Quem não serve, não serve (1Coríntios 12)
Introdução
A) Em Jesus nós temos uma história resignificada (1Coríntios 12.1-3)
Nenhuma “pessoa sensata” é capaz de reconhecer que um artesão judaico, que acabou indefeso na cruz, insultado pelas pessoas e abandonado por Deus, deva ser o kyrios,273 o Senhor do universo, o Juiz de todos os bilhões de pessoas. “Senhor é Jesus” – naquele que afirma isso com absoluta convicção atua o Espírito Santo.274 Porque precisamente essa é, conforme Jo 16:14, a obra mais própria e precípua do Espírito: glorificar a Jesus, mostrar Jesus com toda a sua glória. Por intermédio do Espírito Santo formula-se a confissão básica do cristianismo: “Senhor é Jesus.” Todas as demais “confissões” e “escritos confessionais” no cristianismo são apenas elaborações mais detalhadas e explicações dessa confissão fundamental. Ao mesmo tempo, porém, toda pessoa que for capaz de proferir essa confissão e ver no ser humano Jesus o kyrios tem o privilégio de, com gratidão e alegria, ter certeza de que o Espírito habita e atua em seu coração. E a igreja que vive nessa confissão é o lugar da presença do Espírito Santo (1 Co 3:16).275
B) Acerca dos dons espirituais (1Co 12)
esses dons eram diferentes quanto à função e amplamente distribuídos entre a comunidade cristã, para que todo crente tenha algum dom ou dons, mas nunca todos eles (ver 1Pe 4.10). A palavra variedades significa que a igreja de Cristo revela unidade em diversidade.
Senhor Jesus Cristo é responsável pela diversidade dos ministérios espirituais na comunidade cristã. A palavra grega diakoniōn realmente significa serviços que são desempenhados no contexto da igreja. Em nossa língua, as palavras derivadas, diaconato e diácono, exalam o espírito de serviço ao corpo de Cristo. Os serviços prestados são sem limite.
Ninguém deve se gabar de ter recebido maior dom ou mais alta posição na igreja do que outros membros, porque todos os dons e posições provêm do Senhor.
A palavra, que tem derivados em nossa língua (energia, enérgico e energizar), significa ação como resultado do poder energizador de Deus. Para ilustrar, quando um pastor prega em certo domingo, ele poderá ter um sermão bem preparado. Mas ele só pode comunicar efetivamente quando Deus lhe concede o poder para pregar. Em completa dependência do seu Enviador para lhe dar forças, ele reconhece que presta serviço como porta-voz de Deus durante o culto
1. Pedagógicos: Sabedoria e conhecimento.
2. Sobrenaturais: Fé, curas, milagres.
3. Comunicativos: Profecia, espírito de discernimento, línguas, interpretação de línguas.
O dom é a habilidade de falar sabedoria divina que os crentes recebem por meio do Espírito Santo (comparar com 2.6,7). A sabedoria divina é contrastada com a sabedoria humana (1.17,20,25).
“é essencialmente o conhecimento pessoal íntimo de Deus que depende, não do intelecto, mas sim do amor e do conhecimento que Deus tem ou sua familiaridade com… o homem.”18 O termo denota afinidade e significa um relacionamento pessoal que existe entre Deus e a pessoa redimida em Cristo. Esse conhecimento, dado por Deus por meio de seu Espírito, deve ser usado dentro da comunidade cristã em benefício de todos os membros. Chega à sua expressão quando a revelação de Deus nas Escrituras é conhecida, compreendida e explicada para seu povo.
Junto com milagres e curas, faz parte da categoria dos dons sobrenaturais. E porque cada crente verdadeiro tem fé em Jesus Cristo, Paulo não está pensando na fé que salva. Ele tem em mente a confiança completa e imperturbável no fato de que Deus fará milagres.
A fé e os dons de cura são intimamente ligados. Tiago escreve que a oração oferecida em fé pelos presbíteros da igreja curará o doente (Tg 5.14,15). Quando essas pessoas reivindicam as palavras escritas por Tiago e confiam que Deus os ouvirá e responderá à sua oração sincera, o milagre da cura frequentemente ocorre. Contudo, temos de fazer duas ressalvas: primeiro, esses presbíteros não deverão esperar que tenham recebido um dom permanente de curar todo membro da igreja que esteja doente; segundo, apesar da oração fervorosa oferecida em fé, Deus poderá escolher não restaurar a saúde e as forças de uma pessoa.
