”. Confirma desse modo a morte do Filho na cruz como sacrifício de expiação pelos pecados dos seres humanos. Sem o acontecimento da Páscoa não haveria perdão: nesse caso ainda continuaríamos em nossos pecados (1 Co 15:17), e não existiria uma esperança viva para nós (1 Co 15:3). Ressuscitado dentre os mortos significa: da multidão dos mortos o “Pastor das ovelhas, que é grande pelo sangue de uma eterna aliança” – como primícias (1 Co 15:23) e conseqüentemente como “desbravador para a vida” (At 3:15) – foi conduzido para fora (Hb 13:20).
Quando chamamos Deus de Pai, porque somos seus filhos, devemos esperar que ele seja também o nosso juiz. Pedro acrescenta que o Pai “julga as obras de cada homem imparcialmente”. Deus não mostra favor por ninguém, quer seja rico ou pobre (Tg 2.1–9), judeu ou gentio (Rm 2.11), escravo ou senhor (Ef 6.9; ver também Cl 3.25). O texto diz que Deus julga sem fazer acepção de pessoas (comparar com 1Sm 16.7) e que Deus o Pai já está julgando as obras de cada um. Ninguém será excluído do julgamento, pois Deus julgará com imparcialidade cada ato do ser humano. Portanto, quando invocamos o nome do Pai, estamos diante de um juiz imparcial.
Em seguida, lemos um parágrafo de quatro versículos, nos quais Pedro apresenta um breve resumo da fé cristã. Esses versículos ensinam as doutrinas da redenção, revelação e ressurreição de Cristo.
18 Pois vocês sabem que não foi com coisas perecíveis como ouro ou prata que vocês foram redimidos do modo de vida vazio transmitido a vocês por seus antepassados, 19 mas com o precioso sangue de Cristo, um cordeiro sem mácula nem defeito.
Observe, então, o primeiro ponto doutrinário.
a. Redenção. Essa passagem tem um aspecto negativo e um positivo. Colocando em outros termos, as coisas que são perecíveis (prata e ouro) são comparadas com Cristo, cujo sangue tem significado eterno.
1. “Vocês sabem que não foi com coisas perecíveis como ouro ou prata que vocês foram redimidos”. Eis uma sutil lembrança daquilo que os leitores sabem sobre a salvação: seu conhecimento da salvação os deixou repletos de “alegria indizível” (v. 8). Sabem que Deus, por meio de Cristo, os redimiu por um altíssimo preço.
Pedro coloca o custo da redenção primeiro em termos de coisas criadas. Estas, é claro, estão sujeitas à mudança e à deterioração. Ele cita dois metais preciosos (prata e ouro) que, comparados com os outros, são os menos perecíveis. Primeiro ele especifica a prata. Mas esta, quando exposta a qualquer tipo de componente sulfuroso do ar, escurece, é corroída e perde seu valor. Em seguida, Pedro cita o ouro, que é mais durável do que a prata. Até mesmo esse, que é o mais precioso dos metais, está sujeito à deterioração. Em resumo, os bens aqui da terra não servem de pagamento para a redenção do crente (ver Is 52.3).
Quando usamos o termo redimido (resgatado) nos dias de hoje, pensamos em termos de “eu me redimi”. Queremos dizer que voltamos à nossa posição anterior. Usamos a palavra resgatar quando trocamos títulos de uma aplicação por espécie no mercado financeiro. Por fim, podemos resgatar alguma coisa comprando-a de volta ou cumprindo certos compromissos financeiros (como no caso do pagamento de um empréstimo).
O que as Escrituras dizem? No Antigo Testamento, Deus resgatou seu povo do jugo da escravidão no Egito (Êx 6.6). Ele o fez ao enviar dez pragas sobre os opressores de Israel. No mundo antigo, os escravos conseguiam a liberdade quando uma soma em dinheiro era paga por eles mesmos ou por outra pessoa.
No Novo Testamento, o enfoque volta-se para Cristo. Lemos que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” (Gl 3.13). Paulo diz que Jesus Cristo “a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade, e purificar para si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14; comparar também com Sl 130.8). Pedro também usa a palavra resgatar para referir-se à morte de Cristo e nosso livramento do pecado (1.18,19).
2. “Do modo de vida vazia transmitido a vocês por seus antepassados”. A oração vida vazia descreve um estilo de vida que não tem propósito, é improdutivo e inútil. O texto não informa se Pedro estava se referindo aos antepassados judeus que viviam pela tradição e não pela Palavra de Deus (Jesus admoestou os judeus por observarem a tradição dos anciãos e deixarem de lado os mandamentos de Deus [Mc 7.5–13]). Outra possibilidade é que Pedro tenha em mente os antepassados pagãos dos leitores gentios. Em suas epístolas, Paulo comenta sobre a vida fútil dos gentios (Rm 1.21; Ef 4.17). Uma terceira opção é que Pedro queira falar dos antepassados tanto dos judeus quanto dos gentios.
3. “Mas com o precioso sangue de Cristo, um cordeiro sem mácula nem defeito”. Eis o aspecto positivo de nossa redenção. Pedro fala como um judeu plenamente instruído sobre a história e o ritual da Páscoa. O povo judeu foi libertado da escravidão quando cada família tomou um cordeiro sem defeito, abateu-o e, no crepúsculo do décimo quarto dia do mês de Nisan, colocou o sangue nos beirais das portas de suas casas (Êx 12.1–11) e comeu a refeição pascal.