A cura acontece porque Deus responde à oração que crentes oferecem em fé. Os crentes reconhecem que Deus realiza o milagre de curar os doentes em resposta à oração. Eles exercem o poder da oração sabendo que “a oração de um justo é poderosa e efetiva” (Tg 5.16b).
Dons de curar” e “operações de milagres” estão no plural. Isso deve apontar para o fato de que Paulo não está pensando que algumas pessoas sejam permanentemente equipadas com o poder de curar ou de efetuar milagres. Constantemente é concedido a cristãos que, pelo Espírito Santo, possam curar enfermos e realizar milagres em situações de aflição especial. Ou seja, não é “curadores de enfermos” e “realizadores de milagres” que o Espírito concede, mas sim “dons de curar” e “operações de milagres”.285 Em 2 Co 12:12 Paulo arrola “sinais e prodígios” entre as necessidades de seu ministério apostólico. Nesse contexto ele não cita expressamente os “dons de curar”. De acordo com Mc 16:18 há uma imposição de mãos por parte dos mensageiros de Jesus, sim, de todos os crentes, que cura, mas que não é necessariamente uma dotação com “dons de curar”, antes caracterizando a respectiva ação com fé. Isso conduz às instruções de Tg 5:14. Aqui fica muito claro que o enfermo não é remetido a presbíteros especiais com dons de cura, mas que ele pode esperar que simples “presbíteros da igreja” lhe tragam auxílio na aflição da enfermidade por meio da “oração da fé”.
Se a cura dos enfermos é um dom temporário, assim também é o dom de realizar milagres. Em toda a Bíblia, os milagres são atos sobrenaturais que ocorrem contrariando as leis da natureza. Deus intervém temporariamente na natureza realizando o milagre. O homem é o instrumento, e Deus o agente.
Fazemos quatro observações. Primeira, quando Paulo escreve que milagres estão entre os dons supernaturais (ver também v. 28,29), ele não está dizendo que todo crente recebe o poder de operar milagres. Ao contrário, ele observa que o dom de milagres era a marca distinta de um apóstolo (2Co 12.12). Depois, o Novo Testamento ensina que, na Igreja Apostólica, Deus efetuava milagres somente para confirmar a mensagem do evangelho (At 6.8; 8.7; 13.6–12; Hb 2.4). Terceira, milagres de curas e poderes miraculosos parecem se sobrepor uma vez ou outra no Novo Testamento,24 embora uma distinção deva ser feita entre milagres na natureza e os relacionados ao corpo humano. E, finalmente, quando a era apostólica chegou ao seu final, os milagres na natureza parecem ter chegado a um fim.
Antes que o cânon fosse fechado, as profecias a respeito do futuro tinham significado temporal (ver At 11.28; 21.11). Os profetas que não prediziam o futuro explicavam e ensinavam as Escrituras ao exortarem os membros das igrejas.
Quando a conduta de algumas pessoas é diferente das normas prescritas na Bíblia, aquelas que têm o dom do discernimento devem agir para tornar evidente a verdade em contraste com a mentira. Uma analogia é um caixa do banco que é capaz de detectar o dinheiro falso porque guardou indelevelmente em sua memória a aparência do dinheiro genuíno. Quando uma nota ou moeda falsa aparece, o caixa o reconhece imediatamente. Do mesmo modo, as pessoas com o dom do discernimento estão cheias do Espírito Santo e reconhecem instantaneamente um espírito de falsidade. Como o caixa usa seu dom para o bem financeiro do banco, assim o homem espiritual usa o seu para a proteção dos irmãos crentes.
A palavra língua pode significar ou uma língua conhecida (At 2.6, 8,11) ou modo de falar (1Co 14.2,4,28); na presente epístola, a palavra pode significar qualquer das duas – o sentido depende do contexto. Na cidade comercial de Corinto, onde visitantes internacionais e residentes temporários eram numerosos e suas várias línguas eram faladas, havia grande procura por tradutores. Por outro lado, a congregação de Corinto também tinha a experiência do falar em línguas. A glossolalia se refere a um ato de culto dirigido a Deus; mas quando outros crentes estavam presentes em Corinto, a mensagem tinha de ser interpretada para o bem dos que assistiam. Para promover a reverência no culto, Paulo exigia que o falar em línguas fosse edificante, inteligível, em ordem e controlado
Note que Paulo usa o termo singular olho, não para chamar a atenção para a parte física da anatomia humana, mas para a competência da pessoa para enxergar. A palavra mão também aparece no singular para expressar a capacidade da pessoa em tocar, pegar, segurar e dar objetos. Nós nos referimos à destreza usando o singular, por exemplo: “mão boa para fazer…”. A palavra cabeça deve ser entendida como sendo a parte coletiva do corpo que reúne em si todos os sentidos e o funcionamento da mente.
O que Paulo está procurando dizer a seus leitores? A lição é esta: um membro da igreja coríntia que tivesse recebido o dom de cura, por exemplo, não deveria sentir-se auto suficiente e dizer aos outros membros: “Eu não preciso de você”. Esse ar de superioridade fere o ensino de Paulo sobre o ser servo (9.19; 2Co 4.5; Gl 5.13). A pessoa que tem o dom da cura precisa do ministério de apoio daqueles que receberam os demais dons espirituais. Resumindo, dentro da igreja todos os membros precisam um do outro com toda sua perícia e habilidade para a edificação mútua
Para ilustrar, os órgãos físicos internos parecem ser fracos porque não estão à vista, contudo todos reconhecem que o corpo não pode funcionar sem eles. Quando um cirurgião remove um órgão interno de seu paciente, em muitos casos o paciente precisa tomar medicamento depois pelo resto da vida para compensar a perda desse órgão.
Quando nós nos referimos às partes inapresentáveis do corpo, nós nos expressamos com modéstia. Paulo não tem nenhuma necessidade de ser específico, porque cada leitor sabe o que ele procura dizer. As partes às quais Paulo se refere são aquelas que é indecente expor e que geram vergonha ou constrangimento. Essas partes não só são tratadas com modéstia, como recebem maiores cuidados.
Deus distribui aos membros da igreja uma variedade de dons projetados para servirem ao conjunto de membros dela. A designação a um cargo ou a atribuição de uma função vem do próprio Deus
b. Sentido. Por que Paulo instrui os coríntios a se esforçarem ansiosamente pelos dons maiores, quando num versículo anterior (v. 11) ele escreve que o Espírito Santo os distribui conforme seu desígnio (ver também v. 18)? Quando Paulo escreve: “Mas ansiosamente desejem os dons maiores”, ele usa o verbo grego zeloo (esforço-me para conseguir algo), que nesse contexto transmite um sentido positivo. Paulo exorta os crentes em Corinto a que alcancem o alvo de receber e desenvolver seus dons espirituais para a edificação da comunidade cristã. O sentido do substantivo grego zelotes, do qual nós temos o derivativo fanático, é ansiar por fazer aquilo que é bom (Tt 2.14; 1Pe 3.13).
Ficamos maravilhados quando alguém desenvolve talentos que não sabíamos que ele ou ela possuía. Quando vemos esse tipo de desenvolvimento, expressamos nossa apreciação e falamos de talentos escondidos. Por exemplo, nós podemos detectar traços hereditários e saber que Deus é o doador desses talentos. De semelhante modo, Paulo fala do Espírito Santo distribuir dons espirituais aos crentes individuais (ver v. 11,18). Mas se Deus nos dá dons escolhidos, como podemos nos esforçar por dons ainda maiores? Parece fora de propósito pedir que Deus dê dons adicionais quando já recebemos os talentos que ele distribuiu.
Paulo diz aos coríntios que, em seu zelo pelos dons espirituais, eles devem “procurar distinguir-se no trabalho de edificar a igreja” (14.12). Na palavra procurar escutamos um eco da palavra de Jesus: “Peçam, e será dado a vocês, busquem e vocês acharão; batam, e será aberto para vocês” (Mt 7.7; Lc 11.9). Deus é soberano e quer que nós nos acheguemos a ele. Ele deseja que lhe peçamos para que ele possa dar-nos livremente os seus dons.
Como beneficiários desses dons espirituais, contudo, nunca nos devemos encher de inveja, nunca nos gabar, nunca ficarmos orgulhosos (13.4). Esses vícios sufocam o amor e negam o propósito de empregar dons espirituais, a saber, a edificação da igreja.